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RESENHA FOUCAULT "Em Defesa da Sociedade.

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TEORIA GERAL DO ESTADO - UEPG
Discente: Kauanny Hubsch Gross
1º ano - turma NA
Resenha crítica do texto de FOUCAULT, Michel. “Em Defesa da Sociedade.” – “Cap. Aula de 17 de março de 1976” (p.285-316)
O poder sempre fez parte das relações socias, onde o mesmo, consequentemente, busca mecanismos para se sustentar. Michel Foucault em sua aula de 17 de março de 1976 no Collège de France, discorreu sobre as evoluções ocorridas durante os séculos XVII, XVIII e XIX, dos mecanismos de soberania enquanto controle disciplinar, para um controle regulamentar das massas, utilizando da sexualidade e do racismo como elementos de domínio. 
O biopoder que se fez presente até a segunda metade do século XVIII, está fundamentado na teoria clássica da soberania e, têm relação com o direito que o soberano exerce sobre a vida e sobre a morte de seus súditos. O soberano possui o direito de fazer morrer ou de deixar viver, e para tal, se vale da técnica disciplinar do trabalho centrada no controle do corpo - o corpo individual -, mediante os sistemas de vigilância, de hierarquias e de inspeções a fim de maximizar forças e extraí-las. Essa forma de disciplina que se valia sobre o indivíduo, segundo Foucault, era regida da multiplicidade dos homens na medida em que a mesma podia e deveria redundar em corpos individuais, estes que deveriam ser punidos, vigiados e treinados.
No fim do século XVIII surge uma nova técnica, não excludente da primeira, mas sim, complementar. Essa nova técnica se dirige para o homem-espécie, de forma que não o resume mais a apenas corpos individuais e, sim, à uma massa global que é afetada pelo nascimento, a morte, a produção, a doença e tantas outras questões que giram em torno da vida humana. Para esse novo método, Foucault dá o nome de “Biopolítica” da espécie humana, o que seria nada mais que a prática dos biopoderes tendo a população tanto como alvo quanto como o instrumento. 
Os primeiros controles por meio da biopolítica foram os dos processos de natalidade, de mortalidade, de longevidade e de morbidade. Esses fenômenos trouxeram a implantação de uma medicina reguladora, a qual exerce função na higiene pública, na centralização da informação e na medicação da população. A biopolítica lida com a população e trata dos fenômenos coletivos e de série, os econômicos, políticos e biológicos que estão em plena relação com a massa. 
Ao contrário da soberania que possuía na disciplina do corpo o pilar do seu poder, a biopolítica estabelece mecanismos reguladores de massas e dos eventos que podem vir a ocorrer com as mesmas e, por meio destes, procura fixar um equilíbrio e estabelecer uma segurança do conjunto em relação aos seus perigos internos. Desta forma, percebe-se a passagem do antigo fazer morrer ou deixar viver, para o novo fazer viver e deixar morrer. 
A morte que é parte do biopoder que foi exercido pelo soberano e que nessa evolução passou a ser regulado pela biopolítica. No biopoder soberano à morte era a representação do mais absoluto poder, sendo ritualizada e vista como um momento de passagem de um poder para outro, do direito da vida eterna ou da condenação eterna; já na tecnologia de regulamentação, ela se torna o limite do poder e, nesse caso, o poder intervém para prolongar a vida, evitar quaisquer eventualidades e acidentes. Michel exemplifica essa diferença utilizando-se da morte de Francisco Franco Bahamonde, o ditador espanhol que durantes décadas assassinou milhares de pessoas com base no direito soberano e que, posteriormente, precisou da intervenção da medicina provida do biopoder político para se manter vivo.
O mecanismo da disciplina e o mecanismo regulamentador não estão no mesmo nível, porém, os mesmos não se excluem e podem ser agregados um ao outro, como é o caso da polícia e da cidade operária que além de aparelhos disciplinares sobre o corpo e o indivíduo, atuam também como dispositivo de Estado, uma vez que se incidem sobre a população em forma de regras de higiene, em sistemas de segurança, na escolaridade, na pressão da sexualidade etc. 
A sexualidade é um dos elementos de controle chave na compreensão do poder e do domínio e, segundo a teoria da degenerescência, a sexualidade é tanto um comportamento corporal individualizante que depende da vigilância, quanto um processo biológico que diz respeito a constituição da família e da população. Para a medicina do século XIX, um dos importantes elementos de intervenção e que incide ao mesmo tempo sobre o organismo e sobre os processos biológicos, a sexualidade quando indisciplinada e irregular manifesta efeitos negativos e punitivos ao corpo, desta forma, uma criança que se masturba demais será muito doente no plano corporal e, se a mesma for perversa e devassa, logo então, irá surtir efeitos no plano da população. Para Foucault, o que permite aos mecanismos de intervenção atuar sobre o individuo e a massa é a norma, pois, segundo o mesmo “A sociedade de normalização é uma sociedade em que cruzam conforme uma articulação ortogonal, a norma da disciplina e a norma da regulamentação” (FOUCAULT. 2005, p.302). 
Os paradoxos do biopoder na sociedade de normalização, ao chegar em seu limite de exercício ultrapassam a soberania humana. O poder atômico configura-se no poder soberano de matar, além disso, seu poder também está relacionado com um biopoder de matar a própria vida. Ou seja, esse poder pode suprimir a vida. Desta forma, pode-se dizer que a utilização do poder atômico é soberano, entretanto, o mesmo quando em excesso pode ser compreendido como um biopoder, já que, neste biopoder o homem detém a possibilidade técnica e politica de fabricar algo, podendo isso ser algo vivo ou monstruoso. Michel Foucault relaciona a questão da atuação do biopoder atômico com o racismo e, desta forma, afirma que “[...] Ele existia há muito tempo. [...] O que inseriu o racismo nos mecanismos do Estado foi mesmo a emergência desse biopoder.” (FOUCAULT. 2005, p. 304). 
Para Michel, os temas do evolucionismo são um dos discursos de grande influência que levaram a morte de civilizações, as guerras e as relações colonizadoras e, é nesse contexto que o racismo aparece. Seguindo está linha de raciocínio, o racismo seria primeiramente, uma forma de defasar e fragmentar, com base no meio biológico, um grupo em relação aos outros. Sua outra função discorrida pelo autor e professor, seria a da “purificação”, de forma que o enfrentamento das raças faria com que as inferiores desaparecessem, restando apenas a mais pura e mais sadia. Utilizado como instrumento do biopoder de um Estado assassino, o racismo é a maneira mais assegurada numa sociedade de normalização de tirar a vida da própria espécie ou da raça.
O racismo moderno para Foucault não estaria ligado a ideologias e nem a mentalidade, mas sim, à tecnologia do poder. “[...] os Estados mais assassinos são, ao mesmo tempo, forçosamente os mais racistas.” (FOUCAULT. 2005, p. 309). O funcionamento do Estado se dá por meio da utilização das raças e da eliminação e purificação das mesmas, e dessa forma, o biopoder implica na ativação do racismo. A Alemanha Nazista segundo o autor, foi o mais disciplinar e ao mesmo tempo, o Estado em que mais se fez valer das regulamentações biológicas. Assim como procurou a destruição das outras raças, o regime também expos seu povo ao perigo absoluto da morte, de forma que, acreditava-se que após a exposição universal, a raça poderia ser regenerada superiormente as demais. O regime nazista configurou a existência de um Estado racista, assassino e suicida. 
Conforme dito por Michel, o racismo assim como a sexualidade são mecanismos de controle e, que atuam em todos os Estados, sendo o principal deles o Estado Socialista. O socialismo segundo Foucault é tão racista quando o Estado Moderno e o Estado Capitalista. Entretanto, o exercício do direito de matar ou o direito de eliminar e desqualificar, no socialismo não são ligados puramente ao racismo étnico, mas sim, ao evolucionista e biológico. O racismo ressurgiu no pensamento socialista, que era muito ligado aobiopoder, de forma a eliminar o inimigo interno da sociedade: o capitalismo. Esta forma de eliminação, quando tratada apenas do ponto econômico não se trata puramente do racismo, mas, quando se parte para a luta de classes, a utilização do racismo se faz presente. Conforme analisado por Michel Foucault, o racismo introduzido desde o século XVIII como mecanismo de controle Estatal, ainda é a forma do biopoder regulamentar a vida e ainda sim exercer os direitos de assassínio e o direito da morte. 
Opinião crítica do discente
Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS, 2020), o primeiro caso da SARS2- CoV2 foi registrando em Wuhan, na China, em dezembro de 2019 e, se manifestou pela primeira vez no Brasil em fevereiro de 2020. Até o presente momento mais de 500 mil brasileiros perderam a vida para a Covid-19.
Segundo Yuval Noah Harari, “Para derrotar uma epidemia, as pessoas precisam confiar nos especialistas, os cidadãos precisam confiar nos poderes públicos e os países precisam confiar uns nos outros.” (HARARI. 2020, p. 23). Enquanto todos os outros países estavam seguindo as recomendações da Organização da Saúde e realizando ações para o controle e combate da doença, no Brasil, o governo tratava com negacionismo e ignorava todos os protocolos de isolamento, negligenciava a compra de vacinas e investia em tratamentos precoces sem procedentes, exercendo assim os direitos de assassínio e a função da morte. 
Em seu artigo sobre a crise do coronavírus, Sara da Silva Freitas e Tábata Berg destacam que “A alta letalidade da SARS2- CoV2 entre os idosos e os modos de enfretamento político-sanitários escancaram uma contradição fundamental do sistema metabólico do capital: o caráter descartável das populações não produtoras.” (FREITAS E BERG. 2020, p. 82). Deste modo, percebe-se que desde o começo da pandemia a preocupação do Estado foi toda voltada para com a economia e, se comparado com os demais países, o Brasil não realizou de fato nenhum ato que surtisse efeito com relação ao combate à doença, visto que o sistema de isolamento adotado, o qual deixaria apenas os grupos de risco em casa, teve efeito contrário ao esperado, levando o país a uma crise de saúde pública e também econômica. 
A urgência em tentar salvar o maior número de vidas deveria ser prioridade deste Estado regulamentador. Contudo, a doença surge como mais um mecanismo de controle e submissão. A biopolítica, que por meio da medicina atua diretamente na população para evitar perigos e prolongar a vida, é neste momento, desacreditada e invalidada. Segundo apontado por Ítalo do Nascimento Oliveira Borba, “Temos uma soberania biopolítica organizada a partir da possibilidade de morte considerável de uma parcela da população pela Covid-19, sob o pretexto da racionalidade econômica.” (BORBA. 2020, p. 7).
 A CPI da Covid, que está ativa e tem como objetivo investigar irregularidades em contratos, fraudes em licitações, superfaturamentos, desvios de recursos públicos e a atuação de empresas de fachada envolvendo repasses federais para estados e municípios no enfrentamento ao coronavírus, exemplifica bem o fazer viver e deixar morrer discorrido por Foucault, uma vez que mesmo tendo na biopolítica a função de proteger a vida, o governo brasileiro escolheu sacrificar seu povo e deixar o país em caos. 
Referências
FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Sociedade. 4°. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 285–316.
FREITAS, Sara da Silva de; BERG, Tábata. Deixar Viver, Deixar Morrer: Biopoder e Necropolítica em tempos de pandemia. ResearchGate. [S. l.], 2021. p. 82. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/350432307_deixar_viver_deixar_morrer_biopoder_e_necropolitica_em_tempos_de_pandemia. Acesso em: 16 ago. 2021.
HARARI, Yuval Noah. Notas sobre a pandemia: E breves lições para o mundo pós-coronavírus (artigos e entrevistas). 1°. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. p. 23.
ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE. Folha informativa sobre COVID-19: Perguntas e respostas. OPAS. [S. l.], 2020. p. 1-1. Disponível em: https://www.paho.org/pt/covid19. Acesso em: 16 ago. 2021. 
BORBA, Ítalo do Nascimento Oliveira. Biopolíticas e Covid-19: um esforço para entender o Brasil. Revista Internacional de Filosofia, [S. l.], 29 jul. 2020. p. 7. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/voluntas/article/view/43904. Acesso em: 16 ago. 2021.

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