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1 2 3 Gerardo Aceves Conde. TEOLOGIA FUNDAMENTAL 1ªEdição 2017 4 5 Sumário Palavra do Professor autor Sobre o autor Ambientação à disciplina Trocando ideias com os autores Problematizando Conteúdo UNIDADE I A TEOLOGIA E SEUS PRESSUPOSTOS FUNDAMENTAIS A Teologia Fundamental e a apologética O que é apologética Crise e renovação da Teologia Fundamental A nova forma de ser da Teologia Fundamental como Fundamental. A necessidade da Teologia Fundamental Como falar do inominável Metáforas como discurso correspondente de Deus. Revelação e fé Dimensão antropológica da fé Questões linguísticas Fundamentos Bíblicos A fé fiducial Fé e realidade humana Antropologia teológica Síntese do pensamento tradicional Aspectos humanísticos da fé Aspecto prático da fé Aspecto Escatológico 6 UNIDADE II O ATO DE FÉ A natureza do ato da fé O livre-arbítrio do ato da fé A liberdade no reino da necessidade O Paradoxo da fé: Autonomia e Dom A fé na dinâmica da liberdade Liberdade cristã Ameaças à liberdade da fé A beleza da fé A sobre naturalidade da fé Dialética entre certeza e obscuridade da fé Dimensão teológica da fé: A Revelação UNIDADE III REVELAÇÃO E A ESCRITURA O conhecimento da Escritura Sagrada As grandes etapas da história da salvação A história dos livros bíblicos A inspiração Inspiração no concílio vaticano II Inspiração e os teólogos Como saber se a Bíblia fala a verdade Vocabulário fundamental para a Teologia Fundamental Explicando melhor a pesquisa Leitura Obrigatória Pesquisando na internet Saiba Mais Vendo com os olhos de ver 7 Revisando Autoavaliação Bibliografia Bibliografia da Web Vídeos 8 9 Palavra do professor Sejam bem-vindos ao estudo da disciplina de Teologia Fundamental. Antes de iniciar a leitura destas páginas, é conveniente estarem convencidos da importância desta disciplina, tanto pela necessidade de darem razão de vossa fé cristã à sociedade com a qual convivem, quanto pelo vosso próprio proveito, pois pode ajudar-vos a purificar vossa fé dos fundamentalismos nascidos da ignorância, dos mitos que suprem a inteligência, das superstições que ofuscam a compreensão da verdade transmitida através da linguagem literária, e dos preconceitos que as diferentes estruturas sociais religiosas criaram com o passar do tempo e que definem nossa vivência religiosa, nem sempre coerente com nossa natureza racional. Além do mais, esta disciplina é útil para fundamentar a reaproximação da fé institucional ao estudo exegético da Sagrada Escritura, na qual deve fundamentar-se toda profissão de fé cristã e na qual se encontram os princípios que devem guiar todo diálogo ecumênico e inter-religioso. Seria uma pretensão muito perigosa para a fé cristã, além de falsa, dizer que esta disciplina oferece provas para convencer alguém a se fazer cristão. Mas não seria digno para qualquer cristão ficar de braços cruzados e ignorar a necessidade de explicar por que pode crer em Deus, na Bíblia, na divindade de Cristo, em outra vida, ou numa salvação definitiva. Cada um desses temas será estudado em diferentes disciplinas teológicas. Entretanto, na Teologia Fundamental você encontrará várias reflexões acerca da possibilidade racional de crer, dos diferentes tipos de fé, da necessidade de defender a fé cristã, da importância do estudo racional dos dogmas professados, de como Deus se comunica ao ser humano e de como o ser humano pode entender a Deus e até falar d’Ele com propriedade. 10 A realidade sociocultural na qual convivemos (e da qual falaremos na ambientação) é consumista porque é imanentista (não crê nem espera nada além do aqui e o agora), imediatista (busca a satisfação imediata de suas pulsões) e epicurista (identifica o sentido da vida com o prazer). Ela tem acesso à informação como nenhuma outra sociedade na história já teve, e quer ser radicalmente autônoma enquanto a suas decisões éticas, para o qual entra em confronto direto com as estruturas que, tradicionalmente foram transmissoras e defensoras dos valores sociais: a família tradicional, as Igrejas Históricas e o Estado como entidade legisladora e punitiva. Nesse confronto, no entanto, a sociedade pós-moderna busca novas formas de satisfazer a capacidade inegavelmente humana de crer em algo além de si mesma e exercer espiritualidade. Essa realidade exige de nós, cristãos, não somente a coerência de nossa conduta com a fé cristã que professamos, mas também que sejamos capazes de justificar por que cremos e para que serve crer em Jesus Cristo. Quais são as peculiaridades de nossa fé? Em que nos distinguimos de outras crenças? E, no final das contas, qual é a nossa identidade específica? Este estudo não dará respostas prontas. É um conjunto de reflexões com as quais o estudante poderá ter elementos para construírem racional e coerentemente suas próprias respostas. Gerardo Aceves Conde. 11 Sobre o autor Gerardo Aceves Conde, bacharel em Filosofia pela Universidade Pontifícia. Licenciado em Ciências Eclesiásticas pela Universidade de Navarra, Espanha. Bacharel em Teologia. Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional pelas Faculdades INTA. Licenciado em Letras Espanholas, pela Universidade Federal do Ceará. Mestrando em Gerontologia, pela Universidade Aveiro-Portugal. Atualmente é professor de Língua Espanhola e Formação Humana na Escola Profissionalizante Dom Walfrido T. Vieira e professor universitário, lecionando várias disciplinas na área de humanas. 12 Ambientação Por que é necessário estudar a Teologia Fundamental? A resposta é simples: Porque, embora pareça redundante, ela é fundamental. Como disciplina teológica, resume uma série de reflexões e argumentos que ajudam o cristão a posicionar-se racionalmente perante sua fé e, ao mesmo tempo, a justificar sua posição religiosa perante a sociedade onde tiver que dar testemunho de seu cristianismo. Ou seja, oferece fundamentos à resposta que os cristãos podem dar quando questionados acerca de sua fé. Isso não é uma alternativa sobre a qual possamos fazer opção, mas é mandato bíblico e uma verdadeira obrigação moral. Como mandato, ele encontra-se em 1Pe 3,15: "Estai sempre prontos a responder para vossa defesa a todo aquele que vos pedir a razão de vossa esperança”. Como obrigação moral, justificar a fé cristã diante dos que pedem razões. É comparável ao dever de defender a honra da mãe diante de uma calúnia. Isso é feito desde a razão, mas também desde a lembrança das virtudes vividas por ela e desde o afeto pelo qual perdoamos os seus erros e promovemos seu bem-estar. Da mesma forma, no cumprimento de nossa obrigação cristã de defender racionalmente nossa fé, esta disciplina utilizou ao longo de sua história argumentos de razão, argumentos históricos, jurídicos e afetivos para defender a crença no monoteísmo, na Escritura Sagrada, no Cristianismo e em cada uma de suas doutrinas. Sua estrutura tomista e sua finalidade eminentemente apologética mudaram a partir dos anos 60 do século XX, e passou a ser mais discursiva, passou a utilizar outros sistemas filosóficos além do tomista e a dialogar com as ciências empíricas. Como autor desta obra, estou ciente de que não é possívelabranger tudo o que é necessário ter em conta para construir um estudo completo desta disciplina. Por isso, eu fiz opção por apresentar uma estrutura que possibilitasse o leitor de formar uma ideia global dos temas que ela trata, se encantasse com a matéria e procurasse, no futuro, investir no seu estudo pessoal acerca de seus múltiplos assuntos. 13 Falaremos dos conceitos necessários para os alunos fundamentarem seus próprios juízos de valor acerca das críticas às quais, como cristãos, eles estão submetidos na sociedade em que vivemos. Grande parte dessa sociedade não se conforma com as tradições, crê poder responder por si mesma a todos os desafios intelectuais que a natureza propõe à razão, acha poder encontrar na imanência a resposta a sua constante insatisfação, sem perceber que ela é que a abre ao absoluto, no qual deixou de crer, e se concentra em satisfazer o antes possível sua emotividade e suas pulsões fisiológicas evitando as consequências que possam comprometer sua própria comodidade. Outra parte da sociedade, insatisfeita e frustrada no cristianismo tradicional, por mil razões e justificativas de toda índole, deixa o cristianismo e busca a satisfação de sua dimensão espiritual em rituais exotéricos, religiões naturais, ou espiritualidades de origem asiática ou africana. As múltiplas culturas religiosas oferecem-se num leque de possibilidades tão grande que gera insegurança nas opções (muitas pessoas vivem simultaneamente o cristianismo e alguma outra forma de religião, como o espiritismo ou o candomblé), banalizando e relativizando a fé cristã. Há ainda outros grupos sociais que, constituídos por crentes sinceros e formados nas ciências empíricas, querem compreender e fundamentar sua fé racionalmente. Incluso os jovens universitários, que no meio de suas crises de fé procuram permanecer fiéis, querem compreender racionalmente – e nós temos a obrigação de lhes dar uma resposta – porque não é absurdo crer. Sobre essas e muitas outras circunstâncias, como cristãos devemos estar preparados para dar razão de nossa esperança àqueles que nos pedirem fundamentar nossa fé e nosso amor a Cristo e à sua Igreja. Desejo-vos, caros alunos de Teologia, que este singelo trabalho vos ajude a darem, quando for preciso, razão de vossa esperança. Também esclareço que esta disciplina é abordada na perspectiva da Teologia Católica. Sendo este curso de natureza interconfessional é compreensível que se apresente conteúdos numa visão plural. 14 Trocando ideias com os autores Pensando no aprofundamento da disciplina, escolhi duas obras para enriquecer suas ideias e aprendizado nesse curso. Este escritor brasileiro é um dos Teólogos latino-americanos mais prolíficos. Neste trabalho utilizamos principalmente sua obra Eu creio, nós cremos: Tratado da fé. Mas também utilizamos Igreja contemporânea: Encontro com a modernidade e Teologia da revelação a partir da modernidade. O valor da obra de Libânio encontra-se na profunda sabedoria com que sabe dialogar com a Sagrada Escritura, a Tradição teológica, a História, a Filosofia e os mais eminentes teólogos, tanto clássicos como da modernidade. Porém, Libânio dialoga com o discurso modernista que assalta a fé cristã quando exalta à razão, à liberdade, à subjetividade e ao consumismo, contrapondo-os aos valores cristãos e, portanto, à fé. Libânio responde argumentando a partir da razão com pensamentos próprios e dos mais famosos teólogos cristãos. João Batista Libânio. Eu creio, nós cremos: Tratado de Fé. Loyola, São Paulo, 2000. O autor, O’Collins Gerald, em o clássico da teologia fundamental contemporânea, e nesta obra revaloriza e exalta a subjetividade da experiência humana com Deus. Essa é sua principal riqueza. Para isso, desenvolve sua teoria da experiência e depois enfrenta os temas clássicos da revelação, a tradição, a inspiração nas Escrituras e o diálogo com não cristãos. Suas reflexões partem do fato de que ao longo das gerações, a humanidade experimenta Deus comunicando-se e, através das tradições, a sociedade interpreta e transmite essas experiências, até ficarem escritas. Nesse sentido, a revelação divina e a salvação que promete não acontecem fora da experiência dos seres humanos. A experiência é o lócus 15 onde revelação e salvação aconteceram e continuam a acontecer. Mas a tradição defende o autor católico, não coincide literalmente com a revelação e não pode transmitir a experiência da revelação como o faz a testemunha. No entanto, a tradição é necessária para apontar para a revelação, oferecendo meios de experimentá-la ao longo da história. Pessoalmente acho que O’Collins teve a nobreza moral de valorizar a subjetividade humana como âmbito no qual a Revelação acontece, algo que estava muito longe de acontecer nos manuais tradicionais de apologética. Todavia, sinto falta nesta obra de um interesse pelo âmbito social e político, circunstâncias reais onde a comunidade concreta experimenta a Revelação. GERALD, O’Collins. Teologia Fundamental. Loyola: São Paulo, 1991. Guia de Estudo: Após a leitura das obras, realize uma comparação entre as ideias dos autores, em seguida faça um texto dissertativo-argumentativo sobre o que mais lhe chamou atenção. Disponibilize-o no ambiente virtual. 16 Problematização Desde que adentramos a modernidade por volta do século XVII, cada vez mais o Ocidente passou a ser pautado pelo paradigma racionalista. A razão passou a ser o divisor de águas ao se discutir qualquer assunto. Desde então, a ciência vem ganhando cada vez mais, prestígio, e alto grau de confiabilidade e credibilidade. Até parece que ela tem resposta para tudo. Durante a Idade Média, a razão foi utilizada para explicar a fé, agora, ela seria usada contra a fé e a religião, especialmente contra o cristianismo. O que talvez possa explicar esse antagonismo seja o fato político da Igreja ter se posicionado ao lado da monarquiam, quando a classe burguesa deu os primeiros sinais de que seguiria pelo caminho da democracia e do sistema capitalista. Esse antagonismo ferrenho da Igreja sem dúvida explica, ao menos em parte, a aversão que a nova classe de intelectuais manteve contra a religião Cristã. O processo de secularização não é nada mais do que um esforço coordenado para se colocar a religião para fora do domínio público. A filosofia da religião também contribui para desacreditar o pensamento religioso cristão como um todo. Essa nova realidade criou a necessidade de teólogos responderem a pertinente pergunta, que certamente você já deve ter feito a si mesmo: A fé cristã é defensável à luz da razão? Ou, dito de outro modo, a fé cristã está em harmonia com a racionalidade ou é irracional? Esperamos que ao longo da disciplina você possa responder a esta questão. Guia de Estudo: Baseado nas situações acima faça uma resenha sobre as respostas. Disponibilize no ambiente virtual. 17 A TEOLOGIA E SEUS PRESSUPOSTOS FUNDAMENTAIS 1 OBJETIVO Conhecer os pressupostos e os temas básicos da Teologia Fundamental. HABILIDADE Reconhecer textos sobre o tema, bem como ser capaz de fazer exposição escrita pública em eventos, palestras, seminário em ambiente acadêmico acerca do tema estudado. COMPETÊNCIA Desenvolver técnicas de leitura e compreensão para aperfeiçoar a capacidade reflexiva nos textos bíblicos. 18 19 A teologia fundamental e a apologética Existe Deus? Se existe, podemos conhecê-lo racionalmente? Se for possível chegar a concluir Sua existência pela luz da razão, podemos falar d’Ele? A tentativa de a humanidade aproximar-se do mistério exige dos crentes o esforço por pensarem sua fé e estarem dispostos adar razão de sua esperança (1Pe 1, 13). A começar pelo esforço racional por concluir a existência de Deus e justificar que Ele pode revelar-se. Depois saber como Ele é e como Ele não pode ser, organizar coerentemente o que acreditamos e provar que não há contradição com a fé ad intra (ou seja, entre os dogmas professados) e ad extra (ou seja, com a razão e os conhecimentos que a humanidade vai acumulando na história). Dar razão de nossa fé e nossa esperança é uma exigência da razão unida à emoção (a unidade do Eu), pois o homem e sua força de pensar, justificar e explicar precisa definir o que crê e expandir sua fé apresentando os fatos da fé como uma unidade coerente racionalmente. Os fatos revelados precisam ser relacionados com a vida humana e, pela vida humana, com o mundo. Não se trata de fazer uma apresentação doutrinal, mas de tentar que a razão humana compreenda que a Doutrina que lhe será apresentada não ofende a razão. É, pois, um ato prévio ao ato de crer. Nesta Unidade será explicado o papel da Teologia Fundamental e de sua vertente apologética, uma necessidade urgente num mundo que nega a existência de Deus. 20 O que é a apologética? Apologética é um conjunto de conhecimentos ordenados e sistematizados que pretende demonstrar racionalmente a credibilidade da fé cristã, defendendo-a das críticas e os ataques provenientes dos diferentes grupos agnósticos ou dos que não professam a mesma fé. Estuda o que Tomás de Aquino chamou de preâmula fidei (preâmbulos da fé), ou seja, os pressupostos racionais que se impõem à vontade humana para que seu ato de fé não seja um ato irracional, senão o render-se ao mistério que se lhe impõe. Antes de crer na Revelação, é necessário mostrar que crer em Deus não é um absurdo, que a razão humana pode humildemente aproximar-se do conhecimento de sua existência e deduzir suas qualidades, que não é irracional pensar que ele possa ser conhecido e que não é um contrassenso ele rebelar-se. Este esforço da razão é, aliás, uma obrigação para o cristão imposta por Pedro: “Estai sempre dispostos a dar razão de vossa esperança” (1 Pe 3.15). A Apologética é um esforço da Teologia por justificar perante a razão humana as exigências intelectuais e éticas, a religião cristã com argumentos de razão, por isso trabalha com provas filosóficas, históricas e científicas, evitando fundamentar-se na Sagrada Escritura ou em argumentos de Autoridade emanados da Igreja. Entretanto, nas suas origens, os chamados Padres Apologistas dos séculos II a V (estudados na Patrística e na História da Igreja) sim apelavam à Escritura Sagrada, procurando defendê- la historicamente e esclarecendo as verdades dogmáticas que iam se formando a partir dos dados expressos na Escritura, os quais sempre se consideraram inspirados pelo Espírito de Deus. Porém, principalmente, defendiam a Igreja dos ataques e das acusações caluniosas dos pagãos e da contaminação que podiam supor o encontro do gnosticismo com o cristianismo primitivo. A apologética clássica (que durou do século XVI ao XX) se estruturava em três grandes blocos chamados “demonstrações” referidas respectivamente à fé em Deus, à Fé em Jesus Cristo e à fé na Igreja (entendendo-se a Católica, a partir do Imperador Teodósio). 21 Essas demonstrações apologéticas são racionais e servem à fé, mas não a substituem. A fé cristã é sempre um ato da inteligência movido pela vontade seduzida pela graça. Portanto, é um dom que envolve a pessoa em sua totalidade e exige o assentimento da vontade. A apologética, que é puramente racional, não exige a fé. De fato, um apologista erudito pode não crer necessariamente naquilo que defende; o que é bastante contraditório defender algo em que não se acredita. No entanto, crer exige um mínimo de racionalidade, pois é necessário saber dar razões e provas de que o que se crê é, no mínimo, acreditável. Os motivos da credibilidade precisam ser racionais para não fazer da fé um fundamentalismo cego. Conhecer as razões para crer estimula, por sua vez, o conhecimento da relação existente entre as diferentes verdades de fé que se professam, a não contradição interna entre eles, a complementariedade mútua entre os dogmas professados, sua fidelidade à tradição recebida e, por incrível que pareça, sua não oposição à razão. Efetivamente, a fé cristã é, como toda fé, incompreensível racionalmente, porém, a diferença de outras crenças, não é absurda e é coerente consigo mesma. Por isso, a apologética estimula a fé e, quando estudada com a disposição moral adequada, a faz desejar. Os manuais de Teologia Fundamental tinham uma finalidade apologética eminente e sua estrutura era basicamente a mesma estrutura consagrada por Tomás de Aquino na sua Summa Theologica: título da tese, exposição da doutrina, argumentos contrários, contra-argumentos, explicação da doutrina oficial. Crise e Renovação da Teologia Fundamental A Teologia Fundamental foi um dos tratados teológicos mais afetados com a renovação teológica iniciada na década de 1950 e que permitiu ao Vaticano II aproximar o cristianismo das ciências. Houve vários fatores que a afetaram, principalmente, a renovação dos estudos bíblicos e patrísticas (“Padres da Igreja”) dentro do âmbito católico, o acento personalista e antropológico que tomaram os novos estudos e o abandono repentino daqueles moldes sistemáticos da escolástica (mencionados no parágrafo anterior). Em contraposição, a Teologia Fundamental evitava aprofundar nos textos bíblicos, pois partia da evidência de sua verdade racional, não considerava o 22 aspecto subjetivo do conhecimento e se expressava naqueles moldes clássicos da neoescolástica. Nessas circunstâncias não tinha como subsistir, e entrou numa profunda crise nos anos 60, crise que até hoje não foi superada completamente, pois ainda existem questões muito complexas a ser resolvidas. Uma delas é em relação às diferentes concepções acerca do que atualmente deve ser a Teologia Fundamental. Para alguns, deve ser o fundamento do discurso teológico, para outros, o estudo da credibilidade da revelação cristã. Outro desafio a ser superado é a forma de propor os princípios desta disciplina teológica. Para alguns autores (sobretudo norte-americanos) ela deve continuar a ter uma função apologética, ainda que abandonando a frieza do hiper intelectualismo e dando espaço aos problemas vitais e práticos da humanidade. Para outros pensadores, a nova Teologia Fundamental deve construir-se como uma Filosofia transcendental e para outro grupo de teólogos, ela deve ser uma teologia da práxis, com fundamento empirista ou liberacionista. A crise da Teologia Fundamental afetou diretamente a publicação dos manuais de Teologia posteriores ao Concílio. Os textos que tentaram substituí-los não estavam suficientemente maduros para serem bons instrumentos de transmissão do pensamento teológico. Mas esse problema foi solucionado nos anos 80 como resposta à Instrução sobre o ensino da teologia nos seminários da Congregação para a Educação Católica (1976) e à Constituição Apostólica Sapientia Christiana do Papa João Paulo II (1979). A partir dela, a Teologia Fundamental passou a ser uma Assinatura Teológica obrigatória no âmbito da formação teológica católica. Nesse novo ambiente, a historicidade da reflexão acerca da fé permite manter viva a pergunta sobre a inteligibilidade do mistério e encontrar uma resposta que seja conforme as diferentes conquistas do saber humano. A mudança de pensamento criada com o Vaticano II distanciou a Teologia Fundamental do contexto da controvérsia que caracterizou a Apologética desde a Idade Média e a colocou em diálogo com as culturas e as ciências, enriquecendo a globalidade do saber humano e dando novos motivos para valorizar a existência humana. 23Na nova perspectiva da Teologia Fundamental, os alicerces filosóficos se ampliaram, deixaram de lado a dependência absoluta do Tomismo e se abriram à pluralidade de referências propostas pelos novos sistemas filosóficos e, este é um dado novo para a Teologia Fundamental, aos conhecimentos histórico-culturais advindos do aprofundamento nos estudos Bíblicos. Isto se deve a que o Concílio Vaticano II exigiu uma teologia mais bíblica e mais pastoral, centrada no mistério de Cristo e na história da salvação. A partir do Concílio, toda a Teologia produzida no âmbito católico passou a ser a reflexão sistemática e científica da Igreja sobre o mistério de Cristo que se realiza na história da humanidade e da qual ela se sente Signo Universal, para verificar a conformidade de sua pregação e de sua vida com a Palavra de Deus e poder assim anunciá-la e vivê-la eficazmente à humanidade de hoje. A nova forma de ser da Teologia Fundamental como fundamental. A Teologia Fundamental atual inclui a função apologética, porém não se identifica simplesmente com aquele tratado. Por outro lado, ela se constrói como uma teoria do conhecimento teológico orientado a refletir acerca das relações entre a revelação e a fé, a propor o método da Ciência Teológica e a demonstrar a racionalidade da fé. A Teologia Fundamental deve fazer descobrir, através de argumentos racionais, que o ponto de partida da Teologia deve ser a fé mesmo da Igreja como resposta na situação atual à Palavra de Deus. Preocupa-se por fundamentar de que forma essa Palavra foi pronunciada num período determinado da história e culminou no evento Cristo, e foi dirigida a todos os homens. A Teologia Fundamental é essencial porque propõe os fundamentos para responder aos desafios que o ato de crer lança à razão. 24 A Palavra e a resposta de fé da comunidade vêm expressas numa linguagem humana, expressão das situações socioculturais, mutáveis e relativas, dos diversos momentos e lugares da história. A Teologia Fundamental tem a missão de ajudar a comunidade eclesial a colher e compreender melhor o apelo da Palavra de Deus e a exprimir a própria resposta de fé na situação concreta na qual vive. A situação atual é de rápidas e profundas mudanças socioculturais e põe novos problemas à fé cristã. Problemas novos exigem respostas novas, não simples repetição das fórmulas dogmáticas e respostas do passado a problemas passados. A Teologia Fundamental coloca os alicerces racionais que ajudam a encontrar as novas respostas que os estudos bíblicos e a Teologia Sistemática devem procurar na Sagrada Escritura como cristalização inspirada da Palavra de Deus, brotada na comunidade cristã primitiva sob o impulso do Espírito Santo. A própria Bíblia não fornece imediatamente no seu texto literal a nova resposta; mas, sendo a cristalização da revelação de Deus, deve poder inspirar respostas aos problemas de hoje. A Teologia Sistemática é a procura de uma interpretação para a nossa situação, em parte nova, da mesma mensagem que é escrita no texto bíblico para outra situação. Essa mensagem, enquanto oferta do amor misericordioso de Deus em Cristo a todos os homens de todos os tempos e de todas as culturas, transcende a própria formulação bíblica no seu sentido literal. Essa, contudo, permanece sempre o ponto de partida para descobrir e enunciar a mensagem cristã e a Teologia fundamental coloca os alicerces racionais que ajudam a descobrir a mensagem divina a iluminar as novas situações. A tarefa da teologia é ajudar cada geração cristã a encontrar a resposta nova do evangelho aos problemas que a situação nova põe à fé da Igreja. “O ponto de partida da teologia é a Escritura, a qual é lida e interrogada do ponto de vista dos problemas dos homens de hoje. O teólogo tem necessidade da exegese, mas aquilo que o move e o anima são os problemas que hoje a Igreja levanta e que são levantados hoje à Igreja. Não obstante muitas vezes damos respostas a problemas que não se põem e não sabemos responder aos problemas que realmente se põem” (W. Kasper). 25 A necessidade atual da Teologia Fundamental Dentro do âmbito do cristianismo tradicional, tanto quanto fora dele, várias circunstâncias contemporâneas desafiam constantemente os fiéis cristãos, colocando-os em dúvida, ou incluso, fazendo-os perder a fé por não saberem dar razões para permanecerem crendo na tradicional fé cristã num ambiente de contínuas mudanças e sobre tudo perante os movimentos agnósticos e ecléticos da Nova Era. Os protestantes desprezaram tradicionalmente a perspectiva racional das reflexões propostas na Teologia Fundamental e incluso na sua dimensão apologética, pois eles tendem a ver nela uma mera obra da razão, uma das obras humanas contrapostas à graça de Deus e à fé, não necessária à salvação (sola gratia, sola fides, sola Scriptura). A tendência fideísta do protestantismo pode conduzir a desprezar o esforço racional para fundamentar a credibilidade da fé. A fé cristã seria tanto mais pura quanto menos se apoiasse na luz da razão.1 Por outro lado, o Liberalismo e a Nova Era têm influenciado a reflexão teológica na construção de uma teologia progressista que tende a ver a apologética como o intento fanático e intolerante de impor a própria fé aos não crentes. Nessa ótica distorcida, a apologética opõe-se ao espírito de diálogo e à convivência pacífica entre as diferenças e valores bem assumidos nas sociedades contemporâneas. A Teologia da prosperidade, o fundamentalismo bíblico oposto à razão, a liberdade radical de interpretação dos Textos Sagrados e outras características dos movimentos evangélicos, incluso presentes em diversos graus nos movimentos Carismáticos católicos, desafiam também a razão ao questionar acerca do sentido e da forma da Revelação, da inspiração dos hagiógrafos e dos leitores da Palavra, da dimensão social da fé, da necessidade de um magistério, e da comunhão entre os cristãos. Nessa perspectiva, os católicos entendem que o homem contribui à obra divina da redenção por meio de sua resposta livre à graça de Deus, resposta que, aliás, é também 1 Isso não deve ser tomado de modo absoluto, visto que existirem teólogos protestantes apologetas. 26 moção da graça. Por isso, a teologia fundamental e sua dimensão apologética tornam-se uma nova forma de partilhar com o mundo a alegria da fé e da esperança da salvação sem recorrer à violência, mas confiando na força da verdade revelada por Deus em Jesus Cristo, verdade que não contradiz a razão humana, mas que, embora a transcenda, o satisfaz e complementa. Perante o laicismo antirreligioso e contra o ateísmo em suas mais diversas formas, que atacam com irreverência, ironia e até com violência, os cristãos não podem reagir com brutalidade, mas também não podem ficar calados. Sua forma de responder deve ser a retidão exemplar na vida e a força da coerência dos argumentos racionais e históricos com os quais se explicam a fé e os costumes dos cristãos. Acerca dessa necessidade, a Conferência Geral do Episcopado Latino americano e do Caribe V (Aparecida, São Paulo, 2007), se manifestou. Hoje é necessário reabilitar a autêntica apologética que faziam os Pais da Igreja como explicação da fé. A apologética não tem por que ser negativa ou meramente defensiva per se. Implica, melhor, a capacidade de dizer o que está em nossas mentes e corações de forma clara e convincente, como diz São Paulo “fazendo a verdade na caridade” (Ef 4. 15). “Os discípulos e missionários de Cristo de hoje precisam, mais do que nunca, uma apologética renovada para que todos possam ter vida nEle” (Documentos de Aparecida, n. 229). O Sínodo dos Bispos, reunido em Roma em 2012, tratou o tema da Nova Evangelização para a transmissão da fé cristã. Naproposição 17 os bispos trataram acerca dos preâmbulos da fé e sobre a Teologia da credibilidade: No contexto contemporâneo de uma cultura global, muitas dúvidas e obstáculos causam um estendido ceticismo e introduzem novos paradigmas de pensamento e vida. É de primordial importância, para a Nova Evangelização, sublinhar o rol dos Preâmbulos da Fé. É necessário não somente mostrar que a fé não se opõe à razão, senão também destacar uma série de verdades e realidades que se referem a uma antropologia correta, que é iluminada pela razão natural. Entre elas estão o valor da Lei Natural e as consequências que ela tem para toda a sociedade humana. As noções de ‘lei natural’ e 27 ‘natureza humana’ são susceptíveis de demonstrações racionais tanto no nível acadêmico como no popular. Esse desenvolvimento e empreendimento intelectual ajudarão no diálogo entre os fiéis cristãos e as pessoas de boa vontade, abrindo uma via para reconhecer a existência de um Deus Criador e a mensagem de Jesus Cristo, o Redentor. Os padres sinodais pedem aos teólogos que desenvolvam uma apologética do pensamento cristão, isto é, uma teologia da credibilidade adequada a uma Nova Evangelização. O Sínodo chama aos teólogos a aceitarem e responderem aos desafios intelectuais da Nova Evangelização participando na missão da Igreja de anunciar a todos o Evangelho de Cristo. (SÍNODO, 2012. Proposição 17). O atual Papa Francisco, também se pronunciou a respeito da necessidade de uma nova Apologética: O anúncio à cultura implica também um anúncio às culturas profissionais, científicas e acadêmicas. Trata-se do encontro entre a fé, a razão e as ciências que procura desenvolver um novo discurso da credibilidade, uma original apologética que ajude a criar as disposições para que o Evangelho seja escutado por todos. Quando algumas categorias da razão e das ciências são acolhidas no anúncio da mensagem, essas mesmas categorias se convertem em instrumentos de evangelização; é a água convertida em vinho. Eis aquilo que, assumido, não somente é redimido, mas também se torna instrumento do Espírito para iluminar e renovar o mundo. (Papa Francisco, Exhortação Apostólica Evangelii Gaudium, n. 132). Como falar do Inominável Para a teologia mística de Dionísio o divino é inefável, não pode ser apreendido no pensamento. Para Damasceno “o divino é inefável e incompreensível”. Os nomes divinos são equiparáveis aos nomes que o amor encontra para o amado, os que adoram e louvam para o adorado e louvado, a saudade para quem a sente, o medo para o temido. Não expressam mais o arrebatamento e entusiasmo e a comoção dos que denominam que a essência do denominado? O Iluminismo quis permitir apenas o discurso racional de Deus. Kant tinha falado “o homem só pode falar de Deus em termos antropomórficos”. Jacobi defendeu o antropomorfismo de todo discurso sobre Deus como legítimo e adequado ao objeto. Para L. Feuerbach o discurso sobre Deus exige ser decifrado como 28 discurso sobre o gênero humano e seu desígnio. Não será a fala humana a deformação e distorção de Deus pela linguagem humana orientada por interesses e necessidades? Não será mais adequado calar a respeito de Deus do que forçá-lo com nossa linguagem? Falar de Deus a partir do silêncio: as vias negativas, da eminência e da causalidade. A tradição da teologia negativa entende-se neste sentido de caminho para o silêncio, embora como caminho no qual o pensar e falar dão conta de si e se dispõem a calar. A teologia negativa de Dionísio encontra-se na tradição do neoplatonismo no qual o protofundamento da realidade se apresenta como supra-essencial, inacessível ao pensamento classificador e definidor, ao discurso que distingue e delimita e acessível pela união mística do pensante e falante com o próprio Uno. A apófase libera o pensar e falar de sua fixação no que é impregnar de silêncio e desconhecimento, não o bastante liberando o falar para glorificar o inominado com os nomes que lhe cabem como protofundamento de todo ente, mas não como causa definível, e sim, como arché (princípio de tudo), a ser tudo em tudo e telos (finalidade, meta, objetivo). De Deus só pode-se falar corretamente trilhando simultaneamente a via negationis (sabemos o que não pode ser), a via eminentiae (em Deus as virtudes e valores têm que ser sublimes e exemplares) e a via causalitatis (via da negação, via da eminência e via da causalidade). Somente o louvor que chama pelo nome reúne adequadamente as três vias. É a linguagem dos amantes, dos entusiasmados; mas não só exprimem seu amor e entusiasmo, mas também aquilo que é amado e entusiasma porque nominam o ser arché supre essencial de Deus e assim a sua relação com o que é. Discurso analógico a respeito de Deus. Não podemos saber, a respeito de Deus o que Ele é, mas podemos, ao invés da definição essencial, a partir de seus efeitos, fazer uma afirmação da causa em si (Tomás de Aquino). Podemos nomear Deus a partir das criaturas, porém o nome que o nomeia então não exprime a entidade divina tal qual ela é. Os nomes de Deus dizem algo a respeito da sua essência, mesmo que não reproduzem toda a sua essência. Designam a 29 Deus por meio das obras da sua criação (realidades criaturais) que o representam apenas imperfeitamente. Deus não pode ser percebido nas criaturas propriamente como ele mesmo, em sua plenitude divina de ser, mas justamente apenas como seu princípio, origem concessora do ser. Os nomes atribuídos a Deus o exprimem corretamente como proto-realidade de tudo que é que lhe deve existência e perfeições do ser. Os nomes querem dizer inicialmente realidades criaturais, uma vez que delas são tirados; mas, segundo a seu teor, eles têm realidade intrínseca primeira em Deus. Eles designam a imagem, mas remetem o designante, com base na imagem, ao original. Os mesmos nomes designam a realidade criatural e a divina de diferentes maneiras. Isso exclui que os nomes sejam utilizados univocamente ou equivocamente, mas são usados no sentido da analogia. A analogia pode ser de atribuição ou de proporcionalidade. A doutrina da analogia fundamenta o discurso adequado de Deus em cima de uma correspondência: a correspondência do criado para com o seu Criador e a linguagem humana consegue expressar Deus verbalmente não só de forma inadequada e distorcida, mas correta. Baseado na dedicação de Deus ao gênero humano pecaminoso na obra redentora de Deus, o ser humano estaria novamente chamado a corresponder a Deus por sua fé e a expressá-lo verbalmente mercê dessa correspondência. Metáforas como discurso correspondente de Deus Paul Ricoeur tenta uma teoria da linguagem religiosa como linguagem de metáforas. Quando a pessoa humana, bafejada pelo Espírito de Deus, procura corresponder linguisticamente a Deus e a sua comunicação, suas palavras e sentenças muitas vezes entram em estranha tensão com o linguajar habitual. Teoria diferente da teoria retórica da metáfora. 30 Linguagem metafórica é uma linguagem que ultrapassa a si mesma ao entrar em tensão com as associações semânticas usuais, introduzindo, por alusão de imagem, novas associações de sentido. As pessoas falam acertadamente a respeito de Deus na medida em que se deixam determinar pelo próprio Deus em sua vida e até em sua linguagem, na medida em que correspondem a Deus. A tradição escolástica fundamentou essa capacidade de correspondência no fato do ser humano ter sido criado, de ser a semelhança de Deus. A teologia moderna, e principalmente contemporânea propõe, além disso, que o ser humano sempre precisa ser desafiado novamente pelo Espírito de Deus, no sentido de buscar a correspondência de sua vida e linguajar com a autocomunicação de Deus; que em função dessa correspondência também seu linguajar sempre precisa de nova conversão.As tentativas atuais de descrever a linguagem da fé como processo metafórico procuram ir ao encontro dessa preocupação. Jesus Cristo é a nova imagem de Deus Pai, o resplendor da glória de Deus e a expressão do seu ser; quem vê o Filho, vê o Pai. O que se pode ver, ouvir, sentir, experimentar e perceber de Deus, abre-se à pessoa humana nele (e partindo dele, no corpo de Cristo, que é a Igreja). Deus é como Jesus Cristo: essa metáfora central é à base da fé cristã; ela encontra sua interpretação na proclamação que procura interpretar Jesus Cristo como parábola pessoal de Deus e verbalizar, prometer às pessoas o Deus que se expressa linguisticamente no Logos Jesus Cristo. Metáfora e conceito A metáfora apresenta riqueza de associações; em interpretações sempre novas ela pode ser atualizada, potencializada, relativizada, associada a outras metáforas. Só que riqueza de associações não significa arbitrariedade e é preciso reconhecer e excluir associações ambíguas da metáfora, corrigindo conotações errôneas pelo conceito. O conceito trabalha as metáforas, as inter-relaciona de forma coerente e nessa compreensão do seu nexo recíproco destaca a clareza unívoca do Deus-Logos; procura 31 controlar as associações evocadas pela metáfora de modo que não levem ao descaminho, mas sem sacrificar a riqueza de associações das metáforas. A teologia, em seu trabalho conceitual, recorre novamente a metáforas, cria metáforas. Não se compromete exclusivamente com a univocidade conceitual. Os conceitos de qualquer forma derivaram da metáfora e a derivação da metáfora proporciona ao conceito seu teor de realidade. A forma linguística do discurso teológico conceitual é indispensável. Seu lugar está na doutrina, na qual é preciso transmitir adiante e assumir a responsabilidade por aquilo que o Deus-Logos ao se pronunciar nas metáforas dá a pensar e fazer aqui e agora. A forma linguística do dogma eclesial tem seu lugar na responsabilidade oficial (doutrinal) pela identidade do que é cristão, identificando o que é interpretação normativa da Escritura e de tradições interpretativas normativas, rejeitando alternativas enganosas, redutoras do Logos. Mas existem gradações dessa normatividade, graus de certeza teológica. A interpretação dos dogmas deve orientar-se segundo sua forma linguística específica bem como segundo suas funções eclesiais, como palavra rememorativa, demonstrativa e prognóstica. A hermenêutica dos dogmas sempre se orientou segundo o nexo entre os diversos dogmas e entre estes e o alvo último dos seres humanos, tomando os dogmas como testemunhos da Tradição de uma interpretação eclesial da Escritura, com intenção de sistematização da fé. O concílio fala de hierarquia das verdades. O dogma sempre deve ser entendido a partir da lógica da controvérsia a ser por ele resolvida; como um enunciado dentro do mistério; como formulação historicamente contingente, segundo os esquemas de conceituação disponíveis em cada caso; a fórmula dogmática em casos foi imposta precipitadamente. Nenhuma sentença isolada, nem mesmo dogma algum pode esgotar a plenitude do Evangelho. Cada um enuncia a verdade infinita, o mistério de Deus e a sua salvação em Jesus Cristo de forma finita e, portanto, imperfeita, suscetível de melhoria, ampliação e aprofundamento. É inegável o desenvolvimento da doutrina eclesial, o desenvolvimento dos dogmas. A Revelação é interpretada segundo a situação; no curso dessa interpretação pode ocorrer que traços não claramente percebidos da autoexplicação de Deus em Jesus 32 Cristo fiquem mais ressaltados pela atuação do Espírito de Deus na comunidade dos crentes. Revelação e fé A revelação divina é a proposta que a Trindade faz ao ser humano acerca de seu projeto salvador. Deus Trino se revela salvando a humanidade. Salva-a revelando-se. Porém, no seu ser salvo, a humanidade joga um papel fundamental, pois foi criada livre e consciente. Deus não anula a liberdade nem a consciência do ser humano, que precisa, num ato humano (ou seja, consciente e livremente), acolher a Revelação e responder a ela. Essa resposta é a fé. Revelação e fé constituem uma unidade profunda. São duas faces de uma mesma moeda. Não há Revelação sem uma intencionalidade em relação à acolhida do ser humano. Não à acolhida sem que lhe apresente uma resposta. A Revelação salvífica do Deus Trino constitui o ser humano na sua realidade ontológica, e a resposta é, portanto, possibilitada pelo ato revelador trinitário que, por si mesmo, se deu para ser acolhido pela humanidade, o povo de Deus, que a partir das suas circunstâncias históricas e socioculturais tem a obrigação e a possibilidade de analisar o conteúdo da Revelação e dar razão da sua esperança. O objetivo deste capítulo será por tudo isso, analisar a relação íntima e fundamental entre a Revelação e a fé, a proposta de Deus e a resposta do homem. Entretanto, por que precisamos refletir sistematicamente nessa dupla vertente da religião cristã? Porque esta abarca todos os níveis da nossa realidade humana, comprometendo assim, a racionalidade, a liberdade e o que de amoroso possam ter o homem e o dado revelado por Deus. 33 A Dimensão Antropológica da Fé No ato de fé, Deus não pode ocupar o lugar do ser humano. Não é Deus quem crê pelo homem e no lugar do homem, mas sim é o homem quem declara ou nega a Jesus Cristo (Lc12,8s), ainda que dependa da graça de Deus para acolhê-lo (1Cor 12,5). A confissão de fé é um ato do ser humano e por isso deve respeitar-lhe a estrutura humana. A fé, como resposta global da pessoa diante da proposta salvífica de Deus, pode ser analisada sob diferentes aspectos: a) É um ato humano. Ato humano é aquele ato onde o indivíduo sabe que é o que faz, é consciente de que está a agir e é livre para decidir agir. A fé é uma resposta livre ao apelo gratuito de Deus, para uma amizade de intimidade. b) Manifesta uma opção fundamental da criatura consciente e livre em relação a Deus. A opção fundamental é uma opção primeira e tão importante que define toda a série de decisões que a pessoa virá a fazer movida por aquela primeira opção, para proteger aquela primeira opção e se ajudar a realizar aquela primeira opção. c) É a salvação da pessoa humana, enquanto possibilita sua justificação. Se complexa é a realidade humana, mais complexa ainda é a relação dele com Deus. Neste capítulo estudaremos o que entendemos por ‘ter fé’, ou ‘crer’ e quais são os elementos principais da estrutura do ato de fé. Questões linguísticas a) Etimologia e Semântica de crer: Para nos referir à ação da fé, usamos o verbo “crer”, que desde sua origem teve um sentido religioso e outro econômico. Em ambos os sentidos a raiz indo-europeia significa o mesmo: “confiar uma coisa com a certeza de recuperá-la”. As palavras “crença” 34 e “crédito” eram utilizadas pelos antigos para se referir ao seu desejo de serem satisfeitos e fortificados por parte dos deuses. Portanto, nesse sentido, a fé implica, além da confiança, uma entrega que conta com a certeza da remuneração divina. Os latinos sublinham a dimensão existencial da entrega, aceitação e acolhimento da interpelação de Deus. ‘Crer’ vem do verbo latino credere, que está formado pelas palavras cor e dare (coração e dar). O verbo credere vai sempre acompanhado do adjetivo alicui (alguém). Assim, etimologicamente, ‘crer em alguém’ significa: dar o coração a alguém. Até aqui podemos tirar uma primeira definição de fé: Entregar a Deus o mais íntimo do ser: os sentimentos mais nobres, a liberdade e a razão em um ato de infinita confiança. b) Regências gramaticais do verbo ‘credere in’ (crer em): Existe um duplo objeto do verbo ‘crer’: Crer em Deus e crer nas outras realidades. O jeito de crer em cada um desses objetosé diferente, como também o jeito de nos expressar gramaticalmente com relação a eles. A língua latina possibilita ver melhor essa diferença, pois o acusativo pode ser antecedido de uma preposição e pode não ter preposição. A Igreja primitiva escreveu o símbolo da fé utilizando essa diferença para ressaltar a distinção radical entre crer no Deus Pai, no Filho e no Espírito Santo (‘credo in Deum Patrem et in Filium et in Spiritum Sanctum’) e crer na Igreja e nos outros símbolos da fé (‘credo Eclessiam’, sem preposição). O sentido dessa diferença é claro: Não se crê no Deus Trino e na Igreja da mesma maneira: Não creio ‘na’ Igreja, mas creio que a Igreja existe, como obra do Espírito Santo, em quem creio. A tradição latina conhece quatro regências do verbo ‘credere’ em relação a Deus: Credere Deum, credere Deo, credere in Deo, credere in Deum. 35 Credere in Deum e credere in Deo podem ter o mesmo significado, porém as outras três expressões não. Analisemos a diferença a partir do comentário que fez Agostinho de Hipona (430) à frase de Jesus: “A obra de Deus é que creiais naquele que Ele enviou” (Jo 6. 29). Agostinho comenta: “Ele pede que creiais naquele (in eum), e não a ele (ei). Pois, se credes nele, credes a ele; não se segue, porém, que quem crê a ele, crê nele. Pois os demônios criam a ele, mas não criam nele”. Aparece dessa análise de Agostinho de Hipona que a verdadeira fé teologal, que salva, está expressa com a preposição in no acusativo. Crer que Jesus existiu é necessário, porém só acreditar nele, isto é, acreditar que ele possibilita a filiação divina por meio da adoção da graça, dá a salvação. Quem faz uma análise metodológica das três expressões é Tomás de Aquino. Ele distingue: a) Credere Deum = Objeto material da fé: Só se propõe algo à fé enquanto isso diz respeito a Deus. b) Credere Deo = Razão formal do objeto da fé: Isto é, a razão pela qual se crê em tal ou qual verdade de fé. c) Credere in Deum = É o objeto final da nossa fé. Ou seja, a Verdade Primeira à qual se refere nossa vontade e razão. Resumindo essa reflexão, consideremos os seguintes sentidos: Credere Deum = “Creio que Deus existe”. É um fundamento da fé, mais é insuficiente, pois, embora possa se chegar a ele por um simples raciocínio lógico, não implica nenhuma aceitação que comprometa existencialmente a pessoa que crê: “Os demônios também creem, e tremem” (Tt 2, 12). Esta forma de crer em Deus está muito próxima do ateísmo prático e possibilita a idolatria do prazer, o poder e o dinheiro. Credere Deo = “Creio que é verdadeiro o que Deus revelou”. Esta forma de acreditar indica que se aceita que Deus possa revelar qualquer coisa, porém, também não compromete existencialmente a pessoa. De fato, ficar nessa forma de fé poderia ser 36 equivalente ao dogmatismo, ou seja, a aceitar uma verdade como de fé por ser absurda à razão. É uma fé morta, sem caridade (sem adesão existencial a Deus), chamada pela escolástica de fides informis (Fé informe). Credere in Deum = É a fé viva, informada pela caridade; a fé como virtude teologal, no qual se passou de aceitar a existência de Deus e a sua revelação para uma aceitação de Deus na vida pessoal. É uma fé que integra e leva à plenitude as formas anteriores de fé. É uma fé na qual o ato de crer adquire a sua verdadeira grandeza e significado; compromete a pessoa existencialmente e lhe possibilita abraçar a salvação que lhe é oferecida. Fides quae, fides qua: Na teologia escolástica há outras duas expressões utilizadas para mostrar aspectos diversos da fé que se tornaram clássicas: a) “Fides quae creditur” (A fé que se crê) = O que se crê. É o objeto, o conteúdo da fé (fé passiva); relaciona-se com o credere Deum e o credere Deo. b) “Fides qua creditur” (A fé pela qual se crê) = É a fé pela qual a pessoa acolhe a graça e volta-se para Deus em quem crê. Relaciona-se com o Credere in Deum. ASPECTO EXISTENCIAL DA FÉ A fé é fundamentalmente um compromisso de vida, de existência pessoal (do crente) e comunitário (da igreja), na qual toda a comunidade se põe em atitude de escuta diante da Palavra interpeladora de Deus, reflete, louva, agradece e celebra culturalmente, transformando sua vida pela graça que recebe da gratidão divina. 37 A fé no Antigo Testamento Muitos termos indicam o ato da fé no Antigo Testamento: crer, confiar, apoiar-se em sentir-se seguro. Estes termos aparecem sempre no contexto da História da Salvação, sobretudo na boca de Abraão, dos profetas e dos salmistas. Os termos hebraicos mais significativos são Emunah e Aman (Amém), que indicam compromisso, aceitação, confirmação da vontade de Deus a quem se dá uma confiança total. Crer, para Israel, indica uma relação íntima de aceitação e amor com YAHWH, quem toma a iniciativa de se revelar e salvar ao povo cumprindo as suas promessas. A fé no Novo Testamento (fé cristológica) Os rasgos típicos da fé no Antigo Testamento se conservam no Novo, sublinhando- se o ‘Amém’, que é muito utilizado nas doxologias das cartas e os escritos cultuais. Aliás, os cristãos utilizam um termo novo para indicar a aceitação e sua adesão à obra salvífica de Cristo, no kerigma da Páscoa: Pistis (que pode se traduzir por “acredito”). Nos Evangelhos Sinópticos a fé aparece como: 1. Um convite a crer na obra salvífica de Jesus ante situações desesperadas (curas, reverificações). 2. Um convite a deixar tudo para seguir Jesus, aceitando-o como o Messias anunciado pelos profetas. 3. Um Dom do Pai (Mt 16, 15-17; Lc 22, 32). No livro dos Atos dos Apóstolos a fé aparece como a adesão a Jesus ressuscitado, que possibilita a salvação: At 3. 16. 38 Para João é o encontro salvífico com a pessoa de Jesus: Jo 6. 69; 20. 28; Ap 14. 12. Nas cartas de Paulo a fé é confiança em Jesus, compromisso com sua pessoa, seguimento iniciado num chamado, resposta: Rm 3. 25; Gl 2. 20; 3, 22. A fé em Hebreus 11. 1-40: “A fé é uma posse antecipada do que se espera um meio de demonstrar as realidades que não se veem...”. O autor fala aos cristãos desanimados na perseguição e os encoraja a se manterem firmes na fé em Jesus Cristo para alcançarem a perfeição final à que chegarão pela fé, com todos os seus antepassados mortos na perseguição. A chamada “Carta aos Hebreus” mostra a fé como um convite à esperança e, portanto, com uma dimensão de futuro no qual se participará do ser de Deus passando assim da morte à vida (por isso Abraão é apresentado como o crente por excelência). O autor de Hebreus define fé como “prova do que não se vê, porém se espera”, pondo-a em relação com a esperança (a eternidade em Deus) e a caridade (caminho à paz e à reconciliação). Aliás, a fé é uma atitude vital, de confiança plena em Deus, por quem se alcança a salvação na História, pois a salvação da pessoa se dá na História da Salvação do povo. Por isso é que, citando os antepassados, o autor descreve a fé como: a) Posse antecipada do que se espera; b) Entendimento da Palavra Criadora; c) Obediência e resposta a Deus; d) Confiança em Deus; e) Discernimento de valores; f) Esperança na ressurreição e aperfeiçoamento final. 39 A Fé fiducial (esperança e confiança) Sem negar o aspecto cognitivo e o assentimento intelectual do ato de fé ou os mistérios salvíficos de Deus, Lutero valoriza mais a dimensão de seu significado salvador “para mim” e não tanto a dimensão intelectual do ato de fé. A fé, entendida como uma atitude vital de esperança e confiança (fé fiducial) é uma atitude subjetiva que possibilita ao crente, de acordo à iluminação do Espírito Santo, interpretar a seu critérioas verdades reveladas. Dado o assentimento intelectual à Palavra de Deus escrita, o ser humano confia firmemente que a justiça de Cristo lhe é imputada por Deus individualmente, e seus pecados já não lhe são imputados em ordem à sua condenação. A fé é um ato de confiança tal que inclui uma certeza da justificação pessoal. A obra de salvação é unicamente de Deus. A fé fiducial é dom e obra exclusiva de Deus. Somente pela fé (sola fides), mesmo permanecendo interiormente pecador, o homem consegue a justificação. O ser humano, porém, permanece, ao mesmo tempo, justo e pecador. Com outras palavras, para Lutero a fé é a confiança que a pessoa dá a Cristo, pelo qual os pecados não são tidos em conta, embora permaneçam, e não um assentimento intelectual à revelação objetiva de Deus. No entanto, como resposta ao dado revelado objetivamente e historicamente, a fé implica uma objetividade, uma racionalidade e uma história; por isso um magistério e a reflexão sistemática sobre a fé tornam-se, em algum momento, necessárias a todas as congregações cristãs. Fé e realidade humana Se a fé afeta as estruturas formais ontológicas de nossa existência humana, sua compreensão depende muito do jeito de entender o ser humano. 40 Na história da antropologia filosófica encontramos várias posições que influenciaram e ainda influenciam nossa religiosidade, mas devemos considerar que as três filosofias a serem explicadas logo a seguir, não têm um transfundo bíblico, mas estão influenciadas por filosofias alheias à tradição judaico-cristã: a) Dualismo Maniqueu: (“O corpo é o cárcere d’alma”) Durante muitos séculos, influenciada pela filosofia aristotélico-tomista e esta pelo dualismo maniqueu, a fé cristã considerou o corpo como uma realidade distante da dignidade humana. O corpo foi considerado o inimigo da alma, frágil, marcado pelo pecado e condenado a desaparecer. Era a prisão da alma. A sexualidade chegou a ser sinônimo de concupiscência e foi considerada nesta mentalidade um mal necessário para a preservação da espécie humana. A fé, nessa antropologia, é vista em oposição ao corpo, como a forma que lhe possibilita uma existência humanizante e que lhe abre ao absoluto. Ainda, nos setores mais conservadores, prevalece esta mentalidade. b) Bem de produção e consumo: (“A religião é o ópio [ação analgésica] do povo” ou “A religião é um bem de consumo”). Resultado da modernidade e dos novos meios de produção industrial nos dois grandes sistemas econômicos. O alimento, o lazer e a saúde condicionam-se à produtividade. A pessoa humana é considerada também na sua psique, capaz de relações interpessoais. Nessa mentalidade se considera o corpo como um instrumento de ação capaz de relação e a fé, é observada como uma realidade alienante. c) Fonte de prazer: (“Carpe diem” = “Aproveita o dia”). Na pós-modernidade se ressalta a tomada de consciência do ser corporal e a sociedade se reconcilia com ele. O corpo aparece como fonte de prazer consigo mesmo e em sua relação com os outros e com o mundo. Sublinha-se até o exagero a relação intrínseca do humano com o mundo e se considera a “salvação” como “felicidade”. Não há um compromisso (alteridade), só prazer (egocentrismo). Não há permanência nem futuro, só momentos concretos, e eles têm que vivê-los. A fé é um instrumento de prazer, e assim como o corpo pega do mundo o melhor para si mesmo, assim a fé pode pegar de todas as religiões o que melhor lhe parece (ecletismo). A fé aqui não tem nenhum elemento objetivo nem pessoal nem relacional. A oração e a contemplação não são um diálogo de amor de Deus com o homem, mas um relacionar-se o homem com um “Transcendente” sem nome por meio de 41 técnicas orientais de meditação que procuram “sentir o corpo” na sua complexidade macrocósmica, na qual se dilui. Antropologia Teológica na Perspectiva Católica “O Deus da paz vos conceda santidade perfeita; e que o vosso ser inteiro, o espírito, a alma e o corpo, sejam guardados de modo irrepreensível para o dia da Vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Tes 5, 23). A concepção antropológica da Igreja Católica esteve, durante muito tempo, influenciada pelo dualismo filosófico aristotélico-tomista e ainda fincam nela raízes dessa mentalidade. Porém, a partir do Concílio Vaticano II e a revalorização que ele fez dos fundamentos na Escritura Sagrada, tem-se considerado o ser humano como uma unidade de corpo, psique (alma) e espírito em relação indissolúvel. No texto acima citado, observamos uma divisão tripartida do homem (espírito, alma e corpo), que só aparece aqui, nas cartas de Paulo. Paulo não tem uma “antropologia sistemática” perfeitamente coerente. Além do corpo (Rm 7. 24) e da alma (1Cor 15. 44) aqui fala do espírito, que pode ser o princípio divino, a vida nova em Cristo (Rm 5. 5) ou “a parte” mais elevada do ser humano aberta à influência do Espírito Santo (Rm 1.9). Paulo considera o homem em sua situação histórica e existencial: o homem é criatura de Deus, e se compreende como um dos termos de uma relação, da qual o outro termo é Deus. Daí que o Corpo natural deva entender-se como o corpo não informado pelo Espírito de Deus, a pura carne e sangue, enquanto o corpo espiritual, o corpo transformado, divinizado por Deus, é o Corpo Espiritual. Deixemo-nos iluminar agora por outro texto paulino, 1 Cor 15, 46-58. Assim também a ressurreição dentre os mortos. Semeia-se o corpo em corrupção; ressuscitará em incorrupção. Semeia-se em ignomínia, ressuscitará em glória. 42 Semeia-se em fraqueza, ressuscitará com vigor. Semeia-se corpo natural, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual. Assim está também escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito em alma vivente; o último Adão em espírito vivificante. Mas não é primeiro o espiritual, senão o natural; depois o espiritual. O primeiro homem, da terra, é terreno; o segundo homem, o Senhor, é do céu. Qual o terreno, tais são também os terrestres; e, qual o celestial, tais também os celestiais. Na continuação seguem-se os comentários exegéticos da Bíblia de Jerusalém, que nos ajudarão a interpretar corretamente as palavras de Paulo: Na mentalidade popular, a germinação era um processo que dependia da benevolência da divindade, não um fenômeno natural. Ao descrever as relações entre o corpo atual e o corpo de glória, Paulo insiste muito mais nas diferenças do que na continuidade. Para Paulo, como para a tradição bíblica, a psyché (em hebreu nefesh; = alma), é o princípio vital que anima o corpo humano (1 Cor 15.45). É a “vida” do corpo (Rm 16. 4; Fl 3. 30; 1 Ts 2. 8; Mt 2. 20; Mc 3.4; Lc12,20; Jo 10.11; At 20.10; etc) e a alma viva do corpo (2 Cor1.23). A mesma palavra pode designar o homem inteiro (Rm 2,9; 13,1; 2 Cor12,15; At 2.41-43; etc). A psyché (alma), porém ficar sendo um princípio de vida natural, que deve apagar-se diante do pneuma (em hebreu ruach), para que o homem encontre de novo a vida divina. Essa substituição, que se inicia já durante a vida mortal pelo Dom do Espírito (Rm 5.5), atinge a sua plenitude após a morte, na ressurreição. Enquanto a filosofia grega só professava a sobrevivência imortal da alma superior (nous), liberta do corpo, o cristianismo concebe a imortalidade estritamente como restauração integral do homem, ou seja, como ressurreição dos corpos pelo Espírito, princípio divino que Deus retirou do homem como consequência do pecado (Gn 6. 3) e que lhe devolve pela união ao Cristo ressuscitado (Rm 1. 4; 8.11), homem celeste e Espírito vivificante (1 Cor 15. 45-49). De “psíquico” (= vivificado) o corpo (em hebreu basar) se tornará então “pneumático”, (= vivificado na vida divina) incorruptível, imortal (1Cor 15. 53), glorioso (1 43 Cor 15. 43; Rm 8.18; 2 Cor 4.17; Fl 3. 21), liberto dasleis da matéria terrestre (Jo 20.19, 26) e das suas aparências (Lc 24.16). Em sentido mais amplo a psyché pode designar, por oposição ao corpo, a sede da vida moral e dos sentimentos (Fl 1.27; Ef 6.6; Mt 32.37; Lc 1.46; Jo 12.27; At 4.32; 14.2) e até mesmo a alma espiritual e imortal (Mt 10.28,39; At 2.27; Tg 1.21; 1 Pe 1.9; Ap 6.9 etc). Que Adão seja feito “alma vivente” significa que foi feito um ser dotado de vida puramente natural e submetido às leis do desgaste e da corrupção (A Bíblia de Jerusalém, 1995, p. 2170-2171. 7° ed.). Como vemos Paulo não tem uma antropologia bem definida (são os 40 primeiros anos de cristianismo e está tendo que traduzir conceitos especificamente bíblicos a uma cultura pagã, que não tinha esses conceitos), porém podemos distinguir nele dois pensamentos fundamentais: A unidade e a continuidade. Em efeito, Paulo não fala de aniquilamento nem de separação, mas de transformação, ressurreição e permanência, e sempre dentro da tradição bíblica, que considerou o ser humano na unidade indivisível de corpo e alma. Alguns autores católicos (como Juan Luís Ruiz de la Peña) e alguns protestantes (como Bultmann) ressaltam a possibilidade de que estes textos tinham sido escritos defendendo os cristãos do gnosticismo, que pregava a impossibilidade da ressurreição dos corpos. Síntese do pensamento católico tradicional acerca do homem O ser humano é corpo e alma: Segundo o esquema clássico, tem uma alma que informa um corpo. A compreensão psíquica da alma depende de como perceber essa relação com o corpo, ora mais dicotômica, ora mais unitária. A alma faz a ponte entre a dimensão corporal e a espiritual e possibilita a permanência da pessoa humana após a morte biológica. 44 O ser humano se faz presente no mundo pelo corpo, se relaciona, sente e ama com o corpo. Pelo corpo o ser humano é capaz de sair de si, de transcender-se e de doar- se. Pelo corpo o ser humano pode viver a fé além da própria experiência de individualidade, que também é dada pelo corpo informado pela alma. O ser humano é espírito. Aqui aparece mais claramente a dimensão humana aberta à fé. O ser humano é espírito porque está aberto à transcendência. Sua estrutura ontológica está aberta para o Outro, e na fé pode experimentar sua dimensão teologal. Na fé encontra sua maior realização. Nunca o homem é tão ele mesmo como quando crê. De fato, ainda sendo relativo e contingente, só encontra sua máxima realização na sua relação com o Necessário e Absoluto. Aspecto hermenêutico da fé - (a fé como conhecimento e interpretação da revelação) Não podemos entender a fé somente a partir da estrutura ontológica da nossa existência (subjetividade da fé), pois vivemos dentro de um processo histórico em que a interpelação de Deus necessita, a cada momento, ser interpretada. A fé se situa diante de um conteúdo, de um objeto “real”, pois a revelação tem um conteúdo “real” e concreto. Por isso, a fé é conhecimento objetivo (objetividade da fé). Nas próximas páginas nos moveremos dentro do aspecto objetivo do conteúdo da fé (a fides quae, o credere Deum). As Escrituras Sagradas, comunicação do projeto de Deus. O projeto de Deus nos é comunicado por meio das Sagradas Escrituras (Antigo e Novo Testamentos). Esses escritos transmitem a mensagem de Deus, formulada dentro de um determinado horizonte cultural, por meio de formas linguísticas bem definidas. Em si mesmos, esses textos são um esforço interpretativo dos profetas, dos homens inspirados, dos escritores da comunidade que escrevem as tradições orais, para propor em termos culturais e historicamente inteligíveis a experiência religiosa que faziam, e por ela, a mensagem que Deus lhes transmitia. 45 a) Processo de apropriação da Revelação Ao longo da história as comunidades de fé assumem e fazem própria e inteligível a Revelação transmitida (movimento de interiorização), e comunicam à geração seguinte o que assimilaram (movimento de exteriorização). Esse é o aspecto hermenêutico da fé e, como todo conhecimento, além de que evidentemente estejamos assistidos pelo Espírito Santo, funciona segundo a estrutura humana do conhecimento. Sim, Deus respeita nossa condição de conhecimento e os riscos inerentes a ela. A tarefa hermenêutica (“de interpretação”) se dá na leitura simples, direta, e até nas elaborações sofisticadas da linguística e a ciência propriamente exegética. O simples fiel, na intuição profunda de seu instinto espiritual, de seu sensus fidei, interpreta para si e para a comunidade essa Revelação divina. O teólogo, o exegeta, em seu árduo trabalho intelectual; o catequista, os pais de família que educam seus filhos na fé... Todos fazem hermenêutica, tornando a Revelação de Deus viva para todos os fiéis ao longo da história. A fé é interpretação porque, além de compromisso, é conhecimento de Deus e de seu projeto salvífico. O conhecimento exprime o elemento fundamental do ato de fé. A fé não se reduz ao assentir intelectual, mas implica-o em sua estrutura, ao afirmar um conteúdo. Os protestantes luteranos afirmaram que a fé é só a experiência pessoal interna da manifestação da salvação realizada por Deus (fé fiducial) e fazem sobressair o papel da fé (fiducial) na justificação realizada por Deus. Os católicos insistiram até radicalizar, pelo menos desde a contrarreforma até o Vaticano II, o aspecto objetivo de conhecimento de verdade. Assim se vê refletido na definição do Vaticano I: “Esta fé (que a Igreja católica professa) é uma virtude sobrenatural pela qual, com a inspiração e ajuda de Deus, cremos que o revelado por Deus é verdadeiro, não por causa da verdade intrínseca das coisas percebidas pela nossa razão natural, mas por 46 causa da autoridade do próprio Deus que revela quem não pode enganar-se nem enganar-nos”. b) Fundamento Escriturístico do aspecto hermenêutico da fé: Este aspecto da fé como conhecimento tem seu fundamento nas Sagradas Escrituras, pois nelas se evidencia como alguém interpreta uma mensagem de Deus, como o faz próprio, como o transmite e como é aceito; por exemplo: Abraão crê no fato que sua esposa lhe dará um filho; o povo crê naquilo que Moisés lhe diz da parte de Deus, etc. No N. T. a fé aparece muitas vezes como aceitação do que Jesus fala em nome do Pai. c) Fundamento racional do aspecto hermenêutico da fé: Este aspecto da fé, ou seja, o fato de que a fé possa ser interpretada como conhecimento de uma verdade objetiva, origina-se do fato de que o mistério de Jesus Cristo não pode transformar-se numa mera realidade interior, mas deve ser uma realidade extra subjetiva. A inteligência humana só pode atingi-lo pela afirmação de sua existência, pelo conhecimento. A natureza do intelecto é que só atinge o real, como real, afirmando- o. Com isso, no fundo, se aceita que a intervenção de Deus na história humana é real, e que pode ser conhecida. Graças ao aspecto hermenêutico da fé, a fé em Jesus Cristo pode libertar do fundamentalismo, de interpretações vãs, do perigo de considerá-lo um mito e da projeção, acusações que, ao longo da história, têm desprezado a dimensão religiosa do cristianismo. d) Motivo formal e objeto formal da fé: Motivo formal do assentimento da fé não é a própria evidência da Verdade revelada, mas o testemunho divino ou a autoridade do Deus revelante, como ficou definido pelo Vaticano I. 47 Objeto formal da fé é tudo o que o testemunho ou autoridade divina testificar principalmente o mistério de nossa salvação, operada por Deus em Jesus Cristo. Esse mistério salvífico foi interpretado na história da Igreja dentro de três grandes esquemas teóricos: • Esquema metafísico-cosmológico: Se caracteriza pela atenção à imutabilidade da verdade revelada, pelo estudo da essência de cada uma das verdadesreveladas conhecidas e pela conservação da ortodoxia, realizada através de definições irreformáveis. • Esquema antropológico: Centra a atenção no sujeito que interpreta a fé, interessando-se pelo significado da sua existência, a partir do conhecimento das verdades reveladas. • Esquema histórico-dialético: Se define pela percepção do sujeito em relação com o contexto social e histórico que o condiciona. O sujeito (nos três esquemas) é sempre o povo de Deus (Igreja) ao longo da história. Aspecto práxico da fé (a fé como compromisso na práxis) Conhecer as verdades reveladas (aspecto hermenêutico) e aderir-se a elas respondendo a Deus desde o mais íntimo do ser (aspecto existencial) sem um compromisso na práxis, não é suficiente. O Apóstolo Tiago já advertia que a fé sem obras é morta (Tg 2.17). A fé se encarna em compromissos com a história, com a realidade concreta vivida pelo sujeito e a comunidade. Não há uma verdadeira fé sem práxis; não há ortodoxia sem uma ortopraxis. De fato, a fé vai além do conhecimento da verdade. É vida, e a fé viva está sempre articulada com a caridade. Na América Latina a fé pode ser vivida na prática, no compromisso, na luta de libertação das situações que mantêm nossos povos na miséria. Assim se manifestaram os bispos reunidos em Santo Domingo, e com eles, Pastores e outros representantes das diferentes Igrejas cristãs do Continente Americano: “No nosso continente se dá um divórcio entre fé e vida, a ponto de produzir clamorosas situações de injustiça, 48 desigualdade social e violência”. “A falta de coerência entre a fé que se professa e a vida cotidiana é uma das várias causas que geram pobreza em nossos países, porque os cristãos não souberam encontrar na fé a força necessária para penetrar os critérios e as decisões dos setores responsáveis pela liderança ideológica e pela organização da convivência social, econômica e política de nossos povos”. Aspecto Escatológico (a fé como prenda das realidades futuras) Os três aspectos anteriores da fé, “formam” a dimensão intra-histórica do agir humano. Mas o homem é, também, transcendência. A fé responde a essa dimensão inserindo o homem na vida de Deus. Por isso, a fé é o início da vida definitiva de comunhão com a eternidade, o início da vida definitiva em comunhão com o Deus Trino, o início, já começado, da plenitude de vida eterna, o início da salvação humana. Se Deus é eternidade, só o que participa da eternidade participa de Deus, e se de Deus vem o Dom da fé, que é também uma resposta nossa, estabelecemos com Deus uma relação que goza da sua mesma realidade divina. Essa mesma doação de Deus ao homem e do homem a Deus nos garante a eternidade. Para o Evangelista João o conceito de “vida” implica a presença da eternidade no tempo. De dentro da vida (tempo) emerge a vida (eternidade), pois quem crê já tem (e não diz terá, mas tem) a vida eterna (Jo 3. 36; 5.24). Sua reflexão teológica está construída sobre a presença da vida definitiva e eterna na fé, na participação no Batismo e na Eucaristia. São atos do tempo e no tempo, mas que carregam, por assim dizer, a eternidade. São Paulo nos ensina que pela fé nos tornamos herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo (Gl 4.7; Rm 8.17). Ser herdeiro é já viver a realidade definitiva de que se é herdeiro. 49 Aliás, Paulo compara a fé com a visão, pela qual se atinge a mesma realidade: na fé, de modo incoativo; pela visão de modo pleno; pela fé “no espelho, e de modo confuso”, e na visão, “face a face” (1 Cor 13. 12). 50 51 O ATO DE FÉ 2 CONHECIMENTO Conhecer a natureza e seus desdobramentos do ato de fé. HABILIDADE Identificar textos sobre o tema, ser capaz de fazer exposição escrita, pública em eventos, palestras, seminários em ambiente acadêmicos acerca do material estudado. ATITUDE Desenvolver a capacidade reflexiva crítica acerca do objeto estudado e incorporá- la nas suas práxis. 52 53 A natureza do ato da fé Consciência, liberdade, racionalidade e capacidade relacional, estas são as realidades humanas onde melhor se expressa nosso ser, imagem e semelhança de Deus (Gn1. 27). Por isso, não pode haver uma verdade revelada que contradiga a racionalidade humana, que contradiga racionalmente outra verdade de fé ou que atente a qualquer uma das faculdades humanas transcendentes. Assentir com nosso “amém” ao mistério divino só pode ser um ato livre e individual da criatura humana. De fato, ao falar de mistério, já falamos de liberdade, pois a razão nunca poderá tornar evidente o dado revelado, embora a razão possa argumentar a unidade das verdades da fé, a não contradição com a ciência empírica, a não contradição interna entre as verdades que se professam e a relação do ato de fé com a integridade da pessoa. Ante a evidência o assentimento se torna consequência lógica, porém, ante o mistério somente a Revelação - e não os silogismos da lógica - pode apresentar à pessoa humana uma verdade não evidente. A Igreja Católica teve que definir que os católicos precisavam aceitar que o ato de fé é um movimento livre do homem a Deus, pois o Pastor de Hermes (1725-1831), influenciado pela filosofia Kantiana, pregava que a fé é um assentimento intelectual necessário com respeito à evidência das verdades religiosas. Essa evidência nasceria, segundo Hermes, da demonstração racional evidente do dado revelado, e da obrigatoriedade moral, prova racional da existência de Deus. Assim se expressa o Concílio de Trento: “Os fiéis, provocados e ajudados pela graça divina, concebendo a fé ‘pelo ouvido’ (Rm 10, 17), são movidos livremente para Deus, crendo que é verdade tudo o que Deus revelou e prometeu divinamente”. “Se alguém disser que o assentimento da fé não é livre, mas produzido necessariamente por argumentos da razão humana; ou que para a fé viva, que é obra da caridade, somente a graça de Deus é necessária, seja anátema”. 54 O Deus Onipotente que se revela salvando, “precisa” da resposta livre do homem para nos salvar? Esta será a pergunta que tentaremos responder. A liberdade no reino da necessidade Fomos criados por Deus, e fomos criados livres. Essa é uma das conclusões e um dos principais ensinamentos dos relatos da criação do Gênesis. Qual foi o processo da criação da criatura mais perfeita jamais vista na terra? As ciências, com suas diversas teorias evolucionistas, estão procurando nos dar uma resposta. Seja qual for à teoria certa, o que aqui, como crentes nos incumbem, é que somos resultado necessário de um processo criativo complexo e perfeito, no qual todos os fatores que intervêm nele podem, em teoria, ser previstos. Na sua mais conhecida obra, Teilhard de Chardin escreveu: Numa região bem determinada, no centro dos Mamíferos, precisamente onde se formam os mais poderosos cérebros jamais construídos pela Natureza, elas chegam ao rubro. E já se acende no âmago dessa zona um ponto de incandescência. Não percamos de vista essa linha que se empurpura de aurora. Depois de Ter subido por trás do horizonte durante milhares de anos, vai agora romper uma chama – Aí está o pensamento. Aqui é onde Chardin formula seu famoso Princípio Antrópico segundo o qual o homem na sua liberdade e raciocínio é o término de todo o processo evolutivo, resultado da combinação de uma série de fatores, inteligível só se é presidida por uma finalidade: o surgimento do ser humano. Nossa reflexão de que o homem pode dispor de si mesmo em ordem a um fim: chegar a ser
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