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FUNDAMENTOS DA GEOPOLÍTICA Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autores: Carlos José Espíndola Rosimar Bizello Müller CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Dr. Malcon Tafner Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Cristina Danna Steuck Profa. Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Prof. Vilmar Klemann Revisão Gramatical: Sandra Pottmeier Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI 320.12 E777f Espíndola, Carlos José Fundamentos da Geopolítica/ Carlos José Espíndola [e] Rosimar Bizello Müller. Centro Universitário Leonardo da Vinci – Indaial: Grupo UNIASSELVI, 2010.x ; 171. p.: il Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-267-2 1. Geopolítica 2. Ciências Políticas I. Centro Universitário Leonardo da Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título Copyright © UNIASSELVI 2010 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Carlos José Espíndola Possui graduação em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (1988), mestrado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (1995) e doutorado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (2002). Atualmente é professor da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Geografia Humana, atuando principalmente nos seguintes temas: geografia, agroindústrias, estratégias empresariais, competitividade e desenvolvimento regional e urbano. Rosimar Bizello Müller É mestranda em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), especialista em Educação Ambiental (2007) pela Faculdade do SENAC - FATEC (Florianópolis - SC). Possui graduação (licenciatura plena) em Geografia (2001) pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), bacharelado em Geografia (2003) também pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente, atua como Tutora de Geografia no NEAD/ Núcleo de Ensino a Distância, na UNIASSELVI/ Centro Universitário Leonardo da Vinci. Sumário APRESENTAÇÃO ..................................................................... 7 CAPÍTULO 1 Histórico da Geopolítica ....................................................... 9 CAPÍTULO 2 A Organização do Espaço Mundial .................................... 23 CAPÍTULO 3 Os Conflitos Étnicos: Nacionalistas e Separatistas ...... 79 CAPÍTULO 4 Os Desafios Mundiais do Século XXI ............................... 117 CAPÍTULO 5 O Brasil na Geopolítica Internacional ............................ 145 APRESENTAÇÃO Olá caros estudantes! Bem vindos a mais uma disciplina do curso de Metodologia do Ensino de Geografia. Você certamente já ouviu falar em globalização, blocos econômicos, hegemonia militar, neoliberalismo, recursos energéticos, aquecimento global, crescimento populacional, escassez de água, nova ordem mundial, conflitos étnicos nacionalistas e separatistas, crise econômica, agribusiness, dentre outros. Temas como estes são fundamentais para compreendermos a dinâmica do mundo atual. Ademais, é preciso entender as relações entre política e território, independentemente da escala de ocorrência dos acontecimentos (conflitos, ascensões e depressões econômicas, bem como sociais, dentre outros), pois, estes repercutem em todo o espaço geográfico, e claro, de maneira geral, afeta a todos nós. Assim, entender a Geopolítica é imprescindível para compreendermos o mundo onde estamos inseridos, no que concerne principalmente a produção e organização do espaço geográfico e a relação da sociedade com seu meio. O estudo da disciplina de Fundamentos da geopolítica está pautado em cinco capítulos. No primeiro capítulo veremos o surgimento da Geopolítica, bem como, a distinção entre a geografia política. Veremos também o processo de desenvolvimento da Geopolítica ao longo dos tempos e as novas abordagens e/ou teorias. No segundo capítulo vamos apresentar como o espaço geográfico foi sendo organizado e produzido ao longo de alguns períodos da história política e econômica da humanidade, principalmente após a Primeira Guerra Mundial. Veremos também a relação da geopolítica com a organização do espaço geográfico no que tange principalmente o liberalismo econômico e o processo de globalização. No terceiro capítulo iremos abordar os principais conflitos étnicos internacionais da Europa, Ásia e África, bem como, as múltiplas razões que justificam tais conflitos. O capítulo quatro trará os desafios econômicos para o século XXI, no que tange principalmente os efeitos do crescimento populacional, a infra-estrutura energética no mundo, a corrida pela hegemonia mundial, bem como a crise econômica de 2009. Para finalizar o quinto e último capítulo desta disciplina, você irá verificar a participação do Brasil na Geopolítica Internacional no que concerne a abertura econômica, o desenvolvimento do agribusiness no mercado nacional e internacional, sua potencialidade em relação a produção do petróleo e sua relação com o MERCOSUL. Um ótimo estudo! Abraços! Os autores CAPÍTULO 1 Histórico da Geopolítica A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Conhecer e compreender o surgimento, o significado e as principais categorias e princípios geográficos da Geopolítica. � Apresentar o processo de desenvolvimento da Geopolítica ao longo dos tempos e as novas abordagens e/ou teorias. 10 Fundamentos da Geopolítica 11 Histórico da Geopolítica Capítulo 1 Contextualização Nos últimos 30 anos emergiram, no discurso acadêmico, na mídia e no senso comum, termos como: crise econômica, hegemonia militar, geopolítica, blocos econômicos, globalização, competitividade, problemas ambientais, neoliberalismo, recursos energéticos, nova ordem mundial, fronteiras, conflitos étnicos territoriais, entre outros. De maneira geral, esses temas podem ser relacionados a três grandes áreas do conhecimento, a saber: a Política, a Economia e a Geografia. A geografia, como as demais áreas do conhecimento, responde à necessidade de descrição e explicação do mundo, como foi, por exemplo, a filosofia de Sócrates (séculos V e IV a. C.); a política, com Maquiavel (século XVI); e a economia, com Adam Smith (século XVIII). É importante ressaltar que a geografia, como forma de descrição e explicação do mundo, “aparece timidamente desde os tempos primitivos da humanidade (as tábuas de navegação dos polinésios, conforme o exemplo de De Martone)” (Mamigonian, 1998). Contudo, foi entre os gregos que a geografia atingiu a sua maturidade, com Heródoto. A geografia moderna, descendente da filosofia clássica alemã (Kant e Hegel), nasceu na primeira metade do século XIX, como resposta ao atraso do processo de unificação do país. Segundo Pereira (1989, p. 91), [...] é, portanto, em solo alemão que a geografia alcança sua forma de Ciência Moderna. O salto qualitativo se dá entre os alemães no momento em que as questões relativas ao desenvolvimento do capitalismo encontram-se já plenamente resolvidas na Inglaterra e em curso bastante adiantado na França, enquanto a Alemanha permanece ainda às voltas com o seu processo de unificação interna. Cabe destacar que, na Alemanha, a unificação é pensada como modernização política e econômica, enquanto, na Itália, moderniza-se primeiro a política, depois a economia (PEREIRA, 1989). É neste contexto que emerge Humboldt e Ritter comopais da Ciência Geográfica Moderna. “Com Humboldt e Ritter nasce a Geografia científica ou Geografia acadêmica. Isto é, uma geografia produzida agora a partir dos centros universitários e, mais tarde, ensinada nas escolas.” (PEREIRA, 1989, p. 114). Apesar de Humboldt ser naturalista e Ritter historiador, ambos possuíam uma visão de totalidade típica do avanço filosófico alemão (Kant, Hegel, entre outros). Na Alemanha, a unificação é pensada como modernização política e econômica, enquanto, na Itália, moderniza- se primeiro a política, depois a economia (PEREIRA, 1989). 12 Fundamentos da Geopolítica O problema da unificação alemã e a necessidade de conquista de um lugar privilegiado para a Alemanha no cenário mundial foi também a grande preocupação da geografia política, criada por Ratzel, e a Geopolítica, de Haushofer. Mas o que é Geografia Política e a Geopolítica? Neste capítulo você terá subsídios para responder a estas perguntas. Geografia Política e Geopolítica: Origem e Conceitos A Geografia Política nasceu na Alemanha, na segunda metade do século XIX, a partir da obra de Friedrich Ratzel: “Geografia Política” (1897), e teve sua continuidade na obra do geógrafo francês Camille Vallaux: “O Solo e o Estado” (1910). Na sua obra, Ratzel pensa o estado como um organismo articulador entre o povo e o solo. Segundo Costa (1992), o solo condiciona as formas elementares e complexas da vida e favorece ou emperra o desenvolvimento dos Estados. De acordo com o mesmo autor, Não se trata, porém, de um determinismo estreito, meramente causal. O que está em jogo é a idéia de que o solo e seus condicionantes físicos são apenas um dado geral, uma base concreta, um potencial enfim, cuja eficácia para o desenvolvimento estatal de uma nação ou de um povo dependerá antes de tudo da sua capacidade em transformar essa potencialidade em algo efetivo. (COSTA, 1992, p. 33). É, pois, neste sentido, que a efetivação das potencialidades somente terá concretude com a existência de um estado forte, centralizador e capaz de criar políticas territoriais, econômicas, culturais, etc., visando a unidade nacional territorial. Outro aspecto importante do pensamento de Ratzel é o papel desempenhado pelo comércio internacional, que teria a função de transformar a terra inteira num vasto organismo econômico (COSTA, 1992). Não podemos deixar de ressaltar que apesar de insistir na coesão interna, Ratzel defende a ideia de que o desenvolvimento dos povos, sobretudo o alemão, passa necessariamente pelo alargamento Ratzel defende a ideia de que o de- senvolvimento dos povos, sobretudo o alemão, passa necessariamente pelo alargamento do horizonte geográfico. O horizonte geo- gráfico depende dos geógrafos e dos políticos para criar políticas e estratégias para a consolidação do Estado. 13 Histórico da Geopolítica Capítulo 1 do horizonte geográfico. O horizonte geográfico depende dos geógrafos e dos políticos para criar políticas e estratégias para a consolidação do Estado. A obra de Vallaux pretende deixar clara a sua oposição às concepções de Ratzel, sobretudo em relação ao Estado, enquanto organismo; e ao solo, enquanto meio influente no desenvolvimento da sociedade e dos Estados. Ao criticar as teorias sociológicas racionalistas e românticas sobre o Estado, que se situam no plano da inteligência das coletividades, ele afirma que, mesmo com os meios materiais semelhantes, os estados e as sociedades percorrem trajetórias diferenciadas ao longo do tempo. Assim, a relação da sociedade com o meio natural se desenvolve por um processo de adaptação ativa. Desse modo, o objeto da Geografia Política seria “o estudo das sociedades políticas e dos Estados como entidades particulares” (COSTA, 1992, p. 44). Para tanto, Vallaux estabelece, em seu método de análise, a analogia entre os tipos de sociedades políticas e Estados e a determinação do tipo de Estados. Quanto aos tipos, pode-se dividi-los em dois: os simples e os complexos. Os simples ocorrem pelo nível de coesão interna baixa. Os complexos apresentam uma coesão interna forte, com uma diversidade regional interna marcante, enquanto os simples tendem à uniformidade quanto aos seus aspectos físicos. Ainda, com relação aos Estados complexos, existem dois tipos de capitais: os naturais, que combinam forças de atração econômica e política numa grande cidade, típicas de Estados centralizados; e as artificiais, caracterizadas como Estados federativos (COSTA, 1992). Feitas essas breves considerações, pode-se afirmar, conforme Costa (1992, p. 15), “que cabe à geografia política a tarefa, nada trivial, dentre outras, de examinar e interpretar os modos de exercício do poder estatal na gestão dos negócios territoriais e a própria dimensão territorial das fontes e das manifestações do poder em geral”. E a Geopolítica? O termo Geopolítica surgiu com o sueco Rudolf Kjellen, que o usou para expressar as suas concepções sobre o estado e o território. Segundo Costa (1992, p. 56) ele “concebia a Geopolítica como um ramo autônomo da ciência política, distinguindo-se da Geografia Política, para ele um sub-ramo da Geografia”. Costa (1992, p. 58) acrescenta: Pode-se afirmar com relativa segurança que a Geopolítica, tal como exposta pelos principais teóricos, é antes de tudo um subproduto e um reducionismo técnico e pragmático da Geografia política, na medida em que se apropria de parte de seus postulados gerais, para aplicá-los na análise de situações concretas interessando ao jogo de forças estatais projetado no espaço. 14 Fundamentos da Geopolítica A partir de Kjellen emergiram novos teóricos geopolíticos que estão diretamente associados aos interesses do Estado-Maior, como o general geógrafo alemão K. Haushofer, o coronel argentino A.B. Rottenbach, o general brasileiro Golbery do Couto e Silva, entre outros. Em termos gerais, a geopolítica está diretamente dirigida para os “estados- maiores dos impérios centrais da Europa, em especial a Alemanha. Kjellen não escondia a sua admiração pelo Estado-maior alemão e nem o desejo de que a Europa viesse a ser unificada sob o imenso império germânico” (COSTA, 1992, p. 57). Uma dica de leitura é o livro intitulado Geografia Política e Geopolítica de Wanderlei M. Costa. Nesta obra, o autor faz uma análise das relações entre território e poder, ou o território como objeto e meio do poder de Estado. Igualmente, discorre sobre a evolução da Geografia Política e da Geopolítica desde os primórdios do século XIX até a atualidade, enfatizando o modo pelo qual os geógrafos têm concebido e interpretado as questões da política. O autor analisa as ideias dos principais autores que se dedicaram ao tema, dentre os quais: F. Ratzel, C. Vallaux, Isaiah Bowman, K. Haushofer e Mackinder, debatendo questões sobre a relação entre a geopolítica e as relações internacionais, o ‘pensamento militar’ e a conceituação teórica que distingue a geopolítica e a geografia política. O Imperialismo Ao longo da evolução do sistema capitalista emergiram processos que, necessariamente, levavam ao desenvolvimento do mercado mundial: a luta pelo controle das fontes de matérias-primas, a caça às colônias, o progresso técnico e a tendência à concentração do capital. Vejamos, por exemplo, os esquemas ilustrativos (figuras 1 e 2). 15 Histórico da Geopolítica Capítulo 1 Figura 1 – Comércio Mundial e Pilhagem da América no Século XVI Fonte: Adaptação de Beaud, 1989. Figura 2 – Comércio da Inglaterra com suas Colônias da América no Século XVIII Fonte: Adaptado a partir de L’Expansion Européene (1600-1870), apud Beaud, 1989. Contudo, foi ao longo do século XIX que se verificou, de forma mais intensa, os processos de acumulação extensiva horizontal e acumulação intensiva vertical. As características que marcam esse período (1815-1848) são: 1) esgotamento do uso da máquina a vapor nosetor industrial; 2) necessidade de adaptação da máquina a vapor para o setor de transporte marítimo e ferroviário (acumulação intensiva vertical); 3) investimentos dos ingleses na mineração da América Latina; 4) desenvolvimento dos bancos e empresas de Sociedade Anônima; 5) exportação de produtos têxteis ingleses para a Índia (acumulação extensiva horizontal). Camponeses Escravidão Matéria-prima / alimentos Mercadorias M er ca do ria sPilhagem Metais preciosos Metais preciosos Tráfico de escravos Espanha Portugal África Inglaterra Holanda França Colônias da América do Norte e Central Ilhas da América Ilhas da América Europa Meridional Produtos Manufaturados Inglaterra G rã os , c ar ne , m ad ei ra e p ei xe A çú ca r Escravos Escravos Grãos, carne, madeira e peixe Rum 16 Fundamentos da Geopolítica Segundo Gomes (2010), na acumulação extensiva, o crescimento do capital efetua-se por vagas sucessivas num campo mais amplo, sem alteração significativa das condições de produção. Na acumulação intensiva, o crescimento do capital é acompanhado de uma transformação rápida do processo de produção, resultando em importantes ganhos de produtividade pela utilização de novos meios técnicos. Tais transformações ofereceram sobrevida à hegemonia britânica, no período compreendido entre 1848-1873, que, a partir de novos processos produtivos, passou a inundar a Europa com produtos baratos. Concomitantemente, países como Alemanha, EUA e Japão aceleravam os seus processos de unificação interna e de industrialização. Tanto a Alemanha como os EUA procuraram reduzir a defasagem em relação à Inglaterra, com a substituição de combustíveis vegetais pelo mineral, a química pesada (complexo sal – sódio – ácido), com a utilização do aço pudlado (o método de pudlagem permitiu preparar o ferro de modo a transformá-lo em aço), que possibilitava a produção de peças grandes, com o papel dos bancos no financiamento das indústrias, os subsídios estatais e, sobretudo, pelo direcionamento da ciência e da pesquisa científica para a produção. Esse processo, iniciado em 1848, acelerou-se sobremaneira nos últimos trinta anos do século XIX, com o aparecimento de novas fontes de energia, como o motor a combustão interna e a eletricidade, e as novas fontes de matéria-prima (petróleo), o que se constituiu, por parte da Alemanha e dos EUA, num intenso processo de acumulação vertical intensiva. Isto, por sua vez, os qualifica como países hegemônicos, a partir de 1896, em contraste com o declínio do capitalismo britânico, conforme Quadro 1. Observe! Quadro 1 – Produção Industrial (%) Anos Grã-Bretanha EUA Alemanha 1870 32 23 13 1881-1885 27 29 14 1896-1900 20 30 17 1906-1910 15 35 16 1913 14 38 16 Fonte: Rostow, apud Beaud, 1989. 17 Histórico da Geopolítica Capítulo 1 Resumidamente, o período compreendido entre 1873 e 1895 pode ser chamado de idade do imperialismo, e apresenta as seguintes caracteristicas: 1) Concentração do capital em grau elevado, gerando os monopólios. Quando as condições fundamentais do capitalismo começam a se transformar, sua tendência é a substituição da concorrência pelos monopólios. Nos EUA, o processo de concentração de capital foi intenso, pois, em 1908, os sete primeiros trustes possuíam 1.638 sociedades anônimas. Já em 1990, a parte dos trustes representa 50% da produção têxtil, 54% da indústria do vidro, 62% da alimentação, etc. Na Alemanha, somente uma empresa elétrica controlava, em 1911, de 175 a 200 sociedades (BEAUD, 1989). 2) Fusão do capital bancário com o industrial, que dá origem ao capital financeiro e à oligarquia financeira. 3) Exportação de capitais para as colônias de além-mar menos desenvolvidas. Trata-se de um intenso processo de internacionalização do capital. 4) Associações internacionais monopolistas, que partilham o mundo entre si. 5) Partilha territorial do mundo entre as grandes potências. (LÊNIN, 1977, p. 641-2). De 1875 a 1913, apesar do protecionismo, as exportações dos EUA e da Alemanha multiplicaram-se muito mais que as da Grã-Bretanha. Paralelamente, aumentavam os investimentos externos na Grã-Bretanha com 43%, contra 20% na França, 13% na Alemanha e 7% nos EUA. As zonas invertidas apresentavam a seguinte configuração, em 1914: Europa 27%; América do Norte 24%; América Latina 19%, Ásia 16%, África 9% e Oceania 5% (BEAUD, 1989). Pelo exposto, verificou-se que, juntamente com a concentração de capital, ocorreu o acirramento da ocorrência internacional, as exportações de capitais e uma poderosa onda de colonizações, acompanhadas por conflitos e guerras que foram fundamentais para o desdobramento da geografia política, enquanto forma de descrição e interpretação da nova organização socioespacial. Para você ter uma ideia, “às vésperas da Primeira Guerra Mundial, o império alemão já disputava mercados e territórios em escala mundial”. (COSTA, 1992 p. 63). Para você ter uma ideia, “às vésperas da Primeira Guerra Mundial, o império alemão já disputava mercados e terri- tórios em escala mundial”. (COSTA, 1992 p. 63). 18 Fundamentos da Geopolítica As novas Abordagens da Geografia Política É importante destacar que, devido ao Imperialismo, passamos a ter um novo contexto, tanto sob o olhar da Geografia Política quanto da Geopolítica. Assim, durante todo o período posterior a 1873, a geografia política, mais precisamente a geopolítica, estava associada às estratégias das nações em relação a suas conquistas territoriais. Todavia, nos primeiros anos pós-Segunda Guerra Mundial, ressurgiu o debate teórico em torno da geografia política nos EUA, Alemanha e França. “Os objetos do debate teórico no período, como de resto em toda a história política, foram os conceitos e as concepções de Estado, nação, território e fronteira”. (COSTA, 1992, p. 147). Contudo, desde 1945 até 1970, a geografia política, enquanto área dos estudos geográficos, tornou-se quase que um monopólio dos norte-americanos. O rompimento deste monopólio e o processo de renovação da geografia política manifestar-se-iam em meados dos anos1970. Esse movimento teve início com os trabalhos de P. Guichonnet, Raffestin e seguidos por Y. Lacoste, com a criação da revista Heródote e a publicação do livro “Geografia: isso serve, em primeiro lugar para fazer a guerra”. Foi neste sentido que se introduziu no debate da Geografia política temas ligados a estratégias e ideologias. Não deixe de ler o livro “A Geografia: isso serve, em primeido lugar, para fazer a guerra”, de Yves Lacoste. Nesta obra, o autor procura responder perguntas, como: Para que serve a geografia e qual sua função social? Alerta para as consequências que ocorrem nas populações atingidas pela organização de seus espaços, assim como “chama” os geógrafos a assumir uma posição militante contra a instrumentalização da geografia pelos interesses estatais ou privados. Paul Claval foi outro geógrafo que participou do processo de renovação da geografia política ao propor temas, como: “a gestão administrativa interna dos espaços nacionais em seus vários níveis, a organização do poder público, o problema da autonomia regional e local, e o comportamento político eleitoral das diversas regiões, etc.” (COSTA, 1992, p. 261). 19 Histórico da Geopolítica Capítulo 1 Mas, quais são as tendências e perspectivas atuais da Geografia Política? As transformações ocorridas nos países, a partir de 1973, como a ascensão do Japão na economia mundial, seguido por Coreia, Brasil, China; a crise de hegemonia econômica dos EUA; os novos conflitos territoriais étnicos; a financeirização da economia; entre outras – acompanhadas da tendência à interdisciplinaridade – constituem sérios desejos teóricos e metodológicos pela geografia política. Dentre os novos temas podem-se destacaro poder exercido pelas instituições oficializadas (ONGs, Mídia, Igrejas, etc.) e oficiosas (Grupos para-militares), bem como, a pressão criada pelos diversos movimentos populares (MST). Destacam-se ainda, os temas relacionados com a economia, como por exemplo, comércio internacional, cooperação intra e interterritorial, competitividade das nações, entre outros. Algumas Considerações Podemos dizer que a geografia política e sobretudo a geopolítica são produtos do contexto europeu na virada do século XIX e incio do século XX, que surgiram com Ratzel e Kjéllen respectivamente. Segundo Costa (1992), o interesse pelos fatos referentes à relação entre o espaço e o poder também manifestava um momento histórico que envolvia o mundo em escala global, caracterizado pela emergência das tendências mundiais e, com elas, o imperialismo, como uma maneira histórica de “relacionamento internacional”. Neste sentido, o imperialismo passa a atribuir-lhe um novo contexto tanto sob o olhar da geografia política quanto da geopolítica. Atualmente, parece existir certa confusão entre a geografia política e geopolítica. Para Azevedo (1995), ambas dependem da História e da Política e possuem campos de ação parecidos; porém, pertencem a ramos diferentes. Para muitos autores, a Geografia Política é vista como uma disciplina estática, que estuda as relações da política com o espaço geográfico. Já, a Geopolítica é tratada como uma disciplina dinâmica, com a preocupação voltada às estratégias políticas e à obtenção de poder sobre algum território (recursos naturais, posição geográfica, etc). ”A gestão adminis- trativa interna dos espaços nacionais em seus vários níveis, a organi- zação do poder público, o proble- ma da autonomia regional e local, e o comportamento político eleitoral das diversas regi- ões, etc.” (COSTA, 1992 p. 261). 20 Fundamentos da Geopolítica Portanto, concluímos que a geografia política é o estudo das estratégias das nações e/ou países e a geopolítica corresponde às estratégias propriamente ditas. Atividade de Estudos: 1) Explique o surgimento da Geografia Política e da Geopolítica. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 2) Caracterize o período compreendido entre 1873 e 1895, também conhecido como a idade do imperialismo. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 3) Você conseguiu compreender a diferença entre a Geografia Política e a Geopolítica? Tente responder. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 4) O geógrafo francês Yves Lacoste, no livro: “A Geografia: isso serve em primeiro lugar, para fazer a guerra”, descreve a finalidade da Geografia e qual é a sua função social. Em sua opinião, para que serve a Geografia? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 21 Histórico da Geopolítica Capítulo 1 Uma sugestão de atividade para você realizar com seus alunos é a promoção de um debate: Geografia Política X Geopolítica. Divida a turma em dois grupos. Um grupo ficará responsável pela pesquisa da Geografia Política e o outro pela Geopolítica. Instigue a pesquisa e a criticidade de ambos os grupos. Referências AZEVEDO, A. de. A Geografia a Serviço da Política. Boletim Paulista de Geografia, São Paulo, n. 21, p. 42-68, 1955. BEAUD, M. A. História do Capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1989. COSTA, W. M. Geografia Política e Geopolítica. São Paulo: EDUSP, 1992. GOMES, C. Antecedentes do Capitalismo. 2010. Disponível em: <http://www. eumed.net/libros/2008a/372/ACUMULACAO%20DE%20CAPITAL.htm>. Acesso em: 26 fev, 2010. HOBSBAWM, E. A Era dos Impérios. São Paulo: Paz e Terra, 1989. KENNEDY, P. Ascensão e queda das grandes potências. Rio de Janeiro: Campus, 1989. LENIN, W. O Imperialismo fase superior do capitalismo. In: Obras Escolhidas. Lisboa: Moscou Livraria Progresso, 1977. MAMIGONIAN, A. Gênese e objeto da geografia: passado e presente. Florianópolis: Geosul, nº 28, 1998. PEREIRA, R. F. do A. Da geografia que se ensina à gênese da geografia. Florianópolis: ed. da UFSC, 1989. 22 Fundamentos da Geopolítica CAPÍTULO 2 A Organização do Espaço Mundial A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Entender como o espaço geográfico foi sendo organizado e produzido ao longo de alguns períodos da história política e econômica. � Compreender a Geopolítica atual, no que tange principalmente ao liberalismo econômico e ao processo de globalização. 24 Fundamentos da Geopolítica 25 A Organização do Espaço Mundial Capítulo 2 Contextualização Neste capítulo, vamos procurar entender como o espaço geográfico foi sendo organizado e produzido ao longo de alguns períodos da história política e econômica da humanidade, principalmente após a Primeira Guerra Mundial. Veremos também a relação da geopolítica com a organização do espaço geográfico, no que concerne principalmente ao liberalismo econômico e ao processo de globalização. Concentre-se, pois este estudo será um pouco denso e complexo. Contudo, importantíssimo! A Geopolítica entre 1873 – 1920 A depressão de 1873 marca sobremaneira o sistema econômico mundial, devido sobretudo à quebra e/ou ao colapso da Bolsa de Viena, às falências bancárias na Áustria, Alemanha, EUA, Grã-Bretanha e França. Acompanhadas dessas crises financeiras, verifica-se, no período compreendido entre 1873-1896, um intenso processo de: • queda de preços e redução das produções; • desemprego e redução dos salários reais; • queda do consumo. Essa crise provocou o sufocamento dos setores industriais da primeira geração, o acirramento da concorrência intercapitais, novos setores industriais, novas relações entre patrão e classe operária, a cartelização da economia, a concentração e centralização do capital, o protecionismo e a expansão territorial. Para Costa (1992, p. 60), “[...] o caráter imperialista da economia e das políticas territoriais das grandes potências assentava-se em dois movimentos principais, envolvendo estratégias de dominação em escala global [...]”. Um dos movimentos correspondia às disputas hegemônicas de vizinhanças, circunscritas aos espaços sujeitos à influência direta de cada Estado, como foi o caso da Europa, principalmente. O outro, à competição pelo domínio dos territórios de expansão colonial. Podemos dizer que ambos os movimentos envolviam, simultaneamente, lutas no nível de poder dos estados e concorrência internacional entre os capitais monopolistas de cada grande potência. 26 Fundamentos da Geopolítica Entretanto, a conquista imperialista das grandes potências diferenciava-se em escalas, formas de organização e domínio. Assim, conforme Costa (1992), existiam dois grandes grupos. No primeiro, destacava-se a Inglaterra com sua histórica política colonialista. No segundo grupo, destacavam-se as grandes potências, cujos respectivos estados estavam estruturados como Império (Alemanha, Rússia, Áustria-Hungria, Japão e Turquia). As áreas de influências destes Estados compreendiam, principalmente, territórios europeus ou asiáticos contíguos. Trata-se, pois, de: [...] impérios territoriais, isto é, situaçõesem que o conceito de grande potência acha-se associado muito mais ao poder do Estado obtido e exercido diretamente em hegemonias territoriais internas ao império e indiretamente a territórios contíguos, que propriamente a hegemonia precipuamente econômica de tipo imperialista e neocolonial. (COSTA, 1992, p. 62). O vasto império colonial britânico envolvia territórios da África, Ásia, Oceania e América. Estão ainda inseridos neste primeiro grupo vários países, como: a França, a Bélgica, a Holanda, Portugal. Quais foram, no entanto, os territórios conquistados e quais as áreas de influência? A Alemanha, após apossar-se da Alsácia Lorena, estendeu sua área de influência sobre os Bálcãs e sobre o Oriente Médio e obteve possessões em Camarões, Togo, parte do sudoeste africano e Tanzânia. O Japão estendeu seu domínio sobre parte da China e sobre a Coréia. A Rússia expandia seu domínio direto sobre a Europa Oriental (em direção ao mar Báltico e Mediterrâneo). Já os EUA, adquiriram da França o território da Lousiania (Meio oeste dos EUA), a Flórida, da Espanha, o Texas, a Califórnia e o Novo México, do México, o Alasca, da Rússia, o Havaí, as Filipinas, Porto Rico e áreas do Caribe. Ademais, transformou Cuba em seu protetorado (COSTA, 1992). A quase totalidade desse expansionismo fez-se através de conflitos bélicos que, por sua vez, ampliaram as despesas das principais potências envolvidas nestes movimentos, a exemplo da Grã-bretanha, França, Alemanha, EUA, Rússia, Itália, entre outros. Acesse o material de apoio e veja as despesas militares dos países referenciados anteriormente. O vasto império colonial britânico envolvia territórios da África, Ásia, Oceania e Amé- rica. Estão ainda inseridos neste primeiro grupo vários países, como: a França, a Bélgica, a Holan- da, Portugal. 27 A Organização do Espaço Mundial Capítulo 2 A corrida armamentista fortaleceu os exércitos das principais nações e reforçou a política de alianças entre as nações, como forma de enfrentamento diante das rivalidades. Assim, formou-se a Tríplice Aliança (Alemanha, Áustria e Itália) e a Tríplice Entente (Inglaterra, Rússia e França). As tensões entre as duas alianças foram ampliadas com a disputa entre a Alemanha e a França, pela conquista de Marrocos, e o conflito entre a Sérvia (apoiada pela Rússia) e a Áustria, pela anexação da Bósnia Herzegovina. A partir deste segundo conflito, emergiu “a típica Guerra Imperialista”, como afirmava Lênin. A figura 3 apresenta as potências europeias e seus planos de guerra, em 1914. Observe-a. Figura 3 – As Potências Europeias e seus Planos de Guerra em 1914. Fonte: Kennedy, 1989. Indicamos o filme “A Trincheira”, do diretor William Boyd, que conta a história de um grupo de jovens soldados, motivados pela propaganda antialemã, durante a Primeira Guerra Mundial. Eles estão prestes a participar de uma das batalhas mais sangrentas da história. 28 Fundamentos da Geopolítica Atividade de Estudos: 1) Vimos que o caráter imperialista da economia e das políticas territoriais das grandes potências assentava-se em dois movimentos principais, com os quais envolvia estratégias de dominação em escala global. Quais eram esses dois movimentos? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Você saberia dizer quais foram as transformações ocorridas no período posterior à primeira Guerra Mundial? Pense um pouco. A Geopolítica Pós-Primeira Guerra Mundial A guerra provocou profundas transformações na Europa como, por exemplo, a destruição de diversas estruturas produtivas, a escassez de alimentos, grandes perdas populacionais e a modificação jurídico- territorial, com o surgimento de uma série de estados-nações (Polônia, Tchecoslováquia, Áustria, Hungria, Iugoslávia, Finlândia, Estônia, Letônia e Lituânia). Segundo Kennedy (1989, p. 270), “cerca de 8 milhões de homens foram mortos na luta, enquanto outros 7 milhões ficaram permanentemente incapacitados, e mais 15 milhões, feridos”. Ademais, no extremo oriente, o Japão “herdou alguns dos antigos grupos de ilhas alemãs no norte do Equador, embora devolvesse Chang-tung à China em 1922.” (KENNEDY, 1989, p. 269). Contudo, a mais surpreendente transformação política e econômica deu-se com o tratado de Versalhes, assinado em 28/06/1919, e a Revolução Russa, em 25/10/1917. O tratado de Versalhes foi assinado por 27 nações e impôs duras condições aos alemães, por exemplo, restituir a região da Alsácia-Lorena à Segundo Ken- nedy (1989, p. 270), “cerca de 8 milhões de homens foram mortos na luta, enquanto outros 7 milhões ficaram permanentemente incapacitados, e mais 15 milhões, feridos”. A mais surpreen- dente transfor- mação política e econômica deu-se com o tratado de Versalhes e a Revolução Russa. 29 A Organização do Espaço Mundial Capítulo 2 França; ceder as regiões para a Bélgica, para a Dinamarca e para a Polônia; a eliminação do estado maior prussiano; a redução total de sua força militar; e o pagamento de enormes indenizações em dinheiro aos países vencedores. Além do tratado de Versalhes foram assinados vários outros visando à diplomacia política e financeira entre os países. Assista ao filme do diretor Ivan Passer, intitulado “Stalin”. Ele faz uma abordagem da longa trajetória do ditador soviético Stalin, desde o princípio da Revolução Russa (1917) até sua morte em 1953. Veja no Material de Apoio desta disciplina como ficou a Europa após a Primeira Guerra Mundial. Segundo Kennedy (1989, p. 279), “as indenizações, o corredor polonês, as restrições às forças armadas, a separação de regiões de língua alemã da Pátria, não seriam toleradas para sempre. As únicas dúvidas eram a rapidez com que essas restrições poderiam ser abolidas [...].” Se, na Alemanha e Itália, se presenciava a ascensão de partidos nazifacistas, na Rússia, o pós-Primeira Guerra Mundial seria marcado pela Revolução Socialista de outubro. Governado por uma oligarquia absolutista, o império russo promovia sua industrialização, ao longo do século XIX, com capitais estrangeiros oriundos da França, Alemanha e da Bélgica (KENNEDY, 1989). Era uma industrialização tardia que se combinava com relações tipicamente feudais no campo. A política expansionista do início do século XX – conquistas de territórios na China – levou a Rússia a confrontar-se com o Japão. A derrota promoveu uma série de revoltas sociais, resultando nos primeiros conselhos de operários (soviets) (KENNEDY, 1989). Com empréstimos obtidos no exterior e a repressão aos soviets houve um reforçamento ao governo de Nicolau II e, em 1914, a Rússia envolveu-se na Primeira Guerra Mundial. Derrotada, a população reduziu-se, juntamente com a produção industrial e agrária, sobretudo, em função da perda da Polônia, Finlândia e estados bálticos e cresciam as insatisfações das forças políticas de oposição. Assim, em 15 de março de 1917 foi deposto o governo Czarista. Contudo, foi somente com o regresso de Lênin à Rússia, em abril de 1917, que a oposição organizou o Partido Bolchevique. que liderou a revolução de outubro. 30 Fundamentos da Geopolítica A população russa tinha caído de 171 milhões em 1914 para 132 milhões em 1921. A produção industrial, em 1920, representava 13% da produção de 1913 (KENNEDY, 1989). Entre 1918 e 1920, as forças contrarrevolucionárias – lideradas pelo imperialismo inglês e francês – procuraram derrubar o governo Bolchevique, sobretudo, pela política de estatização da economia e o repúdio aos empréstimos feitos maciçamente pela Rússia (KENNEDY, 1989). O comunismo de guerra, que vigorou entre 1918 e1920, viria então a ser substituído em março de 1921 pela Nova Política Econômica (NEP) e, em 1922, foi fundada a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS – formadapelas Repúblicas da Rússia, Ucrânia, Rússia Branca, Transcaucásia, Uzbequistão, Turcomenistão e Tadjiquistão. Se algumas nações foram mais pesadamente afetadas pela guerra, outras tiveram, neste episódio, uma melhora em termos econômicos e tecnológicos. Pode-se destacar os EUA, na produção de automóveis, aviões, petróleo, corantes, aço, enlatamento, refrigeração, etc. Por isso, EUA, Canadá, Austrália, África do Sul, Índia e parte das Américas “tiveram suas economias estimuladas pela demanda industrial e de matérias- primas e alimentos para uma Europa destruída.” (KENNEDY, 1989, p. 271). As estratégias americanas de recusar o tratado de Versalhes e a adesão dos EUA à Liga das Nações contribuiram para o projeto americano: American First. Assim, os Estados Unidos começaram a ampliar seus horizontes na América. Em termos gerais, os EUA haviam se transformado na principal potência capitalista mundial. Em contrapartida, os países beligerantes iniciaram um intenso processo de restauração de suas economias. Na França, na Alemanha e na Inglaterra, na segunda metade dos anos de 1920, já ocorrera a retomada do crescimento econômico. Na Alemanha, por exemplo, intensificou-se a especialização nos setores químicos e eletrônicos, principalmente. De acordo com Kennedy (1989), o potencial da indústria alemã era, em 1928, de 30 a 40% superior ao período antiguerra. As estabilizações monetárias dos anos de 1920, decorrentes dos créditos e empréstimos norte-americanos, pareciam inaugurar um período de relativa harmonia do sistema econômico mundial. Assim, esquematicamente, poderíamos afirmar que se dava início ao processo de bipolarização do mundo, conforme figura 4. Nela verifica-se a estrutura de um mundo sob os desígnios do sistema capitalista, com a A população russa tinha caído de 171 milhões em 1914 para 132 milhões em 1921. A produção in- dustrial, em 1920, representava 13% da produção de 1913. URSS – formada pelas Repúblicas da Rússia, Ucrâ- nia, Rússia Bran- ca, Transcaucásia, Uzbequistão, Turcomenistão e Tadjiquistão. Os EUA haviam se transformado na principal potên- cia capitalista mundial. 31 A Organização do Espaço Mundial Capítulo 2 presença da formação soviética em seu interior, em busca da construção do socialismo. Figura 4 – Esquema simplificado da Organização do Espaço Mundial Pós-Primeira Guerra Mundial Fonte: Elaboração dos autores. A Geopolítica e a Crise dos anos Trinta Afirmou-se anteriormente, que as estabilizações monetárias, a reconstrução da Europa, os novos investimentos produtivos, a construção da URSS, parecia indicar que os anos da década de 1920 constituir-se-iam na harmonia do sistema econômico internacional. Contudo, os desequilíbrios do mercado internacional, decorrentes da produção e circulação de mercadoria, por um lado; e os circuitos monetários e o sistema de pagamentos por outro, desembocou na grande crise de 1929. Durante a Primeira Guerra Mundial, a demanda por produtos, por parte dos países beligerantes, se voltou para os EUA, levando fazendeiros à expansão da produção. Completada a recuperação das agriculturas europeias, após a Primeira Guerra Mundial, a oferta tornou-se relativamente elevada (superprodução), de forma que, nos EUA, manifestou-se na queda dos preços agrícolas e na consequente redução do poder aquisitivo em relação aos produtos industriais (KENNEDY, 1989). Paralelamente, os países europeus foram progressivamente adotando políticas de proteção a sua agricultura, o que resultou na lenta recuperação do comércio internacional pós-guerra. As práticas protecionistas adotadas pela Europa prejudicaram as exportações extra-Europa, mas, em direção oposta, suas economias eram invadidas por capitais oriundos dos EUA. Havia, portanto, uma MUNDO CAPITALISTA Formações capitalistas articuladas Formações capitalistas hegemônicas Formações socialistas Durante a Primeira Guerra Mundial, a demanda por pro- dutos, por parte dos países belige- rantes, se voltou para os EUA, levando fazendei- ros à expansão da produção. 32 Fundamentos da Geopolítica deterioração dos termos de troca. Segundo Kennedy (1989, p. 274), [...] com o dinheiro a curto prazo sendo empregado dessa forma em projetos de longo prazo, com consideráveis volumes de investimentos (especialmente na Europa central e oriental) ainda destinados à agricultura, aumentando com isso as pressões depreciativas dos preços agrícolas, com os custos do serviço dessas dívidas aumentando de maneira alarmante, e como não podiam ser pagos pelas exportações, sendo mantidos apenas com novos empréstimos, o sistema já estava desmoronando no verão de 1928, quando o surto de prosperidade interna americano (e o aumento reativo das taxas de juros pelo Federal Reserve) reduziram drasticamente a saída de capital. Kennedy (1989) afirma, ainda, que a nova redução dos empréstimos americanos ocasionou uma reação em cadeia, que parecia ser incontrolável. Entenda por que a falta de crédito fácil reduziu tanto o investimento quanto o consumo: a recessão da demanda entre os países industrializados atingiu produtores de alimentos e matérias-primas, que entraram praticamente em desespero, aumentando a oferta e testemunhando, em seguida, o colapso quase total dos preços – o que tornava impossível, por sua vez, a compra de produtos manufaturados (KENNEDY, 1989). Ainda de acordo com o mesmo autor, deflação, abandono do padrão ouro e desvalorização da moeda, medidas restritivas sobre o comércio e o capital, e não pagamento de dívidas internacionais foram os vários expedientes da época; e cada um deles representou novo golpe no sistema global de comércio e crédito. (KENNEDY, 1989, p. 247). Ressalte-se ainda o fato de que o sistema internacional de pagamentos, vinculado ao ouro, aumentou os desequilíbrios entre impossibilidade de exportação e elevação dos créditos e investimentos oriundos dos EUA. Houve então um descompasso entre as valorizações e desvalorizações das moedas europeias. A libra esterlina continuava valorizada, enquanto o franco (francês) era subvalorizado. O desfecho das desvalorizações cambiais e/ou controles cambiais foi o movimento de capitais de um país para outro, criando com isso a estabilidade política e monetária. Esta instabilidade foi ainda impulsionada pelo caráter especulativo dos negócios pós-1925. Surgiu na época, um cem número de sociedades de poupança e investimentos que direcionavam recursos monetários para a especulação com títulos. Um dos exemplos é a Goldman, Sachs and Company. Esse caráter especulativo levaria ao Esse caráter espe- culativo levaria ao crack da bolsa de valores de Nova York, em 1929. 33 A Organização do Espaço Mundial Capítulo 2 crack da bolsa de valores de Nova York, em 1929. As consequências imediatas da crise foram: • redução dos gastos em consumo; • a brusca diminuição da inversão industrial como resultado da demanda efetiva e da crise; • redução do crédito e perda de ativos; • fuga de capitais e deterioração do balanço de pagamento; • insolvência dos EUA como credor do mundo. Assim, a crise que teve início nos EUA irradiava-se para o mundo todo. A Organização Mundial do Trabalho calculou em 1933, uns 30 milhões de indivíduos sem trabalho no mundo inteiro (BEAUD, 1989). Nos EUA, o PNB nacional caiu de US$ 98,4 bilhões, em 1929, pra cerca da metade, em 1933. “Quase 15 milhões de trabalhadores tinham perdido seus empregos. O valor das exportações americanas tinha caído de US$ 5,24 bilhões para US$ 1,61 bilhão.” (KENNEDY,1989, p. 317). A depressão mundial, o desemprego e a competição entre manufaturados, matéria-prima e produtos agropecuários aumentaram os ressentimentos nacionais e inflamaram os grupos de direita. Esses passaram então a questionar o sistema liberal capitalista e, em contrapartida, exigiram políticas nacionalistas. Assim, de acordo com Kennedy (1989),as democracias mais frágeis como a Alemanha, Romênia, Espanha, entre outras, dobraram-se a essas pressões. Já no Japão, os conservadores cautelosos foram afastados pelos nacionalistas e militaristas. A este contexto econômico-financeiro e político somou-se ainda a intensa aplicação da ciência e tecnologia a fins militares. Merece destaque, os novos aviões de caça, os encouraçados, os porta-aviões, os tanques. Além disso, todo aparato armamentista foi auxiliado pelo aperfeiçoamento dos instrumentos de navegação, pelo radar, novos equipamentos de comunicação, etc. (KENNEDY, 1989). É, pois, neste contexto, que os países passam a aumentar suas despesas com a defesa do país. Mas quais foram as estratégias das nações pós-1930? Vejamos: A depressão mun- dial, o desempre- go e a competição entre manufatu- rados, matéria- -prima e produtos agropecuários aumentaram os ressentimentos nacionais e infla- maram os grupos de direita. 34 Fundamentos da Geopolítica Nos EUA, o presidente Roosevelt lançou o New Deal que, em sua essência, buscou: reorganização e a reativação de setores de atividades, como os bancos, a indústria, a agricultura e os transportes. Para a indústria foi criado o NIRA (National Industril Recovery Art); para a agricultura o AAA (Agricultural Adjustment Art) e para os transportes o REA (Railroad Emergency Art) (KENNEDY, 1989). A intervenção estatal fez-se ainda no controle dos preços de diversos produtos agrícolas e industriais; na concessão de empréstimos aos empresários, na realização de obras públicas, criação do salário desemprego e fixação do salário mínimo, etc. O resultado de tais medidas foi a retomada da produção industrial, o que possibilitou a recuperação da produção industrial de países, como a Alemanha, Itália, Japão e o Reino Unido. Na Alemanha, por exemplo, a recuperação contou com os investimentos em armamentos, pois, em 1938, 52% das despesas governamentais eram destinados aos armamentos (KENNEDY, 1989). A produção de aviões elevou-se de 36 unidades, em 1932, para 1.938 em 1934, e 5.112 em 1936. Contudo, essa frenética política de rearmamento de Hitler entra em choque com a dependência alemã de matérias-primas (minério de ferro, cobre bauxita, níquel, petróleo, borracha, entre outros). Assim, em 1938, anexou a Áustria, que contribuiu com cinco divisões de tropas, minério de ferro, campos petrolíferos e 200 milhões de dólares em ouro para o poderio da Alemanha. Outra contribuição foi a anexação da Tchecoslováquia. Os investimentos em armamentos foram também a estratégia japonesa e italiana. Segundo Kennedy (1989), no Japão, os dispêndios governamentais passaram de 31%, em 1931-32, para 47% em 1936- 37. Hitler ascendeu ao poder, na Alemanha, em 1933, tornando-se chanceler. O seu governo procurou exercer controle sobre diversos setores da sociedade alemã. Já, na URSS, os investimentos em armamentos ocorreram internamente somente a partir de 1937. Os 16,5% do orçamento destinado aos gastos com defesa, em 1937, salta para 32,6%, em 1940 (KENNEDY, 1989). De acordo este autor, anteriormente, os Planos Quinquenais de Stalin aumentaram a renda russa de 24,4 para 96,3 bilhões de rublos entre 1928 a 1937; a produção de carvão aumentou de 35,4 para 128 milhões de toneladas e a produção de aço de 4 para 177 milhões de toneladas. Paralelamente o governo passou a dedicar esforços para o desenvolvimento industrial com a criação de escolas técnicas e universidades. Se no plano interno, Japão, Alemanha e Itália dirigiram esforços para sua recuperação econômica e o desenvolvimento militar, externamente, assumiram a política de expansão territorial conforme demonstra o quadro 2. Observe-o!!! O New Deal que, em sua essência, buscou: reorga- nização e a reati- vação de setores de atividades, como os bancos, a indústria, a agricultura e os transportes. Hitler ascendeu ao poder, na Alemanha, em 1933, tornando-se chanceler. O seu governo procurou exercer controle sobre diversos setores da socie- dade alemã. 35 A Organização do Espaço Mundial Capítulo 2 Quadro 2 – Política expansionista Anos Países Operação País 1931 Japão Invasão Manchúria 1935 Itália Invasão Abissínia 1936 Alemanha Ocupação Renânia 1938 Alemanha Anexação Sudetos Tcheco 1939 Itália Anexação Albânia 1939 Alemanha Anexação Polônia 1939 Rússia Invasão Polônia Fonte: Elaboração do autor a partir de Kennedy (1989). Destaca-se que a invasão à Polônia por parte da Alemanha, desembocou na Segunda Grande Guerra Mundial. Os primeiros anos da Guerra caracterizaram-se pela ofensiva alemã na Dinamarca (1940), Holanda (1940), Bélgica (1940), Noruega (1940) e França (1940). Já nos anos de 1942-45 verifica-se a expansão da guerra na Europa, na África, na Itália e na Ásia. Formaram-se, com isso, dois grandes blocos: potências do eixo (Alemanha, Itália e Japão) e potências aliadas (Inglaterra, EUA e URSS). Enquanto países europeus e asiáticos recuperavam suas economias politicamente, economicamente e militarmente, no Brasil, a crise de 1929 promoveu a eclosão da revolução de 1930, que iria modificar radicalmente a estrutura produtiva brasileira. A crise econômica mundial de 1929 afetou a economia agroexportadora e promoveu uma crise política no interior da aliança café-com-leite estabelecida entre Minas Gerais e São Paulo. Foi neste contexto que nasceu a Aliança Liberal, reunindo lideranças do Rio Grande do Sul, Paraíba e Minas Gerais e que lançou Getúlio Vargas nas eleições de 1930. Apesar da derrota nas eleições, Getúlio Vargas articula um movimento que resultou na Revolução de 1930. Segundo Mamigonian (2000), no Brasil, a Primeira Guerra Mundial e a crise de 1929 foram favoráveis à industrialização, devido à incapacidade de importação do país, “inaugurando” uma visão de uma industrialização impulsionada nos momentos de crise das relações centro-periferia, substituindo assim as importações. O governo getulista adotou medidas político-institucionais que impulsionaram o processo de industrialização brasileira, como: Nos anos de 1942- 45, formaram-se dois grandes blo- cos: potências do eixo (Alemanha, Itália e Japão) e potências aliadas (Inglaterra, EUA e URSS). 36 Fundamentos da Geopolítica a) proibição das exportações de sucatas; b) uso seletivo das reservas cambiais; c) criação da CSN; d) criação do SENAI/SENAC; e) estímulo à diversificação da produção agrícola; f) criação da CLT; g) implantação da política substitutiva de importações; h) subsídios à iniciativa privada. Como você pode perceber para o Brasil, a primeira Guerra Mundial, bem como a crise de 1929, “proporcionaram” os primeiros passos da industrialização brasileira. Atividade de Estudos: 1) Quais foram as consequências imediatas da crise de 1929? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 2) Para muitos, a Primeira Guerra Mundial e a crise de 1929 foi favorável à industrialização brasileira. Justifique por quê? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Para o Brasil, a primeira Guerra Mundial, bem como a crise de 1929, “propor- cionaram” os pri- meiros passos da industrialização. 37 A Organização do Espaço Mundial Capítulo 2 A Geopolítica Pós-Segunda Guerra Mundial Logo após a segunda Guerra Mundial, com a derrota da Alemanha e do Japão, emerge o movimento de fracionamento do mundo em dois blocos, um dominado pelos EUA (capitalismo) e o outro dominado pela URSS (socialismo). Paralelamente, ocorre a constituição do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), o Plano Marshall, aONU, o Banco Mundial, a OTAN, entre outros organismos. A hegemonia norte-americana na Europa estabeleceu-se, inicialmente, a partir da lei de empréstimos e arrendamentos e o Plano de Reconstrução das economias da Europa Ocidental. A lei de empréstimos e arrendamentos deu ao governo norte-americano poderes para vender, arrendar, emprestar ou ceder armamento aos países cuja defesa fosse considerada estratégica para os EUA. A Lei possibilitou a expansão da indústria bélica norte-americana. Já, o Plano Marshal (1947) possibilitou aos EUA tornar-se o credor da Europa. Igualmente, a URSS, através do COMECON (Conselho para Assistência Econômica Mútua) passou a constituir-se no país hegemônico do Leste Europeu o que possibilitou a criação do Bloco Socialista. Militarmente, o apoio fez-se via Pacto de Varsóvia. Dentro do bloco Socialista merecem destaque a China, onde, em 1949, após vários anos de conflito entre Chiang Kaishek e Mao Tse-Tung, foi criada a República Popular da China; e Cuba, ilha que, em 1959, sob o comando de Fidel Castro e “Che” Guevara, foi transformada em uma República Socialista (KENNEDY, 1989). A disputa estabelecida entre as duas superpotências (EUA e URSS) gerou o que foi denominado de Guerra Fria, e que se manifestou na corrida armamentista e espacial. O primeiro grande conflito entre as ideologias capitalista e socialista deu-se no sudoeste asiático, na década de 1950. A Coreia foi dividida, em 1945, em Coreia do Norte, apoiada pela URSS e China, e Coreia do Sul, apoiada pelos EUA. Cabe destacar que, em 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU), que objetivava a manutenção da paz e a segurança internacional. Em 1948, a Assembleia da ONU aprovou a declaração Universal dos Direitos Humanos. Neste sentido, ambas as superpotências passaram a direcionar recursos para a defesa de suas estratégias. A política armamentista do governo norte-americano não cessou, mesmo com o fim da Guerra Fria, no final da década de 1980, conforme demonstra a figura 5. O Plano Marshal (1947) possibilitou aos EUA tornar- -se o credor da Europa. Em 1945, foi criada a Organiza- ção das Nações Unidas (ONU), que objetivava a manutenção da paz e a segurança internacional. Em 1948, a Assem- bleia da ONU aprovou a declara- ção Universal dos Direitos Humanos. 38 Fundamentos da Geopolítica Figura 5 – Distribuição mundial das forças americanas, 1987 Fonte: Kennedy (1989). É importante destacar que três grandes fatores foram determinantes para o fim da Guerra Fria: a queda do muro de Berlim; a unificação da Alemanha e a política de desarmamento, impulsionada pela URSS. Através dos movimentos de descolonização surgem novos países, conforme o quadro que segue: Quadro 3 – Processos de descolonização Ano Processos 1943 Independência da Coréia. 1945 Independência da Indonésia, Laos, Camboja e Vietnã. Criação do Estado da Líbia. Independência da Síria e do Líbano. Criação da Liga Árabe. 1946 Independência da Indonésia, de Filipinas e Transjordânia. 1947 Independência da Índia, do Paquistão e da Birmânia. 1949 Criação dos Estados da Jordânia e Israel. 1956 Independência de Marrocos, Tunísia, Malásia, Sudão e Gana. 1961 Kuwait 1965 Cingapura 1967 Iêmen 1971 Catar 1972 Bangladesh Fonte: Beaud (1989). 39 A Organização do Espaço Mundial Capítulo 2 A necessidade de reformulação do sistema monetário internacional, fez surgir na cidade Bretton Woods, no estado New Hampshire, nos EUA, o sistema Bretton Woods que foi composto por duas etapas. A primeira 1945-49 caracteriza-se pela presença de duas moedas: o dólar e a libra esterlina, que passavam por acordos bilaterais: 1) os débitos com o Reino Unido deveriam ser saldados em libras; 2) alguns países aceitavam libra até um limite; 3) outros, como a Suíça, aceitavam apenas o pagamento em ouro. A segunda etapa 1958-71, caracterizada pela convertibilidade de moedas dos diversos países entre si, e do dólar em ouro. Contudo, no início dos anos 1970, com a recuperação das economias europeias, o financiamento da Guerra Fria, a Guerra do Vietnã e a falta de ouro, a conversibilidade do dólar em relação ao ouro e, consequentemente, a conversibilidade entre dólar e outras moedas foram suspensas (GONÇALVES et al, 1998). Em 1971, o presidente Nixon pôs fim à conversibilidade do dólar e impôs sobretaxas às importações norte-americanas. Essas medidas resultaram na necessidade de negociações entre os países do G10, visando ajustar as taxas de câmbio. A necessidade de prover liquidez e o financiamento do desenvolvimento fez emergir os aparatos institucionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Para você ter uma ideia, o Banco Mundial passou a trabalhar com temas relacionados ao desenvolvimento econômico, sobretudo junto aos países subdesenvolvidos, no financiamento de grandes projetos de infra-estrutura. A partir dos anos de 1960, passou a financiar projetos ligados ao desenvolvimento rural e urbano, à educação e, mais recentemente, ao meio ambiente. Segundo Toussaint (1996, p. 171), “em matéria de desenvolvimento, o Banco Mundial interveio com um forte conteúdo produtivista: a Revolução verde dos anos 60, que visava oficialmente aumentar a produção agrícola dos países do Sul para satisfazer as necessidades alimentares das populações locais”. Ainda, segundo Toussaint (1996, p. 171), “os projetos do Banco Mundial têm um forte conteúdo político: conter o desenvolvimento de movimentos anti-imperialistas, inspirando-se nas experiências da Coreia do Sul e de Taiwan”. No processo de definição e institucionalização do mundo capitalista foi criado ainda, em 1947, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT). O sistema de regras do comércio internacional foi estabelecido através de oito rodadas de negociações multilaterais. O sistema Bretton Woods, 1945-49 caracteriza-se pela presença de duas moedas: o dólar e a libra esterlina, que passavam por acordos bilate- rais e 1958-71, caracterizada pela convertibilidade de moedas dos diversos países entre si, e do dólar em ouro. Os projetos do Banco Mundial têm um forte conteúdo político: conter o de- senvolvimento de movimentos anti-imperialistas, inspirando-se nas experiências da Coreia do Sul e de Taiwan. 40 Fundamentos da Geopolítica As seis primeiras visavam reduzir os direitos aduaneiros. As duas últimas incluíam reduções tarifárias. A oitava rodada, a do Uruguai, foi a mais complexa, iniciada em 1986, na cidade de Punta Del Este, e terminada em 1994, na cidade de Marraqueche, visava não apenas a redução de tarifas, mas também integrar as regras do GATT a setores antes excluídos, como a agricultura e os têxteis. Ademais buscou introduzir os setores de serviços, investimentos e propriedade intelectual (THORSTENSEN, 1999). A partir da Rodada do Uruguai emergiu a Organização Mundial do Comércio (OMC). Os fatores determinantes para o surgimento deste organismo foram: 1) o fim do mundo bipolar das relações internacionais e a sua substituição por um modelo multipolar; 2) a nova reorganização econômica dos países em acordos regionais de comércio; 3) o papel das multinacionais no comércio internacional (THORSTENSEN, 1999). Podemos dizer que, em termos gerais, o período do Pós-Guerra constituiu-se como o grande Boom da economia capitalista, que se estendeu até o final dos anos 1960. Neste contexto, quatro fatores foram fundamentais: 1) a adoção do dólar como moeda internacional; 2) a reconstrução das economias devastadas pela Guerra; 3) a abertura de novos investimentos à base de tecnologias desenvolvidas durante a guerra nos campos da eletrônica, do avião a jato, das telecomunicações, etc.; 4) a intensificação do processo de automobilização e indústrias correlatas (petróleo, vidro, borracha, etc.). O resultado final do processo de crescimento do ocidente pode ser visualizado no gráfico 1. Gráfico 1 – Taxasde crescimento da produção industrial Fonte: Adaptado a partir de Rangel (1990). Contudo, o crescimento também se fez presente na URSS e nos países periféricos, como pode ser observado no gráfico 2. O período do Pós- -Guerra constituiu- -se como o grande Boom da econo- mia capitalista, que se estendeu até o final dos anos 1960. 41 A Organização do Espaço Mundial Capítulo 2 Gráfico 2 – Taxas de crescimento da produção industrial Fonte: Adaptado a partir de Rangel (1990). Pelo gráfico 2, você pôde verificar o excelente desempenho da economia brasileira no período pós 1950. Mas, quais foram as medidas adotadas para o crescimento da economia brasileira? Vejamos: Dentre as principais medidas, destacam-se: • a instrução 70 da SUMOC que estabelecia leilões de câmbio flexível para várias categorias de importações e criava barreiras cambiais à importação de produtos manufaturados de consumo; • criação da Petrobrás; • desenvolvimento do setor automobilístico; • construção de Brasília; • Plano de Metas. Outro país que apresentou extraordinário dinamismo foi o Japão. Logo após a segunda Guerra Mundial, as empresas japonesas passaram por profundas transformações tanto organizacionais quanto patrimoniais. Segundo Silva (2008, p. 53), “associadas a estas, não faltaram, todavia, transformações de grande impacto nas relações sociais de produção em toda a indústria nipônica, e mesmo na agricultura”. Cabe destacar que, nos primeiros anos pós-segunda Guerra Mundial, ocorreu um retrocesso econômico no Japão: a renda nacional, em 1946, foi de apenas 57% do que tinha sido em 1934-1936, e os Logo após a segunda Guerra Mundial, as em- presas japonesas passaram por profundas trans- formações tanto organizacionais quanto patrimo- niais. 42 Fundamentos da Geopolítica salários haviam caído 30% As exportações eram de apenas 9% dos números de 1934-1936 (KENNEDY, 1989). Segundo Silva (2004, p. 214), “essas alterações decorreram da demanda curta por bens duráveis; a grande desordem que reinava em matéria de programação da produção e do estoque, a organização combativa dos sindicatos”. Conjunturalmente, soma-se à crise financeira que acometeu a empresa Toyota, a greve dos trabalhadores da Toyota. Não foi por acaso que as alterações fizeram-se na Toyota, sob a coordenação do engenheiro Ohno, que introduziu a gestão pelos olhos, a redução dos estoques, sistemas de informações (Kanban), produção em tempo justo, etc. Podemos dizer que, em termos gerais, o mundo pós-segunda Guerra Mundial apresenta um configuração espacial, conforme figura 6. Observe-a atentamente. Figura 6 – O mundo pós-segunda Guerra Mundial Fonte: Elaboração dos autores. Atividade de Estudos: 1) Vimos que a disputa estabelecida entre EUA e URSS, manifestada na corrida armamentista e espacial, denominou-se de Guerra Fria. Vimos também que o término desta “guerra” ocorreu no final da década de 1980. Três grandes fatores foram determinantes para que ocorresse. Quais foram eles? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 2) Quais foram as duas etapas que compuseram o sistema Bretton Woods? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ MUNDO CAPITALISTA Formações capitalistas hegemônicas Formações socialistas hegemônicas Formações periféricas articuladas Formações periféricas dependentes 43 A Organização do Espaço Mundial Capítulo 2 A Geopolítica Pós -1973 No decorrer da década de 1970, a economia mundial entrou em uma grande fase de expansão lenta. Segundo Toussaint (1999), durante o período 1960-1973, o crescimento anual médio da Europa era de 4,7%, os dos EUA, 3,9%, e do Japão, de 9,6%. Entre 1982-1994 os crescimento foram de 2,1%, de 2,4% e de 3,6%. Enquanto, no período 1995-2000, a taxa de crescimento foi de 2,2%, 3,5% e 1,8%, respectivamente (TOUSSAINT, 1999). Quais foram as estratégias das nações? Inicialmente, cabe destacar que a crise do Petróleo de 1973 resultou no transporte caro e no reescalonamento dos preços. Paralelamente “esgotava-se” o uso das tecnologias forjadas no pós-segunda Guerra Mundial. A combinação desses fatores indicava a necessidade de investimentos, visando a reestruturação do aparelho produtivo. Todavia, o que se viu foi um processo de desaceleração tecnológica implantada, sobretudo, pelos EUA. a) A Estratégia dos EUA Na verdade, os EUA promoveram inovações incrementais, prolongamento da vida útil dos produtos e dedicaram-se às exportações de capitais, bem como induziram a economia mundial a taxas de câmbios flutuantes, como forma de assegurar-lhe a emissão de sua própria moeda sem convertibilidade. Resumidamente, as tentativas de controlar o sistema financeiro internacional fizeram-se em vários períodos. Vejamos: • O período de 1973-1979: A desvalorização do dólar sustentou o mercado interno via importação de produtos manufaturados da Ásia e alimentos da América Latina. O resultado foi o aumento do déficit em seu Balanço de Pagamento. • O período de 1979-1985: A diplomacia do dólar forte em decorrência da política monetária restritiva e o segundo choque do Petróleo resultou nas desvalorizações de todas as moedas internacionais frente à americana. Além do mais, os principais impactos foram: 1) recessão mundial até 1983 com a queda dos preços das commodities e a deterioração dos termos de troca dos países exportadores de matéria-prima; 2) dívida do terceiro mundo dobrou e provocou crise bancária na Polônia, México, Chile; 3) política keynesiana adotada por Reogon (1981-84) permitiu a recomposição patrimonial dos Os EUA promo- veram inovações incrementais, dedicaram-se às exportações de capitais, induzi- ram a economia mundial a taxas de câmbios flutuan- tes, como forma de assegurar-lhe a emissão de sua própria moeda sem convertibili- dade. 44 Fundamentos da Geopolítica bancos dos EUA e dos Fundos de Pensão; 4) a dívida interna americana, que passou a servir de lastro aos mercados monetários e financeiros, converteu- se em dívida externa via absorção por poupadores estrangeiros (Port-Fólios); 5) na esteira da moratória mexicana (1982), o FMI recomendou aos países devedores apenas o pagamento dos juros da dívida; 6) abertura comercial promovida pelos EUA, que serviu como locomotiva para os países da OCDE e da Ásia; 7) surgimento de praças financeiras na Ásia. Fundos de Pensão: Espécie de pecúlio ou poupança formada por um conjunto de pequenos investidores e poupadores, com o intuito de garantirem para si uma pensão mensal, depois de um prazo determinado. Port-Fólio: Carteira de títulos. Conjunto de ativos financeiros pertencentes a uma empresa (SANDRONI, 1999). Para você ter uma ideia da evolução da dívida externa de alguns países da America Latina, observe o quadro a seguir. Quadro 4 – Evolução da dívida externa da América Latina (em milhões de US$) PAÍSES 1970 1980 1982 1985 1990 1995 2000 Brasil 6 72 SD 105 120 159 245 México 7 57 SD 98 104 167 167 Argentina 6 27 SD 34 33 36 36 Chile 3 12 SD 20 19 26 38 Venezuela 1 29 SD 34 33 36 36 Peru 3 9 14 17 25 33 SD Colômbia 3 12 SD 20 19 26 38 TOTAL 26 214 SD 334 376 542 700 Fonte: Adaptado a partir do Banco Mundial, 2001. • O período de 1985-1989: 1) Desvalorização do dólar, sob o comando dos EUA – nos acordos de Plaza e Louvre. O Banco Central alemão assumiu a coordenação das políticas cambiais européias, com vistas à criação do Sistema Monetário Internacional; 2) crises nas bolsas de Londres (1986), Nova Iorque (1987)e Japão (1990); 3) surgimento de instrumentos financeiros como a securitização que se generalizou; 4) os bancos japoneses detentores da dívida pública americana, sofreram 45 A Organização do Espaço Mundial Capítulo 2 1970 1980 1997 1999 - 2000 2001 2002 perdas patrimoniais em função da desvalorização do dólar de 1985-87. Suas perdas obrigaram a relocalização das suas formas, visando manter a competitividade. • O período de 1989-1996: Desvalorização do dólar: 1) saída dos fundos de pensão dos EUA para os mercados da Ásia e América Latina; 2) bolhas especulativas; 3) surgimento de novos polos de crescimento industrial e financeiros na Ásia. O quadro 5 indica a cronologia dos “Tigres Asiáticos”. Verifique-o. Quadro 5 – Cronologia dos Tigres Asiáticos CRONOLOGIA DOS TIGRES ASIÁTICOS A partir da década de 1970, desenvolvimento da indústria automobilística, têxtil e eletrônica para a exportação trouxe prosperidade econômica e rápida para alguns países da Ásia, como a Coreia do Sul, Formosa (Taiwan), Hong Kong e Cingapura. Durante a década de 80, as indústrias têxteis e eletrônica passaram a se localizar também na Tailândia, Malásia e Indonésia, via transferência de tecnologia através de investimentos estrangeiros; os EUA e o Japão foram os principais parceiros econômicos e investidores. Em geral, as economias destes países dispunham de mão de obra barata, organizações sindicais incipientes e legislações trabalhistas muito brandas. 1997 Em 1997, as economias dos “Tigres Asiáticos” sofreram ataques contra suas moedas, motivados pela valorização exacerbada de seus ativos e pela precariedade de seus sistemas bancários, excessivamente endividados e pouco fiscalizados. Entre 1999 e 2000, os “Tigres Asiáticos” recuperaram o otimismo apoiados no crescimento da economia norte-americana. A desaceleração da economia norte-americana em 2001, a principal importadora de equipamentos de tecnologia no mundo, impôs novamente dificuldades às economias do sudeste asiático. 2002 Em 2002, os “Tigres Asiáticos” mantiveram baixas taxas de juros, aqueceram o consumo interno, tiveram seus papéis em bolsa valorizados e mostraram sinais de retomada do crescimento. Fonte: Os autores. 46 Fundamentos da Geopolítica • O período de 1996-2000: A valorização do dólar promoveu a entrada de capital externo nos EUA. A taxa nominal de juros, acima dos demais países avançados, mais uma vez atraiu uma grande entrada de capital externo nos EUA. Podemos dizer que a grande valorização da bolha, que começou em 1995, estimulou ainda mais a entrada de capital externo em busca de ganhos de capital. • O período pós-2001: Foi marcado pela redução da taxa de juros e desvalorização da moeda. Entre 2001 e 2003 a queda do dólar foi de 35% em relação ao euro e 24% em relação ao iene. O objetivo do governo Bush era fazer com que os países com moedas fortes se tornassem demandantes dos produtores dos EUA. Isto, por sua vez, promoveria o crescimento econômico americano. Contudo, o que se viu foi entre 2001-2004, a China transformar-se na maior potência do comércio internacional. Somente no Sul da Ásia o seu comércio com a Índia subiu de 300 bilhões em 1994 para 91 milhões de dólares em 2005. Conforme Arrighi (2008, p. 216), “entre 2001 e 2004, a China foi responsável por um terço do aumento total do volume mundial de importações, tornando-se assim ‘a locomotiva do restante da Ásia Oriental’ e desempenhando papel importante na recuperação econômica do Japão”. Podemos dizer que a política norte-americana de promover alterações nas taxas cambiais visava à “globalização americana” e, ao mesmo tempo, “ganhava” tempo suficiente para alterar a sua estrutura produtiva, “sucateada” em relação à Europa e ao Japão. Essas estratégias alteraram, por sua vez, a dinâmica dos então países superavitários em relação aos EUA. b) A Estratégia Japonesa Essa “economia da bolha” foi decorrente das valorizações do mercado de ativos japoneses. Para se ter ideia, em 1983, os terrenos do centro de Tóquio já davam mostras de sua valorização. Segundo Torres Filho (1999), o índice Nikkey, que mede a valorização das ações na bolsa de Tóquio, havia saltado de 13.113 no último dia útil de 1985 para 26 mil em outubro de 1987, chegando a 30 mil no início de 1988. Em 1989, o banco do Japão decidiu “estourar” a bolha especulativa. Com isso, a deflação dos ativos se fez presente, levando a economia a uma severa recessão. Entre 1990 e 1997 a economia cresceu 1,5% ao ano contra 4% da década anterior (TORRES FILHO, 1999). A estratégia japonesa foi a de desregulamentar o seu sistema financeiro e liberalizar setores antes dominados pelos Keiretsu. O objetivo do governo Bush era fazer com que os países com moedas fortes se tornassem deman- dantes dos pro- dutores dos EUA. Contudo, o que se viu foi entre 2001- 2004, a China transformar-se na maior potência do comércio interna- cional. Economia da bo- lha” foi decorrente das valorizações do mercado de ativos japone- ses. A estratégia japonesa foi a de desregulamentar o seu sistema financeiro e libera- lizar setores antes dominados pelos Keiretsu. 47 A Organização do Espaço Mundial Capítulo 2 No Japão, afirmou-se que as valorizações e desvalorizações do dólar promoveram significativas alterações em sua economia. Mas como isso foi possível? Os anos que se seguiram, de 1945-1973, foram marcados, no Japão, por um intenso processo de reestruturação econômico-produtiva. Sobretudo, quando os conglomerados japoneses (zeibatsu) se rearticularam em empresas industriais, comerciais e financeiras. Os keiretsu são grupos “caracterizados por um network estável e complexo de relações entre empresas, capaz de coordenar estratégias globais de concorrência, sem, no entanto, tolher a autonomia e a flexibilidade decisória de cada um de seus membros”. (TORRES FILHO, 1999, p. 236). Segundo Silva (2004, p. 214), “as principais mudanças ocorreram nas relações entre as firmas core e as firmas satélites, fornecedoras de partes e peças”. Segundo o mesmo autor, foram introduzidos arranjos de subcontratação com as firmas satélites, que permitiram às firmas core, disputar as vantagens da integração vertical da produção e da distribuição, sem enfrentar os limites burocráticos que sufocam o dinamismo tecnológico e organizacional. Cabe ainda ressaltar que houve também alterações nas relações capitalistas de produção, visando à redução do custo operário. As chamadas firmas core representam as grandes empresas centrais (na maioria, montadoras) que, muitas vezes, detêm títulos de propriedades no capital das chamadas firmas satélites (pequenas empresas). A partir de 1973, o departamento de bens de consumo passou a ter papel de liderança no cenário econômico alemão, o que por sua vez transformou a Alemanha em um grande país exportador de capitais. A redução da sua demanda interna promoveu, por outro lado, uma difusão de novas técnicas de informação por todo aparelho produtivo (TAVARES, BELLUZZO, 2004), o que possibilitou dirigir o potencial de crescimento para os setores automobilístico, eletroeletrônico e de computadores. Contudo, as constantes valorizações e desvalorizações de suas moedas criaram impactos econômicos espaciais na sua estrutura produtiva, como por exemplo, relocalização das plantas e a valorização dos ativos patrimoniais. Os superavits dos anos 1980, que foram aplicados pelas empresas japonesas em 48 Fundamentos da Geopolítica ativos patrimoniais, acabaram desembocando na economia da bolha, como demonstram as figuras 7 e 8. Observe-as atentamente. Figura 7 – Determinantes da “economia da bolha” Fonte: Tonooka (2004). Figura 8 – “Economia da bolha” e crise Fonte: Tonooka (2004). Segundo Medeiros (2004, p. 154), “a revisão do Código Comercial e a introdução de uma nova Lei de Telecomunicações, fortemente influenciadas pela Câmara Americana
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