Buscar

Ensaio Literário - A Hora da Estrela

Prévia do material em texto

PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE UMA NARRATIVA 
EM A HORA DA ESTRELA
Vanessa Maria Moura do Nascimento (UESPI)
Mônica Maria Feitosa Braga Gentil (UESPI)
INTRODUÇÃO 
O presente ensaio literário tem como tema: Processo de construção de uma narrativa em A Hora da Estrela de Clarice Lispector (1984), que fala sobre a história da Macabéa, migrante nordestina pobre em luta pela sobrevivência na cidade grande; de outro, o drama do escritor e seu processo de criação ao retratar uma pessoa distante de seu universo socioeconômico e ser capaz de se comunicar com ela. 
Logo, abordarei sobre o processo de construção de uma narrativa, buscando mostrar por meio de um comparativo entre Macabéa e o narrador Rodrigo S.M. e sobre o mesmo, que trata-se da narrativa da construção de uma narrativa. Além disso, será analisada a ironia e referências intertextuais no nome dos personagens. 
MACABÉA X RODRIGO S.M
Macabéa era uma migrante nordestina de 19 anos, que foi ao Rio sem família, que ocupou um subemprego como datilógrafa, que divide quarto com outras quatro mulheres numa pensão em uma zona portuária do Rio de Janeiro, ela que tem um viver ralo, nunca se viu nua, que “enroscava-se em si mesma, recebendo-se e dando-se o próprio parco calor” (Lispector, 1984, p. 30) talvez essa fosse a única maneira dela ser abraçada já que não tinha ninguém no mundo, ela tinha dor de dente, sempre muito leve, aquela dor incessante que permanentemente fica doendo a ponto de que ela nem percebe mais que tem uma dor permanente. Macabéa é “incompetente para a vida” (Lispector, 1984, p. 31) no amor, no trabalho, nas relações humanas, ela “só vagamente tomava conhecimento da espécie de ausência que tinha de si em si mesma” (Lispector, 1984, p. 31) ela era tão simples, tão humilde e tão pobre de recursos (inclusive da linguagem) que ela não conseguia identificar dentro de si mesma que era infeliz, que tinha uma existência miserável. 
Já Rodrigo S.M, para ele escrever sobre essa mulher foi sair completamente da zona de conforto dele porque é evidente que ele tem condições na vida, que ele tem leitura, que ele tem empregada como ele afirma ao dizer: 
O que se segue é apenas uma tentativa de reproduzir três páginas que escrevi e que a minha cozinheira, vendo-as soltas, jogou no lixo para o meu desespero — que os mortos me ajudem a suportar o quase insuportável, já que de nada me valem os vivos. Nem de longe consegui igualar a tentativa de repetição artificial do que originalmente eu escrevi sobre o encontro com o seu futuro namorado” (Lispector, 1984, p. 50).
Ele é um cara de classe média, um párea, naturalmente marginalizado pois a classe alta lhe tem como “monstro esquisito” (Lispector, 1984, p. 25), mas que sem dúvida um homem que nasceu numa condição social muito superior a de Macabéa, então pra ele existe esse desafio de viver a vida de outra pessoa, um processo sofrido de experimentar uma vida de restrições, magra de comida, de afeto, de imaginação, de “sentir o insosso do mundo e banhar-se no não” (Lispector, 1984, p. 26), afinal é essa existência que ele atribui a Macabéa, uma vida invisível, uma figura insignificante, que “nem pobreza enfeitada tem” (Lispector, 1984, p. 27). Ele é um narrador intelectual confuso, que está em busca de um sentido, em busca de si mesmo e até mesmo por Deus. Portanto ele entende que fazer esse mergulho na vida de Macabéa, vai fazê-lo se sentir mais próximo daquilo que se considera a vida dos santos. 
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA 
Muitos trechos da narrativa nos revelam que Rodrigo S.M. para escrever a história de Macabéa precisa se despir de si mesmo para relatar detalhadamente o jeito de “ser” da miserável moça. Rodrigo S.M começa o romance falando do seu tipo de narrativa e de sua existência, à medida que cria e narra a história de Macabéa ele também vai se fazendo conhecer. A sua narrativa é cheia de cortes e digressões, pois este faz uma alternância na apresentação dos fatos do enredo, ora conta a história da moça nordestina pobre, ora conta sua própria história e ora conta sobre seu próprio modo de criação do romance. O narrador Rodrigo S.M aparece no romance, pelo menos, de duas maneiras, a saber: como um escritor que conta a história de Macabéa, bem como escritor de sua própria história, isto é, como narrador e personagem do romance que escreve.
No processo de criação da história, ele vai contando pro leitor em tempo real todas as coisas que passam por sua cabeça e todas as escolhas que ele vai fazendo. Como exemplo, temos a escolha dele de não querer que a história fique piegas e sentimental, não quer que os leitores sintam pena de Macabéa, tanto que ele se recusa a usar palavras como coitadinha, pobrezinha, inocente, pura... 
“Pelo menos o que escrevo não pede favor a ninguém e não implora socorro: aguenta-se na sua chamada dor com uma dignidade de barão.” (Lispector, 1984, p. 23). Acompanhamos a busca dele por algo grandioso na existência da vida de Macabéa, quando ele diz:
Será que entrando na semente de sua vida estarei como que violando o segredo dos faraós? Terei castigo de morte por falar de uma vida que contém como todas um segredo inviolável? Estou procurando danadamente achar nessa existência pelos menos um topázio de esplendor. Até o fim talvez o deslumbre, ainda não sei, mas tenho esperança.” (Lispector, 1984, p. 47).
 Conforme a narrativa se desenvolve, depois de descobrimos que Macabéa teve uma infância humilde, que nunca conheceu os pais, que foi criada por uma tia que não lhe dava carinho, que não lhe dava atenção, que ficou órfã (pois a tia veio a falecer), que não tinha amigos, que não tinha ninguém no mundo, que foi mandada embora do trabalho, que se apaixonou por um cara que mais tarde a trocara pela colega Glória, depois de tanta desgraça, Macabéa cresce como personagem e adquire uma dimensão existencial “tinha sonhos esquizoides nos quais apareciam gigantescos animais antediluvianos como se ela tivesse vivido em épocas as mais remotas desta terra sangrenta.” (Lispector, 1984, p. 69). A gente descobre então que Macabéa não é assim tão sem sentimentos e tão desconectada da vida, descobrimos que ela tem um ardor dentro de sim, um desejo pela carne, descobrimos que ela também é impactada pela beleza de Greta Garbo, que no fundo o que quer de verdade é ser irresistível como Marylin Monroe “O que ela queria, como eu já disse era parecer com Marylin” (Lispector, 1984, p. 74). Ao que parece o narrador Rodrigo S. M, vai descobrindo ao longo da narrativa essa nova Macabéa e vai transformando a vida dela em algo grandioso. 
Contudo, temos a narrativa da construção de uma narrativa, pois vemos a história sendo construída na nossa frente do começo ao fim.
IRONIA E REFERÊNCIAS INTERTEXTUAIS
Os nomes das personagens principais da obra são referências históricas ou aludem a alguma condição almejada por elas. Macabéa faz alusão ao povo dos Macabeus, no Livro dos Macabeus, do Antigo Testamento. Trata-se de um povo que resistiu até o fim à invasão romana. O nome do personagem Olímpico faz referência ao Olimpo grego, como uma forma de denotar sua vontade de ascender socialmente, de ser um vencedor. Assim também, Glória tem uma conotação similar. 
Olímpico e Glória são os personagens que saem como que vencedores no final da narrativa. O nome do narrador, Rodrigo S. M, sugere as relações de gênero na obra. S. M. pode ser visto como a abreviatura comum nos dicionários para Substantivo Masculino. 
A impressão que o livro passa é de que Clarice Lispector criou para si mesma uma versão masculina ao designar o papel de narrador a um homem até então nomeado como Rodrigo S. M onde somente a figura masculina poderia supostamente escrever uma história sem nenhum sentimentalismo, sem ser piegas ou melodramático, como “a dureza e a objetividade que só um homem escritor é capaz de ter”. 
Com isso, podemos perceber uma grande de uma ironia, uma enorme crítica, pois ela acaba provando portanto que uma mulher é capaz de escrever como o melhor escritor modernista, destruidor de conceitos e ré estruturadorde paradigmas que podemos imaginar. 
CONCLUSÃO
Foi possível observar que na obra A Hora da Estrela a escritura do narrador Rodrigo S. M é sempre permeada pela preocupação de encontrar a palavra exata, seca e sem floreios a fim de melhor representar o universo feminino da nordestina Macabéa.
Temos, nesse romance, portanto, o olhar de um narrador masculino que tenta penetrar na vida de uma personagem feminina que sofre com sua condição, no entanto sem se dar conta de sua própria miséria e ignorância.
 As tentativas de Rodrigo S.M analisar Macabéa são permeadas pelo desejo de alcançar uma grandiosidade que, mesmo que a nordestina não tenha, lhe é digna, já que ela acredita piamente viver uma vida feliz e, ao tomar consciência de sua condição miserável, crê que terá um futuro grandioso e brilhante. Mas o que ela não sabe e não espera é que a fatalidade da vida também reserva seus desencantos.
Concluo, ao dizer que a história relatada no romance não é apenas mais uma história de um nordestino que vai tentar a sorte na região sudeste do Brasil, mas o ponto forte do romance é o estilo inovador adotado pela Clarice, um estilo que, além de contemplar as características do modernismo, abarca suas características próprias como a criação de um narrador-escritor que também é personagem.
REFERÊNCIAS
LISPECTOR, Clarice. A Hora da Estrela. 7a. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
LUDWIG, Carlos Roberto. Escritura e cultura em A hora da estrela, de Clarice Lispector. Estação Literária, Londrina, set. 2011. Disponível em:< http://www.uel.br/pos/letras/EL/vagao/EL7Art4.pdf >. Acesso em: 07.01.2020.

Continue navegando