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Aplicação da Lei Processual Penal no Espaço

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Aplicação da Lei Processual Penal no Espaço 
A aplicação de determinada norma jurídica está normalmente delimitada pelo 
espaço e pelo tempo. 
A delimitação espacial refere-se à circunscrição territorial por ela abrangida, 
surgindo daí a noção de territorialidade; 
A limitação temporal, por sua vez, está relacionada à duração da norma, isto é, 
ao seu tempo de vigência. 
As normas de aplicação da lei processual penal no espaço, via de regra, não 
servirão para sanar conflitos internos de aplicação da lei penal. A resposta 
para tais conflitos não reside no estudo das normas de aplicação da lei 
processual penal no espaço, e sim no estudo da jurisdição e competência. 
.PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE 
De acordo com o Principio da Territorialidade, a lei processual penal brasileira 
deve ser aplicada, via de regra, a todo crime praticado em nosso território 
soberano, conforme disposto na primeira parte do art. 1º do CPP: 
O Código de Processo Penal adota o princípio da territorialidade ou da lex fori, 
por considerar que a atividade jurisdicional é um dos aspectos da soberania 
nacional, logo, não pode ser exercida além das fronteiras do respectivo Estado. 
* TERRITÓRIO NACIONAL - para fins de aplicação da lei, o território brasileiro costuma ser 
dividido em duas categorias: território propriamente dito e território por extensão. 
A) TERRITÓRIO BRASILEIRO PROPRIAMENTE DITO 
 
B) TERRITÓRIO BRASILEIRO POR EXTENSÃO 
✓ Embarcações e Aeronaves Públicas: embarcações e aeronaves 
brasileiras, públicas ou a serviço do governo, serão consideradas 
território brasileiro por extensão, onde quer que se encontrem. 
✓ Embarcações e Aeronaves Privadas: embarcações e aeronaves 
brasileiras, mercantes ou privadas, também serão consideradas como 
território brasileiro por extensão, se estiverem em alto mar ou espaço 
aéreo correspondente. 
IMPORTANTE! Nota-se que é possível que uma embarcação brasileira, em alto 
mar, tenha a lei processual penal brasileira aplicada a um crime que foi 
perpetrado em suas dependências, e que tal aplicação ocorrerá em função da 
TERRITORIALIDADE (mesmo que tal embarcação se encontre fisicamente 
afastada do país)! 
EXTRATERRITORIALIDADE 
Via de regra, a lei processual penal deve ser aplicada em território nacional. 
Entretanto, existem algumas exceções pontuais, nas quais poderá ser aplicada 
a lei processual penal brasileira em território diferente do nacional; 
O próprio art. 1º do CPP, ao determinar a regra geral da lei processual no 
espaço, já narra a possibilidade de hipóteses excepcionais e as enumera logo 
em seguida: 
“Art. 1º O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código, 
ressalvados: 
✓ I – os tratados, as convenções e regras de direito internacional; 
✓ II – as prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de 
Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do 
Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade; 
✓ III – os processos da competência da Justiça Militar; 
✓ IV – os processos da competência do tribunal especial; 
✓ V – os processos por crimes de imprensa. (Vide ADPF n. 130) 
✓ Parágrafo único. Aplicar-se-á, entretanto, este Código aos processos referidos nos 
nºs. IV e V, quando as leis especiais que os regulam não dispuserem de modo 
diverso” 
I – Convenções e Regras de Direito Internacional 
Em caso de tratados internacionais ratificados pelo Brasil, o país pode se 
comprometer a não aplicar o CPP a determinados delitos cometidos em seu 
território. 
Chefes de Governo estrangeiro ou de Estado estrangeiro, suas famílias e 
membros das comitivas, embaixadores e suas famílias, funcionários estrangeiros 
do corpo diplomático e suas família, assim como funcionários de organizações 
internacionais em serviço (ONU, OEA, etc.) gozam de imunidade diplomática, 
que consiste na prerrogativa de responder no seu país de origem pelo delito 
praticado no Brasil (conforme a Convenção de Viena sobre Relações 
Diplomáticas, aprovada pelo Decreto Legislativo 103/1964, e promulgada pelo 
Decreto nº 56.435, de 08/06/1965). 
II – Prerrogativas Constitucionais 
De acordo com as prerrogativas do indivíduo, em razão do cargo por ele 
ocupado, pode ser que uma conduta realizada por ele não seja alcançada pela 
justiça comum e pelo CPP. 
É o caso, por exemplo, do Presidente da República, que em crimes de 
responsabilidade não é processado pelos trâmites previstos no CPP, e sim por 
órgãos do Poder Legislativo, de acordo com procedimentos previstos na 
Constituição Federal. 
III – Justiça Militar 
Os procedimentos de competência da Justiça Militar também não são 
submetidos ao CPP. 
Isso ocorre porque a Justiça Militar possui o próprio Código Processual, o 
CPPM (Código de Processo Penal Militar). 
IMPORTANTE! * Tribunal Penal Internacional: além das ressalvas listadas 
nos incisos do art. 1º do CPP, especial atenção também deve ser 
dispensada ao art. 5º, §4º, da Constituição Federal, que prevê que “o 
Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja 
criação tenha manifestado adesão”. 
O Tribunal Pleno Internacional, com sede em Haia (Holanda), entrou em vigor 
em data de 1º de julho de 2002. Trata-se de uma instância penal internacional, 
de caráter permanente e imparcial, instituída para processar e julgar os 
acusados pela prática dos crimes mais graves que afetassem a comunidade 
internacional no seu conjunto. 
Tem-se aí mais uma hipótese de não aplicação da lei processual penal brasileira 
aos crimes praticados no país, nas restritas situações em que o Estado brasileiro 
reconhecer a necessidade do exercício da jurisdição penal internacional. 
Atenção! UTILIZAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CPP 
Face a existência de diversas leis especiais, editadas após a vigência do CPP (1º 
de janeiro de 1942), com previsão expressa de procedimento distinto, tem-se 
que, por força do princípio da especialidade, o Código de Processo Penal será 
aplicável apenas subsidiariamente (cf. CPP, art. 1º, parágrafo único). 
Exemplos: Lei dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099/95); Estatuto do Idoso (Lei n. 
10.741/03); Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06); Lei de drogas (Lei n. 
11.343/06) 
Atenção!!! Extraterritorialidade da Lei Penal ≠ Extraterritorialidade da 
Lei Processual Penal 
✓ O Código Penal, no art. 7º, incs. I e II e § 3º, anuncia quais crimes ficam 
sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro. 
✓ Inciso I: extraterritorialidade incondicionada, aplicando-se a lei brasileira 
independentemente de qualquer requisito; 
✓ Inciso II: extraterritorialidade condicionada, em que se faz necessário o 
concurso de condições para que a lei brasileira seja aplicada; 
✓ § 3º: extraterritorialidade hipercondicionada, demandando, além do 
cumprimento das mesmas condições aplicáveis ao inciso II, que não tenha 
sido pedida ou tenha sido negada a extradição e que tenha havido 
requisição do Ministro da Justiça 
Cometido um crime no estrangeiro e identificada a extraterritorialidade da lei 
brasileira, é preciso apontar o órgão jurisdicional competente para julgamento 
no Brasil. 
Neste sentido, o art. 88 do Código de Processo Penal apresenta seguinte 
redação: 
“Art. 88. No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será 
competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o 
acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da 
Capital da República”. 
De acordo com a orientação adotada pelo STJ, o acusado será processado e 
julgado no Brasil pela Justiça Estadual quando não incidir nenhuma das 
hipóteses específicas de competência da Justiça Federal (art. 109, CF/88). 
Imagine a seguinte situação: André, brasileiro residente nos Estados Unidos, 
furtou um cidadão americano e se evadiu para o Brasil antes mesmo de que o 
crime seja comunicado às autoridades daquele país. 
A lei brasileiraalcança este fato, pois se trata de crime praticado por brasileiro e 
as condições estabelecidas para a extraterritorialidade estão preenchidas: o 
agente ingressou no Brasil; o furto é crime também nos Estados Unidos e se 
inclui entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; e André 
fugiu antes do início do processo, sem notícia de perdão ou causa extintiva da 
punibilidade. 
Seguindo-se da orientação adotada pelo STJ, André será processado e julgado 
no Brasil pela Justiça Estadual, pois não incide nenhuma das hipóteses 
específicas de competência da Justiça Federal (art. 109, CF/88). 
Por derradeiro, impende salientar que há situações em que o STJ considera 
presente o interesse da União em virtude da negativa de extradição pelo 
Brasil. 
No julgamento do HC 110.733/RJ (j. 24/08/2020), o tribunal invocou 
precedentes da Terceira Seção e estabeleceu a competência da Justiça Federal 
para julgar um brasileiro nato autor de homicídio contra sua ex-companheira 
(também brasileira) na Austrália e cuja extradição é impossível diante da 
vedação constitucional à entrega de nacionais a países estrangeiros. 
Assim, compete à Justiça Federal o julgamento da ação penal que versa sobre 
crime praticado no exterior por brasileiro que reingressa em território 
nacional, o qual tenha sido transferido para a jurisdição brasileira, pela 
impossibilidade de extradição, sendo aplicável o art. 109, IV, da CF.

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