Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Filosofia do Direito Aula 7 - A equidade e igualdade INTRODUÇÃO Nesta aula, estudaremos o conceito de igualdade em sua problematização filosófica. Abordaremos, também, o importante conceito jurídico de equidade. OBJETIVOS Identificar de maneira filosófica o sentido de igualdade; Relacionar o conceito de igualdade com justiça e equidade. O QUE É IGUALDADE? IGUALDADE ENTRE QUEM? EM QUÊ? “A igualdade, como valor supremo de uma convivência ordenada, feliz e civilizada – e, portanto, por um lado, como aspiração perene dos homens vivendo em sociedade, e, por outro, como tema constante das ideologias e das teorias políticas – é frequentemente acoplada com a liberdade”. (Norberto Bobbio. Igualdade e Liberdade) Uma das categorias mais importantes, na história da humanidade, ao lado da liberdade é o conceito de igualdade. Fonte da Imagem: jabkitticha / Shutterstock A dificuldade em construirmos um significado preciso é a mesma que experimentamos ao estudar o conceito de liberdade. Trata-se de um conceito, também, polissêmico. A igualdade também é percebida como um valor, para todos que habitam o gênero humano, por exemplo. Mas o que significa dizer que esta categoria nos força a perceber o horizonte da alteridade? Significa dizer que pressupõe a presença do outro para que a relação de igualdade possa ser vislumbrada. Normalmente, costumamos dizer que somos igualmente livres ou iguais na liberdade e, neste ponto, adverte Bobbio (1996) percebemos que: A liberdade é uma qualidade que temos; A igualdade é uma maneira de estabelecer um determinado tipo de relação com o outro. Por isso não podemos dizer que somos iguais simplesmente. Temos que pensar: iguais em quê? A quem? A ideia de igualdade aparece no cenário político grego da democracia de Clístenes (508 a.C.) como isonomia (igual repartição de poder e riqueza) e isegoria (igualdade do discurso). VOCÊ SABIA? Nas leis (IV), Platão observa a boa igualdade da proporção e da harmonia. Na Ética a Nicômaco, Livro V, Aristóteles observa que pessoas desiguais merecem coisas igualmente desiguais e acrescenta que, no âmbito das igualdades, os critérios são variáveis. Na oligarquia, por exemplo, o critério será a riqueza; em uma democracia, o critério será a liberdade (CANTO-SPERBER, 2013). , Outra observação importante está na relação que o conceito de igualdade possui com o termo justiça. Costumamos dizer que uma “ação é justa” ou “alguém é justo” quando respeita a igualdade. Até mesmo na linguagem comum percebemos a ideia de igualdade no justo meio aristotélico, por exemplo. Quando Aristóteles, na Ética a Nicômaco, utiliza a figura da régua de Lesbos (glossário) para falar de equidade, trabalha a ideia de uma reta com dois extremos e o justo meio, a justa medida equidistante a estes extremos. A outra ideia que também podemos ligar ao sentido de igualdade é a de ordem, equilíbrio e harmonia entre pessoas (BOBBIO, 1996). Com relação a esta ideia de harmonia, os estoicos foram bem interessantes ao relacionar harmonia e igualdade — igualdade proporcional. O cosmo representava a ordem, a harmonia e concedia a cada um o que é seu, o suum cuique tribure, que expressava o sentido máximo da justiça como igualdade. Bobbio (1996) assevera, então, que a ideia de relação é importante para o conceito de igualdade porque lhe confere o sentido de algo justo. Por isso, a igualdade passa a ser algo desejável, um ideal de uma vida justa — um bem social. A igualdade simples entre dois objetos, não é nem justo, nem injusto. Trata-se de um fato. Imaginemos duas margaridas em um jardim, absolutamente idênticas — igualdade como um fato. Todavia, quando passamos para o terreno das relações sociais, surge uma relevância por envolver ações humanas ou omissões, no sentido retributivo, que interferem na esfera da liberdade de outrem, por exemplo, o preço justo de uma mercadoria, a ideia de Talião etc. Bem como a distribuição de bens, vantagens ou desvantagens, no sentido atributivo (BOBBIO, 1996). O conceito de igualdade sempre estará relacionado ao sentido de justiça e liberdade. No campo da reflexão política temos a seguinte máxima: “Todos os seres humanos são iguais” — afirmação que pode parecer genérica demais e vazia e que nos fala de uma igualdade formal. O que significa dizer “todos iguais”? Muitos ordenamentos jurídicos não conferem igualdade a todos. Nem todos têm a mesma oportunidade de vida, bens, direitos etc. O fato é que não há como requerer uma igualdade efetiva entre todos, o que se pretende é que, em uma relação entre pessoas, estas sejam consideradas como iguais em razão de sua dignidade humana. Uma igualdade moral que os contratualistas como Rousseau entenderam possível com o contrato social (BOBBIO, 1996). A IGUALDADE E A LEI Todos são iguais perante a lei ou a Lei é igual para todos, eis uma máxima bem conhecida e que está presente em nossa Constituição de 1988, no art. 5°, bem como em outras constituições estrangeiras, tratados e pactos internacionais. Neste conceito, encontramos um ideal grego antigo de isonomia com todo o seu encanto. Acredita-se que sua recomendação se dirige essencialmente ao Estado, pois enquanto cidadãos somos iguais perante a Lei, essa é a comunis opinio. , Em verdade, sabemos que há distinções relevantes consideradas e outras nem tanto, ambas historicamente construídas. Nesse horizonte, já legitimamos a exclusão política da mulher e justificamos que alguns seres humanos poderiam ser escravizados e vendidos como se mercadorias fossem, por exemplo. Neste ponto, Norberto Bobbio (1996, p. 29-30) sugere uma distinção importante: separar “igualdade perante a lei de igualdade de direito; de igualdade nos direitos e igualdade jurídica”. Vamos ver o que este filósofo nos diz? IGUALDADE DE DIREITO “É usada em contraposição à igualdade de fato, correspondendo quase sempre à contraposição entre igualdade formal e igualdade substancial ou material”. IGUALDADE NOS OU DOS DIREITOS “Significa algo mais do que simples igualdade perante a lei enquanto exclusão de qualquer discriminação não justificada — significa o igual gozo, por parte dos cidadãos, de alguns direitos fundamentais constitucionalmente assegurados”. IGUALDADE PERANTE A LEI “Uma forma específica e historicamente determinada de igualdade de direito ou dos direitos (por exemplo, do direito de todos de terem acesso à jurisdição comum, ou aos principais cargos civis e militares, independentemente do nascimento)”. IGUALDADE JURÍDICA “Entende-se habitualmente, a igualdade naquele atributo particular que faz de todo membro de um grupo social, inclusive a criança, um sujeito jurídico, isto é, um sujeito dotado de capacidade jurídica”. A IGUALDADE DE OPORTUNIDADE A igualdade de oportunidade é considerada como uma das bases do Estado Democrático de Direito. Todavia, denota uma ideia muito genérica se não relaciona a uma situação específica. Devemos pensá-la, ainda, no contexto de sociedades capitalistas em que há grandes desigualdades e uma disputa, muitas vezes, inglória, sobre bens escassos disponíveis. Fonte da Imagem: maxstockphoto / Shutterstock Esse ideal intenciona inserir todos os membros de uma comunidade em condições iguais para disputar os bens necessários à vida — significa pontos de partida iguais para todos, independentemente do credo, da raça, da cor ou qualquer outro elemento contingente. O IGUALITARISMO Considerando a problematização que estamos realizando, na análise do conceito de igualdade, não podemos deixar de mencionar a ideia de um igualitarismo como uma tese em que a igualdade assume um lugar especial acima de qualquer outro valor. E, mesmo nesta tese, devemos sempre perguntar: igualdade entre quem? E em quê? Porque já percebemos que a igualdade exige essa relação com algo. , O que podemos inferir é que até o ideal do igualitarismo máximo pode ser apenas entre alguns. Assim, podemos perceber que a ideia do sufrágio universal ou a igualdade jurídica, por exemplo, é uma espécie de exigência igualitária que carregamos como umideal., , Frequentemente, consideramos, nesta doutrina igualitária, a ideia de seres humanos livres e iguais como membros do gênero humano. Nem todos os pensadores consideram essa igualdade natural como positiva. Thomas Hobbes percebeu nesta dimensão o fato da violência, colocando o ser humano como lobo do outro homem. Existem doutrinas que abraçaram um fundamento naturalista (natureza humana) e outras que partiram em busca de outros fundamentos colocando-a como um bem a ser alcançado, considerando a desigualdade social um mal. O homem é o lobo do homem, em guerra de todos contra todos. (Thomas Hobbes) A EQUIDADE Já vimos que a ideia de igualdade está intrinsicamente relacionada ao sentido de justiça. Vamos agora observar a ideia de justiça como equidade. Segundo Aristóteles, justiça e equidade representam a mesma coisa, embora a equidade signifique algo melhor, superior. O que quis dizer? Observou que o justo é o equitativo, mas não o justo segundo a lei, e “sim um corretivo da justiça legal”. O conceito de equidade foi, portanto, o ápice do pensamento jusfilosófico do mundo antigo, segundo preleciona Mascaro (2010), cujo sentido não será visto no período medieval. Para Aristóteles, a equidade estava acima da mera aplicação da lei e direcionava-se ao bom julgamento em um caso concreto — adaptação do geral ao específico. Comparou, assim, o ofício do juiz ao construtor na Ilha de Lesbos para explicar a equidade como uma justiça superior. VOCÊ SABIA? O pensamento aristotélico foi o responsável pela introdução da ideia de equidade segundo a qual há que se observar as particularidades de uma situação para uma solução justa e sua aplicação no Direito para o bom julgamento. Por quê? Porque observa a necessidade de justiça no caso concreto. Se é correto dizer que o Direito existe para a sociedade, podemos perceber a importância que a equidade adquire para um bom julgamento. Podemos compreender a equidade, portanto, em duas funções distintas: Primeiramente como elemento de integração da norma na hipótese de lacuna na Lei e, Em segundo lugar, como possibilidade de o intérprete corrigir a legislação adaptando-a ao caso concreto (OLIVEIRA, 2012). É claro que a visão positivista enfraqueceu a ideia de equidade ao limitar o papel do juiz como mero aplicador de um direito. Novas percepções, atualmente, superam esse olhar da doutrina positivista e buscam ressignificar o sentido de equidade através da aplicação de princípios e diretrizes, além de normas jurídicas, e que desvelam a ideia de equidade (OLIVEIRA, 2012). ATIVIDADES Leia a reportagem: GIRALDI, Renata. Tarso descarta mudança na lei seca para motoristas. Disponível em: ‹//www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u419353.shtml (glossário)›, acessada em 01/12/2016 e, após, responda a questão: No caso apresentado pelo Ministro Tarso Genro, um possível acolhimento aos argumentos do padre, pelo policial, poderia ter como fundamento a utilização do conceito aristotélico de equidade? Fundamente. Resposta Correta QUESTÃO 1 A ideia de igualdade aparece no cenário político grego da democracia de Clístenes (508 a.C.) como: Autonomia e heteronomia. Isonomia e isegoria. Igualdade e desigualdade. Liberdade e igualdade. Oligarquia e isegoria. Justificativa QUESTÃO 2 https://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u419353.shtml O conceito de equidade foi, portanto, o ápice do pensamento jusfilosófico do mundo antigo, particularmente no pensamento de Aristóteles. Este filósofo entendeu a equidade como: Elemento de integração da norma. A igualdade formal. A igualdade de direito. A correção da lei em face de sua generalidade. A relação entre norma e ordenamento. Justificativa A RELAÇÃO ENTRE NORMA E ORDENAMENTO. Existem concepções que partem da tese da igualdade de todos em tudo. Assim, podemos perceber a ideia do sufrágio universal, por exemplo. Podemos designá-la como: Igualdade de oportunidade. Igualdade entre os iguais. Igualdade de discurso. Igualitarismo. Equidade. Justificativa Glossário RÉGUA DE LESBOS Régua especial de que se serviam os operários para medir certos blocos de granito; por ser feita de metal flexível, podia ajustar-se às irregularidades do objeto; “a régua adapta-se à forma da pedra e não é rígida, exatamente como o decreto se adapta aos fatos” (Aristóteles).
Compartilhar