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GENOGRAMA_PSICODIAGNOSTICO

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A
11
GENOGRAMA FAMILIAR
Mariana Gonçalves Boeckel
Laíssa Eschiletti Prati
valiar a complexidade inerente às relações familiares é uma preocupação
relativamente recente na psicologia. O genograma como recurso avaliativo e
interventivo surge como uma ferramenta bastante útil para acessar essas
interações, e sua utilização encontra-se cada vez mais ampla na prática psicológica nas
últimas décadas. Trata-se de um instrumento que permite organizar, de forma sintética e
clara, inúmeras informações quanto à dinâmica familiar. Este capítulo objetiva
descrever o genograma como modalidade técnica avaliativa da dinâmica
transgeracional familiar.
O genograma1 é a representação gráfica das relações familiares. Contém
informações sobre a estrutura, o funcionamento e a dinâmica de, ao menos, três
gerações de um sistema familiar. Utiliza o suporte gráfico para proporcionar uma
modalidade narrativa sobre histórias desse sistema. Essa narrativa ocorre por
intermédio da linguagem verbal, ou, ainda, por intermédio das linguagens analógica,
metafórica e representativa, que facilitam a aproximação às emoções e redescobertas
de novos significados. Seu uso no contexto avaliativo viabiliza o delineamento das
configurações das relações transgeracionais, auxilia na construção dos nexos mais
representativos entre as distintas gerações e evidencia ​aspectos mais complexos das
relações atuais (Andolfi, 2003).
Considera-se como um dos pioneiros da técnica o psiquiatra e terapeuta familiar
norte-americano Murray Bowen. Ele estudou ​árvores genealógicas de diversas famílias
e ​identificou o impacto da transmissão transgeracional nas interações familiares atuais.
Autores como Guerín e Pendgast (1976), Montàgano e Pazzagli (1989), McGoldrick,
Gerson e Petry (2012) e Cerveny (2014) também se apropriaram da técnica e a
aprimoraram. Eles destacam a ideia de que a técnica do genograma permite o acesso à
dinâmica familiar de forma mais proeminente do que entrevistas centradas na realidade
atual ou a livre narrativa sobre a história familiar.
O uso do genograma como técnica ​avaliativa e interventiva difere da construção
do ​genograma por parte do avaliador de forma breve, com o intuito de conhecer e
contextualizar a ​demanda trazida pela família. É construído em conjunto com o(s)
paciente(s) e facilita o acesso às memórias e aos relatos do mundo relacional. Inclui
muitos dados, além de nomes, idades e eventos importantes. Sua construção implica,
necessariamente, o aprofundamento das histórias e das relações estabelecidas com as
famílias de origem. Para sua construção, existem símbolos comumente utilizados que
auxiliam na compreensão gráfica da dinâmica familiar. Há símbolos que ​representam a
estrutura (Tab. 11.1), as informações sobre a família e seus membros (Tab. 11.2) e suas
relações emocionais (Tab. 11.3).
TABELA 11.1
Representações de estrutura familiar
Estes símbolos representam a construção do desenho, apresentando as pessoas da
família e indicando suas relações geracionais.
Gráfico
Homem
Refere-se ao sexo e não à orientação sexual.
Mulher
Refere-se ao sexo e não à orientação sexual.
Sexo desconhecido ou hermafroditismo
Tipos de relacionamento
Namoro
Noivos
Casamento ou união estável
Em caso de múltiplas uniões, procurar apresentar a união em diferentes alturas, indicando de forma clara a
sequência das uniões por datas de união e separação junto aos traços.
Casamento anulado
Conforme Novo Código Civil – Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002.
Separado
Em caso de separação com filhos, colocar o traço entre os filhos e o genitor que não está com a sua guarda.
Divorciado
Em caso de divórcio com filhos, colocar os traços entre os filhos e o genitor que não está com a sua guarda.
Em caso de guarda compartilhada, os filhos ficam entre os traços.
Viúvo
Tipos de filiação
Gravidez
É importante que o tamanho do triângulo seja relativamente menor que o desenho das demais pessoas no
genograma.
Aborto espontâneo
É importante que o tamanho da esfera seja relativamente menor que o desenho das demais pessoas no genograma.
Aborto provocado
É importante que o tamanho do X seja relativamente menor que o desenho das demais pessoas no genograma.
Guarda temporária
Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).
Adoção
Filho biológico
Nascimentos múltiplos
Colocar uma linha na diagonal para cada filho da mesma gestação. Em caso de gêmeos univitelinos, colocar uma
linha ligando-os.
Outros
Animal
Descrever o tipo de animal ao lado do símbolo, quando significativo para a família.
Fonte: Com base em Cerveny (2014) e Genopro.com (c2015).
TABELA 11.2
Representações de informações sobre a família
Estes símbolos representam informações específicas das pessoas das famílias que
interferem na dinâmica relacional do sistema familiar.
Gráfico
Morte
Especificar a causa da morte e a data.
Dependência química
Especificar a substância preferencial.
Doença clínica
Especificar o tipo de doença clínica ou diagnóstico.
Doença mental
Especificar o tipo de doença mental ou diagnóstico.
Suspeita de dependência química
Especificar a substância.
Doença mental com uso de drogas
Especificar o tipo de doença mental e a substância preferencial.
Traição
A traição refere-se a qualquer quebra de confiança, não somente traição afetiva. Uma traição emocional ou
ruptura de um segredo também podem ser representadas no genograma. Descrever o tipo de traição no desenho.
Segredo
Desenhar o cadeado próximo à situação envolvida no segredo e explicar.
Fonte: Com base em Cerveny (2014) e Genopro.com (c2015).
TABELA 11.3
Representações de relações emocionais familiares
Estes símbolos indicam como as pessoas se relacionam. Exigem, necessariamente,
a ligação entre pessoas.
Gráfico
Vinculação entre pessoas
Distanciamento
Conflito
Agressão/Violência
Abuso emocional
Abuso físico
Abuso sexual
Ruptura de contato
Proximidade afetiva
Intensa proximidade afetiva
Fusionamento
Organização física da família
Moram juntos
Desenhar uma linha em torno das pessoas que moram na mesma casa.
Guarda compartilhada
As crianças que vivenciam a questão da guarda compartilhada devem ser incluídas em dois núcleos de famílias
que moram juntas.
Fonte: Com base em Cerveny (2014) e Genopro.com (c2015).
Sugere-se a utilização do genograma na ​etapa final do processo avaliativo, com o
intuito de in​vestigar hipóteses relacionais elaboradas durante etapas avaliativas
anteriores. Nessa situação, sua aplicação permite acessar a dinâmica relacional ou
informações familiares específicas que complementam o diagnóstico e o prognóstico
provenientes da aplicação de outros instrumentos psicológicos.
A construção do genograma é processual e requer do avaliador habilidades para
respeitar o tempo que a família ou que a pessoa em processo de avaliação psicológica
necessita. A durabilidade de cada etapa é relativa, já que cada processo é intensamente
singular e requer tempo diferente tanto no que concerne à investigação mais apurada
como no que tange ao tempo para a elaboração dos conteúdos suscitados. Acredita-se
ser fundamental pelo menos dois encontros para a construção do genograma, tendo em
vista que muitas vezes é preciso “buscar informações” com outros membros da família
extensa.
Partindo dessa contextualização, ​propomos a construção do genograma em cinco
etapas. Pa​ra isso, buscou-se a exemplificação da técnica na descrição de um caso
modelo. A partir desse ca​so, serão retomados alguns pressupostos ​teóricos e técnicos
indispensáveis para o uso do genograma como instrumento investigativo e avaliativo.
As cinco etapas norteadoras são:
1. Contextualização da estrutura familiar e avaliação da utilidade de uso do
genograma
2. Investigação relacional da família de origem de um dos membros do casal
3. Investigação relacional da família de origem do outro membro do casal
4. Investigação relacional da família atual
5. Associações transgeracionais e conexão com a demanda/objetivo da
avaliação
PRIMEIRA ETAPA
Conteúdos referentes à estrutura e àdinâmica familiar costumam fazer parte de
qualquer processo de avaliação psicológica, podendo ser na forma de relatos breves ou
mais aprofundados, suscitados por intermédio da entrevista psicológica ou de escalas,
questionários, entre outros instrumentos. Esses conteúdos constituirão o alicerce na
definição da utilidade do uso do genograma para determinado caso avaliado. Assim, a
primeira etapa do genograma como recurso avaliativo inclui desde a ponderação, por
parte do avaliador, quanto à sua utilidade e viabilidade (averiguar se há
disponibilidade para tal por parte do avaliando), até o delineamento dos objetivos do
uso de tal técnica. O planejamento dos objetivos deverá ser constituído por hipóteses
de possíveis associações entre o sintoma que originou a avaliação e a dinâmica
familiar.
VINHETA CLÍNICA ╱ 11.1.1 – PRIMEIRA ETAPA
O contato telefônico foi realizado por Florinda, a mãe, que relata que a filha de 8
anos, Maria, não consegue aprender a ler e a escrever. A escola solicitou uma
avaliação psicológica. Maria participou de uma avaliação cognitiva, não
apresentando prejuízos. Durante essa etapa do processo avaliativo, em uma das
sessões com os pais, a mãe referiu haver algo muito triste na família que ela ainda não
gostaria de contar. O pai, Arthur, complementou dizendo: “Passado é passado, temos
que olhar para a frente; falar sobre dor não leva a nada”.
Com o resultado da avaliação e as falas dos pais, considerou-se relevante investigar a
história familiar a fim de compreender se existia alguma associação entre o sintoma e
a dinâmica transgeracional. Tendo em vista a disponibilidade da família de Maria,
todos os membros foram convidados a participar da construção do genograma. A
família era composta pelo casal de pais e dois filhos, sendo a Maria a mais velha
(Fig. 11.1).
FIGURA 11.1 ╱ GENOGRAMA – PRIMEIRA ETAPA.
É importante considerar que o uso do genograma como técnica avaliativa requer o
estabelecimento de um vínculo terapêutico de confiança não apenas com a pessoa em
avaliação, mas com a família, pois se almeja que ela participe do processo junto com o
paciente identificado. Como é um recurso que possibilita acessar histórias íntimas e,
muitas vezes, de importante impacto emocional, o vínculo de confiança será primordial.
Algumas falas podem ser indicativas da utilidade e da viabilidade do uso do
genograma, como: “Se você conhecesse a minha sogra…”; “O tio já dizia isso”; “Você
se parece com o seu avô”; “Se seu avô estivesse vivo…”; “Algumas ​coisas não são
ditas nesta família”; “Meu pai nunca se preocupou e me criei firme e forte, por que teria
que ser diferente com meu filho?”; “Eu não posso interferir, pois é a minha mãe que
cuida da nossa filha”.
A partir disso, sugere-se a técnica de construção do genograma para o paciente
identificado (avaliando) e, se possível, a inclusão da família no processo de avaliação.
Explica-se, então, a proposta de construção da história de, pelo menos, três gerações.
Destaca-se a relevância da técnica como recurso para conhecer a família e,
consequentemente, compreender as relações entre o motivo de encaminhamento para
avaliação e a história familiar.
O avaliador conversou com os pais, a fim de convidar a família a participar de
uma avaliação das relações familiares por meio do genograma. Inicialmente, Florinda e
Arthur questionaram a utilidade de relembrar histórias familiares. O avaliador resgatou
as falas trazidas anteriormente e o quanto não ser permitido falar sobre determinados
assuntos traz sofrimentos para as famílias. Florinda chorou e concordou. Arthur disse
que se fosse para o bem da filha, ele aceitaria. Solicitou-se, na ocasião, que
resgatassem a história, conversassem com pessoas significativas, revisi​tassem álbuns
da família e trouxessem fotos, objetos e registros que julgassem representativos. É
importante destacar aos integrantes da ​família que devem coletar o maior número
possível de informações sobre relações, conflitos, doenças, histórias típicas, histórias
sobre a origem da família, características marcantes de cada um, etc. Solicitou-se aos
pais, Florinda e Arthur, que compartilhassem essas instruções com os filhos.
SEGUNDA ETAPA
A construção do genograma começa com a narração da história da família de origem
por um dos membros do casal/pais. Geralmente, parte-se da história de um dos pais.
Quanto a qual das histórias será a escolhida, fica a cargo do paciente decidir. É
solicitado que a pessoa escolhida fale sobre a sua família, enquanto o avaliador
organiza o desenho gráfico do genograma em um flipchart, em uma cartolina ou em um
papel pardo.2 Orienta-se aos demais membros da família envolvidos no processo
terapêutico que participem desse momento, ouvindo a narração da pessoa. No entanto,
em casos de violência e de segredo (p. ex., relações extraconjugais), sugere-se a
montagem em separado, pois, em contextos em que a comunicação não pode ser clara, a
história, provavelmente, não será narrada de forma verdadeira.
É importante investigar, em cada família, aspectos como: quem são as pessoas;
suas idades; qual a sua origem cultural; as características pessoais marcantes de cada
um e da família como um todo; proximidades, distanciamentos e rompimentos entre os
membros; semelhanças e diferenças entre as gerações; histórias das relações relevantes
ao tratamento/problema apresentado; gênero; doenças; luto; morte; rupturas; mudanças
geográficas; entre outros. Orienta-se que essas informações sejam registradas pelo
avaliador, preferencialmente junto ao desenho gráfico do genograma, para que todos
possam acompanhar, observar e fazer conexões. Os familiares que estão acompanhando
podem contribuir, mas a fala principal é da pessoa que se propôs a contar a história
naquele momento. Algumas informações poderão ser solicitadas como tarefa de casa, a
fim de complementar a história conhecida.
O avaliador pode optar por deixar livre o pri​meiro relato, ou seja, solicitar que a
pessoa con​te sobre a sua família e, ao final, resgatar pontos importantes ou ausentes do
discurso. Ou, ainda, pode ir norteando o relato, indicando temas, gerações, contextos e
situações a serem narradas.
VINHETA CLÍNICA ╱ 11.1.2 – SEGUNDA ETAPA
Comparecem à sessão Arthur, Florinda, Maria e Tiago. O avaliador inicia o encontro
solicitando que contem a história familiar livremente. Arthur começa falando que seus
pais moravam no campo e nunca estudaram, que ele mesmo só estudou até o 4º ano.
Relata que a vida era muito dura, que ele e seus dois irmãos trabalhavam na lavoura
desde crianças. Sua irmã cuidava da casa junto com a mãe, e ambas trabalhavam
fazendo doces para fora. Florinda contribui acrescentando que seus sogros eram muito
trabalhadores e morreram cedo em função da vida dura. Arthur conta que era muito
comum eles adoecerem devido ao trabalho e à alimentação precária. Lembra que a
irmã teve pneumonia duas vezes, sendo hospitalizada.
Enquanto o casal relata, o avaliador constrói o genograma em uma folha de flipchart.
Para isso, questiona alguns pontos: idade dos irmãos; época da morte dos pais; como
os pais se conheceram; se houve ritual de casamento; como foi a união; onde
moravam; qual a relação com a família extensa; quais as características culturais da
família; quem estudou e até que série; quem tinha facilidade para aprender coisas
novas; quem tinha dificuldade para aprender coisas novas; entre outros. Arthur não
lembrava detalhes da história de vida de seus avós e de seus pais, pois, segundo ele,
pouco se conversava sobre “essas coisas na família”. Então, foi solicitado a ele que
conversasse com seus irmãos (mais velhos) para tentar descobrir mais informações.
Arthur conseguiu, com seu irmão mais velho, uma foto de sua família materna, que ele
não conhecia. A foto era típica da época, 1920, e ali aparece um tio que morreu
quando era bebê e do qual Arthur nunca ouvira falar. Diz, também, que isso era muito
comum: “Os bebês morriam”. Sobre o pai, refere que não conseguiu descobrir nada,
que era muito calado e sua família era de outroEstado. O pai dizia que “olhar para o
passado não garantia o sustento”. O avaliador investiga detalhes e registra essas
informações, confirmando a hipótese de que está diante de uma família que apresenta
dificuldades para falar sobre alguns temas, possivelmente os dolorosos. O avaliador
pergunta se gostariam de dar um título à família, um nome que a caracterizasse (Fig.
11.2). Às vezes, dar títulos e nomes para a família ou para os núcleos familiares pode
facilitar a identificação de padrões e características. Arthur denominou a sua família
de origem como “Fortaleza”.
FIGURA 11.2 ╱ GENOGRAMA – SEGUNDA ETAPA.
TERCEIRA ETAPA
Essa etapa começa quando se percebe que a narrativa acerca de uma das partes da
família está encerrada. Propõe-se, então, o relato da outra história familiar. Segue-se o
mesmo modelo adotado na segunda etapa. É importante investigar os temas abordados
no relato anterior; no entanto, deve-se estar atento às características de cada família e
aos temas diferentes que possam surgir. Se necessário, pode-se retomar a narração
anterior para complementar informações.
VINHETA CLÍNICA ╱ 11.1.3 – TERCEIRA ETAPA
Florinda conta ser de uma família que trabalhava na pedreira. Seu pai e seu irmão
mais novo trabalhavam; já ela, sua mãe e suas duas irmãs cuidavam da casa. As
mulheres não podiam trabalhar na pedreira, ainda que Florinda desejasse ajudar a
família. Ela, que sempre almejara estudar, fez supletivo e terminou o ensino médio.
Conta que a vida era difícil, mas conversavam bastante, especialmente entre as
mulheres da família. Morava junto uma tia paterna, que adorava contar histórias da
sua época. A tia esteve casada por apenas um ano – seu marido era alcoolista e
morreu em função de complicações decorrentes de um acidente de trabalho na
pedreira. Ela, então, nunca mais casou, e ajudava a mãe a cuidar de Florinda e seus
irmãos. O avaliador investiga a repercussão dessa morte na família, e Florinda diz
que era muito pequena e não lembra. Sobre a mãe, conta que eram imigrantes italianos
e trabalhavam no comércio. O avaliador pede para que ela converse com sua mãe
para saber como foi, em função de a temática morte estar recorrentemente na narrativa
da família.
No atendimento seguinte, Florinda conta que a tia ficou mal durante o luto e que se
“apegou muito a ela para superar o período de dor”. Sua mãe e sua tia não falavam
diretamente sobre o assunto. No entanto, hoje a mãe conta que delegou mais os
cuidados na educação de Florinda à tia por pena, pois ela não tinha filhos e já era
viúva. A tia morreu dois anos antes de Florinda ir para a cidade estudar. Nesse
momento, Florinda chora, refere o quanto sente falta da tia e de seu pai, falecido há
cinco anos – “ele já estava velhinho”. Maria corre para o colo da mãe e Tiago segue
brincando com peças de plástico que se encaixam. O avaliador inclui as crianças na
narrativa e pergunta se já conheciam essa história. Ambos dizem que não. Arthur fala
que é difícil e que o melhor é não falar, pois precisam de um tempo. O avaliador
respeita o tempo necessário à família, validando a fala de Arthur, e ao mesmo tempo
abre espaço para acolher tais relatos e sentimentos. Solicita que deem um título à
família, e Florinda a denomina “Luta”. O desenho estrutural das famílias de origem
está pronto (Fig. 11.3).
FIGURA 11.3 ╱ GENOGRAMA – TERCEIRA ETAPA.
QUARTA ETAPA
A partir de fotos ou de outros recursos, o avaliador investiga a história da constituição
da família atual. Sugere-se iniciar com a história de como o casal se conheceu,
buscando acessar o contrato conjugal e seus padrões relacionais. Nesse momento, é
importante compreender como o casal se vincula com as famílias de origem – níveis de
individuação, hierarquias, regras, limites, fronteiras, comunicação, planejamento
familiar, tempo livre, recursos, potencialidades, processos de resiliência, entre outros.
Nessa etapa, as crianças são incluídas de forma mais intensa, pois fazem parte da
história.3
VINHETA CLÍNICA ╱ 11.1.4 – QUARTA ETAPA
O avaliador sinaliza que, a partir desse momento, a conversa será sobre a família que
está naquela sala e pede que mostrem as fotos trazidas que ajudam a contar a história
da família atual. Maria e Tiago mostram a foto do casamento dos pais; contam que
eles se conheceram em um baile e que foi amor à primeira vista. Todos riem. Florinda
tinha uma colega que conhecia o primo de Arthur; eles foram apresentados e, desde
então, estão juntos. O avaliador pergunta o que mais chamou a atenção no outro.
Florinda diz que Arthur era certinho e provavelmente trabalhador. Arthur conta que
Florinda era a moça mais linda do baile e tinha um olhar forte.
Tiago interrompe a história e mostra uma foto em que estão presentes Tiago bebê,
Maria com uns 5 anos, o casal e outra menina aparentando ter uns 7 anos. Contam que
essa foi uma foto tirada no batizado de Tiago e detalham o evento. No entanto, não
trazem relatos sobre essa outra criança. O avaliador pergunta, então, sobre a menina.
Silêncio. O avaliador busca confirmar se a família percebia que o padrão
transgeracional de comunicação sobre temas difíceis estava acontecendo naquele
momento (resgatando os aspectos trabalhados anteriormente). Tiago diz “a mana
morreu”.
Florinda retoma a fala do início do processo, quando disse haver algo complicado e
sobre o qual ainda não estava pronta para falar, mas “parece que Tiago está pronto
para relatar”. Ela não sabia que ele havia escolhido aquela foto. O avaliador
concorda com Florinda e pergunta aos demais o que acham da sua fala, se todos
conseguiriam falar sobre o assunto. Arthur conta que a filha morreu daquilo que suas
irmãs haviam sobrevivido: pneumonia. A filha tinha 9 anos. Todos choram. Não
conversam sobre o assunto. Os filhos participaram do velório e do enterro, mas nunca
mais visitaram o túmulo e tampouco falaram sobre a irmã, Luiza. Arthur diz que a
filha era muito magrinha e comia pouco, que se sente muito mal quando pensa nisso,
mas que insistia para que ela comesse. Ela foi internada e ficou 10 dias hospitalizada,
sendo encaminhada para a UTI um dia antes de morrer. Florinda questiona se ela não
deveria ter ido antes para a UTI, e diz que sentia que algo não estava bem, “ela tinha
dor”. Florinda chora e não consegue falar. Maria está no colo da mãe e também se
cala. O avaliador acolhe os sentimentos e mostra, no genograma, o padrão de
resolução que envolve não falar sobre temas difíceis (Fig. 11.4). Conversa-se sobre
essas relações e os sentimentos reativados com a morte de Luiza. Explora-se o reflexo
disso na família extensa. Por fim, o avaliador pergunta se eles identificam alguma
relação disso com o sintoma de Maria.
FIGURA 11.4 ╱ GENOGRAMA – QUARTA ETAPA.
QUINTA ETAPA
Esse momento objetiva buscar associações transgeracionais como um todo e sua
conexão com a demanda/objetivo da avaliação. É de grande relevância resgatar
recursos e estratégias funcionais de famílias e indivíduos ao longo do tempo. No
transcurso do processo, as conexões se fazem presentes à medida que a família se
apresenta preparada para isso; no entanto, é interessante retomar os principais aspectos
na etapa final.
É nessa etapa que se encerra o processo por meio da devolução participativa; ou
seja, o avaliador resgata com a família ou com o avaliando individualmente os
principais aspectos, assim como complementa com os pontos que identificou durante o
relato. Essa etapa pode coincidir com a devolução de outros instrumentos avaliativos,
isto é, a devolução da avaliação realizada com o paciente identificado antes do
genograma pode ocorrer junto com a devolução dos aspectos vislumbrados na história
familiar. Além disso, a partir da devolução, o avaliador, o paciente identificado e a
família deverão definir os encaminhamentos, quando necessários.
VINHETA CLÍNICA ╱ 11.1.5 – QUINTA ETAPA
Florinda questiona: “Será que essa tristeza pode ter relação com o que está
acontecendo com Maria?”. Tiago diz que não gosta de brincar na rua quando está
muito triste, ou seja, que se sente impactadopela dor. O avaliador resgata isso,
pontuando a dor e suas repercussões quando não conversada. Arthur acha que a filha
precisa seguir a vida. Maria pergunta o que vai acontecer se ela morrer também.
Florinda diz que tem feito de tudo para que isso não aconteça, e que não deixa mais os
filhos brincarem na rua com os vizinhos.
O avaliador resgata as histórias apresentadas no genograma e pontua o quanto o
padrão comunicacional está relacionado com as histórias das famílias de origem e
com a vivência do luto de Luiza. Retomam-se os “lutos e lutas” das famílias de
origem. Abre-se espaço para o reconhecimento e a validação desses sentimentos.
Associa-se a dificuldade de Maria em aprender com a estratégia de não conversar
sobre dificuldades (“Como aprender coisas novas se não posso conversar sobre o que
não sei?”). Retomam-se os recursos presentes na família atual (pais presentes e
batalhadores, afeto e possibilidade de expor o sentimento). A Figura 11.5 apresenta as
relações evidenciadas pelo relato familiar.
A partir do processo avaliativo, considerou-se pertinente o encaminhamento para
terapia familiar a fim de trabalhar aspectos que surgiram com a construção do
genograma: a dificuldade de conversar sobre temas difíceis, especialmente sobre o
luto de Luiza, e as reverberações disso na relação dos pais com os filhos. Essa
proposta foi prontamente aceita por todos.
A quinta etapa do genograma permitiu uma compreensão mais ampla do sintoma,
possibilitando, assim, um espaço seguro para falar sobre temas que dificultavam o
desenvolvimento da família. Essa avaliação permitiu encontrar o melhor
encaminhamento para pessoa avaliada, e, consequentemente, para a família.
FIGURA 11.5 ╱ GENOGRAMA – QUINTA ETAPA.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Avaliar a dinâmica familiar com os integrantes presentes no setting pressupõe acolher a
complexidade relacional. Isso requer clareza quanto aos objetivos e, consequentemente,
o delineamento de algumas hipóteses referentes às associações entre o sintoma que
trouxe o paciente identificado à avaliação e a dinâmica familiar. Partindo desses
pressupostos, foram construídas as cinco etapas descritas ao longo deste capítulo, que
objetivam servir de guias orientadores na aplicação da técnica do genograma. Guia
orientador não implica a definição rígida quanto a tempo, uso de recursos, roteiro de
entrevista, entre outros. A partir disso, alguns aspectos merecem ser destacados como
particularidades da técnica.
A subjetividade inerente a cada indivíduo e a intenção do avaliador são pontos
que orientarão o tempo requerido para cada etapa, os assuntos abordados, o uso de
dispositivos que auxiliem na narrativa, etc. Além disso, tendo em vista o conceito de
família na contemporaneidade ser de grande abrangência, os símbolos utilizados no
desenho gráfico também são guias e não abarcam todas as tipologias de relações,
acontecimentos e situações. Por isso, cabe ao avaliador ser habilidoso e criativo para
dar conta das novas informações e registrá-las da forma que considerar mais adequada,
descrevendo-as por meio de palavras ou símbolos. O mais importante é que as
informações coletadas fiquem suficientemente claras para avaliador e avaliando.
A técnica, como instrumento dispositivo em um processo de avaliação psicológica
e como um psicodiagnóstico, é o ponto central deste capítulo. No entanto, o genograma
pode e é comumente utilizado como recurso avaliativo e interventivo em atendimentos
psicoterapêuticos individuais, de casais, de famílias e de grupos. Tendo em vista os
objetivos bastante diferenciados entre uma avaliação psicológica e um processo
psicoterapêutico, os aspectos elencados anteriormente (tempo, uso de recursos, roteiro
de entrevista, etc.) referentes às cinco etapas irão variar com mais intensidade.
Para além do processo avaliativo, o genograma, em contextos de psicoterapia,
pode fazer parte da fase inicial da terapia, com o intuito de conhecer a realidade
relacional através das gerações, ou, ainda, pode ser construído ou retomado ao longo
de todo o processo. Quando em psicoterapia individual, a narrativa pode ser exclusiva
do paciente, ou outros integrantes da família podem ser convidados para a sua
construção, desde que isso seja considerado pertinente tanto para o avaliador quanto
para a pessoa. Nos casos de terapia de casal, o genograma é um recurso de intensa
valia, pois possibilita o acesso aos padrões relacionais transgeracionais, às questões
de gênero, aos contratos conjugais que podem estar impactando a relação atual. Nos
atendimentos familiares, a técnica auxilia no reconhecimento das narrativas das
famílias de origem que influenciam a dinâmica relacional atual. Nos atendimentos de
grupo-terapias, o genograma pode ser um excelente recurso para identificar demandas
específicas (como grupos de terapia com mulheres vítimas de violência doméstica, ou a
identificação de profissões das famílias de origem – genoprofissiograma), assim como
para compartilhar com os demais integrantes do grupo histórias e vivências familiares.
Sugere-se que, no processo terapêutico, o genograma de cada integrante do grupo seja
trabalhado ao longo de 1 ou 2 encontros, e que os demais pacientes possam contribuir
para associações e identificações de padrões relacionais.
A seguir, são descritos alguns tópicos especiais no que tange ao uso do genograma
em diferentes contextos. Essas situações podem tanto fazer parte do processo avaliativo
como do psicoterapêutico. São descritos alguns cuidados e particularidades que devem
ser considerados pelo avaliador/psicoterapeuta.
Nos casos de violência, de segredos e de intensa rivalidade conjugal ou litígio,
aconselha-se que algumas sessões sejam realizadas com um cônjuge e outras com o
outro, pois conteúdos referentes às famílias de origem podem ser intensificadores de
conflitos. Algumas orientações de manejo nessas situações serão brevemente descritas
a seguir.
Em casais envolvidos em violência, quando os encontros ocorrerem com ambos os
cônjuges, as narrações devem ser respeitadas, mesmo que em contradição. O foco do
avaliador está em identificar situações de risco ou momentos em que o conflito ficou
mais exacerbado. Sugere-se que seja realizado um trabalho em separado com cada um
dos cônjuges e uni-los somente no final da construção do genograma. Nessa união, o
avaliador deve trazer dados relevantes para a solução do problema e não ampliar o
conflito inerente à relação.
Em famílias com segredos, o genograma pode auxiliar na sua revelação, pois
possibilita ambiente propício para a partilha de histórias difíceis e a construção de
visões complementares sobre um mesmo evento. É mais fácil revelar um segredo
contextualizando suas origens do que apenas contar o que os outros membros da família
não conheciam. A construção do genograma também pode facilitar um ambiente de
abertura ao diferente, uma vez que muitas histórias novas podem ser narradas.
Ainda, a construção do genograma em famílias com história de abuso de
substâncias também exige cuidados especiais. Em primeiro lugar, não é produtivo
trabalhar a história familiar quando uma ou mais pessoas estiverem sob efeito de
substância. Quando as histórias começam a ser narradas, é inevitável a descrição de
outras pessoas que também fizeram uso de substâncias. Assim, o avaliador deve estar
atento para não justificar o uso atual por um padrão de uso repetido na família de
origem. Quando esse padrão começa a ser sinalizado no relato da família, o avaliador
deve utilizar essa identificação para romper o padrão disfuncional que vem definindo
os relacionamentos interpessoais. A ruptura só poderá ser estabelecida se o padrão
relacional for identificado.
Uma última situação que exige cuidados especiais do avaliador é a construção do
genograma em famílias em litígio. O foco principal da investigação deve ser encontrar
recursos que possibilitem a proteção das crianças e dos adolescentes desse sistema. O
avaliador pode trabalhar em separado com cada um dos pais, uma vez que o contrato
sobre informações necessáriasao processo esteja bem estabelecido. Ambos os pais
devem ter claro que o objetivo de retomar as histórias de origem é encontrar recursos e
potenciais, em cada sistema familiar, para a resolução do impasse do casal quanto ao
manejo com os filhos.
Em alguns momentos do ciclo vital familiar, a construção do genograma pode ter
características especiais. Por exemplo, quando as histórias das famílias de origem são
resgatadas durante a construção do novo casal, há grande possibilidade de serem
retomados aspectos referentes ao contrato secreto do casamento (expectativas de ambos
os cônjuges construídas a partir das famílias de origem e que nem sempre são
explicitadas pelo casal). Em famílias com crianças pequenas, o avaliador deve estar
atento para utilizar recursos que envolvam as crianças na narração (como fotos,
bonecos ou outros recursos que possibilitem a ludicidade no processo). Ao mesmo
tempo, quando temas delicados (como sexualidade, traição ou violência) surgirem no
relato, é importante construir um espaço somente com os adultos, protegendo a criança
de histórias que ela não conseguirá compreender. Em famílias com adolescentes, pode-
se começar o relato da história das famílias a partir da família atual. Assim, eles podem
se envolver de forma mais ativa na construção da história e compreender, junto com a
família, o quanto as atitudes atuais são reflexos das famílias de origem. Por fim, ao
construir-se o genograma com casais idosos, é interessante, além da investigação das
histórias das famílias de origem, explorar as gerações posteriores ao casamento (filhos
e netos). Essa nova perspectiva (de continuidade da vida) pode permitir a visualização
do quanto suas atitudes influenciam as dinâmicas das famílias de seus descendentes.
O genograma, portanto, é a descrição representativa da família em um determinado
momento. Entende-se como variável ao longo do tempo, assim como qualquer outro
instrumento psicológico. O significado das relações, as percepções e as narrativas são
descrições de como as pessoas se relacionam com suas histórias em um momento
específico. A preocupação em manter o genograma guardado durante o processo
terapêutico ou avaliativo está diretamente relacionada à possibilidade de mudança nas
relações. Sugere-se que ele possa ser retomado em diferentes momentos, revisando ou
acrescentando informações. Esse movimento amplia a possibilidade das pessoas
identificarem e compreenderem os diversos recursos familiares nem sempre adotados
pelo sistema atual.

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