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Poema Tabacaria de Álvaro de Campos

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Poema Tabacaria de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa) analisado
Tabacaria é um poema longo e complexo, onde o heterônimo Álvaro de Campos levanta as questões centrais que regem a sua poesia. A obra é das criações poéticas mais famosas de Fernando Pessoa.
Escrito em 1928 (e publicado em 1933, na Revista Presença), os versos são um registro do tempo em que viveu, da modernidade veloz e do sentimento de incerteza do sujeito que se sentia perdido diante de tantas mudanças. A sensação de vazio, de solidão e de incompreensão são as linhas norteadoras do poema.
Análise do poema Tabacaria
Tabacaria é um poema veloz, repleto de imagens e emoções de um sujeito que se sente perdido, mergulhado nas suas reflexões pessoais.
Os versos apresentam um redemoinho de informações que vão sendo transmitidas para o leitor rapidamente, numa velocidade que não deixa muito espaço para aquele que recebe a mensagem respirar, fazendo com que ele se sinta invadido pelo excesso de questões que vão sendo avançadas pelo poeta.
Esse ritmo frenético é muito compatível com o período histórico vivido por Fernando Pessoa (1888-1935). Nessa ocasião, as cidades se modernizavam num ritmo ímpar, a Europa - e Portugal numa escala menor - se transformava rapidamente, por isso está muito presente especialmente na poética de Álvaro de Campos a imagem das cidades, da velocidade da transformação, das idas e vindas e das angústias que esse excesso trazia. Com uma dinâmica acelerada, vemos o emprego de muitas imagens que, como são superadas rapidamente, parecem caóticas, mas transmitem a atmosfera de um tempo para o leitor.
Em termos de formato, Tabacaria é um poema tipicamente moderno que possui versos livres (sem rima). Longa, a criação poética é profundamente descritiva tanto do que se passa no mundo interior como no exterior.
Principais trechos do poema Tabacaria explicados
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
Já na apresentação de Tabacaria ficamos conhecendo um pouco sobre quem é o sujeito retratado no poema.
Numa primeira abordagem reparamos que esse homem não nomeado apresenta já sucessivas negações para tentar se definir. Ele é, sobretudo, aquilo que não é (e o que nunca foi nem nunca será). Ele também não tem nenhuma ambição.
Esse tipo de oração negativa, pessimista, também aparece pontualmente ao longo dos versos denunciando a depressão e o vazio com que o sujeito encara a vida.
A descrença não surge só em relação a si mesmo, como também com relação aquilo que está ao seu redor.
O personagem criado por Álvaro de Campos corajosamente se desnuda na frente do leitor, mostra o seu lado frágil e cheio de dúvidas deixando evidente a sensação de ser um fracassado.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Vemos como esse sujeito não nomeado se sente um fracassado, um vencido, sem energias e sem ambições para lutar na vida. Se no presente ele lê a sua história pessoal como uma derrota, é porque ele olha para o passado e vê que não alcançou nenhuma espécie de realização amorosa ou profissional.
No princípio ele observa que falhou em tudo, o que, de certa forma, ainda pode ser encarado com um breve olhar positivo: afinal ele tinha um plano, mas acabou não conseguindo ser bem-sucedido. Mas logo no verso a seguir Álvaro de Campos destrói a própria ideia de que tinha um plano: tudo, afinal, é nada, porque ele nem sequer tinha um propósito na vida.
Fica claro nesse trecho de Tabacaria o sintoma de cansaço e o tédio, como se tudo fosse repetitivo e o sujeito fosse incapaz de viver a vida ou de ter projetos.
Ele até tenta fugir desse estado de espírito, mas rapidamente percebe que não há saída possível, nem sequer no campo encontra um propósito.
Ao longo dos versos vamos observando que o sujeito busca uma verdade, mas uma verdade que seja uma espécie de âncora: não temporária, mas permanente e eterna, algo que o norteie e que encha a sua vida de sentido.
Há um excesso de consciência da sua condição pessoal e o sujeito vê a felicidade como uma hipótese impossível.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Tabacaria é, ao mesmo tempo, um retrato pessoal e individual de Álvaro de Campos, mas simultaneamente coletivo, como observamos no trecho acima.
Em diversas passagens do poema o sujeito fala de si, mas também fala do outro, reconhecendo haver um sentimento de partilha, comum, que reúne os seres humanos, imersos nas suas dúvidas existenciais e nos seus problemas que, afinal, são sempre os mesmos. As suas janelas são como as janelas de todos os outros quartos e o mistério também permeia todos os seres que, assim como ele, se veem perdidos.
Ele, afinal, é um sujeito “comum”, como todos os outros, com quais conseguimos nos identificar e com quem partilhamos as mesmas inquietações filosóficas.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Mansarda quer dizer sótão, nesse trecho Álvaro de Campos fala da sua sensação de ser um permanente deslocado, um desajeitado, alguém que não vive na parte principal de uma casa, que não está à altura dos outros.
Esse trecho é importante porque fala do estado de espírito do sujeito, da sua autoimagem, da sua autoestima e de como se conhecia tão bem a ponto de evidenciar com tanta precisão as suas falhas de caráter e de personalidade.
Ele sabe que não é nada, que nunca fez nada, que nunca obteve sucesso e que deixará o mundo como a maioria de nós: anônimos sem qualquer grande feito.
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Diante da imensidão de possibilidades proporcionada pela vida moderna, o sujeito parece perdido num manancial de hipóteses. Esse trecho fala da sensação de estarmos diante de muitos caminhos e do sentimento de nos percebermos paralisados com tantas escolhas.
Apesar de nos dias de hoje nos relacionarmos tão bem com esses versos, a verdade é que esse sentimento de existirem múltiplas possibilidades está intimamente relacionado ao tempo histórico vivido por Fernando Pessoa, quando Portugal se industrializava fortemente e a vida passou a apresentar uma série de escolhas que antes não eram possíveis de se ter.
A sociedade se transformou muito depressa e Álvaro de Campos sentiu na pele - e registrou - essas mudanças sociais e pessoais.
Sente-se nos versos presente, portanto, a sensação de desamparo, de instabilidade emocional, como se o poeta estivesse atônito diante dos caminhos que lhe foram apresentados. Sem planos e sem um futuro possível, ele desabafa com o leitor a sua inaptidão para a vida.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Um dos poucos momentos otimistas do poema, onde o sujeito esboça alguma alegria, acontece quando ele vê da sua janela uma menininha comendo chocolates alheia aos problemas existenciais dos adultos.
A inocência da criança fascina e deixa o Álvaro de Campos em estado de inveja. A felicidade simples, encontrada pela garotinha numa mera barra de chocolate, parece ser impossível de ser alcançadapor ele.
O sujeito ainda tenta embarcar no caminho da felicidade inaugurado pela pequena, mas rapidamente volta ao seu estado inicial de tristeza logo ao tirar o papel de prata, que constata ser de estanho.
Quando quis tirar a máscara
Estava pegada à cara
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
A sensação de desamparo é ainda maior porque o sujeito não sabe aquilo que deseja e também não sabe propriamente aquilo que é. Nessa passagem importante de Tabacaria, Álvaro de Campos fala da presença de uma máscara levantando a questão da procura da identidade, um tema frequente na poética de Fernando Pessoa.
Aqui fica evidenciada a necessidade humana de querermos parecer aquilo que não somos para nos enquadrarmos socialmente, para agradarmos os outros.
Depois de tanto tempo usando a sua máscara - o personagem que escolheu representar na vida coletiva - Álvaro de Campos enfrenta a dificuldade ao ter que retirá-la. Quando consegue, percebe como o tempo passou e como envelheceu enquanto aparentava ser outra coisa.
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
O sonho é apresentado por Álvaro de Campos em alguns trechos de Tabacaria como uma possibilidade de fugir da realidade concreta e dura - que ao longo do poema é representada por elementos físicos: as janelas, as pedras, as ruas, as casas.
O poeta reveza momentos de extrema lucidez, fazendo menção a esse mundo concreto, exterior, com imagens do seu inconsciente, fantasias e sonhos. Há uma mistura intencional no poema, portanto, desses elementos reais, com passagens reflexivas, interiores (versos onde vemos filosofias, pensamentos, devaneios, sonhos).
Álvaro de Campos analisa as profundezas do seu ser, as emoções que o movem, a apatia que se aloja dentro dele e aponta o sonho como um espaço de descanso, uma espécie de abrigo em meio a um temporal.
Sobre o título do poema
Tabacaria é um tipo de estabelecimento comercial (que vende tradicionalmente produtos ligados ao tabaco), que o sujeito do poema frequenta, e é também a loja que ele vê da janela da sua casa. É na tabaria que ele encontra vida, assiste as visitas habituais, corriqueiras, dos compradores, dos conhecidos e do proprietário.
Apesar de não mencionar nenhuma data específica - nem sequer o ano - reconhecemos, pelos versos, haver a presença de traços dos tempos modernos. As tabacarias são também estabelecimentos bastante característicos desse tempo histórico.
Contexto histórico
Escrito no dia 15 de janeiro 1928 e publicado pela primeira vez em julho de 1933, na Revista Presença (edição 39), Tabacaria é um dos mais importantes exemplares poéticos do Modernismo em Portugal.
O poema, que faz parte da terceira fase da produção poética do heterônimo Álvaro de Campos, faz um retrato do seu tempo e traz a tona sentimentos característicos da sua geração como a fragmentação e a efemeridade.
O poeta nessa terceira fase da sua poesia, que durou entre 1923 e 1930, investiu numa abordagem mais intimista e pessimista. Eduardo Lourenço, um grande estudioso português contemporâneo da obra de Álvaro de Campos, destaca que Tabacaria é das criações mais importantes do heterônimo porque, segundo ele, “Todo o Álvaro de Campos nele se concentra”, ou seja, em Tabacaria encontramos um resumo, uma síntese, de todas as principais questões levantadas pelo heterônimo.
Álvaro de Campos testemunhou um Portugal que vivia profundas transformações sociais e econômicas e deu vida, através dos seus versos, à poemas nervosos, que transmitiam a incerteza e o sentimento de estar perdido num período em que a sociedade mudava de modo tão rápido.
O heterônimo Álvaro de Campos, criado por Fernando Pessoa, teria nascido no dia 15 de outubro de 1890, na região de Tavira (Algarve) e se formou em engenharia mecânica e naval. Ele foi testemunha e assistiu ruir uma ordem política e social, convém lembrar a Primeira Guerra Mundial (1914) e a Revolução Russa (1919).
1. Poema em linha reta, do heterônimo Álvaro de Campos
Talvez os versos mais consagrados e reconhecidos internacionalmente de Pessoa sejam os do Poema em linha reta, uma extensa criação com a qual nos identificamos ainda hoje profundamente.
Os versos abaixo compõe apenas um breve trecho do longo poema escrito entre 1914 e 1935. Vamos percebendo durante a leitura como heterônimo concebe a sociedade e a critica, observando e ao mesmo tempo se diferenciando daqueles que estão ao seu redor.
Aqui encontramos uma série de denúncias às máscaras sociais, à falsidade e à hipocrisia vigente. O eu-lírico confessa ao leitor a sua inadaptação diante desse mundo contemporâneo que funciona baseado nas aparências.
O poema lança um olhar sobre o próprio sujeito poético, mas também sobre o funcionamento da sociedade portuguesa onde o autor estava inserido.
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das
etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, (...)
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
2. Lisbon revisited, do heterônimo Álvaro de Campos
O extenso poema Lisbon revisited, escrito em 1923, é aqui representado pelos seus primeiros versos. Nele encontramos um eu-lírico extremamente pessimista e desajustado, deslocadodentro da sociedade em que vive.
Os versos são marcados pelas exclamações que traduzem a revolta e a negação - o eu-lírico em diversos momentos assume aquilo que não é e o que não deseja. O sujeito poético faz uma série de recusas à vida da sua sociedade contemporânea. Em Lisbon revisited identificamos um eu-lírico simultaneamente revoltado e fracassado, rebelde e decepcionado.
Ao longo do poema vemos alguns pares opositores importantes se consolidarem para estabelecerem as bases da escrita, isto é, enxergamos como o texto se constrói a partir do contraste entre passado e presente, infância e idade adulta, a vida que se costumava viver e a que se vive.
Não: não quero nada
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
3. Autopsicografia, de Fernando Pessoa
Criado em 1931, o breve poema Autopsicografia foi publicado no ano a seguir na revista Presença, um importante veículo do Modernismo português.
Nos apenas doze versos o eu-lírico divaga sobre a relação que mantém consigo próprio e sobre a sua relação com a escrita. Na verdade, escrever no poema aparece como atitude norteadora do sujeito, como parte essencial da constituição da sua identidade.
O sujeito poético ao longo dos versos trata não só do momento da criação literária como também da recepção por parte do público leitor dando conta de todo o processo da escrita (criação - leitura - recepção) e incluindo todos os participantes da ação (autor-leitor).
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
4. Tabacaria, do heterônimo Álvaro de Campos
Um dos poemas mais conhecidos do heterônimo Álvaro de Campos é Tabacaria, um extenso conjunto de versos que narram a relaçãodo eu-lírico consigo próprio diante de um mundo acelerado e a relação que mantém com a cidade durante o seu tempo histórico.
As linhas abaixo são apenas a parte inicial desse longo e belo trabalho poético escrito em 1928. Com um olhar pessimista, vemos o eu-lírico discorrer sobre a questão da desilusão a partir de uma perspectiva niilista.
O sujeito, solitário, se sente vazio, apesar de assumir que tem sonhos. Ao longo dos versos observamos um gap entre a situação atual e a que o sujeito poético desejaria estar, entre aquilo que se é e aquilo que gostaria de ser. É a partir dessas divergências que se constrói o poema: na constatação do lugar atual e no lamento da distância para o ideal.
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
5. Isto, de Fernando Pessoa
Assinado pelo próprio Fernando Pessoa - e não por nenhum dos seus heterônimos - Isto, publicado na revista Presença em 1933, é um metapoema, isto é, um poema que discorre sobre o seu próprio processo de criação.
O eu-lírico deixa o leitor assistir a engrenagem que move a construção dos versos, fazendo com que se crie um processo de aproximação e afinidade com o público.
Fica claro ao longo dos versos como o sujeito poético parece usar a lógica da racionalização para construir o poema: os versos surgem com a imaginação e não com o coração. Como se comprova nas últimas linhas, o eu-lírico delega para o leitor a fruição obtida através da escrita.
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está de pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
6. Ode triunfal, do heterônimo Álvaro de Campos
Ao longo de trinta estrofes (abaixo apresentam-se apenas algumas delas), vemos características tipicamente Modernistas - o poema deixa transparecer as angústias e novidades do seu tempo.
Publicado em 1915 em Orpheu, o período histórico e as mudanças sociais são o mote que fazem mover a escrita. Observamos, por exemplo, como a cidade e o mundo industrializado são apresentados trazendo uma modernidade dolorosa.
Os versos sublinham o fato da passagem do tempo, que traz mudanças boas, carregar simultaneamente aspectos negativos. Repare, como apontam os versos, em como o homem deixa de ser sedentário, contemplador, para precisar ser uma criatura produtiva, imersa na pressa cotidiana.
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!
Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!
7. Presságio, de Fernando Pessoa
Presságio foi assinado pelo próprio Fernando Pessoa e publicado em 1928, já mais para o final da vida do poeta. Se a maior parte dos poemas de amor costuma fazer um homenagem e um elogio a esse sentimento nobre, aqui vemos um eu-lírico desconectado, sem conseguir estabelecer laços afetivos, encontrando no amor um problema e não uma bênção.
Ao longo de vinte versos divididos em cinco estrofes vemos um sujeito poético que deseja viver o amor na sua plenitude, mas parece não saber como conduzir o sentimento. O fato do amor não ser correspondido - de aliás, nem conseguir ser propriamente comunicado - é fonte de imensa angústia para aquele que ama em silêncio.
Chega a ser curioso como um sujeito poético que consegue compor versos tão belos parece não conseguir se exprimir diante da mulher amada.
Com uma pegada pessimista e derrotista, o poema fala a todos nós que algum dia já nos apaixonamos e não tivemos coragem de expor o sentimento com medo da rejeição.
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
8. Aniversário, do heterônimo Álvaro de Campos
Um clássico da poética de Álvaro de Campos, Aniversário é um poema doloroso, mas que imediatamente provoca identificação com cada um de nós. O aniversário do eu-lírico é o motivo que faz com que o sujeito poético promova uma verdadeira viagem no tempo.
Os versos publicados em 1930 (abaixo você encontrará a passagem inicial do poema) voltam-se para o passado e deixam transparecer uma espécie de nostalgia, de saudades de um tempo que não voltará nunca mais.
Nele lemos a constatação de que nada permaneceu no mesmo lugar: pessoas queridas faleceram, a ingenuidade do eu-lírico perdeu-se, a casa da infância ainda estava de pé. O passado é tido como fonte interminável de alegria enquanto o presente faz-se com um sabor amargo, com uma melancolia.
Não se trata aqui apenas do registro de uma saudade banal, o eu-lírico se apresenta abatido, vazio, triste, pleno de um sentimento mais profundo de desengano, uma vontade de voltar no tempo e no passado permanecer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
9. O guardador de rebanhos, do heterônimo Alberto Caeiro
Escrito por volta de 1914, mas publicado pela primeira vez em 1925, o extenso poema O guardador de rebanhos - representado abaixo por um breve trecho - foi o responsável pelo surgimento do heterônimo Alberto Caeiro.
Nos versos o eu-lírico se apresenta como uma pessoa humilde, do campo, que gosta de contemplar a paisagem, os fenômenos da natureza, os animais e o espaço ao redor.
Outra marca importante da escrita é a superioridade do sentimento sobre a razão. Vemos também uma exaltação ao sol, ao vento, à terra, de um modo geral dos elementos essenciais da vida campestre.
Em O guardador de rebanhos é importante sublinhar a questão do divino: se para muitos Deus é um ser superior, no decorrer dos versos vemos como a criatura que nos rege parece ser, para Caeiro, a natureza.
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
10. Não sei quantas almas tenho, de Fernando Pessoa
Uma questão muito cara à lírica pessoanaaparece logo nos primeiros versos de Não sei quantas almas tenho. Aqui encontramos um eu-lírico múltiplo, inquieto, disperso embora solitário, que não se conhece bem ao certo e está sujeito a contínuas e constantes mudanças.
O tema da identidade é o centro emanador do poema, que se constrói as voltas da investigação da personalidade do sujeito poético.
Algumas das perguntas que o poema coloca são: Quem sou eu? Como me tornei aquilo que sou? Quem fui no passado e quem serei no futuro? Quem sou eu em relação aos outros? Como me insiro na paisagem?
Em constante euforia e com uma marcada ansiedade, o eu-lírico anda às voltas na tentativa de responder as perguntas que se coloca.
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: «Fui eu?»
Deus sabe, porque o escreveu.

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