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8 INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988 foi moldada e inspirada pela base histórica de reabertura da vida democrática, momento em que estávamos sendo liberados de um longo tempo de restrições ao uso dos instrumentos do Estado do Direito em nosso país. A empolgação e o desejo de reabilitar todos os direitos do cidadão livre, trouxe alguns ganhos extremamente positivos, porém, essa abertura trouxe também outras conseqüências, como a maior criminalidade e a banalização da vida. Assim, a lei máxima reconhece a instituição do júri. Essa ordem pode ser encontrada no artigo 5º, inciso XXXVIII1 da Constituição Federal de 1988. O Tribunal do Júri sofreu na legislação brasileira as imposições políticas (ditadura X democracia), ora constando na Constituição Federal, ora sendo desta excluída. Finalmente, foi reconhecido o seu caráter de garantia fundamental, passando a figurar no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, no seu artigo 5º, XXXVIII da atual Constituição. Não se pode negar a necessidade de questionar a estrutura, funcionamento, organização, efeitos, resultados, eficácia e a eficiência do Tribunal do Júri, tendo-se por objeto de estudo a própria instituição em uma análise histórica. Há que se debruçar sobre o Tribunal do Júri uma visão crítica, não adstrita somente aos lindes jurídicos. Face à banalização do crime, este explicado como fato natural da sociedade, discute-se as causas e roga-se por medidas eficazes que solucionem a problemática, beneficiando o convívio social. Feitas estas considerações iniciais, o presente estudo discorreu sobre os crimes dolosos contra a vida analisando o Tribunal do Júri face a estes crimes. Tendo a vida valor constitucional supremo, foi fundado um Tribunal específico para julgar crimes que o violassem, mediante circunstâncias subjetivas. Especificados no capítulo que trata do conceito do Tribunal do Júri, são eles: homicídio, induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, o infanticídio e o aborto, em suas modalidades tentadas ou consumadas. 1 Art. 5º, inciso XXXVIII CF/88: é reconhecida a instituição do júri, com organização que lhe der a lei, assegurados: a) – a plenitude de defesa; b) – o sigilo das votações; c) – a soberania dos veredictos; d) – a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida. 9 Assim, concebe-se que a soberania do tribunal do júri é indispensável ao cumprimento de etapas no julgamento dos crimes dolosos contra a vida, influindo diretamente na possível, e não na definitiva, certeza a respeito das constatações do presente estudo. 10 1 DOS CRIMES CONTRA A VIDA Em nosso ordenamento, mais precisamente na Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro - Decreto-lei n° 3.914/41 - tem-se a seguinte definição de crime: Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. Assim, temos que o crime, [...] sob o prisma formal, é citado como sendo o fato humano contrário à lei ou qualquer ação legalmente punível, dentre outras, em que tais definições abordam apenas a contradição do fato a uma norma de direito, ou seja, sua ilegalidade como fato contrario à norma penal, sem "atingir" sua essência. Sob o prisma material, o crime afeta o bem protegido pela lei penal, em outras palavras, é a candura humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal2. Para que haja crime, é necessária uma conduta humana positiva - que é a ação em sentido estrito - ou negativa - que é a omissão, e que esta seja típica, estando descrita na lei como uma infração penal. Mirabete3 ensina que, os Direitos que mais ajudaram na evolução histórica foram o Germânico, o Canônico e o Romano. Em Roma, a morte ocasionada por terceiro, este teria a mesma punição. No Direito Germânico a punição era dividida em duas partes, uma ao Estado e outra aos parentes da vitima. No Canônico, distinguia-se o homicídio doloso do casual e qualificava-se o cometido com relação de parentesco. Com o passar dos tempos todos os povos passaram a proteger a vida, pois esta é o bem mais importante que temos. 1.1- Do homicídio O crime de homicídio está previsto em nosso Código Penal no artigo 121, assim descrito: “Art. 121 Matar alguém: Pena: reclusão, de seis a vinte anos”. 2 SILVA, Guilherme Oliveira Catanho. A responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos. Edição 43, Maio/Agosto, 2005, p.567. 3 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2001, v.2, p. 61. 11 O homicídio, já era punido desde os tempos mais remotos, e assim Carrara4 apud Mirabete menciona: “A destruição do homem injustamente cometida por outro homem”. Demonstrando a diferença entre os crimes de aborto e homicídio Custódio5 apud Mirabete esclarece: Como a eliminação da vida humana endo-uterina caracteriza o crime de aborto (art. 122 ss do Código Penal ), poder-se-ia definir o homicídio mais precisamente como a eliminação da vida humana extra-uterina praticado por outrem. O homicídio ocorre quando a vida humana encontra-se extra-uterina e o aborto endo-uterina. O homicídio nada mais é do que a eliminação da vida humana, ou melhor, a destruição da vida humana por outro homem de forma injusta e inexplicável. Ainda diferenciando o homicídio do aborto e do infanticídio Mirabete6 ensina que: O homicídio diferencia-se do aborto porque este só pode ocorrer quando a conduta é exercida antes do inicio do parto, e do infanticídio, pela circunstância de que neste o sujeito passivo é o que está nascendo ou o recém nascido e a agente é a mãe, que atua sob o estado puerperal. A vida humana, destruída por outrem caracteriza o homicídio. Desta forma a vida é bem mais precioso que temos, cuja proteção é de ordem constitucional (art. 5º da CRFB). Assim, todas as pessoas têm direito de proteção à vida desde a sua concepção, pois se interceptada intrauterina configura aborto e se obstruída extra- uterina configura o crime de homicídio. No homicídio como sendo um crime comum, este pode ser praticado por qualquer pessoa, pode porém vir associado a meios de execução, como arma de fogo, veneno, engenhos mortais, entre outros. A figura passiva no crime de homicídio pode ser qualquer pessoa, como relata Noronha7: “É o indivíduo, ser vivo, nascido de mulher ou que está nascendo”. 4 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit, p.61. 5 Ibid, p. 62. 6 Ibid, p. 77. 7 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 1973, v.2, p. 17. 12 A figura passiva no homicídio pode ser qualquer pessoa, independente de idade, sexo, raça, condição social, porém deve-se cuidar para não confundir este crime com os demais crimes, como infanticídio e aborto. O homicídio pode ser doloso ou culposo. Sendo doloso, o agente age com o intuito de matar, porém no homicídio culposo o agente age com negligencia, imperícia ou imprudência. O dolo do homicídio é à vontade de agir, matar, assim descrevendo Mirabete8: O dolo do homicídio é a vontade consciente de eliminar uma vida humana, ou seja, de matar (animus necandi ou occidenti), não se exigindo nenhum fim especial. A finalidade ou motivo determinante do crime pode, eventualmente, constituir uma qualificadora (motivo fútil ou torpe), ou uma causa de diminuição de pena (relevante valor moral ou social. Nos casos em que o homicídio fora praticado por relevante valor moral ou social, estes são tidos como homicídiosprivilegiados, como ensina Jesus9: O art.121, parágrafo 1º, do Código Penal, descreve o homicídio privilegiado como o fato de o sujeito cometer o delito impelido por motivo de relevante valor social ou moral, sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. Nestes casos, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. O homicídio privilegiado não se constitui em um crime autônomo, porém é caso de diminuição de pena, em razão das circunstâncias que motivaram o delito. Esta redução de pena é uma faculdade que dispõe o julgador, neste sentido está a corrente majoritária. Estas causas de diminuição de pena ocorrem, pois estão relacionadas diretamente ao motivo que levou o autor a praticar o crime. Contudo o agente deve- se utilizar dos meios necessários e agir logo em seguida (imediatamente), não podendo retardar a agressão, assim como descreve Mirabete10: Exige-se que o crime deve ser cometido logo em seguida à provocação da vitima, embora não seja possível determinar a priori o tempo dessa duração. Não se configura o privilégio quando se verifica um hiato, um intermezzo entre a provocação e o crime, que só será privilegiado se ocorrer enquanto durar a exasperação do agente. Só assim, pode-se dizer que ocorreu logo após a provocação. 8 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit, p. 64. 9 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 3 ed. São Paulo: Saraiva. 1978, v.1, p.57. 10 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit, p. 64. 13 Nossos tribunais têm entendido que se o agente após a provocação se dedicar a outros afazeres ou deixar de agir momentaneamente e somente agir posteriormente, este não estará mais inserido nas causas de diminuição de pena. Em relação ao homicídio, tem-se os casos de diminuição de pena, como foram demonstrados, porém há de se ressaltar que existem também as formas qualificadas do homicídio, que resultam em uma pena muito mais severa que a do homicídio simples, sendo estabelecidas de 12 (doze) a 30 (trinta) anos, de reclusão, assim como descreve Mirabete11: São casos em que os motivos determinantes, os meios empregados ou recursos empregados demonstram maior periculosidade do agente e menores possibilidades de defesa da vítima, tornando o fato mais grave do que o homicídio simples. Como demonstrado o homicídio possui varias formas, podendo ser privilegiado, qualificado, tanto como sendo culposo, amplamente previsto no artigo 121, parágrafo 3º do Código Penal, Maggiore apud Mirabete12 esclarece: Culpa é a conduta voluntária (ação ou omissão) que produz um resultado antijurídico não querido mas previsível, ou excepcionalmente previsto, de tal modo que podia, com a devida atenção, ser evitado. Para que ocorra um homicídio culposo, o agente agiu com falta de atenção ao cuidado objetivo, como descreve Jesus13: É evidente, deste modo, que toda vez que o agente atua com imprudência, negligencia ou imperícia, inobserva o cuidado objetivo exigível nas circunstâncias em que o fato ocorreu e acarreta, em razão desta inobservância, um resultado a que se atribui um caráter penal, tipificando uma infração culposa. No homicídio culposo o agente poderia prever o fato, havendo uma possibilidade nas circunstâncias em que se encontrava de manter uma maior atenção, assim evitando o ocorrido, ou evitando a conseqüência da ação. No tocante à negligência, imprudência e imperícia, Silva14 esclarece: Negligência exprime a desatenção, a falta de cuidado ou de preocupação com que se executam certos atos, em virtude dos quais se manifestam resultados maus ou prejudicados, que não adviriam se mais atenciosamente ou com a devida precaução, aliás ordenada pela prudência fossem executados. A negligência evidencia-se pela falta decorrente de não se acompanhar o ato com atenção com que deveria ser acompanhado. É a 11 Ibid, p. 69. 12 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit, p. 77. 13 JESUS, Damásio E. Op. cit, p. 71. 14 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 553. 14 falta de diligência necessária a execução do ato. Diferenciando-se da imprudência, pois esta é mais que a falta de atenção, é a imprevidência acerca do mal, que se devia prever. E a imperícia é o que se fez sem conhecimento da arte técnica, com o qual se evitaria o mal. Como se prevê nas formas diversas de qualificação do homicídio culposo que a negligência pode ser tida como inércia ou inatividade do agente, assim como a imperícia relaciona-se com a arte a profissão, deixando o agente a desejar perante a regra técnica. Entretanto a imprudência é a falta de cautela do mesmo. Nos crimes culposos, mais precisamente no homicídio culposo, situado no parágrafo 3º do artigo 121, o agente não quer o resultado, porém este da causa ao resultado, quando age por imprudência, imperícia ou negligência. 1.2- Induzimento, Instigação ou Auxílio ao Suicídio O crime de induzimento, instigação ou auxilio ao suicídio está previsto no artigo 122, do Código Penal: “Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxilio para que o faça”. A auto-eliminação, ou a eliminação direta da própria vida, enfim a destruição deliberada da própria vida é tida como suicídio. O Direito Penal não considera crime o suicídio, desde que o autor haja sozinho, sem o auxílio de terceiros. No caso de ocorrer o auxilio de outrem, quem o auxiliou responderá pelo crime descrito no artigo 122 do Código Penal. Como em todos os crimes contra a vida, o bem protegido é a vida humana. No crime de induzimento ao suicídio, qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo, excluindo-se o próprio suicida. O sujeito ativo passivo no crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, é o ser humano capaz de ser induzido, porém deve-se analisar se o sujeito não é inimputável, pois se isto ocorre estaremos diante de homicídio, como descreve Mirabete15: É sujeito passivo o homem capaz de ser induzido, instigado ou auxiliado, ou seja, aquele que tenha alguma capacidade de resistência a conduta do sujeito ativo. Quando o suicida é inimputável ou menor sem compreensão, não ocorrerá o delito em estudo, diante da capacidade de resistência nula da vítima, mas um homicídio típico. 15 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit, p. 83. 15 Para que se trate de suicídio, o agente precisa ter a intenção de se matar, contudo se houver auxílio, aquele que favoreceu ou instigou será punido. A diferença entre induzimento e o ato de instigar é demonstrada por Mirabete16: Embora o induzimento e a instigação sejam situações semelhantes, pode- se distinguir o ato de induzir, que traduz a iniciativa do agente, criando na mente da vítima o desejo do suicídio quando ainda não pensara nele, do ato de instigar, que se refere à conduta de reforçar, acoroçoar, estimular a idéia preexistente de suicídio. O agente que praticar duas ou mais condutas, responderá somente por um delito, porém este agirá com dolo mais intenso, mas, para que isto ocorra, é necessário à morte do suicida, pois o resultado é imprescindível para que ocorra o crime. Se ocorrer apenas lesões este responderá pelo crime definido no artigo 129 do Código Penal. O dolo contido neste delito é a vontade do agente de induzir, instigar ou auxiliar a vítima a cometer suicídio, assim como descreve Noronha17: É a vontade livre e consciente de induzir, instigar ou auxiliar outrem a suicidar-se, com o fim de que este se efetive. No induzimento, instigação ou auxilio ao suicídio não há que se falar na forma culposa, assim como prevê Mirabete18: Não é cabível a forma culposa do crime de participação do crime em participação ao suicídio nem se configura o homicídio culposo quando o agente, por culpa, faz com que alguém se suicide. Assim como fora demonstrado o suicídio não é cabível na forma culposa, mas, deve-se ressaltar que existem agravantes, como descreve Noronha19:Aumenta a pena à lei se o crime for cometido por motivo egoístico. Egoísmo é o excessivo amor ao interesse próprio, sem consideração pelo dos outros. Age com egoísmo quem impele outrem ao suicídio, para casar com a viúva, receber a herança, ocupar o cargo que o induzido exerce. Também ocorre se a vítima é menor ou tem diminuída a capacidade de resistência. Quanto à menoridade, o artigo não diz qual será. O Código Italiano agrava a pena se o delito for praticado contra menor de 18 anos e maior de 14; se ele ainda não atingiu os 14 anos, o delito é homicídio (art. 580, 2a parte). 16 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit, p. 83. 17 NORONHA, E. Magalhães. Op. cit, p. 38. 18 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit, p. 86. 19 NORONHA, E. Magalhães. Op. cit, p. 38. 16 Os doutrinadores têm se baseado em outros códigos, assim como o Italiano e sugerem que a menoridade se enquadre no agente que obtiver entre 14 e 18 anos, caso este tenha idade inferior, estamos diante de homicídio, porém esta idéia é relativa, valendo-se apenas como sugestão. 1.3- Aborto O crime de aborto está previsto nos artigos 124 a 128 do Código Penal. O art. 124 está descrito: ”Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho promove”. Enquanto os demais artigos trazem o aborto com o consentimento da gestante (art. 126), e sem o consentimento da gestante (art.125), e o aborto necessário (art. 128). O aborto ou abortamento como é reconhecido pelos doutrinadores, é o ato de interrupção da gravidez, como prevê Damásio de Jesus20: Aborto é a interrupção da gravidez com a conseqüente morte do feto (produto de concepção), porém a palavra abortamento, tem maior significado técnico que aborto. Aquela indica a conduta de abortar; esta, o produto da concepção cuja gravidez foi interrompida. Em concordância, a respeito do significado de aborto e abortamento, Mirabete21 menciona: Preferem alguns o termo abortamento para a designação do ato de abortar, uma vez que a palavra aborto se referia apenas ao produto da interrupção da gravidez. Outros entendem que o termo é legal-aborto- é melhor, quer porque está no gênio da língua dar preferência às formas contraídas, quer porque é o termo de uso corrente, tanto na linguagem popular como na erudita, quer, por fim, porque nas demais línguas neolatinas, com exceção do Francês, diz-se aborto. Neste artigo como nos demais inseridos no capítulo dos crimes contra a vida, o bem protegido é a vida humana. Ocorre que no crime de aborto protege-se a vida humana em formação, ou seja, a chamada vida intra-uterina, como explica Mirabete22: Tutela-se nos artigos em estudo a vida humana em formação, a chamada vida intra-uterina, uma vez que desde a concepção (fecundação do óvulo) 20 JESUS.Damásio E. Op. cit, p. 111. 21 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit, p. 93. 22 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit, p. 93. 17 existe um ser em germe, que cresce, se aperfeiçoa, assimila substâncias, tem metabolismo orgânico excluso e, ao menos nos últimos meses de gravidez, se movimenta e revela uma atividade cardíaca, executando funções típicas de vida. Protege-se também a vida e a integridade corporal da mulher gestante no caso do aborto provocado por terceiro sem seu consentimento. No aborto tem-se como sujeito ativo a própria gestante ou um terceiro. Como ressalta Noronha23: A primeira é do auto-aborto, a gestante pratica em si mesma, se um terceiro auxilia, será co-autor do crime. O sujeito passivo, conforme a doutrina relata é somente o feto, se ocorrer auto-aborto. Porém o aborto pode ser provocado por terceiros, sem o consentimento da gestante, desta forma a vítima seria o feto e a mulher, como descreve Jesus apud Mirabete24: O sujeito passivo é o feto, ou seja, o produto da concepção, recordando-se que a lei civil resguarda os direitos do nascituro (art. 4º do CC). Não é o feto, porém, titular de bem jurídico ofendido, apesar de ter seus direitos de natureza civil resguardados. Sujeito passivo, portanto, é o Estado ou a comunidade nacional. Vítima também é a mulher quando o aborto é praticado sem o seu consentimento. O aborto pode ocorrer em qualquer fase da gestação, não há necessidade de ser considerado feto ainda. Somente é desconsiderado aborto com o parto. Assim, para ser considerado aborto, deve-se ocorrer a interrupção da gravidez, como diz Mirabete25: ”O objeto material do delito é o produto da fecundação, ovo, embrião ou feto”. Também responderá pelo aborto, aquele que agredir uma pessoa sabendo que esta se encontra grávida. O agente que praticar tal crime responderá pelo crime de aborto e lesão, em concurso formal. Considera-se o aborto apenas na forma dolosa, pois, não existe aborto na forma culposa, como descreve Damásio26: O aborto só é punível a título de dolo, vontade de interromper a gravidez e de causar a morte do produto de concepção. Não existe o crime de aborto culposo. 23 NORONHA, E. Magalhães. Op. cit, p. 58. 24 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit, p. 94. 25 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit, p. 94. 26 JESUS, Damásio E. Op. cit, p. 115. 18 Os meios utilizados para a pratica do aborto são muitos, contudo, poderá ocorrer crime impossível, caso a mulher não esteja grávida ou o feto já esteja morto. Segundo Mirabete27 os meios mais utilizados são: Os processos mais utilizados podem ser químicos, orgânicos, físicos ou psíquicos. São substâncias que provocam a intoxicação do organismo da gestante e o conseqüente aborto o fósforo, o chumbo, o mercúrio, o arsênico (químicos), e a quinina, a estricnina, o ópio, a beladona, etc, (orgânicos). Os meios físicos são os mecânicos (traumatismo do ovo com punção, dilatação do colo do útero, microcesária), térmicos (bolsas de água quente, escalda-pés), ou elétricos (choque elétrico por máquina estática). Os meios psíquicos ou morais são os que agem sobre o psiquismo da mulher (sugestão, susto, terror, choque moral entre outro). Em consoante com as diversas formas e meios utilizados para abortar, deve- se analisar se somente ocorreu o aborto, pois se além do aborto a gestante veio a sofrer conseqüências em relação deste, como lesão corporal grave, ou às vezes ocorrendo até a morte a pena poderá ser aumentada de um terço ao dobro. Mas se a lesão que ocorreu foi necessária para o aborto, esta não é tida como qualificadora, e sim, como conseqüência normal do fato. Destarte, essas qualificadoras somente ocorrem nos crimes descritos nos artigos 125 e 126, como prevê Jesus28: As formas qualificadas são aplicáveis exclusivamente aos crimes descritos nos arts. 125 e 126 do CP. Não se aplica ao aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento do art. 124, uma vez que a legislação penal brasileira não pune a auto-lesão. O aborto conforme praticado pode-se eximir de uma possível pena. Este deve ocorrer somente em razão de uma gravidez proveniente de estupro ou se não há outro meio para que se salve a vida da gestante. Também conhecidos como aborto ético ou humanitário. Jesus29 ainda esclarece: O aborto necessário só é permitido quando não há outro meio de salvar a vida da gestante. Assim, subsiste o delito quando provocado a fim de preservar a saúde. 27 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit, p. 95. 28 JESUS, Damásio E. Op. cit, p. 119. 29 Ibid, p. 121. 19 O CP também permite a pratica do aborto no caso de resultar a gravidez de estupro e preceder o consentimento da gestante ou, quando incapaz, do seu representante legal (art. 128, II). O médico que praticar o aborto decorrente de estupro deve seguir as condutas de seu código de ética, porém, este responderá por aborto se for induzido a erro. Mas deve-se analisar as provas existentes e estas precisam ser contundentes para que o aborto se realize, diante disto, não é necessário sentença condenatória contra o autor do estupro e nem mesmo autorizaçãojudicial, como prevê Magalhães Noronha30: Caso, entretanto, não tenha havido realmente estupro, apesar das aparências em contrário, a boa fé do médico o isenta de culpa, respondendo a mulher pelo delito contido no artigo 124, 2a parte. Mas a punição é inquestionável em caso de aborto social ou econômico ou para preservar a vida da gestante (nesse caso não seria o necessário, permitido..) Assim, o aborto muitas vezes é permitido por lei. Mas se foi praticado através de meios e formas ilegais, o agente que o praticou, tanto a própria gestante como um terceiro se auxiliar, terá concedido o crime, sendo punido conforme estabelecido em lei. 1.4 Infanticídio O Código Penal brasileiro define o crime de infanticídio, no seu artigo 123, trazendo em sua redação: “Art. 123. Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após.” Como pode-se notar através do caput do artigo 123, temos dois conceitos que devem ser descriminados para melhor entendimento da matéria. O primeiro é o ato de matar, ou seja, de tirar a vida de alguém. Mas para que ocorra o infanticídio, o recém-nascido deve respirar, como afirma Muakad31: O feto nascente tem todas as características do feto nascido, menos as que demonstram a faculdade de ter respirado. A forma criminosa durante o processo da parturição é mais rara, e a demonstração de que o feto estava vivo no momento em que a mãe praticou contra ele a violência é a condição indispensável para que se possa falar de crime de infanticídio. 30 NORONHA, E. Magalhães. Op. cit, p. 63. 31 MUAKAD, Irene Batista. O Infanticídio. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2002, v.1, p. 120. 20 Assim é considerado vivo aquele que possui a respiração. Porém pode ocorrer vida sem respiração, como por exemplo, a apnéia fisiológica. Deve ser minuciosamente comprovado que ocorreu a respiração, pois se este fator deixar de ocorrer não ocorrerá o infanticídio, e sim, aborto. Porém a Medicina- Legal distingue a vida extra-uterina da intra-uterina através de três fatores, como sustenta Muakad32: Três fatores distinguem a vida extra-uterina da intra-uterina: a cessação da circulação fetoplacentária, a substituição da respiração placentária pela respiração pulmonar e a substituição da nutrição por via placentária pela nutrição por meio da via gastrintestinal. Todos estes fatores têm expressão anatômica características, cuja averiguação cuidadosa pelo médico-legista constitui prova de vida extra uterina, representando, portanto, um auxilio à ação da justiça. O segundo conceito que deve ser analisado é a influência do estado puerperal, pois é através dele que se caracteriza o infanticídio. Segundo Ribeiro33: ”Entende-se por estado puerperal as perturbações psíquicas decorrentes do parto”. Ocorre que existem pequenas circunstâncias para comprovar o estado puerperal através da Medicina Legal, como explica Ribeiro34: Uns chamam de estado puerperal à gravidez, ao parto e ao puerpério que o segue: outros somente a este último; outros consideram durante o tempo da involução fisiológica do útero; alguns a relacionam a evolução histórica desse órgão, que pode durar até dois meses. Esta breve divergência entre doutrinadores ocorre porque o CP deixa em aberto o lapso temporal, pois é demonstrado que o infanticídio é cometido no lapso temporal entre o início do parto e o término do estado puerperal, como nos traz a jurisprudência35: O reconhecimento do estado puerperal deve ser interpretado de maneira suficiente ampla, de modo a abranger o variado período do choque puerperal. A influência deste estado é feito normal e corriqueiro de qualquer parto e, dada a sua grande freqüência, deve ser admitido sem maior dificuldade. Para Costa apud Muakad36, o estado puerperal assim é definido: 32 MUAKAD, Irene Batista. O Infanticídio. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2002, v.1, p. 126. 33 RIBEIRO, Gláucio Vasconcelos. Infanticídio. São Paulo: Pillares, 2004, p.29. 34 Ibid, p. 31. 35 4a Câm., Ap. nº375.475-3, São Paulo, 24.04.85, Rel. Fernades Braga. 36 MUAKA, Irene Batista. Op. cit, p. 148. 21 Além dos estados psicológicos que podem aflorar durante o parto ou das psicopatias decorrentes do momento do parto, há as psicoses que costumam sobrevir após o parto, chamadas puerperais. Tratam-se geralmente de confusões alucinatórias agudas, de ofuscamento da consciência, manias transitórias, amências, delírios. Moderadamente, os psiquiatras afirmam que não existem psicoses puerperais especificas. Surgem elas no terreno lavrado pela tara psíquica que se agrava pelos processos metabólicos do estado puerperal ou são uma spécies do genus, psicoses sintomáticas, isto é, transtornos psíquicos que se apresentam no curso de enfermidades gerais internas, de infecções agudas, de intoxicação etc., e cujas lesões não tem uma localização cerebral. Tais psicoses manifestam-se, de regra, vários dias após o parto, e nada têm a ver com elas, portanto o artigo 123, deixando a ocisão do infante de ser infanticídio, mas devendo a acusada ser tratada segundo a norma geral sobre a responsabilidade ou capacidade de direito penal. A discussão em torno do tempo em que é aceito o estado puerperal pode prolongar de dias para meses, isto se dá pelo fato dos doutrinadores não entrarem em um consenso. Para alguns o estado puerperal se esgota com a primeira menstruação pós-parto, já para outros, isto ocorre quando o útero volta a normalidade, porém existem correntes que falam em cinco a seis semanas após o parto. Como prevê Miranda Filho37: ”O período durante o qual os órgãos genitais... se restaurarem das modificações transitórias provocadas pela gravidez e pelo parto”. Por sua vez, assevera Fragoso38: O estado puerperal é um estado fisiológico normal, e sua definição não é especifica. Segundo alguns autores é o estado em que se acha a parturiente durante a gestação, o parto e algum tempo após este. Outros somente consideram estado puerperal o período que segue ao parto ou, ainda, o que se inicia com o parto e termina com a involução clínica do útero ou a menstruação. O estado puerperal pode ser considerado como um conjunto de sintomas fisiológicos, que se inicia com o parto e permanece algum tempo após o mesmo. Nosso CP vigente, adotando o critério fisiológico, considera essencial, no crime de infanticídio, a perturbação psíquica que o puerpério pode acarretar na parturiente. O estado puerperal existe sempre, mas nem sempre ocasiona perturbações emocionais na mulher, que possam levar à morte do próprio filho. O processo do parto, com suas dores, a perda do sangue e o enorme esforço muscular, pode determinar facilmente uma momentânea perturbação de consciência. É esse estado que se torna a morte do próprio filho um homicídio privilegiado, nas legislações que adotam o critério fisiológico. A doutrina muitas vezes conceitua puerpério e estado puerperal como sendo o mesmo fator. Mas deve-se ressaltar que o estado puerperal decorre do puerpério, porém o estado puerperal decorre de dor moral (honra) e física. 37 MIRANDA FILHO, Emilio. Medicina Legal. São Paulo: Atlas, 2002, p. 204. 38 FRAGOSO, Cláudio Heleno. Lições de Direito Penal. 3 ed. São Paulo: Forense, 1976, p. 94. 22 O motivo de honra como é respaldado pelos doutrinadores, pode ser obtido através dos fatores que englobam a índole da pessoa, conforme os dizeres de Silveira39: Na opinião que a generalidade da população professa acerca dos requisitos que qualificam uma pessoa como moralmente incensurável, sob o aspecto social. A mulher, ou melhor a infanticida age para salvaguardar a sua idoneidade perante a sociedade, assim compreendendo-se que suas ações são em prol de sua reputação, mesmo quando esta venha a eliminar a vida de seu próprio filho, este fruto de um ato sexual ilegítimo, pois está agindo em favor de sua desonra. Para Jesus40 pode ser tido comomotivo de honra: A base do privilégio honoris causa é de natureza psicológica e restritiva. Dentro dos motivos que podem concorrer para a pratica do fato criminoso, o único que tem força de transformá-lo em delictum exceptum é o de ocultara desonra. A honra de que se cuida é a de natureza sexual, a boa fama e a reputação de que goza a agente pela sua conduta de decência e bons costumes. Se desonesta ou de desonra conhecida, não lhe cabe a alegação da preservação da honra. Por outro lado, se se trata de outro motivo que não a defesa da honra, como por exemplo, o de estrema miséria, o excesso de prole, receio de um filho doentio, o fato constituirá homicídio. O motivo de honra pode ser fator fundamental para o infanticídio, pois, trazer a tona à desonra de uma pessoa pode causar um transtorno psicológico muito grave, assim gerando a morte de uma criança recém-nascida, como ilustra Gláucio Vasconcelos Ribeiro41 citando um trecho descrito com maestria de Miguel Longo: A princípio, consegue esconder a prova do pecado, e levam uma existência de sobressaltos e forçadas reservas; mas, pouco a pouco, cresce o perigo da publicidade, e a infeliz começa a perder até a coragem de simular um sorriso. Seu ânimo é possuído de agitações convulsivas, desorientações, desequilibro de sentimentos e de idéias. As próprias carícias prodigalizadas por seus desvelados pais são causa de remorso, são novos abalos ao periclitante domínio da razão, às dolorosas arritmias do coração e entrementes, de longe, apavorante como um espectro, vem se aproximando, minaz, de dia em dia, de hora em hora, o momento fatal em que a desgraçada já não pode esconder a própria vergonha à família, aos parente, ao público; e torna-se deprimida, aviltada sob o incubo medonho que não a abandona, de dia ou de noite,até mesmo nos poucos momentos de repouso que lhe são concedidos pela fadiga, pela exaustão, pela absorvente angústia. É um abismo de trevas [...] de tempestades, de imperscrutáveis mistérios que secava naquela alma; a piedade, até a piedade lhe é negada, porque pedi-la é vergonha, merecê-la é desonra, esperá-la é maior humilhação da dignidade e do decoro pessoal! E chega o 39 Apud RIBEIRO, Gláucio Vasconcelos. Op. cit, p.49. 40 JESUS, Damásio E. Op. cit, p. 26. 41 RIBEIRO, Gláucio Vasconcelos. Op. cit, p. 50. 23 dia fatal, e a hora se aproxima: à agitação sucede o desvairo, o destino do náufrago à procura, na desesperada agonia, de uma tábua de salvação; enfim, a surpresa do parto tira à infeliz o último raio de luz mental, o derradeiro baluarte de defesa, a esperança de um remédio imprevisto: ela, num momento reativo de conservação instintiva, é impelida, automaticamente, a suprimir a prova da vergonha, do erro infamante, da desonra... e o infanticídio se consuma! A lei escrita pedirá contas a essa mulher, como autora de um crime, mas a lei moral dirá aos seus juízes: acima e além dos códigos há a lei da necessidade, infelicitas facti, o império inelutável das fatias contingências da vida. Desta forma quando a mãe age com suma violência apenas está protegendo a sua reputação perante a sociedade, pois após sofrer uma gravidez não esperada e jamais programada, ou melhor, um ato sexual ilegítimo, esta pode sofrer perturbações. Porém dentre os doutrinadores renomados, encontra-se uma corrente que é desfavorável à aceitação da honoris causa, entre eles estão, Fragoso42, que assim pronuncia: O motivo de honra, que historicamente confere privilégio ao homicídio, evidentemente não mais se justifica em face da evolução de costumes de nosso tempo em matéria sexual e da emancipação da mulher. Farhat43 está entre os doutrinadores que tinham a honoris causa como justificativa para a conduta infanticida, no entanto, este não mais a aceita em face dos novos tempos, ou melhor, da evolução da mulher, como vejamos: É nossa convicção que o estado puerperal e a honoris causa, sendo estas circunstâncias bem apreciadas, dentro de uma relativa excepcionalidade e sem caráter de regra geral, devem ser levados em conta para os abrandamentos da pena: o que, embora nos conformemos com a corrente vencedora, custa-nos aceitar é alguma exclusividade que assente em qualquer desses motivos (...). a causa de honra, única derivativa para a perversidade que o delito revela, é bastante vulnerável e está sujeita a largas discussões. Como visto existem duas correntes, uma sendo a favor da honoris causa, outra não a aceitando, pois estes alegam que o crime fora premeditado, além da presença de um motivo egoístico, pois que tamanho direito é este que possui a mãe para poder escolher entre a vida e morte de seu filho? Este ato é considerado por estes de extrema covardia, e de incompatibilidade com os dias e costumes atuais, tendo em vista a evolução da mulher e do termo sexualidade, além do crescimento da mulher dentro da sociedade. 42 FRAGOSO, Cláudio Heleno. Op. cit, p. 75. 43 FARHAT, Alfredo. Do Infanticídio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1956, p. 351. 24 A jurisprudência posiciona-se no sentido de que deve ser analisado, são as circunstâncias que levaram a mãe a cometer o delito, como por exemplo, o estado psicológico, a forma com que está veio a engravidar e os meios que convive, como vejamos para decisão44 do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: Infanticídio. Acusada que, logo após o parto, mata o fruto de relação ilegítima. Hipótese de homicídio qualificada afastada. Reconhecimento do estado puerperal, presente a causa da honra. Neste caso supramencionado, a ré, solteira, estava grávida e o pai da criança tinha lhe abandonado, deixando-a sozinha e insistindo para que ela abortasse. Esta mãe convivia com seus pais, porém estes jamais lhe davam atenção, e para piorar a situação lhe ignoravam. Tudo começou a ficar muito difícil, até que quando deu à luz, e desequilibrou emocionalmente, vindo a cometer o crime. Assim terminando por matar a criança conforme ilustrou o acórdão do julgado. Só é aceito o delito como infanticídio e não como homicídio quando há motivo de honra e a vitima é recém nascida, como vejamos em um julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul45: Infanticídio. Delito não caracterizado. Hipótese de homicídio qualificado em concurso formal. Acusada que, desesperada, arremessa filhos às águas do rio, provocando a morte de ambos por afogamento. Idade de um deles igual há cinco anos. Semi-responsabilidade da mesma. Recurso provido. Inteligência dos artigos 121, parágrafo segundo, inciso terceiro, artigo 51, parágrafo primeiro, (atual 70), 22 (atual 26), parágrafo único, e 123 do Código Penal. A justiça em certos casos reconhece o estado puerperal, porém doutrinadores renomados dentro do campo da Medicina Legal e da bioética a descartam, como vejamos o entendimento de Almeida apud Muakad46: O estado puerperal é uma ficção jurídica-não existe tecnicamente para a Medicina Legal. É um crime que depende de uma perícia médica para se comprovar se a mãe matou o próprio filho sob a influencia do estado puerperal. O estado puerperal, criado pelos juristas, e um caso de responsabilidade atenuante, tendo em vista o certo grau de perturbação que comete a mulher ao ter dado a luz recentemente. Para ele, contudo, o médico não reconhece esse estado puerperal. Do ponto de vista médico, comprovados clinicamente, são males como o surto psicótico, por exemplo, isto é, doenças clinicamente diagnosticadas, o que normalmente não ocorre com o estado puerperal. 44 TJ, Santa Catarina, Jurisprudência Catarinense, 1982. nº 35.p.403. 45 RJTJRGS- vol. 98/79-1983. 46 MUAKAD, Irene Batista. Op. cit, p. 156. 25 Segundo Muakad47 como ocorre uma discordância entre doutrinadores em relação ao estado puerperal, o legislador optou em descrever como sendo por “influência” do estado puerperal. Entre os doutrinadores do campo da Medicina legal que concordam como estado puerperal encontramos, Bumm, Gautier, Delaquis, Jorg, Berthand, Fritsch, Konig, Peligrini. Porém entre os que discordam podemos citar, Bischoff, Von Sury. A doutrina entra em discordância em vários fatores. Porém pode-se obter que o puerpério é visto como o ciclo em que a mulher passa até o nascimento da criança. Este ciclo pode ser influenciado por fatores negativos, como sendo uma gravidez inesperada, ou pior, gerada através de violência, ou em meio à extrema pobreza. Se um desses fatores estiver presente, ou ocorrendo até mais de um deles, o instinto maternal em vez de gerar amor, esperança, proteção em prol da criança, começa a reverter o quadro e ter uma desordem psíquica. Esta desordem pode acarretar na diminuição de entendimento ou de inibição da parturiente, gerando desta forma, o crime de infanticídio. Ressalte-se, no entanto que deve conter estes fatores para que tenhamos um caso de depressão neurótica pós-parto, também ou sob a influência do estado puerperal. Como em todos os crimes contra a vida o objeto jurídico protegido é o direito à vida. Em relação à vida, é protegido tanto o neonato, aquele que acabará de nascer, como o nascente, quando o fato é cometido durante o parto. Porém, para que possamos falar em infanticídio deve a criança respirar, assim como ensina Fernandes48: A criança pode viver com vida própria mesmo que a ligação umbilical não tenha sido cortada. Basta que possua respiração mais ou menos ativa e independente e circulação própria. A circulação do cordão pode estar interrompida, impedindo que o sangue da mãe passe ao feto. Isto se dá desde o momento em que a criança passa a respirar. Este caso supramencionado é em relação ao neonato, pois a criança já respirou. Ocorrem casos em que a criança ainda não respirou, que é o caso do feto 47 Ibid, p. 145. 48 PEDROSO, Fernando de A.. Homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto: crimes contra a vida. Rio de Janeiro: Aide, 1995, p.126. 26 que está nascendo, ou seja, o nascente. Neste caso comprova-se a presença da vida através do tumor de parto, diante disso Muakad49 ensina que: A presença do tumor de parto, bossa serossanguínea ou caput seccedaneum, bem como pequenas hemorragias no couro cabeludo, depõem a favor da vida no inicio do parto, mesmo que o feto não tenha respirado. Estas alterações decorrem do desequilíbrio de pressão nas diferentes partes do feto, uma vez ainda dentro do útero, devido às contrações, e outras fora desse órgão. São formadas por derrame seroso em mistura com sangue, que, por transudação, fica acumulado no tecido celular subcutâneo do crânio. A presença do tumor de parto podem ser provadas através de técnicas laboratoriais. Este fato é fundamental para a comprovação de que obteve vida este nascente. O recém-nascido que após ter respirado, demonstra claramente que obteve vida, e desta forma pronuncia Muakad50: Cessadas a respiração placentária e a circulação fetal, instalam-se os primeiros motivos da caixa toráxica em decorrência do aumento do gás no sangue, que excita o centro respiratório bulbar; tem início a função respiratória, a qual, após um período de dispnéia, se regulariza e se mantém daí por diante. Com a respiração autônoma, começa a vida jurídica do novo ser. A vida extra uterina apresenta, pela respiração autônoma do infante nascido ou recém-nascido, profundas modificações capazes de oferecer ao perito condições de um diagnóstico de vida independente. Na visão de Muakad, inicialmente, tem-se a idéia que de somente existe vida após o primeiro momento de respiração do recém-nascido, porém pode ocorrer vida sem a respiração autônoma, que será comprovada através de pequenas hemorragias em seu couro cabeludo. Mas a principal forma de comprovação de ocorreu vida autônoma, ou seja, ocorreu a movimentação da caixa toráxica em decorrência do gás carbônico que está no sangue, é abalizando se houve movimentação de oxigênio em seu pulmão, que ocorrerá através do fenômeno conhecido como respiração. Com a evolução dos seres humanos, e concorrentemente do direito, o sujeito ativo do crime de infanticídio foi alterado. No Código Criminal do Império aceitava-se como sujeito ativo terceiros, estes podendo ser parentes ou mesmo alguém que 49 MUAKAD, Irene Batista. Op. cit, p. 122. 50 Ibid, p.127. 27 tivesse motivo de honra, além da progenitora, hipótese que é aceita até hoje. Assim nos ensina Ribeiro51: Já o Código Criminal do Império, seguindo a orientação reinante da época, passou a considerar o infanticídio como figura excepcional, apenando-a brandamente. Esse ordenamento jurídico estabelecia dois tipos de infanticídio: um, praticado por estranhos ou parentes da vitima, e por motivo diverso ao da causa de honra (com cupidez de herança ou promessa de recompensa), e outro, o praticado pela mãe por motivo de honra. Porém esta forma de ver o sujeito ativo do crime foi modificando, até chegar no atual Código Penal, o qual somente aceita a mãe como sujeito ativo, contudo que esteja influenciada pelo estado puerperal, senão estaremos diante de homicídio, conforme esclarece Mirabete52: O infanticídio é um crime próprio, praticado pela mãe da vitima, já que o dispositivo se refere ao “próprio filho” e ao “estado puerperal. Se ocorrer a participação de um terceiro este responderá pelo crime de homicídio. Porém há autores que discordam desta situação. Diante do concurso de pessoas amplamente previsto no Código Penal em seu artigo 29: “Art. 29. Quem de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Mirabete53 tem sua visão, baseando-se na Conferência dos Desembargadores do Rio de 1943, assim esclarecendo: Endossamos a primeira orientação, adotada, aliás, na Conferência dos Desembargadores do Rio, em 1943, por ser inegável a comunicabilidade das condições pessoais quando elementares do crime, a não ser que a Lei disponha expressamente em contrario. Aliás, um mesmo fato somente pode ser punido de modo diverso com relação aos que dele participam quando a lei o determina (como nos casos do aborto consentido e o praticado por outrem com o consentimento da gestante, o do peculato doloso e peculato culposo, o da corrupção ativa e corrupção passiva etc. a na hipótese do art. 29, parágrafo segundo, do CP). Mais adequando, portanto, seria prever expressamente a punição por homicídio do terceiro que auxilia a mãe na pratica do infanticídio, uma vez que não militam em favor as circunstâncias que levaram a estabelecer uma sensação de menor severidade para a autora do crime previsto no art. 123 em relação ao definido no art. 121. 51 RIBEIRO, Gláucio Vasconcelos. Op. cit, p. 38. 52 MIRABETE, Julio Fabrini. Op. cit, p. 88. 53 MIRABETE, Julio Fabrini. Op. cit, p.90. 28 Portanto aquele que auxilia no crime de infanticídio irá responder por homicídio, pois conforme destaca Noronha54: O infanticídio é crime da genitora, da puérpera. É, portanto, a mãe que se acha sob a influência do estado puerperal. Mas, existe uma contradição entre os doutrinadores, pois é discutido se aquele que colabora na pratica de um infanticídio responde por infanticídio ou homicídio. Pois conforme o artigo 30 do CP, que faz estender ao co-autor ou partícipe circunstância pessoal do agente, quando elementares do crime. Assim, o Código Penal vigente adotou o critério que restringe exclusivamente a mãe o beneficio do infanticídio. Pois por considerar como um ato personalíssimo à circunstância do estado puerperal, este não admite foro de comunicabilidade. Desta forma fazendo com que o infanticídio seja crime próprio, pois exige que o sujeito ativo possua condições de parturiente, adequando esta condição exclusivamente a mãe. O atual Código tem como conceito de sujeito passivo do crime de infanticídio não somente o recém-nascido,mas também o nascente. Assim, dirimindo a dúvida existente no Código anterior e antecipado a personalidade. Pode-se ter como nascente aquele que ainda não respirou, mas, tem todas as características do feto nascido, como ensina Muakad55: Com relação ao feto que está nascendo, ou seja, que ainda não respirou e que não teve, portanto vida autônoma, denominado nessa fase feto nascente, a prova de vida não se baseia nas docimasias respiratórias, mas, na demonstração da vida circulatória através do tumor de parto e pelas reações vitais das lesões. Para que se possa ter provas da existência de vida sem respiração, é necessário utilizar-se de meios laborais em algumas situações. O tumor do parto, como é chamado a bossa serossanguínea, comprova que houve vida sem que ocorresse respiração. 54 NORONHA, Edgar de Magalhães. Direito Penal. 31 ed. São Paulo:Saraiva, 2000, v.2, p.45. 55 MUAKAD, Irene Batista. Op. cit, p. 122. 29 Pode ser considerado recém-nascido aquele que já respirou, ou seja, apresentou respiração autônoma. O principal meio para se comprovar que a criança respirou é obtido através do grito. Assim nos traz Irene Batista Muakad56: Após os primeiros movimentos respiratórios a criança dá o primeiro grito, que revela, verdadeiramente, a expulsão do primeiro ar das vias respiratória. O grito será mais forte quanto maior a quantidade de ar respirado. Como as modificações pulmonares são grandes, as melhores provas de vida extra-uterina se orientam por essa víscera. Para que ocorra o crime é indiferente se o feto nascente ou recém-nascido tenha anomalias, aspecto monstruoso ou mesmo que não tenha capacidade de vida autônoma ou prematuro, basta que nasça com vida. Sendo assim, o nascimento com vida demonstra a vitalidade. Desta maneira nos demonstra Irene Batista Muakad57: Uma vez nascido vivo, enquadra-se nas exigências para a configuração do tipo, isto é, para a caracterização do delito é necessário a demonstração de que o feto estava vivo e possuía vitalidade (termo genérico que abrange tudo), excluindo-se apenas a degeneração do ovo (mola hidatiforme) e o natimorto. Para que possa ser considerado sujeito passivo do crime de infanticídio, a criança deve nascer com vida. Este crime pode ser cometido no momento do nascimento, nascente, ou após já ter respirado, recém-nascido. Na visão de Fernandes os principais meios para a comprovação do nascimento com vida poderá ser obtido através de exames, que serão indicados pelo estado dos pulmões, altura a que chega o ponto mais alto do diafragma, ar no estômago e intestino, ausência de mecônio nos intestinos, ar e outras substâncias no ouvido médio, além de outros meios. O volume dos pulmões de uma criança que viveu é bem diferente daquela que não obteve vida, deste modo ensina Fernandes58: A consistência dos pulmões que não respiraram é firme e carnosa. O tecido não crepita ao ser cortado. A superfície seccionada se mostra lisa, unida, homogênea. O pulmão que respirou tem o tecido flácido, depressível, crepitante ao corte, com superfície esponjosa. 56 Ibid, p. 127. 57 MUAKAD, Irene Batista. Op. cit, p. 121. 58 FERNANDES, Paulo Sergio. Aborto e Infanticídio. 3 ed., Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1996, p.127-128. 30 A superfície dos pulmões que não respiraram é lisa e carnosa. Essa superfície torna-se irregular se houver respiração. O peso dos pulmões que não respiraram é maior que o da água. Se flutuarem, é sinal que houve respiração. A presença de ar no estômago e nos intestinos é sinal seguro de vida extra- uterina, salvo caso de adiantada putrefação. Se a criança viveu de um a quinze minutos, a presença de ar no estomago é comprovável. Portanto, a ausência de mecônio no intestino é sinal de que a criança viveu pelo menos algumas horas. Neste mesmo entendimento Mirabete59 apresenta:. Comumente, a prova da existência de vida é feita por meio das docimasias. Não se exige, também, que o recém-nascido tenha vitalidade, havendo infanticídio ainda que se comprove que iria ele morrer de causas naturais logo depois do parto. Sujeito passivo do crime de infanticídio é aquele que nasce com vida, mesmo que não sobreviverá ou que seja portador de doenças degenerativas ou exponha claramente formas anormais, pois a sociedade civilizada não tem a função e nem o dever de tomar alguma atitude, ou mesmo excluí-lo da proteção que a lei lhe assegura, conforme prevê Noronha60: Não é necessário que seja viável. Muitas crianças, nascidas vivas, parecem pouco viáveis no instante do nascimento, mas muito freqüente essa primeira impressão é desmentida. Não é permitido matar a criança, mesmo que se suponha que ela, apesar de tudo, morra. Ainda que disforme ou monstruoso, o neonato goza da tutela legal. Não há razão, em uma sociedade civilizada, para excluí-lo dessa proteção. Portanto aquele que nasceu com vida, mesmo sendo portador de alguma doença ou mesmo sendo portador de um estado físico anormal, tem em virtude da lei seus direitos assegurados. Nascer, viver, não depende de respiração, pois nos casos em que é possível a vida apnéica, ou seja, sem respiração. Desta forma, aquele que acabou de nascer não tem que exercitar todas as funções de um nascente, mas simplesmente algumas delas, entre estas, a do coração, sendo esta essencial para a vida. 59 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit. p. 91. 60 NORONHA. E. Magalhães. Op. cit, p. 47. 31 2 DIFERENÇAS ENTRE HOMICÍDIO, ABORTO E INFANTICÍDIO Quando diante de nascente, recém-nascido, ou feto, morto, tem-se, essencialmente cinco possibilidades, entre elas o infanticídio, homicídio culposo, homicídio doloso, aborto voluntário e aborto involuntário. Cada qual possui suas características próprias, estas estando elencadas e diferenciadas em nosso Código Penal. Para que possamos falar em infanticídio, há necessariamente ter como autor à própria mãe, contudo deve ocorrer durante o parto ou logo após e deve estar obrigatoriamente influenciada sob o estado puerperal. Se estas características não forem observadas e constatadas, não estamos diante de infanticídio. Ensina-nos Ribeiro61 que: Só se pode participar do crime de infanticídio a mãe que mata o filho nas condições particulares fixadas na lei. O privilégio que se concede à mulher sob a condição personalística do estado puerperal não pode estender-se a ninguém mais. Qualquer outro que participe do fato age em crime de homicídio. A condição do estado puerperal, em que se fundamente o privilégio e que só se realiza na pessoa da mulher que tem o filho impede que se mantenha sob o mesmo titulo a unidade do crime para o qual concorrem os vários partícipes. Em todos os atos praticados trata-se, direta ou indiretamente de matar, mas só em relação à mulher, pela condição particular em que atua, essa matar toma a configuração do infanticídio. Para outros mantém o sentido comum da ação de destruir uma vida humana, que é o homicídio. Se for desconsiderado o infanticídio, podemos estar diante de outras quatro hipóteses. Dentre estas se encontra o aborto. O Código Penal prevê o aborto nos artigos 124 e seguintes. Segundo Mirabete62: Aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. É a morte do ovo (até três semanas da gestação), embrião (de três semanas até três meses) ou feto (após três meses), não implicando necessariamente sua expulsão. O produto da concepção pode ser dissolvido, reabsorvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou pode a gestante morrer antes da sua expulsão. Não deixará de haver no caso, aborto. Diferenciando aborto de infanticídio tem-se o ensinamento de Fernandes apud Ribeiro63: A principal característica do infanticídio é que nele o feto é morto enquanto nasce ou logo após o nascimento. O aborto, ao contrário, somente se 61 RIBEIRO, Gláucio Vasconcelos. Op. cit, p. 123. 62 MIRABETE,Julio Fabbrini. Op. cit. p. 101. 63 RIBEIRO, Gláucio Vasconcelos. Op. cit, p. 102. 32 tipificará se o feto é morto antes de iniciado o trabalho de parto, haja ou não a expulsão. Logo, enquanto não se inicia o parto, qualquer manobra tendente a matar o feto constituirá, caso haja êxito, o crime de aborto. A forma tentada (de infanticídio), apesar de difícil comprovação, é admissível. Vivo o feto, enquanto dura o parto e morto nesse período, haverá feticídio, equiparado a infanticídio. Neste mesmo sentido Itaiba apud Ribeiro64: A ocisão do feto, antes de iniciado o parto, é aborto; começado o parto, se o feto era biologicamente vivo, o crime é de infanticídio. No aborto, há criminosa expulsão do feto; no infanticídio, a expulsão é espontânea. Terminada a vida intra-uterina, sem que haja a extra-uterina, neste estado de transição positiva-se o infanticídio. Nesta mesma visão Ribeiro65, faz sua distinção: A distinção é que, no aborto, há a inviabilidade da continuidade da gestação, por provocação. O infanticídio, por seu turno, se caracteriza pela iniciação do parto e, em qualquer de suas fases (dilatação, expulsão do feto e expulsão da placenta) a morte do sujeito passivo. O crime de aborto pode ocorrer em qualquer fase da gestação, já o infanticídio caracteriza-se pela influência do estado puerperal e somente no momento do nascimento ou logo após. Ocorre que a lei não se pronuncia sob o espaço de tempo (logo após), e a doutrina alega que este período é tido enquanto durar a influência do estado puerperal, que pode variar de dias para semanas, como expressa Muakad66: Logo após o parto, depois de ter sido interpretado por inúmeros juristas, passou a designar todo o período de tempo em que a mulher se encontre sob a influencia do estado puerperal, ficando a comprovação da duração dessa perturbação psíquica subordinada à perícia médico-legal. Assim, quando falamos em nascente ou recém-nascido estamos diante de infanticídio, pois nos termos do aborto estaríamos expressando ovo, embrião ou feto, que são diferenciados pelo tempo da gestação. Há casos que mesmo com a evolução da medicina e o aperfeiçoamento médico-legal ficam difíceis de serem comprovados. Nestes casos a mãe pode responder por infanticídio ou homicídio se configura entre um crime e outro pois infanticídio só é comprovado quando a mulher está em estado puerperal 64 Ibid. 65 Ibid, p. 104. 66 MUAKAD, Irene Batista. Op. cit, p. 116. 33 comprovado por prova pericial . Caso o exame somato-psquico.da puérpera der negativo imediatamente se enquadra no crime de homicídio. Ribeiro67 menciona: Não se verificado aquela cláusula, ainda que presente a honoris causa, uma interpretação restritiva e legalista, portanto perfeitamente admissível juridicamente, muito embora não isenta de críticas humanísticas, identificará o fato como sendo um homicídio. Quando a mãe mata o próprio filho, esta deve estar sob a influência do estado puerperal, senão estaremos diante de homicídio. Assim descreve Marques68: Se não se verificar que a mãe tirou a vida do filho nascente ou recém- nascido sob a influencia do estado puerperal, a morte praticada se enquadrará na figura típica do homicídio. No caso do infanticídio somente podemos ter como autor a mãe, sob a influência do estado puerperal, porém se ocorrer o auxílio de terceiro este responderá por homicídio, podendo ser simples, qualificado ou culposo. É comum nos casos em que a mãe cometa homicídio ser confundido com infanticídio. Para distinguir melhor o homicídio simples do qualificado Ribeiro69 esclarece: A possibilidade de homicídio simples ou qualificado, por um outro lado, aparece quando ou o recém-nascido é morto por terceiros, havendo dolo configurado (caso contrário, qualifica-se o crime como homicídio doloso), ou a própria mãe mata, não sendo constatado vinculo causal entre a morte da criança e o estado puerperal em que se encontra a mãe, e sendo antes descartada a possibilidade de homicídio culposo. Essa constatação é, no entanto delicadíssima, e por isso diversos tribunais optam por desconsiderar o homicídio simples ou qualificado, e enquadram os casos como infanticídio. Infanticídio, homicídio e aborto para que se comprove qual destes fora cometido é necessário o uso da medicina. Contudo, cada um possui codificação própria e assim os julgadores possuem meios para aplicar a punição. Mas há situações que mesmo com o auxílio da medicina apresenta-se com dificuldades para apurar qual crime está configurado, cabendo a cada julgador o convencimento da punição necessária, por meio das provas constantes na ação penal. Dentre os crimes em estudo, o infanticídio é o único a ser considerado como crime privilegiado, pois sua pena é mais branda que os demais. Isto ocorre porque a 67 RIBEIRO, Gláucio Vasconcelos. Op. cit, p. 94. 68 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. São Paulo: MIlenniun, 2002, p. 144. 69 RIBEIRO, Gláucio Vasconcelos. Op. cit, p.100. 34 autora, que somente poderá ser a mãe, estar diante da influência do estado puerperal. 35 3 O TRIBUNAL DO JÚRI E OS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA A Carta Política de 1988 pode ser classificada como formal; popular ou democrática (pelo fato de o órgão constituinte ser composto por representantes do povo); rígida (porque só pode ser alterada através de procedimento especial) e abrangente ou analítica (por definir fins e programas de ação de forma bastante detalhada e extensa)70. A Constituição de 1988 traz em seu corpo um texto bastante moderno. Segundo Silva: A Carta apresenta inovações, mudanças de relevante importância para o constitucionalismo brasileiro e até mesmo para o mundial71. A atual Carta estabelece princípios fundamentais e fins para o Estado. Os direitos e as garantias fundamentais (individuais, coletivos, sociais e políticos) são listados antes da estruturação do Estado. A Federação é estabelecida de forma a manter a predominância da União, embora garanta, para os Estados e Municípios, significativos espaços institucionais. A atual Constituição Federal, chamada por Ulisses Guimarães de “Constituição Cidadã”, reconhece definitivamente o Tribunal do Júri, o que foi feito de maneira categórica nas denominadas clausulas pétreas. Enfim, o Tribunal Popular do Júri restou consagrado (artigo 5º, inciso XXXVIII) como uma garantia individual do cidadão nos seguintes termos: Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXVIII - É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. A esse respeito, lembra Alexandre de Moraes que: A Constituição Federal expressamente prevê preceitos de observância obrigatória à legislação infraconstitucional que organizará o tribunal do júri: plenitude de defesa, sigilo das votações, soberania dos veredictos e a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida72. 70 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 16. 71 SILVA, José Afonso. Direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 467. 72 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 1998. p. 215. 36 Foi, portanto, o Júri conservado na organização da justiça com a atribuição de competência idêntica à que vinha sendo emprestada desde a Constituição Federal de 1946, isto é, para julgar os crimes dolosos contra a vida,tanto tentados como consumados. Sobre o preceito constitucional que reconhece expressamente a instituição do Júri, Celso Ribeiro Bastos e Yves Gandra Martins afirmam tratar-se, sobretudo, de uma garantia democrática: O fato é que nele continua a ver-se prerrogativa democrática do cidadão, uma fórmula de distribuição da justiça feita pelos próprios integrantes do povo, voltada, portanto, muito mais à justiça do caso concreto do que à aplicação da mesma justiça a partir de normas jurídicas de grande abstração e generalidade73. Fernando da Costa Tourinho Filho ao tratar da Instituição do Tribunal Popular do Júri, aproveita para diferenciá-lo do escabinato e do assessorado: O Tribunal do Júri é um órgão colegiado, heterogêneo e temporário. Compõe- se de um Juiz de Direito, que é seu presidente, e de vinte e um jurados que se sortearão dentre os alistados, sete dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento. O que o distingue de outras Instituições similares, como o escabinato e o assessorado, é a circunstância de haver, no julgamento, uma competência funcional horizontal por objeto do juízo, isto é, o Conselho de Sentença, sem influência de quem quer que seja, decide sobre a existência do crime, das circunstâncias excludentes da culpabilidade e de antijuridicidade, da respectiva autoria, sobre as circunstâncias que modelam e deslocam o tipo fundamental para figuras especiais, bem como sobre circunstâncias que servem, apenas, para a fixação da pena. A dosagem desta fica a cargo exclusivo do Juiz- Presidente, não podendo ele se afastar do decidido pelo Conselho de Sentença. Esse é o seu caráter específico. Já no escabinato, juízes leigos e togados decidem, por primeiro, sobre a pretensão punitiva e, em seguida, sobre a aplicação da pena [...]. Distingue-se, também, do assessorado, porque neste o assessor tem voto consultivo, uma vez que o jurado procura instruir-se com o assessor74. 73 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Yves Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. SP: Saraiva, 1989. p. 207. 74 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 4, p. 52. 37 A identidade constitucional do Tribunal Popular do Júri vem expressamente prevista no artigo 5º, inciso XXXVIII, alíneas “a”, “b”, “c”, “d”, da Constituição Federal de 1988: “XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”. A Constituição, como se vê, reconheceu o Tribunal do Júri, conferindo a sua organização à legislação ordinária, que deveria obrigatoriamente obedecer às seguintes garantias: plenitude da defesa; sigilo das votações; soberania dos veredictos; e competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Este é o lastro, a base constitucional do Tribunal Popular, que foi muito sabiamente inserido pelo constituinte originário no Título que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais do Cidadão. 3.1- Procedimento Especial do Tribunal do Júri na Lei 11.689/08 Estruturalmente concebe-se dois modelos principais para o funcionamento do Tribunal do Júri - o modelo inglês e o norte-americano. Na Inglaterra é ofertado ao Júri o tratamento de direito fundamental. Este modelo, conforme alerta Ramos: [...] representou historicamente uma repartição do poder de administrar a justiça entre os reis e os nobres, notadamente, porque até pouco tempo, eram somente estes os cidadãos habilitados a exercerem a função de jurado, posto que era necessária a comprovação de propriedade imobiliária75. Também, verifica-se que: [...] o júri norte-americano veio desse modelo, abandonando-o depois. Na Constituição Norte-Americana, segundo lição de Corwin, baseado, nesse aspecto, na jurisprudência da Suprema Corte, o júri não é um direito fundamental, mas apenas, tecnicamente, um privilégio das pessoas acusadas que dele podem desistir, se quiserem76. O modelo adotado pelo Brasil tem se aproximado do modelo da Inglaterra, arrolando o Tribunal do Júri como um direito e um dever, observando sua inserção na atual Constituição, no capítulo que aborda os Direitos e Deveres Individuais e 75 RAMOS, João Gualberto Garcez. O Júri como instrumento de efetividade da reforma penal. Revista dos Tribunais. São Paulo, p. 283, jan. 1994. 76 Ibid. 38 Coletivos (art. 5°, XXXVIlI). Desta forma, é indispensável o julgamento pelo Tribunal do Júri quando o fato relacionar-se à hipótese inclusa na competência legal do Tribunal Popular, sendo que o Estado não pode deixar de submeter o acusado ao julgamento por este órgão (direito), e também não podendo esse renunciar ao julgamento pelo Júri (dever). 3.1.1- Competência A competência representa o campo de delimitação e estabelece a medida do poder jurisdicional. Pode ela ser definida como a delimitação do poder de julgar legislativamente estabelecida. Usando de outras palavras, é o campo de ação legal onde um órgão jurisdicional exerce seu poder de julgar. Nos exatos dizeres do art. 5º inc. LlII. Da Constituição Federal, "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente". Na legislação brasileira, tem vigência o denominado princípio do Juiz natural ou constitucional, o qual deve ser entendido como o 'órgão do Estado que, por previsão constitucional, pode julgar dentro de suas atribuições fixadas por lei, segundo as prescrições constitucionais '. Diante disso, para que um órgão se eleve à categoria de Juiz natural, podendo assim exercer validamente a função jurisdicional, necessário se torna que esse poder de julgar esteja previsto na magna Carta77. Nos termos estabelecidos pela alínea d do inc. XXXVIII do art. 5° da CF, o Júri é “o juiz natural para conhecer e julgar os crimes dolosos contra a vida”78. Faz-se necessário esclarecer que a interpretação dos direitos e das garantias individuais precisa ser sempre ampliativa, de forma que se pode dizer ser a competência estabelecida pela constituição somente um perfil reduzido das hipóteses de atuação do Júri, hipóteses estas que podem ser estendidas pelo legislador infra-constitucional em legislações operacionalizadoras do Tribunal Popular. Nessa matéria, a técnica empregada pela Constituição Federal, foi estabelecer um campo de competência mínima, não suscetível a qualquer ataque, 77 MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri: crimes e processo. São Paulo: Atlas, 1999, p. 215-216. 78 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 3 ed. São Paulo: RT, 2002. v. I, p. 295. 39 deixando, no entanto, ao arbítrio do legislador, a possibilidade de ampliar a carga de matérias que deverão se submeter ao julgamento pelo Tribunal do Júri79. 3.1.2- Organização do Tribunal do Júri da Lei 11.689/08 O Tribunal do Júri é composto por um juiz-presidente e 25 jurados (CPP, art. 447), sendo de ressaltar que a presença dos jurados na administração da justiça, tem “origem mítica, de caráter religioso (júri vem de juramento, que é a invocação de Deus por testemunha), diante da crença de que, se reunindo doze homens de consciência pura sob a invocação divina, a verdade infalivelmente será encontrada por eles”80. No mesmo sentido, Amorim Oliveira afirma que o Tribunal do Júri, no seu começo, “explicitava contundente conotação religiosa e mística, tanto que o Júri era organizado com doze jurados, número correspondente ao de apóstolos de Cristo sobre os quais recaiu o Espírito Santo no dia de Pentecostes”81. Atualmente, não mais 12, mas 25 jurados, juntamente com o juiz-presidente, constituem o Tribunal do Júri, sendo os jurados “sorteados dos que constituem o respectivo corpo e que servirão na reunião periódica”82. Reunião periódica significa “o ajuntamento, nas épocaslegais, das diversas pessoas que figurem na composição do Tribunal do Júri, dure esse ajuntamento, que faz o Tribunal coletivo, um, dois, três ou mais dias”83. Esse termo é diferente de júri que é o funcionamento diário do Tribunal, com a finalidade de apreciar um caso específico em uma reunião periódica. 79 TASSE, Adel El. O Novo Rito do Tribunal do Júri: em conformidade com a Lei 11.689/08. Curitiba: Juruá, 2008, p.33. 80 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 1996. p. 501. 81 OLIVEIRA, Marcus Vinícius Amorim de. Tribunal do Júri Popular nas Constituições . Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 34, ago. 1999. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1065>. Acesso em: 15 out 2009. 82 NORONHA, Edgard Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 1974. 83 OLIVEIRA, Marcus Vinícius Amorim de. Op. cit. 40 Com relação à constituição do corpo de jurados “anualmente, cabe ao Juiz- Presidente do Tribunal do Júri proceder ao alistamento dos cidadãos que poderão integrar, no ano subseqüente, o Conselho de Sentença”84. O juiz-presidente deverá alistar anualmente, sob a sua responsabilidade e também mediante a escolha permeada pelo conhecimento pessoal ou informação fidedigna, uma lista de 800 a 1500 pessoas nas comarcas que tenham mais de 1.000.000 de habitantes, nas comarcas com mais de 100.000 mil habitantes a listagem deverá conter de 300 a 700 pessoas e nas comarcas menores de 80 a 400 pessoas, ressaltando o § 1º do art. 425 do Código de Processo Penal que “nas comarcas onde for necessário, poderá ser aumentado o número de jurados e, ainda, organizada lista de suplentes, depositadas as cédulas em urna especial”. Questão de grande importância no que tange ao alistamento anual dos jurados é a norma contida no § 2º do art. 425 do Código de Processo Penal, que determina ao juiz-presidente do Júri que peça às autoridades locais, associações, entidades associativas e culturais, instituições de ensino, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas aptas para exercer a função de jurado. A lista anual de jurados deve ser publicada, contendo o nome e a profissão de cada jurado, pela imprensa e em editais à porta do prédio Tribunal do Júri, somente uma vez, o que altera o anterior sistema, que exigia a publicação por duas vezes, até o dia dez (10) de outubro de cada ano, podendo ser alterada mediante reclamação de qualquer um do povo até dez (10) de novembro, quando deve ser definitivamente publicada85. Desta lista anual serão, em audiência específica, para a qual devem ser intimados, sob pena de nulidade, o Ministério Público, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Defensoria Pública, sorteados os jurados que atuarão na sessão periódica. Embora o art. 432 do Código de Processo Penal não refira expressamente, mas, por força da garantia constitucional de plenitude de defesa, a defesa dos acusados que irão ser julgados na reunião periódica, deverá ser intimada para este ato tanto que o § 2º do art. 433 refere que a audiência não será adiada pelo não comparecimento das partes, o que faz presumir que deverão ser intimadas. 84 TOURlNHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal comentado. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 2, p. 439. 85 TASSE, Adel El.. Op. cit, p.35. 41 O sorteio deve ocorrer a portas abertas, com as cédulas retiradas pelo próprio juiz-presidente o número de vinte e cinco jurados para a reunião periódica86. Vale observar que o sorteio dos vinte e cinco jurados, para a sessão periódica, deve ocorrer entre o 15º e o 10º dia útil antecedente à instalação da reunião, pois em menor prazo dificulta sobremaneira o trabalho das partes em informar-se sobre as situações de impedimento ou suspeição dos sorteados, produzindo cerceamento de suas atividades e, por via de conseqüência, a nulidade dos julgamentos realizados na reunião periódica. Nesse sentido, importante a observação de Adel El Tasse: Observe-se que a Lei 11.689/08 atendeu a uma reclamação antiga da doutrina, impedindo a participação contínua de uma mesma pessoa no Júri, bloqueando, desta forma, a formação do impropriamente denominado "jurado profissional", passível de manipulação e quebra explícita ao motivo fundador do Júri, de concessão de conteúdo à imparcialidade, com o afastamento da pessoa que julga da estrutura estatal. Assim é que o jurado que integrar o Conselho de Sentença no período de um ano que antecedeu a publicação da lista geral fica dela excluído. Dito de outra forma foi criada uma norma de bloqueio ao alistamento de jurados. Não é suficiente, para que exista a incidência da regra de bloqueio, ter a pessoa constado da lista anual geral do ano anterior, é necessário que tenha efetivamente atuado em sessão de julgamento, ao menos uma vez e uma vez será suficiente, e estará impedida de integrar a listagem anual de jurados por dois anos87. Ressalte-se que é fundamental a existência de regra específica limitando o período em que o cidadão possa continuar na lista anual de jurados. Evidenciava-se no Tribunal do Júri pessoas que integravam o Conselho de Sentença sem se preocupar com os interesses da coletividade e com a verdade dos autos, porém, sim, ambiciavam satisfazerem sentimentos pessoais secundários, de auxílio indevido a uma das partes88. 86 Ibid. 87 TASSE, Adel El.. Op. cit, p.37. 88 Ibid. 42 O alistamento dos jurados realmente precisava de regra específica que assegurasse uma atuação imparcial das pessoas nos julgamentos, conferindo credibilidade ao veredicto. Assim é que o crescimento do número de pessoas alistadas por ano, aliado às medidas de renovação do corpo de jurados, viabilizam que o comprometimento do julgador seja apenas com as provas que foram apresentadas em plenário, assegurando uma maior respeitabilidade ao julgamento proferido89. Também, deve-se assinalar que com esse conjunto de mudanças, especificamente com relação ao alistamento e atuação dos jurados, democratiza-se profundamente o Tribunal do Júri, sendo que os diversos setores da sociedade passam a atuar com maior efetividade na administração da justiça. Para que possa exercer a função de jurado o cidadão precisa ser maior de 18 anos e ser de conhecida idoneidade, ressaltando-se que o serviço do Júri é obrigatório e não é permitida a exclusão dos trabalhos ou a “recusa de alistamento em razão de cor, etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social, classe econômica, origem ou grau de instrução” (CPP, art. 436, parágrafo único). Ressalte-se que o cidadão pode recusar ao serviço do júri sob o fundamento de convicção política, religiosa ou filosófica, situação em que se deve delegar ao mesmo um serviço alternativo que consiste em atividades de cunho administrativo, assistencial ou até mesmo produtivo, seja no Poder Judiciário, Ministério e Defensoria Pública ou em uma entidade conveniada para esta finalidade, sendo que seus direitos políticos serão suspensos enquanto não prestar o serviço que lhe foi imposto. O art. 437, do CPP, ressalva que estão isentos do serviço do Júri: [...] o Presidente da República; os Ministros de Estado; os Governadores e seus respectivos Secretários; os Senadores; os Deputados Federais, Estaduais e Distritais; os Vereadores; os Prefeitos Municipais; os Magistrados; os membros do Ministério Público; os membros da Defensoria Pública; os servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública; os Delegados de Polícia, os servidores da polícia e da segurança pública; os militares em atividade; os Médicos; e os cidadãos maiores de setenta anos, estes desde que tenham requerido a dispensa, bem como, todos os demais que requeiram demonstrando justo impedimento. 89 Ibid. 43 Evidencia-se que o CPP menciona que estão “isentos do serviço do Júri”, porém não estão
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