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Aristoteles Kant

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KANT E ARISTÓTELES
DIGNIDADE MORAL
ENTRE
 
ANTIGOS E MODERNOS
Natureza e Cultura
Uma distinção central, na compreensão das distinções entre as perspectivas éticas dos antigos e modernos, corresponde à oposição entre os reinos da natureza e da cultura.
A forma como cada qual compreende a relação entre essas duas esferas define, em grande medida, os referenciais éticos adotados em um segundo momento
Natureza e Cultura
NATUREZA: 
Nesse sentido, Paulo Hamilton Siqueira Jr (SIQUEIRA JR, 2009, p.309) relembra a etimologia da palavra “natureza”, que remonta ao termo latino natura, de natus, particípio passado de nasci, significando literalmente nascer. Desta forma, podemos compreender as referências da literatura a um “mundo natural” como uma remissão a tudo aquilo que nasce alheio à intervenção humana, ou seja, tudo que é simplesmente dado ao homem e não construído por ele, a exemplo dos elementos componentes dos reinos vegetal, mineral e animal.
(SIQUEIRA JR, Paulo Hamilton. Teoria do Direito. São Paulo: Saraiva. 2009.) 
Natureza e Cultura
CULTURA:
Por outro lado, fala-se também em um “mundo da cultura”, termo ambíguo que, segundo o mesmo autor, pode significar tanto a formação da personalidade de um indivíduo (gosto, sensibilidade, inteligência, etc.), quanto o: “(...) o conjunto de representações e dos comportamentos adquiridos pelo homem enquanto ser social. Em outras palavras, é o conjunto histórica e geograficamente definido das instituições características de determinada sociedade, (...)” (SIQUEIRA JR, 2009, p.309, grifo nosso).
Cultura agri – Cultura Animi
Natureza e Cultura
Natureza – Reino da Necessidade – onde tudo é do jeito que é, não podendo ser de outro modo. (Causalidade: tudo é assim, em razão de uma causa)
Cultura – Reino da Contingência – onde tudo é como é, em razão de uma liberdade de escolha, pois poderia ser de outro modo. (Imputação: tudo deve ser assim, porém não necessariamente será) 
Natureza e Cultura
Ponto central: O princípio da necessidade (Princípio de Causalidade) natural possibilita a redução de toda a complexidade e multiplicidade dos elementos naturais a certos padrões gerais. 
Ex: Podemos agrupar certos seres vivos com as características X, Y, Z....no grupo dos “mamíferos” 
Natureza e Cultura
A redução da complexidade nos da a base do conceito filosófico de essência, ou seja, daquelas características que marcam (são “essenciais”) um determinado grupo de seres.
Questão: Poderíamos encontrar algo parecido no reino da cultura? Existiriam essências que nos permitiriam reduzir as condutas humanas a certos padrões gerais determinantes. Ex: o conceito de alma.
 
Natureza e Cultura
A busca por esses padrões “essenciais” da conduta humana constitui desde a antiguidade o objetivo central do pensamento ético. 
Destacando:
 Ética – vem do grego ethos, que virou ethica em latim e em grego significa costume. Teria sido utilizada inicialmente por Homero no sentido de morada. 
(TULIO COSTA, Caio. Moral Provisória. São Paulo: 2008, p.18)
Natureza e Cultura
Ainda: 
Os dois tipos de sons possíveis a partir da vogal “e” em grego, dão origem a significados distintos: 
Ethos – “vogal longa” – significa costume 
ethos – “vogal breve” – significa caráter, índole natural, temperamento, conjunto de disposições físicas e psíquicas de uma pessoa.
(idem, 2008, p.19)
Natureza e Cultura
No mesmo sentido, derivamos o termo moral do latim moralis ou moris, ambos também nos remetendo a costumes. (idem, 2008, p.19)
SIGNIFICADO HOJE 
De modo que, o termo ética, ao ser referido mais para a designação dos sistemas teóricos particulares de cara filósofo, assumiu até hoje um sentido muito mais individualizado, ou seja, ligado as inclinações de cada qual em particular. 
Ao mesmo tempo, a moral normalmente vem percebida como um sistema de regras comuns, relativas a determinada sociedade.
(idem, 2008, p.19-20) 
Natureza e Cultura
Natureza VS Cultura 
Aristóteles VS Kant
IMPORTANTE: Em certo sentido, um dos grandes marcos de ruptura do pensamento ético, que marca a separação entre antigos e modernos, diz respeito à busca de um princípio (fundamento ou “essência”) ético vinculado ou não à natureza. 
Aristóteles
“Aristóteles nasceu em Estagira, na Macedônia em 384 a.C; aos dezoito anos foi para Atenas interessado em estudar filosofia. Filiou-se à Academia de Platão, sendo considerado seu mais brilhante discípulo. Após a morte de Platão (348 a.C) afastou-se da Academia e seguiu seu próprio caminho, vindo a ser preceptor de Alexandre, filho do rei Filipe da Macedônia e futuro conquistador de um grande império. De volta a Atenas, em 335 a.C, fundou a sua própria escola, o Liceu. Aristóteles gostava de lecionar e discutir com seus discípulos dando caminhadas, daí a origem do nome “escola peripatética” (de peripatos, caminho), como também ficou conhecida sua escola.
(MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Filosofia. Zahar: RJ, 2007, p.45)
Aristóteles
Em termos teóricos, podemos dizer que:
“Sua filosofia desenvolveu-se em oposição à da Academia, criticando sobretudo o dualismo dos platônicos que, segundo Aristóteles, estabelecia uma dicotomia insuperável entre a realidade material do mundo natural e a realidade abstrata do mundo das formas.” 
(idem, 2007, p.45)
Aristóteles
O pressuposto de Aristóteles:
Um universo ordenado – um “sistema cósmico”
Entendendo-se por kosmos o oposto de kaos, ou seja, um universo harmonioso porque ordenado e belo (ex: “cosmético”), o que significa dizer, organizado de acordo com certas finalidades.
(MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Zahar: RJ, 1997, p.26)
Aristóteles
Desse pressuposto Aristóteles deriva o conceito de Télos, correspondente ao objetivo ou à finalidade de tudo que existe no mundo natural (“Teleologia” – estudo dos fins). 
IMPORTANTE: Será esse postulado básico de sua compreensão do mundo natural, que Aristóteles aplicará ao plano de Ética, buscando compreender as práticas culturais sempre de um ponto de vista teleológico. 
Aristóteles 
Explicação causal finalista do mundo natural. As coisa encontram sua razão de ser em uma finalidade, um propósito para o qual foram feitas
Ex: 
Um sapo foi feito para comer moscas, 
o vento existe para refrescar, 
A chuva foi feita para fertilizar o solo,
etc...
Aristóteles
“Voltemos agora ao bem que estamos procurando, e vejamos qual a sua natureza. Em um atividade ou arte ele tem uma aparência, e em outros casos outra. Ele é diferente em medicina, em estratégia, e o mesmo acontece nas artes restantes. Que é então o bem em cada uma delas? Será ele a causa de tudo que se faz? Na medicina ele é a saúde, na estratégia é a vitória, na arquitetura é a casa, e assim por diante em qualquer outra atividade, ou seja, o fim visado em cada ação e propósito, pois é por causa dele que os homens fazem tudo o mais. Se há portanto um fim visado em tudo o que fazemos, este fim é o bem atingível pela atividade.”
(ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco. apud MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Ética, Zahar:RJ, 2007, p.39)
Aristóteles
“Já que há evidentemente mais de uma finalidade, e escolhemos algumas delas (por exemplo, a riqueza, flautas ou instrumentos musicais em geral) como meios para algo mais, obviamente nem todas elas são finais; mas o bem supremo é evidentemente final. (...) Parece que a felicidade, mais que qualquer outro bem, é tida como este bem supremo, pois a escolhemos sempre por si mesma, e nunca por causa de algo mais;” 
(ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco. apud MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Ética, Zahar:RJ, 2007, p.39)
Aristóteles
Portanto, como anota Sandel (JUSTIÇA, Civilização Brasileira: RJ, 2015, p.233), para Aristóteles temos que:
“A justiça é teleológica. Para definir os direitos, é preciso saber qual é o télos (palavra grega que significa propósito, finalidade ou objetivo) da prática social em questão.” 
Aristóteles
Portanto, para Aristóteles, perguntar pelamelhor meio de vida para o homem, perguntar pela “vida boa”, é perguntar pela sua finalidade.
Esta será a perguntar central da Ética de Aristóteles. E a vida “será boa” quando tiver cumprido com a sua finalidade cósmica, ou seja, quando tiver cumprido com a sua finalidade dentro do sistema universal. 
Aristóteles
Logo, assim como o vento que venta, o fogo que queima e a água que corre, o homem deve cumprir sua finalidade dentro de um universo maior, pressuposto como harmonioso e organizado. 
IMPORTANTE: Perceber como, desde o início, existe a vinculação da ética com o plano natural. 
Mas como descobrir essa finalidade?: O homem pode descobrir essa finalidade conhecendo a si próprio.
Aristóteles
Como nada é inútil (tudo tem um finalidade) o homem deve se conhecer bem, identificando os seus atributos, para assim conhecer sua finalidade (para quê servem os seus atributos) 
E os atributos que importam, aqueles que definem a finalidade, são aqueles que mais se destacam – “aquilo que você tem de melhor”
Aristóteles
Para aquele “atributo que se destaca”, ou para o que “você tem de melhor”, ou mesmo para o seu “talento natural”, Aristóteles possui uma designação característica, a saber, o autor designa estes elementos como a VIRTUDE de cada indivíduo. Sendo as virtudes humanas dispostas de acordo com as inclinações naturais da alma (nutrição, percepção e intelectual).
Nesse sentido, temos a associação entre:
FINALIDADE - VIRTUDE
 
Aristóteles
Conclusão: conhecendo as virtudes de que você naturalmente dispõe, você pode conhecer a sua finalidade no universo, para então agir de acordo com ela. 
IMPORTANTE: A “vida boa” consiste - 
1 – Em conhecer suas virtudes e, consequentemente, sua finalidade.
2 – Colocá-las em prática, para assim ocupar o seu lugar no kosmos.
Aristóteles
E se a virtude “aponta” o seu lugar no universo (como “mensagem cósmica do universo”), sua vida será tanto mais digna moralmente, quanto mais você desenvolver essa virtude. 
Portanto, em Aristóteles:
Dignidade Moral = Desenvolvimento das Virtudes
Aristóteles
Aquele que não segue suas virtudes, seus “talentos naturais”, vive “mal”, ou seja, se coloca em desacordo com o universo, com a organização do kosmos, e se torna moralmente indigno. 
IMPORTANTE: Sua relação com os outros, ou mesmo a sociedade como um todo, fica em segundo plano, pois o indivíduo já se encontra em falta com a ordem natural – a ordem cósmica. 
Aristóteles
Esse ponto (a vinculação do pensamento ético com virtudes naturais) marca o grande ponto de ruptura entre o pensamento ético dos antigos e o pensamento ético modernos.
Porque os modernos, como Kant, buscaram em grande medida desvincular os postulados éticos de quaisquer relações com determinações naturais. (separação entre natureza e cultura). 
Aristóteles
Consequências marcantes:
1 – O caráter aristocrático da ética da virtude (os “mais” virtuosos tem maior dignidade moral; aqueles que alcançam maior harmonia das disposições da alma – sensitiva, desiderativa e racional)
2 – Incompreensão da noção de igualdade implícita no conceito de humanidade. 
Kant
“Immanuel Kant (1724-1804) formulou uma concepção e filosofia crítica de grande importância para o desenvolvimento posterior da filosofia. Nascido em Königsberg (então Prússia Oriental) Kant passou toda a sua vida nesta cidade, em cuja universidade estudou e da qual tornou-se professor. Inicialmente, Kant formou-se na tradição filosófica racionalista, então dominante nas universidades alemãs. Interessado em ciências e leitor de Rousseau e Hume que, segundo confessou, ‘despertou-me de meu sono dogmático’. Seu objetivo foi então superar a oposição tradicional entre racionalismo e empirismo, bem como as controvérsias infindáveis entre filósofos, colocando a filosofia no ‘caminho seguro da ciência’”.
(MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Filosofia. Zahar:RJ, 2007, p.110)
Kant
Kant, ao contrário de Aristóteles, verá a natureza sempre como o reino das pulsões ou dos desejos que escravizam o homem, porque nunca podem ser controlados por ele. 
Isso porque a finalidade é sempre “externa” ao objeto, ou seja, está sempre além dele. Nesse sentido, se escolho uma bebida para aplacar minha sede, a escolha da bebida é “livre”, mas a sede constitui um desejo que não foi escolha minha. Foi determina pelas leis de uma natureza “exterior”. 
Kant
IMPORTANTE: Aqui se inicia um “descolamento” dos princípios éticos de sua “base” natural, pois as inclinações da natureza podem também “escravizar” o homem
Nessa chave, os talentos naturais como a inteligência ou a excelência física não são bons em si, como pressupunham os antigos, dado que podem ser utilizados para fins deploráveis. 
Ex: o conhecimento extremamente refinado utilizado na produção da bomba atômica. 
Kant
Ao contrário, para Kant, a dignidade moral do homem consiste na vocação de que cada qual dispõe para agir de modo autônomo. Nesse sentido:
AUTONOMIA
VS
HETERONOMIA 
Kant
Para Kant, o Esclarecimento (Aufklärung), que caracteriza o período moderno, significa a saída do homem de sua minoridade, pela qual ele próprio é responsável. A minoridade é a incapacidade de se servir de seu próprio entendimento sem a tutela de um outro.
IMPORTANTE: Pois agir de acordo com um lei externa, ou pela ordem de outro = HETERONOMIA.
Kant
O Problema:
É tão cômodo ser menor. Se possuo um livro que possui entendimento por mim, um diretor espiritual que possui consciência em meu lugar, um médico que decida acerca de meu regime, etc., não preciso eu mesmo esforçar-me.
A Saída:
Sapere aude! – “Ouse saber!” – Tenha a coragem de valer-se do seu próprio entendimento.
Kant
AUTONOMIA: O poder de agir de acordo com uma lei que imponho a mim mesmo - e não de acordo com os ditames da natureza ou de acordo com as convenções sociais.
 - Justamente porque são necessárias, as leis da natureza não permitem que nada haja livremente. 
Ex. Um objeto sempre cai de acordo com a lei da gravidade – não pode cair de outro modo. Os “fins” já estão fixados. 
Kant
De modo que: 
“Eis, portanto, a relação entre liberdade como autonomia e a concepção de Kant sobre moral. Agir livremente não é escolher as melhores formas para atingir determinado fim; é escolher o fim em si – uma escolha que [só] os seres humanos podem fazer (...)” (SANDEL, 2015, p.142)
Essa capacidade (autonomia) estabelece a diferença entre pessoas e coisa – define a “dignidade do homem”
Kant
IMPORTANTE: O critério definitivo de moralidade é a “boa vontade”, ou seja, o “motivo” pelo qual o homem pratica suas ações. 
Quando o motivo e determinado de modo autônomo, a ação será livre e consequentemente a vontade de agir deste modo será “boa”. Caso o motivo seja imposto de modo heterônomo, a vontade não será livre, e a vontade de agir deste modo não será “boa”. 
Kant 
Por fim:
Se agir com autonomia é agir de acordo com uma lei que imponho a mim mesmo, devo reconhecer que a dedução de leis e princípios é determinada unicamente pela razão, o que implica que esta [a razão] também deveria determinar a vontade que, no limite, não seria senão razão prática. 
Kant
Mas:
A vontade nunca é totalmente boa, porque nem sempre age segundo as leis representadas racionalmente (apenas em uma vontade divina o querer e o dever racional poderiam coincidir), de modo que a relação da vontade humana (imperfeita), com as leis racionais que ela deve seguir, se dá em termos de representação de fundamentos da razão.
IMPORTANTE: A razão, via de regra, diz como a vontade deve agir, mas justamente por isso, não significa que a vontade de fato agirá assim. (Distinção entre ser e dever-ser – separação entre NATUREZA E CULTURA)
Kant
O imperativo de Kant:
“Visto que a universalidade da lei, segundo a qual os efeitos ocorrem, constitui aquilo que propriamente se chama natureza no sentido mais universal (segundo a forma), isto é, a existência das coisas na medida em que é determinada segundo leisuniversais, assim o imperativo universal do dever poderia também ser do seguinte teor: age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se mediante tua vontade a lei universal da natureza.”
(idem, 2012, p.123)
Kant
Consequências:
1 – Uma “democratização” da ética, pois todos são moralmente dignos, na medida em que dispõe da mesma capacidade para decidir com autonomia. 
2 – O desenvolvimento do conceito de humanidade, como o conjunto de seres dignos e autônomos.

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