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Fichamento Hannah Arendt

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1 Certos aspectos fundamentais dessa época assemelham-se tanto aos fenômenos totali? tários do século XX que se poderia considerar esse período como estágio preparatório para as catástrofes vindouras. Por outro lado, sua calmaria faz com que pareça ainda parte integrante do século XIX. Não podemos deixar de ver esse passado — tão próximo e, contudo, tão remoto — com os olhos demasiado bem informados de quem conhece o fim da estória e sabe que ele levou a uma interrupção quase completa do fluxo da história, pelo menos no que diz respeito ao Ocidente, como a conhecíamos havia mais de 2 mil anos
Burguesia e estado nação: O principal evento intra-europeu do período imperialista foi a emancipação política da burguesia, a primeira classe na história a ganhar a proemi-nência econômica sem aspirar ao domínio político. A burguesia havia crescido dentro, e junto, do Estado-nação, que, quase por definição, governava uma sociedade dividida em classes, colocando-se acima e além delas. Mesmo quando a burguesia já se havia estabelecido como classe dominante, delegara ao Estado todas as decisões políticas. Só quando ficou patente que o Estado-nação-não se prestava como estrutura para maior crescimento da economia capitalista, a luta latente entre o Estado e a burguesia se transformou em luta aberta pelo poder 152
Imperialismo p conectar com jonas: Durante o período imperialista, nem o Estado nem a burguesia conquistaram uma vitória definitiva. As instituições nacional-estatais resistiram à brutalidade e à megalomania das aspirações imperialistas dos burgueses, e as tentativas burguesas de usar o Estado e os seus instrumentos de violência para seus próprios fins econômicos tiveram apenas sucesso parcial (...) Não era sem motivo que os estadistas — homens que pensavam primariamente em termos do território nacional estabelecido — desconfiavam do imperialismo, mas este superava o que eles chamavam simploriamente de "aventuras de ultramar". 153
A expansão como objetivo permanente e supremo da política é a idéia central do imperialismo.
O imperialismo surgiu quando a classe detentora da produção capitalista rejeitou as fronteiras nacionais como barreira à expansão econômica. A burguesia ingressou na política por necessidade econômica: como não desejava abandonar o sistema capitalista, cuja lei básica é o constante crescimento econômico, a burguesia tinha de impor essa lei aos governos, para que a expansão se tornasse o objetivo final da política extern
Com o lema "expansão por amor à expansão", a burguesia tentou — e parcialmente conseguiu — persuadir os governos nacionais a enveredarem pelo caminho da política mundial.
Esse feliz equilíbrio, no entanto, certamente não correspondia ao inevitável resultado de misteriosas leis econômicas; antes, dependia de instituições políticas e, ainda mais, de instituições policiais que não permitiam aos concorrentes o uso de revólveres. Dificilmente se pode compreender como a concorrência entre empresas comerciais — impérios — armadas até os dentes terminasse de outro modo que não a vitória para uma e morte para as outras. Em outras palavras, a concorrência — como a expansão — não é um princípio político: ambas se baseiam em força política.
O q é Estado Nação: Contrariamente à estrutura econômica, a estrutura política não pode expandir-se infinitamente, porque não se baseia na produtividade do homem, que é de certo modo ilimitada, pelo menos teoricamente. De todas as formas de governo e organização de povos, o Estado-nação é a que menos se presta ao crescimento ilimitado, porque a sua base, que é o consentimento genuíno da nação, não pode ser distendida além do próprio grupo nacional, dificilmente conseguindo o apoio dos povos conquistados. 155
A nação, porém, concebe as leis como produto da sua substância nacional que é única, e não é válida além dos limites do seu próprio território, não correspondendo aos valores e anseios dos outros povos. Sempre que o Estado-nação surgia como conquistador, despertava a consciência nacional e o desejo de soberania no povo conquistado, criando com esse ato um obstáculo para a execução da sua tentativa de construir um império
Contradição entre o corpo político e a conquista do mecanismo: A inerente contradição entre o corpo político da nação e a conquista como mecanismo político tornou-se óbvia desde o fracasso do sonho napoleônico. Foi devido a essa experiência, e não por motivos humanitários, que a conquista foi desde então condenada como método de ação do Estado-nação, passando a ter importância insignificante mesmo no ajuste de conflitos fronteiriços. O fracasso de Napoleão na tentativa de unir a Europa sob a bandeira francesa indicou que a conquista leva o povo conquistado ao despertar da sua consciência nacional e à conseqüente rebelião contra o conquistador ou à tirania deste.
O surgimento de um movimento de expansão em Estados-nações que, mais que qualquer outro corpo político, eram definidos por fronteiras e pelas limitações de possíveis conquistas é um exemplo das disparidades aparentemente absurdas entre causa e efeito que assinalam a história moderna
Fazendo comparações com os impérios antigos, os historiadores modernos confundem expansão com conquista, desprezam a diferença entre Comunidade e Império
A única grandeza do imperialismo está na batalha que a nação trava — e perde — contra ele
O PODER E A BURGUESIA
A expansão imperialista havia sido deflagrada por um tipo curioso de crise econômica: a superprodução de capital e o surgimento do dinheiro "supérfluo", causado por um excesso de poupança, que já não podia ser produtivamente investido dentro das fronteiras nacionais
Os pioneiros desses eventos pré-imperialistas foram aqueles financistas judeus que haviam conseguido fortunas fora do sistema capitalista, após serem necessários para empréstimos internacionalmente garantidos aos Estados-nações em desenvolvimento.33
Logo que se tornou claro que a exportação de dinheiro teria de ser seguida pela exportação da força do governo, a posição dos financistas em geral, e dos financistas judeus em particular, enfraqueceu consideravelmente, e a liderança das transações e empreendimentos comerciais imperialistas passou gradualmente aos membros da burguesia autóctone.
A primeira conseqüência da exportação do poder foi esta: os instrumentos de violência do Estado, a polícia e o Exército — que na estrutura da nação, existindo ao lado das demais instituições nacionais, eram controlados por elas —, foram delas separados e promovidos à posição de representantes nacionais em países fracos ou não-civilizados. Aqui, em regiões atrasadas, sem indústria e sem organização política, onde a violência campeava mais livre que em qualquer país europeu, as chamadas leis do capitalismo tinham permissão de criar novas realidades. O desejo da burguesia de fazer com que o dinheiro gerasse dinheiro como homens geravam homens não passava de um sonho: o dinheiro tinha de percorrer longo caminho desde o investimento na produção; o dinheiro não gerava dinheiro — os homens é que faziam coisas e dinheiro. O segredo do sucesso estava precisamente no fato de terem sido eliminadas as leis econômicas para não barrarem o caminho à cobiça das classes proprietárias.
Investimentos estrangeiros: Os investimentos estrangeiros — exportação de capital que havia começado como medida de emergência — tornaram-se característica permanente de todos os sistemas econômicos exportadores da força. O conceito imperialista de expansão, de acordo com o qual a expansão é por si mesma um fim e não um meio temporário, foi introduzido no pensamento político quando se tornou 166 óbvio que uma das mais importantes funções permanentes do Estado-nação seria a expansão do poder. Os administradores da violência, empregados pelo Estado, logo formaram uma nova classe dentro das nações e, embora seu campo de atividade fosse tão distante do país de origem; eles chegaram a exercer importante influência no corpo político doméstico
o. O conceito de expansão ilimitada como único meio de realizar a esperança deacúmulo ilimitado de capital, que traz um despropositado acúmulo de força, torna quase impossível a fundação de novos corpos políticos — que até a era do imperialismo sempre resultavam da conquista. De fato, sua conseqüência lógica é a destruição de todas as comunidades socialmente dinâmicas, tanto dos povos conquistados quanto do próprio povo conquistador. Porque, se toda a estrutura política, nova ou velha, desenvolve naturalmente as forças estabilizadoras que se opõem à sua transformação,
IMPORTANTE
A burguesia, que durante tanto tempo fora excluída do governo pelo Estado-nação e, por sua própria falta de interesse, das coisas públicas, emancipou-se politicamente através do imperialismo.
 O imperialismo deve ser considerado o primeiro estágio do domínio político da burguesia e não o último estágio do capitalismo. 
Quando, na era do imperialismo, os comerciantes se tornaram políticos e foram aclamados como estadistas, enquanto os estadistas só eram levados a sério se falassem a língua dos comerciantes bem-sucedidos e "pensassem em termos de continentes", essas práticas e mecanismos privados transformaram-se gradualmente em regras e princípios para a condução dos negócios públicos
Assim, a participação em qualquer forma de comunidade é para Hobbes temporária e limitada, e essencialmente não muda o caráter solitário e privado do indivíduo (que não tem "prazer, mas, ao contrário, muito desgosto em manter companhia, quando não há força para obrigá-lo a tanto"), nem cria laços permanentes entre ele e seus companheiros.
Porque na lei do Estado não existe a questão de "certo" ou "errado", mas apenas a obediência absoluta, o cego conformismo da sociedade burguesa. E, como essa lei flui diretamente do poder que ela torna absoluto, passa a representar a necessidade absoluta aos olhos do indivíduo que vive sob ela. Despojado de direitos políticos,, o indivíduo, para quem a vida pública e oficial se manifesta sob o disfarce da necessidade, adquire o novo e maior interesse por sua vida privada e seu destino pessoal.
O processo ilimitado de acúmulo de capital necessita de uma estrutura política de "poder tão ilimitado" que possa proteger a propriedade crescente, tornando-a cada vez mais poderosa. Dado o fundamental dinamismo da nova classe social, é perfeitamente verdadeiro que "ela não pode garantir o poder e os meios de viver bem, que alcança num determinado instante, sem adquirir mais". A coerência dessa conclusão não é absolutamente afetada pelo fato de que, durante cerca de trezentos anos, não houve um soberano que "convertesse esta verdade especulativa em utilidade prática", nem uma burguesia com suficiente consciência política e maturidade econômica para adotar abertamente a filosofia do poder de Hobbes.
Na época imperialista, a filosofia do poder tornou-se a filosofia da elite, que logo descobriu, e estava pronta a admitir, que a sede de poder só podia ser saciada pela destruição.
A classificação da burguesia como classe proprietária é apenas superficialmente correta, porquanto a característica dessa classe é que todos podem pertencer a ela, contanto que concebam a vida como um processo permanente de aumentar a riqueza e considerem o dinheiro como algo sacrossanto que de modo algum deve ser usado como simples instrumento de consumo. Contudo, a propriedade em si é sujeita ao uso e ao consumo e, portanto, diminui constantemente. A forma mais radical — e a única segura — de posse é a destruição, pois só possuímos para sempre e com certeza aquilo que destruímos. Os donos de propriedade que não consomem, mas continuamente procuram aumentar as suas posses, esbarram com um limite muito inconveniente: o fato lamentável de que os homens morrem. A morte é o verdadeiro motivo pelo qual a propriedade e a aquisição jamais podem tornar-se um princípio político
Um sistema social baseado essencialmente na propriedade não pode levar a outra coisa senão à destruição final de toda a propriedade
Todos os chamados conceitos liberais de política (...)têm isto em comum: simplesmente adicionam vidas privadas e padrões de conduta pessoais e apresentam o resultado como leis de história, de economia ou de política.
Embora nunca inteiramente reconhecido, Hobbes foi o verdadeiro filósofo da burguesia, porque compreendeu que a aquisição de riqueza, concebida como processo sem fim, só pode ser garantida pela tomada do poder político, pois opro-cesso de acumulação violará, mais cedo ou mais tarde, todos os limites territoriais existentes.
A ALIANÇA ENTRE A RALE E O CAPITAL
As depressões dos anos 60 e 80, que deram início à era do imperialismo, forçaram a burguesia a compreender pela primeira vez que o pecado original do roubo, que séculos antes tornara possível o "original acúmulo de capital" (Marx) e gerara todas as acumulações posteriores, teria eventualmente de ser repetido, a fim de evitar que o motor da acumulação parasse de súbito.44
A primeira reação a um mercado doméstico saturado, à falta de matérias-primas e a crises crescentes foi a exportação de capital. Os donos de riqueza supérflua tentaram primeiro o investimento sem expansão e sem controle político, que resultou numa orgia sem precedentes de falcatruas, escândalos financeiros e especulações no mercado de ações, alarmantes na medida em que os investimentos no exterior cresciam muito mais depressa que os investimentos domésticos
Raça: Em termos marxistas, o novo fenômeno da aliança entre a ralé e o capital parecia tão artificial, tão obviamente em conflito com a doutrina da luta entre as classes, que foram completamente esquecidos os verdadeiros perigos da tentativa imperialista de dividir a humanidade em raças dominantes e raças escravas, em raças inferiores e superiores, em homens negros e homens brancos, como meio de unificar o povo à base da ralé
. Os Estados-nações haviam criado serviços civis sob a forma de grupos permanentes de funcionários; servindo independentemente de interesses de classe e de mudanças de governo, os Estados dependiam deles
Com a suposição de que a política estrangeira é necessariamente excluída do contrato humano, empenhada na guerra perpétua de todos contra todos, conforme a lei do "estado natural", Hobbes propicia o melhor fundamento teórico possível para todas as ideologias naturalistas, que vêem nas nações meras tribos, separadas umas das outras por natureza, sem qualquer tipo de conexão, ignorantes da solidariedade humana e tendo em comum apenas o instinto de autoconservação, como os animais. Se a idéia de humanidade, cujo símbolo mais convincente é a origem comum da espécie humana, já não é válida, então nada é mais plausível que uma teoria que afirme que as raças vermelha, amarela e negra descendem de macacos diferentes dos que originaram a raça branca, e que todas as raças foram predestinadas pela natureza a guerrearem umas contra outras até que desapareçam da face da terra.
Se for verdade que somos dominados pelo processo de Hobbes de infindável acúmulo de poder, então a organização da ralé levará inevitavelmente à transformação de nações em raças, pois nas condições da sociedade acumula-doira não existe outro elo de ligação entre indivíduos, já que, no próprio processo de acúmulo de poder e expansão, os homens estão perdendo todas as demais conexões com os seus semelhantes. O racismo pode destruir não só o mundo ocidental mas toda a civilização humana. Quando os russos se tornaram eslavos, quando os franceses assumiram o papel de comandantes da mão-deobra negra, quando os ingleses viraram "homens brancos" do mesmo modo como, durante certo período, todos os alemães viraram arianos, então essas mudanças significaram o fim do homem ocidental. Pois, não importa o que digam os cientistas, a raça é, do ponto de vista político, não o começo da humanidade mas o seu fim, não a origem dos povos mas o seu declínio, não o nascimento natural do homem mas a sua morte antinatural.
rale e burguesia: O que eles não compreenderam é que a ralé não é apenas o refugo mas também o subproduto da sociedade burguesa, gerado por ela diretamente e, portanto,nunca separável dela completamente. E por isso deixaram de notar a admiração cada vez maior da alta sociedade pelo submundo

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