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CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES Conteúdo: Aula 3 (na seqüencia do programa: aula 4) 6. Capacidade de ação estatal: autonomia e inserção. 7. Relações entre política e administração. 8. Mecanismos de intermediação de interesses e articulação entre o estado e a sociedade (será abordado na próxima aula ainda nesta semana). 9. Participação da sociedade na esfera pública: ação coletiva, cultura política e capital social. Conteúdo extra: lista de questões de concurso. 6. Capacidade de ação estatal A Dicotomia Clássica Em função, principalmente, das contribuições de Max Weber ao estudo da sociedade e do Estado moderno e contemporâneo, ficou muito difundida a clássica tese de que para atuar de forma eficiente o Estado deveria contar com uma separação clara entre as esferas pública e privada. Segundo essa leitura, não seria admissível que o Estado interviesse em negócios particulares de seus súditos, e o indivíduo, quando atuando na esfera pública deveriam ter bem claro seu papel de cidadão que se dirige à coisa pública como coisa pertencente à coletividade não de alguns ou da maioria, mas de todos. O cuidado da coisa pública seria responsabilidade precípua do Estado que deveria ser autônomo em relação a interesses particulares na administração do www.pontodosconcursos.com.br 1 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES Na concepção tradicional de burocracia, ela seria uma grande máquina (daí alguns autores chamarem a burocracia weberiana de burocracia maquinária). Ela seria um conjunto de pessoas organizadas de maneira hierárquica que realiza um trabalho rotineiro de natureza eminentemente rotineir a, repetitiva e que, portanto, tem sua pauta de trabalho fortemente fixada e normatizada. Segundo weber, as vantagens da ordem burocrática seriam: 1. Precisão; 2. Falta de ambigüidade; 3. Unidade, a qual subentende coerência; 4. Subordinação (aos servidores eleitos); 5. Continuidade. Há uma clara distinção entre o núcleo decisório (formulação) e o operacional (implementação). A administração burocrática surgiu em contraposição ao patrimonialismo e o clientelismo , defendendo que o Estado deve ser autônomo em relação a interesses personalistas. É decorrência da dominação racional‐legal. interesse público. O ápice desse pensamento é a proposição da burocracia weberiana, ou administração burocrática. Seguindo o pensamento de Weber, a administração (racional) burocrática defendia que uma organização fundamentada na autoridade racional seria superior à organização administrada com base em personalismos, sendo mais eficiente e adaptável a mudanças, porque o a racionalidade de estrutura e a distribuição meritocrática das posições impediria os retrocessos típicos das mudanças de temperamento de lideranças patrimonialista ou clientelistas. A administração burocrática coloca a burocracia como responsável pela administração da coisa pública, fazendo-o com base nas orientações de servidores eleitos (políticos), os quais formular e decidem as questões importantes para a sociedade e a burocracia implementa essas decisões. Nesse contexto, o Estado, em função da nítida divisão das esferas pública e privada, seria capaz de tomar as decisões mais acertadas e em consonância com o interesse da sociedade, ao passo que a burocracia teria condições de executar da forma mais eficiente possível as decisões dos líderes políticos. Poderia então se dizer que o Estado atua de forma autônoma (Estado Autônomo). Isso é possível porque o Estado não foi capturado por interesses particulares, permitindo que a racionalidade da organização atinja seu máximo. O que significa empregados selecionados e promovidos com w.pontodosconcursos.com.br 2 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES base em sua competência, a existência de regras e procedimentos formais para a sua continuidade, a subordinação ao interesses da sociedade (que manifesta sua vontade por meio da eleição de seus representantes, aos quais os burocratas devem ser subordinados), a existência de uma unidade administrativo- organizacional e a falta de ambigüidade. Nesse contexto, o administrador não depende apenas de atributos ou habilidade pessoais para dar ordens com sucesso, mas do poder legal investido em seu cargo. Essa abordagem burocrática surgiu em oposição às formas personalistas de poder, notadamente o patrimonialismo e o clientelismo. O problema dessas duas formas de administração dos interesses da sociedade (patrimonialismo e clientelismo) é que não distinguem entre as esferas pública e privada, tendendo a conceber, muitas vezes, aquilo que público como sendo de posse privada. Essas formas de lidar com a coisa pública dariam origem a diversos males, que resultariam na captura do Estado por interesses particulares (Estado capturado = não autônomo). De acordo com essa leitura, o indivíduo só se aproxima do Estado para obter benefícios pessoais, em detrimento da coletividade. Nesse contexto, o Estado torna-se incapaz de promover sua função fundamental, que é prover o bem-estar da sociedade como um todo (ou numa linguagem mais ingênua, o bem comum). Em suma, a existência ou não de uma clara divisão entre esferas pública e privada corresponde a uma dicotomia extremada (porque situações reais tenderiam ter uma das situações prevalecendo, uma vez que, por exemplo, a administração weberiana ideal é irrealizável) que coloca de um lado o estado autônomo, capaz de formular suas políticas, tomar decisões precisas e implementadas sem grande dificuldade e, de outro lado, um estado patrimonialista ou clientelista, capturado por interesses particulares e incapaz de agir de forma autônoma para a realização dos interesses coletivos. O modelo que historicamente ganhou realce, obviamente, foi o do Estado autônomo, associado à administração burocrática, uma vez que, pelo menos nos discursos públicos, as outras formas de organização do sistema político- administrativo eram vistas como formas inferiores e deletérias ao bem-estar social. www.pontodosconcursos.com.br 3 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES Todavia, não se demorou muito para perceber as falhas inerentes ao modelo burocrático de administração da coisa pública. Diferentemente do que propunha Weber, o Estado não pode ser entendido como uma empresa, a não ser que seja uma empresa bem estranha. Mesmo o próprio Weber reconheceu a tendência ao conflito presente nas relações entre os indivíduos que compõem o Estado (políticos X burocratas), de forma que, nem sempre cada um aceitaria seu papel facilmente, principalmente os burocratas. Além disso, se o ideal de burocracia weberiana fosse levado ao extremo, poderia haver um absolutismo burocrático – risco que o próprio Weber reconheceu. Some-se aos problemas reconhecidos por Weber aqueles que os críticos da administração burocrática formularam. Dentre eles, se tornaram relevantes os apontamentos segundo os quais a burocracia de matriz racional-legal assume dois pressupostos que não condizem com a realidade. O primeiro deles é que o tomador de decisão dispõede informações completas do que ocorre dentro e fora da organização e, em segundo lugar, que o contexto em que os atores políticos operam é relativamente estável, de modo que não se torna necessária nenhuma formulação durante o processo de implementação. Além disso, os críticos da administração burocrática também apontam sua tendência a valorizar excessivamente a forma e desprezar a importância dos resultados, tornando-se a administração um fim em si mesma, e a desprezar fatores políticos relevantes, o que pode levar a uma excessiva confiança na capacidade de os políticos representarem a população e conseguirem implementar suas decisões de fato. Por fim, a rigidez da burocracia weberiana é pouco adaptável aos novos compromissos assumidos pelos Estados democráticos, ela estaria mais apta a questões técnico-regulatórias do que para a prestação dos serviços exigidos pela população. Autonomia e Inserção www.pontodosconcursos.com.br 4 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES Peter Evans, analisando o desempenho de diversos Estados na implementação de políticas públicas desenvolvimentistas, rompeu com a clássica defesa em favor de uma nítida divisão entre o público e o privado. E conseqüentemente com as leituras que privilegiavam o Estado autônomo como o mais adequado para a consecução do interesse público. De acordo com este autor, o bom desempenho do governo dá-se em situações em que a relação entre o Estado e a sociedade não se dá nem por meio da sua autonomia plena e nem por meio da sua captura por interesses particulares. Diferentemente, a atuação do Estado tem a sua melhor performance quando se verifica o que Evans chama de autonomia inserida do Estado (em inglês essa expressão foi cunhada pelo conceito de embedded State). Observe, contudo, que não se trata de um meio termo entre o Estado capturado e o autônomo, trata-se de uma terceira categoria (mais próxima da autonomia é verdade, em função do repúdio à captura = patrimonialismo/clientelismo) que analisaremos em suas duas dimensões: a inserção e a autonomia. A inserção significa um “conjunto concreto de relações sociais que ligam o Estado intimamente e agressivamente a grupos sociais específicos com os quais os Estados compartilham um projeto conjunto de transformação da realidade”. Ou seja, trata-se da construção de liames concretos, reais, entre o Estado e atores sociais que compartilham interesses em uma determinada área de política pública, ou de ação estatal. A idéia é o Estado unir suas forças com esses grupos, de maneira que possa otimizar os seus recursos e os resultado da intervenção na realidade, por meio da coordenação com parceiros fora do aparelho estatal. O Estado desenvolvimentista bem sucedido encontra-se autonomamente inserido “num conjunto concreto de laços sociais que o ligam à sociedade, criando canais para a contínua negociação e renegociação de objetivos e políticas”. Todavia, sempre que o Estado se aproxima de atores sociais, grupos específicos, o risco de fisiologismo aparece como uma ameaça real, inclusive para o sistema democrático. Para que a inserção do Estado (grande aproximação com alguns grupos sociais) não degenere em patrimonialismo, é necessário um alto grau de autonomia. www.pontodosconcursos.com.br 5 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES De acordo com a leitura da autonomia inserida, um Estado é autônomo quando suas instituições agem em consonância com normas impessoais, procurando alcançar fins coletivos e não instituindo políticas que atendem a pressões sociais particulares. Isso consiste basicamente num resgate dos ideais weberianos, mas de maneira bem mais branda. A idéia fundamental aqui é que os agentes estatais entendam e cumpram com zelo seu papel de representantes do interesse público. Daí a necessidade de um código de ética claro que determine o servidor público como agente da coisa pública, não obstante as relações estreitas que os órgãos estatais venham a construir com determinados grupos sociais no momento de construir uma ou outra política. Diferentemente do que poderia apregoar os pluralistas, a existência de um elevado grau de associativismo na sociedade (grupos bem desenvolvidos e com liberdade de atuação) não é condição suficiente para ter-se um Estado autônomo. É preciso, além disso, verificar a existência, no interior do Estado, de uma burocracia com características semelhantes às descritas por Weber (O recrutamento meritocrático, profissionalismo, alta seletividade e a continuidade) capaz de estar comprometida com a corporação a que pertencem e dá às suas ações uma coerência corporativa, contribuindo para que as autoridades governamentais possam resisti às pressões por ações públicas em favor de interesses particulares. Resumindo, o processo decisório em um Estado autonomamente inserido tende a contar com a participação direta de vários grupos sociais nas negociações dos objetivos a serem perseguidos pelo Estado em áreas especificas de políticas públicas. Dessa forma, a autonomia inserida aproxima a sociedade civil do Estado, tornando o processo decisório mais transparente e as ações dos governantes mais visíveis. A maior visibilidade das ações das autoridades governamentais inibe a prática de ações que seriam desaprovadas pelo público, aumentando o controle popular sobre o processo decisório. Porque a autonomia inserida? www.pontodosconcursos.com.br 6 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES Além dos pontos descritos acima (maior participação nas decisões do aparelho estatal, maior transparência e controle social) a autonomia inserida tem outros trunfos em sua defesa. De acordo com seus defensores, o Estado deve ser autônomo E inserido, jamais uma coisa só. Se um Estado é autônomo, mas não é inserido, tem-se um quadro semelhante ao do insulamento burocrático. Nessa situação, o aparelho do Estado pode até possuir um processo decisório livre de relações clientelísticas e bastante rápido na produção de decisões, mas será provavelmente pouco eficaz pela falta de apoio e participação da sociedade. Além disso, existe uma grande possibilidade de serem cometidos diversos problemas de desenhos nas políticas estatais, uma vez que, na maioria dos casos, o burocrata não conhece profundamente a realidade na qual está interferindo (ex. funcionário que nasceu no Rio, cresceu em BH, vez concurso para trabalhar em Brasília, estudou engenharia e tem que decidir sobre a melhor política para as populações ribeirinhas da região metropolitana de Belém, e o faz sem ir lá conversar com a população, negociar etc.). Contudo, se um Estado é inserido, mas fracamente autônomo, tenderá a ser um Estado facilmente capturado por interesses particulares, logo, possivelmente assumirá um caráter patrimonialista e clientelista, para o qual legitimamente se dirigem as clássicas críticas à falta de separação entre público e privado. 7. Relações entre Política e Administração Burocracia www.pontodosconcursos.com.br 7 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES O conceito tradicional de burocracia tem forte influência de Weber e, como aponta os manuais de administração, está ligado à idéia de burocracia maquinária. Ou seja, a noção segundo a qual o corpo burocrático funciona como uma grande máquinavoltada para materializar as decisões das lideranças políticas (formuladores, ou tomadores de decisão) em ações estatais concretas. Nessa leitura, a burocracia aparece como um conjunto de pessoas organizadas de maneira hierárquica que realiza um trabalho de natureza eminentemente rotineira, repetitiva e que, portanto, tem sua pauta de trabalho fortemente fixada e normatizada (racionalidade legal). Segundo weber, as vantagens da ordem burocrática tradicional são: 1. Precisão – em tese os burocratas envidariam esforços para concretizar exatamente o que os formuladores decidem, pois não são políticos e têm suas funções bem definidas; 2. Falta de ambigüidade – a rigidez e precisão da organização burocrática, fortemente normatizada, evitariam as distorções típicas do mundo da política; 3. Unidade, que subentende coerência; 4. Subordinação – o profissionalismo da ordem burocrática garantiria subordinação do técnico às decisões dos políticos, verdadeiros representantes do povo, a quem cabe se envolver na atividade política; 5. Continuidade. Para a abordagem burocrática clássica haveria, ou pelo menos deveria haver, clara distinção entre o núcleo decisório, responsável pela formulação das políticas do Estado e controlado pelos políticos e o operacional, responsável pela implementação e tipicamente de responsabilidade da burocracia. Essa leitura também pressupõe dois postulados bastante complicados quando se verifica a realidade empírica. Ela pressupõe que: A. O tomador de decisão dispõe de informações completas do que ocorre dentro e fora da organização (não é nem preciso comentar o quanto isso destoa da realidade); www.pontodosconcursos.com.br 8 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES B. O contexto em que os atores políticos operam é relativamente estável, de modo que não se torna necessária nenhuma formulação durante o processo de implementação. Ou seja, o contexto da implementação é muito semelhante àquele em que foi formulada a política pública. Isso pode até ocorrer em várias situações, mas não é uma garantia universal. Além dos problemas com os postulados fundamentais apresentados acima, é possível afirmar que a burocracia tradicional, quando existente, pode se tornar um obstáculo à responsividade do Estado. Isso ocorre porque esse tipo de organização burocrática é pouco adaptável aos novos compromissos do Estado democrático. Sua rigidez e apego a instrumentos normativos a tornam mais apta a questões técnico-regulatórias que para a prestação de serviços demandados pela população. Ou seja, apresenta uma enorme dificuldade para se adaptar às novas gerações de direitos, principalmente aos direitos sociais mais amplos. Outro ponto que pesa contra a burocracia clássica é a necessidade que ela tem de fortes controles externo e interno. Isso porque os parâmetros da burocracia maquinária apresentam alto grau de ceticismo com relação à discricionariedade que o burocrata pode ou deve ter na execução do seu trabalho. O debate sobre a discricionariedade suscita, pelo menos, três significados possíveis para ela: A. Personalismo e arbitrariedades (visão negativa e mais vinculada à leitura weberiana ou burocrática clássica); B. Liberdade de movimento do agente estatal (presente em alguns autores clássicos, porém mais enfatizada nos autores mais modernos, como os “gerencialistas”); C. Mudanças marginais feitas pelos órgãos descentralizados sobre as ordens emanadas dos órgãos centrais (pode ser positiva ou negativa, depende do tipo de mudança e do tipo de política – caso se trate de uma prestação de serviço a mudança pode servir para adaptá-lo às necessidade do consumidor direto do serviço, o que é algo positivo, mas se representa www.pontodosconcursos.com.br 9 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES mudanças de pura rebeldia ou para atender interesses clientelistas, pode causar a desarticulação da política nacionalmente); Independentemente da leitura que se faça da discricionariedade, um fato é inevitável: toda delegação implica algum grau de discricionariedade, não há como fugir disso. Ademais, quanto maior e mais complexa a organização (e o Estado deve ser uma das organizações mais complexas que o homem já criou) mais aberta ela está à discricionariedade. Assim, o importante é definir que tipo de discricionariedade não é desejada (em um Estado democrático). E, a partir dessa decisão fundamental, desenvolver as instituições para realizar os aspectos positivos da discricionariedade. Assim, torna-se bastante útil destacar o fato de que, essencialmente, a discricionariedade pode ter duas dimensões ou significados, um negativo e outro positivo: A. Capacidade de juízo (aspecto positivo): significa o âmbito de mobilidade do agente estatal, representa um espaço no qual pode exercer a criatividade; B. Violação de normas (aspecto negativo): quando o agente estatal transcende suas obrigações infringindo normas que regulamentam o dever ser de seu comportamento. Nas leituras normativas mais atuais, as instituições públicas devem evitar o segundo tipo, mas desenvolver incentivos que propiciem o desenvolvimento da criatividade do agente estatal. Controles sobre a burocracia Quando falamos em controle sobre a burocracia, podemos estar nos referindo a três coisas totalmente distintas, mas interligadas. Assim, a idéia de controle tende a englobar: www.pontodosconcursos.com.br 10 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES 1. A adequação entre os objetivos previstos e os procedimentos adotados. Trata-se de aferir se a burocracia está, de fato, adotando os meios legítimos e adequados (este ponto é o mais fundamental) para a consecução dos objetivos das políticas colocadas sob sua responsabilidade; 2. Conformidade da atuação administrativa com as regras pré-estabelecidas. Trata-se fundamentalmente do controle de legalidade dos atos da administração pública; 3. Capacidade de prestar contas (accountability). Avaliação das instituições executivas no sentido de verificar se o aparelho estatal atende ao requisitos de accountability. Se há fluxo de informações e possibilidade de sanções (formais e/ou informais). Dimensões do controle Na bibliografia especializada, é possível identificar pelo menos quatro dimensões pelas quais pode se compreender o controle sobre a burocracia: 1. Top-down: trata-se da dimensão mais tradicional, segundo a qual existe uma estrutura burocrática hierarquizada em que o núcleo decisório está situado no topo da pirâmide e estrutura instituições para garantir a obediência às suas ordens por parte do núcleo operacional; 2. Bottom-up: em contrapartida, alguns autores afirmam que esses instrumentos de controle nunca podem ser plenos, já que a base da pirâmide tem acesso a informações e outros recursos de poder que o topo pode não ter. Então, com base principalmente nas observações a respeito do fluxo de informação, esse autores propõe que existe um controle da burocracia mais operacional sobre o processo de políticas, ainda que esse não controle não seja único e absoluto; www.pontodosconcursos.com.br 11 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES 3. De dentro para fora (da administração): controle que a própria administração faz sobre os serviços ou produtos oferecidos;4. De fora para dentro: trata-se do controle societal, das pressões dos grupos sociais sobre a administração. Os recursos da Burocracia no processo de políticas públicas Alguns recursos sob domínio da burocracia fazem dela um ator poderoso, especialmente durante o processo de implementação de políticas, mas não só nele. Os principais recursos que a burocracia possui, no contexto do desenvolvimento de políticas públicas, são: 1. Controle sobre informações e sua capacidade profissional (expertise); 2. Sua posição permanente no processo. Como membros recrutados para compor o aparelho estatal por mecanismo meritocráticos, os servidores gozam de estabilidade que os agentes políticos não podem possuir; 3. Sua rede de contatos formais e informais (que possibilita a criação das redes de políticas públicas e de coalizões políticas); 4. Capacidade de articular-se com grupos fora do governo. Todavia, diante desse quadro, não se deve imaginar que a burocracia é uma espécie de entidade super-poderosa. Existe um conjunto de fatores que operam para reduzir o poder da burocracia, dentre eles podemos citar: 1. O poder da mídia, que como formadora de opinião pode pautar e limitar muitas das ações e estratégias da burocracia; 2. A quantidade de cargos de confianças, o que confere à burocracia uma reduzida margem de discricionariedade nas questões mais estratégicas ou estruturantes; 3. A influência dos líderes políticos. Por mais que a burocracia tenha o seu poder ampliado nos últimos anos, jamais poderá ser menosprezado o papel dos políticos convencionais, estes podem até ter competir com a www.pontodosconcursos.com.br 12 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES burocracia, mas nunca vão deixar de existir, especialmente em um regime democrático. Papel da Burocracia na Implementação A burocracia tem um papel é relevante no processo de formulação de políticas. Isso se dá devido à sua capacidade de apresentar alternativas, Além disso, antes da tomada de decisão, a burocracia analisa as diversas alternativas e suas possíveis conseqüências, sempre alegando cientificidade e imparcialidade (objetividade). Todavia, é a implementação o momento em que o alcance da burocracia sobre a ação estatal se torna mais claro e os seus recursos de poder se mostram de maneira mais explícita. Quando falamos em implementação e influência política da burocracia, alguns pontos fundamentais. O primeiro diz respeito a uma constatação já consensual para os estudiosos de ciência política: trata-se do fato de a implementação ser “uma formulação em desenvolvimento, ou seja, existe formulação na implementação. Isso ocorre por diversas razões, entre elas, podemos destacar uma tendência de os formuladores (em tese os políticos, políticos) tomarem decisões que definem as políticas de forma muito genérica, ambígua ou até contraditória. Tal fato é comum,e decorre da natureza complexa da atividade política. Dessa maneira, é totalmente natural que uma boa parte das decisões repouse no domínio da burocracia, a implementação. Saliente-se que a ambigüidade dos atores políticos muitas vezes é resultado do próprio jogo político no qual estão inseridos, do contexto político. De modo que, acordos genéricos, às vezes, é o que a conjuntura política permite fazer. Na tentativa de acomodar posições e opiniões políticas distintas, as decisões podem sair eivadas de ambigüidades e imprecisões que precisarão ser corrigidas durante a implementação. A conclusão obvia dessa constatação é a existência de uma margem de discricionariedade do burocrata bastante ampla. Como visto anteriormente, isso www.pontodosconcursos.com.br 13 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES pode ser visto como um aspecto positivo ou negativo. No lado negativo, deve se destacar os principais problemas abaixo: A. Déficit de execução: quando não se aplicam as normas ou não são alcançados complemente os objetivos propostos1; B. Deslocamento de objetivos: quando, no curso da execução, transforma-se, de fato, o objetivo a ser seguido pela administração, ainda que se mantenham, nos documentos formais, os objetivos originais; C. Seletividades involuntárias: quando se direciona a aplicação de um programa abrangente a um grupo ou coletividade específico, sendo que, anteriormente, não havia tal seletividade; Outro ponto importante que deve ser considerado quando a burocracia entra em ação é a possível ocorrência do fenômeno da ilegalidade útil. Esse fenômeno ocorre em situação em que existem tantos normativos para o comportamento do burocrata que ele pode escolher ad hoc qual é o mais interessante para a situação que enfrenta, suprimindo as normas que acha menos interessante. A noção de utilidade refere-se a sua possível utilidade do ponto de vista dos clientes do serviço oferecidos ou do bom andamento da máquina burocrática. Assim, torna-se evidente que, para o sucesso das decisões políticas, é fundamental ter-se em conta a disposição dos atores implementadores. O formulador deve obter o apoio desse grupo para evitar a guerra pós-legislativa. Todavia, não se deve imaginar o processo de implementação como sendo afeto apenas a políticos e burocratas. O clássico conceito de triângulos de ferro (políticos, burocratas e grupos de interesses) também não é adequado. A noção que melhor responde à realidade atual é a de rede. Ou seja, a política pública envolve um conjunto complexo de atores, variável e de ligações variadas e de diferentes matrizes. Não se deve menosprezar esse fato no momento de elaborar as políticas (p.ex. existem atores com poder de veto que não participam do 1 Vildavsky fala em déficit de implementação como algo derivado da falta de cooperação entre formuladores e implementadores. www.pontodosconcursos.com.br 14 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES processo político-decisório, mas que podem aparecer no momento da implementação vetando as decisões tomadas anteriormente). Como as burocracias enfrentam as dificuldades e desafios do processo de implementação de políticas públicas As burocracias enfrentam algumas dificuldades em suas atividades precípuas que não devem ser ignoradas. Contudo, essas dificuldades e desafios são enfrentadas por meio de três estratégias distintas. Em primeiro lugar, as burocracias tendem a geram certas pautas de atuação que tendem a limitar a demanda, maximizar a utilização dos recursos disponíveis e obter resposta positiva da clientela dos serviços para reforçar sua própria existência. Em segundo lugar, as burocracias tendem a modificar seu trabalho de tal maneira que se ajustem os objetivos do programa aos recursos disponíveis, reduzindo tais objetivos ou simplesmente modelando-os às condições existentes. Podendo, dessa forma, atender sua clientela. Por fim, modificam sua própria definição do que deveria ser o serviço a ser prestado, para assim acomodar as distancias existentes entre os objetivos e resultados e encontrar um eco positivo de seu trabalho entre a clientela do serviço. Aproximando uma conclusão A primeira coisa que devemos observar é que a burocracia é complexa, o que dificulta regulamentações específicas, mas não impede necessárias regulamentações gerais. Ao mesmo tempo, uma compreensão precisa de seu www.pontodosconcursos.com.br15 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES papel político e nas políticas não é consensual e varia de acordo com o caso em análise. O importante é observar que o ideal de organização burocrática weberiana pode existir formalmente, mas a burocracia está longe de ser um conjunto de atores simplesmente subordinados ao núcleo decisório. Burocratas são atores políticos relevantes nos Estados contemporâneos e, como tais, não podem ser desprezados na análise política. Todavia, considerando os imperativos das sociedades atuais, especialmente as ocidentais, que assumem a democracia como um valor, é de suma importância que a burocracia assuma uma dimensão humana. O agente estatal deve estar ciente do fato de ele ser a manifestação do Estado diante do indivíduo que procura um serviço público, portanto, deve estar ciente de seu papel como servidor de um Estado democrático. Por fim, diante de tudo que foi falado, torna-se fundamental reconhecer a necessidade de construir uma organização burocrática que equilibre controle (entendido, principalmente, como efetiva accountability) e flexibilidade para propiciar a realização de ações criativas e a superação dos desafios da ação estatal. Ainda item 7: Relações entre Políticos e Burocratas 2Diversos fatores contribuem para alçar a burocracia ao patamar de ator político relevante nas sociedades atuais. Entre eles pode se destacar o processo de desenvolvimento Estado contemporâneo, marcado pela crescente racionalização da administração pública e da relação Estado-Sociedade, juntamente com o avanço tecnológico, a crescente participação do Estado na provisão de bens e serviços públicos e na regulação das atividades sociais e crise de credibilidade pela qual passa a classe política de diversos países. 2 Texto base para esta seção: a política industrial no Brasil: 1985-1992. De Maria das Graças Rua e Alessandra T. Aguiar. www.pontodosconcursos.com.br 16 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES Ademais, a burocracia conseguiu, no anos recentes, apresentar-se não só como um ator político, como também, projetou-se como um ator bastante independente. As conseqüências disso são diversas. Por um lado, pode representar uma garantia contra os riscos de oportunismo partidário, do abuso do mandato obtido por meio do voto e da manipulação eleitoral, mas, por outro, a burocracia não representa uma instituições muito eficiente do ponto de vista do controle democrático e da accountability. A burocracia tem interesses particulares, não se trata, portanto de um grupo neutro de atores – como queria Max Weber – tem seus interesses próprios, os quais tenta maximizar. Numa leitura do papel político da burocracia, é preciso considerar também, que ela é composta por atores capazes de mobilizar recursos políticos, como informações e apoio de grupos de interesses da sociedade. Além disso, a burocracia é capaz de desenvolver concepções próprias sobre as políticas governamentais e sobre seu próprio papel no jogo político, independentemente de considerações de natureza estritamente técnica. Por fim, trata-se de atores capazes de competir com os políticos não apenas visando a decisões favoráveis às suas propostas quanto a políticas públicas específicas, mas até mesmo pelo controle do processo político, pelo controle da atividade política em essência – o que formaria o que alguns autores chamam de governo burocrático ou, de outra forma, de governo tecnocrático. Considerando, portanto, que a burocracia não é neutra, submissa nem passiva, é possível explorar a dimensão política desse conjunto de atores. A qual varia de nível, mas expressa-se na sua capacidade de controlar o processo político-decisório, assumindo, na direção do governo, responsabilidade e poderes usualmente atribuídos aos políticos. Para avaliar o papel político da burocracia é preciso observar se ela preenche os requisitos necessários para prover governo, isto é, para agir ativamente no sentido de influenciar o desenvolvimento da política governamental. Para cumprir esses requisitos é preciso que qualquer ator político, no caso a burocracia, seja capaz de: 1. Formular intenções políticas; www.pontodosconcursos.com.br 17 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES 2. Ajustar suas intenções aos procedimentos governamentais existentes; 3. Competir pelo preenchimento de cargos governamentais; 4. Ocupar posições centrais dentro do governo; 5. Ter disponíveis capacidade para exercer comando ou gerenciamento das atividades governamentais; 6. Controlar a implementação de políticas públicas. Um exame das burocracias do Estado razoavelmente avançados, como é o caso do Brasil, mostra a burocracia tem as capacidades de prover governo. Logo, é possível concluir que as condições para a formação de um governo indica que a burocracia é capaz de atuar no cenário político de forma autônoma e direta, dispensando o concurso dos políticos, seja para formular demandas, para definir preferências, para manejar recursos de poder ou para mobilizar o apoio de diferentes atores em sustentação às suas iniciativas. além disso, a burocracia é capaz de controlar a implementação das decisões e de conquistar legitimidade por diversos meios, entre os quais se destaca o argumento da competência técnica, da eficiência e da eficácia. Todavia, isso não significa que um eventual governo burocrático não teria problemas, ou mesmo que a atuação da burocracia no cenário político não seja algo complicado e problemático para ela mesma. Isso porque a burocracia não é um corpo homogêneo, pelo contrário, apresenta significativa dificuldade para formar consenso e obter coerência política, já que tende a possuir uma visão extremamente fragmentada e setorial da ação política. Diante desse quadro, ganha relevância a figura de um líder político, alguém que possa formular estratégias políticas mais amplas e coordenar a ação burocrática. Ora se trouxemos a figura de um líder político para dentro da discussão, é necessário avaliar o papel de cada ator no processo decisório. Numa primeira aproximação podemos afirmar que o político é todo agente público, cuja autoridade pública seja derivada de mandato obtido por meio do voto. Dentre as características do comportamento dos políticos, destacam-se a formulação e defesa de concepções ou projetos relativos à ordem política, econômica e/ou social, a legítima representação de interesses, o exercício da negociação www.pontodosconcursos.com.br 18 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES mediante alianças duradouras, composições transitórias baseadas em interesses tangenciais, barganhas e pactos envolvendo atores públicos e privados, e a competição a partir dos mais diversos recursos de poder. O burocrata, por sua vez, é o agente público que não está sujeito à competição eleitoral e tem suas atividades, pelo menos em tese, desempenhadas na esfera administrativas. Traçadas as linhas gerais que caracterizam cada um dos atores, é possível falar da interação eles, que pode se dar de acordo cinco modelos distintos: 1. O modelo formal-legal: baseada na dicotomia clássica entre política e administração. Nesse modelo, o papel da burocracia se reduz à obediência às ordens do líder político; 2. Modelo paroquial: os burocratas de status mais elevado e os políticos envolvidos ematividades executivas são vistos como portadores de valores e objetivos similares ou afins, sendo os mais importantes deles a manutenção do governo e bom funcionamento da máquina executiva. As carreiras desses dois grupos não são estanques, mas os membros de ambos os grupos tendem a ocupar posições em uma ou em outra carreira. O modelo guarda afinidade com a teoria das elites; 3. Modelo funcional: existe integração e coalescência entre políticos e burocratas, que ocorre em linhas funcionais: políticos, burocratas do governo e representantes de grupos e/ou categorias econômicas organizadas compartilham vínculos baseados em interesses setoriais. 4. Modelo adversário: políticos e burocratas competem pelo poder e pelo controle sobre as decisões. A disputa pode envolver diversas manobras. A primeira delas é a oposição passiva, que freqüentemente se origina da inércia e da resistência por parte da burocracia. Uma outra forma é mais ativa e intencional, e a oposição entre políticos e burocratas resulta de variados motivos, sendo o mais freqüente a divergência quanto ao conteúdo das decisões específicas. Outra fonte de conflitos é a luta das organizações burocráticas por sobrevivência ou ascensão, envolvendo disputas por orçamento e pessoal e pela adoção de políticas que são www.pontodosconcursos.com.br 19 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES consideradas importantes pelos seus membros. Pode haver, ainda, conflitos de origem partidária, mesmo que as leituras mais normativas tendam a enxergar o burocrata como alheio ao jogo político-partidário; 5. Modelo do Estado Administrativo: ocorre quando a burocracia domina o processo decisório governamental. Normalmente, porque os quadros legislativos não dispõem de número suficiente para administrar a carga de trabalho exigida pelo governo contemporâneo e os políticos amadores não possuem capacidade suficiente. A burocracia assume o papel mais proeminente e os políticos (parlamentares ou membros do executivos) tornam-se meros participantes no processo de registro da decisão. 9.Participação da sociedade na esfera pública Ação coletiva3 Os anos de debate e a utilização ideológica da leitura pluralista durante a Guerra Fria fragilizaram o pluralismo. Semelhantemente, o corporativismo também foi atingido pelas críticas ao pluralismo e ainda foi penalizado pelo seu passado histórico nebuloso. No entanto, Mancur Olson (1965), com seu livro A Lógica da Ação Coletiva, deu um novo rumo ao estudo de grupos e trouxe novo fôlego à teoria dos grupos. Utilizando o arcabouço instrumental da microeconomia, embasado no individualismo metodológico (o indivíduo é a base fundamental de análise) e partindo do pressuposto de que o comportamento dos indivíduos é racional (os indivíduos são capazes de formar preferências completas e transitivas), Olson apresentou uma análise da ação dos grupos enfocando 3 O texto da primeira parte dessa seção foi extraído do trabalho “Cabos de Guerra e Políticas Públicas no Brasil”, Marcelo Gonçalves da Silva, Universidade de Brasília, Brasília-DF, 2005. www.pontodosconcursos.com.br 20 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES principalmente a sua dinâmica interna que, além de oferecer hipóteses mais científicas – no sentido de mais verificáveis, objetivas e menos normativas – possuía conceitos mais operacionalizáveis. O foco principal da análise olsoniana era a organização interna dos grupos, como eram formados, como faziam para superar o dilema da ação coletiva4 e para promover seus interesses. A partir dessa análise, foi questionada a premissa pluralista de que todos os grupos possuem iguais condições de interferir no processo político, pois grupos pequenos e provedores de benefícios excludentes mostraram-se mais coesos e capazes de coordenar ações mais efetivas de membros, superando os dilemas de ação coletiva. O estudo sobre o dilema da ação coletiva também colocou em xeque a assunção pluralista de que os grupos são formados simplesmente quando pessoas compartilham atitudes e reivindicações (sendo que estas são confrontadas com as preferências de outros grupos, sendo o Estado o responsável por arbitrar as diferenças de forma imparcial). Indivíduos racionais não necessariamente formam grupos para defender seus interesses. A racionalidade individual, ao contrário, tende a dificultar a ação dos grupos e novamente a desigualdade entre os grupos (decorrente do tipo de grupo, de benefício perseguido e, principalmente, do tamanho) é o que prevalece. Para Olson, compartilhar opiniões e interesses não leva automaticamente à organização e à ação política. “grupos pequenos são mais facilmente coordenados e tendem a possuir membros cuja utilidade advinda do bem coletivo justifica que eles arquem com o custo de provê-los. Grupos grandes, por outro lado, enfrentarão dificuldades muito maiores para se organizarem a menos que os indivíduos sejam coagidos ou incentivados a contribuir. Nestes grupos (como os de trabalhadores), a participação individual de cada membro é 4 Tendência de os indivíduos, principalmente dos grandes grupos, de tentar usufruir os benefícios do grupo sem participar dos seus custos, desestimulando a ação coesa e coordenada do grupo como um todo. Esse é o caso emblemático do carona (free-rider). Existem outros tipos de problemas de cooperação, coordenação e coesão que levam a problemas de ação coletiva. www.pontodosconcursos.com.br 21 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES menos visível e importante do que seria em um grupo mais restrito (como os de empresários). Todos os membros, individualmente, sentem-se desestimulados a participar porque percebem que a utilidade derivada da participação é menor que o custo associado a ela. Logo, o benefício da ação coletiva não é alcançado”5. Posteriormente, Olson chega a concluir que a proliferação de grupos seria prejudicial ao bem-estar social e econômico de uma nação. Isso porque a tendência das sociedades democráticas e estáveis seria contribuir para o alastramento do número de grupos de interesse restritos e exclusivos, voltados para a maximização de seus próprios benefícios em arenas (re)distributivas, gerando custos dispersos para o restante da coletividade. Isso seria também um reflexo da dificuldade de organizar grupos cujos objetivos fossem a promoção de bens difusos, dada a dificuldade de agremiar indivíduos atuantes. Todavia, é preciso observar que a realidade abarca comportamentos de grupos que não se encaixam adequadamente na leitura de Olson6. Notadamente, porque muitos indivíduos não estruturam seu raciocínio dentro dos parâmetros de racionalidade utilizada pelo autor, sendo guiados por solidariedade, compaixão, ideologias etc. Nesse sentido, se a racionalidade e a ação individual de cidadãos comuns não são capazes de explicar a formação e ação dos grupos, passa a ser relevante a análise de grupos que se formam e agem a partir da ação de líderes capazes de organizá-los em torno de interesses latentes e dispõem de incentivos suficientes para atrair pessoas para sua órbita. Em sociedades complexas, o número de grupos seria alto em função da quantidade enorme de interesses latentes e manifestos – especialmente porque o 5 RAMOS, 2005, citada em Silva, 2005. 6 “Embora Olson não argumente que sua análise é válida para todos os tipos de grupos, elao é para aqueles que mais se destacam no cenário político, como os grupos de empresários. No caso dos sindicatos de trabalhadores e outros grupos grandes que têm menos propensão a se formar, incentivos seletivos (ou intervenção estatal, como no Brasil) são cruciais. Porém, os obstáculos à participação coletiva são também de outra natureza, não mencionada por Olson. Os requisitos definidos para a interação com o Estado impõem dificuldades para os grupos que têm baixo orçamento ou baixo nível técnico. Portanto, mesmo aqueles grupos que obtêm um grau mínimo de organização, podem sucumbir diante dessas dificuldades. A „solução‟ pode estar na reforma institucional, o que não foi previsto por Olson porque estava fora de seu horizonte teórico” (idem). www.pontodosconcursos.com.br 22 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES Estado e outras instituições seriam promotores de novos interesses e grupos. Assim, o bom funcionamento de um grupo e do relacionamento entre eles, devido ao grande número de agremiações existentes, passaria a depender muito da atuação de lideranças, principalmente da maneira como definem suas estratégias de comunicação (para atrair novos membros), de administração (para distribuição dos benefícios, não necessariamente materiais), de coordenação e de relação com atores relevantes externos ao grupo. Enfim, essas e outras análises preencheram lacunas deixadas por Olson, valorizando o papel das instituições e do Estado na criação de incentivos e de novos interesses, e também colocaram o peso que ideologia e valores pessoais (muitos deles, inclusive, podem ser até considerados irracionais) exercem sobre a ação dos indivíduos em grupos e na sociedade. Todavia, a ênfase dada ao papel dos líderes abriu uma discussão importante sobre a representatividade dos grupos, e logo verificou-se que muitos grupos poderiam não representar a todos os seus membros. Também foi acentuado o fato de que a totalidade de grupos existentes estava longe de ser representativa da sociedade como um todo. Assim, pôs-se a questão: São os grupos representativos dos interesses latentes e manifestos de uma sociedade, como pressupõe uma democracia pluralista ideal? Segundo Hanna Pitkin, não obstante a crescente diversidade dentro do sistema de grupos, os grupos de empresários e de profissionais liberais típicos das classes mais altas continuam sobre-representados, fazendo com que o processo decisório seja tendencioso e desigual. Também, dentro dos grupos, há diferenças na distribuição dos recursos e na gestão dos grupos, ocasionando muitos desvios da finalidade para a qual o grupo foi formado. Tais desvios, muitas vezes, não transparecem para os membros que estão mais na base do grupo, os quais não têm acesso aos núcleos de liderança nem às informações. O problema da representatividade é ainda mais grave quando os grupos se lançam em arenas institucionalizadas para fazer pressão sobre agentes públicos, eleitos ou não. A principal questão – que inclusive assombra os próprios agentes públicos – se traduz em saber se o representante do grupo realmente fala em www.pontodosconcursos.com.br 23 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES nome de quem ele diz representar ou se transmite apenas a visão de uma pequena parcela do grupo ou, ainda, se defende unicamente seus interesses pessoais7. A lógica da ação coletiva: mais algumas palavras sobre Olson A seção anterior deu uma visão geral das principais noções relacionadas à ação coletiva. Já falamos de Olson, mas se observarmos as provas anteriores da Esaf, veremos que a banca examinadora utiliza muito, mas muito mesmo, esse autor. Portanto, acreditamos que seja interessante gastar mais um dedinho de prosa para amarrar melhor as idéias desse autor, mesmo correndo o risco de sermos repetitivos. Para Olson, a maioria das ações praticadas por um grupo de indivíduos (ou em seu nome) se dá por meio das organizações, daí a maior parte de sua obra se destinar ao estudo dessas dos grupos através do prisma das organizações – seu conceito, contudo, não ignora os tipos menos estruturados formação de grupos, ou organizações mais fracas. Sua avaliação é voltada principalmente para organizações econômicas, mas considera que a lógica pode ser aplicada a outros tipos de organizações. O pressuposto fundamental de Olson é que o objetivo das organizações é promover os interesses de seus membros. A idéia é que somente quando há propósitos comuns ou benefícios coletivos em jogo a organização ou a ação grupal se faz indispensável. Nesse sentido, inclusive do Estado espera-se a promoção dos interesses comuns de seus cidadãos. Assim, não seria possível explicar a formação de grupos simplesmente pela idéia de os indivíduos terem essa tendência intrínseca como resultante de seu comportamento em sociedade. 7 No Brasil, é notório o caso de sindicatos de trabalhadores que se apresentam como representante de milhares de pessoas, quando em seus registros (quando existem) figuram apenas algumas centenas ou mesmo dezenas. www.pontodosconcursos.com.br 24 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES A filiação de um indivíduo a um grupo ou organização dá-se mais pelas vantagens que se pode obter pelo pertencimento do que pelo simples desejo de pertencer. Outra questão fundamental, ainda que simplória, é que as organizações surgem para promover interesses coletivos (de grupos) porque interesses individuais podem ser promovidos pela ação individual, que é mais simples e tenderia a ser mais eficiente (ou ter maior otimidade8). Diante do exposto, é possível concluir que grupo, nada mais é que um número de indivíduos com interesse comum. Os membros dos grupos, contudo, continuam possuindo seus interesses pessoais. Neste ponto surgem as dificuldades de ação coletiva no grupo, pois, o interesse particular de um membro do grupo pode ser usufruir das máximas vantagens conferidas pelo pertencimento e contribuir o mínimo possível para a construção dos bens coletivos. Segundo Olson, essa combinação de interesses individuais e comuns/coletivos em uma única organização pode ser entendida por meio de uma analogia com o mercado competitivo: para o auto, os mecanismos de preço de um mercado competitivo são guiados pela lei de oferta e demanda, e o comportamento dos indivíduos pela possibilidade de obter ganhos. A questão é que, nesse tipo de mercado, um preço x pode ser considerado bom para os agentes econômicos ofertantes, porém o bom preço pode chamar mais produtores, com o aumento da produção cai o preço e todos os agentes com interesses comuns (lucro) saem perdendo. Essa é uma típica situação em que a tentativa de maximização de benefícios individuais pode levar a benefícios menores para o conjunto. Torna-se necessária uma intervenção externa para evitar queda dos preços. Contudo, como fazer para despertar a ação externa? Existem custos para isso, que ninguém quer assumir sozinho. Se um grupo de atores resolverem se organizar para gerar o benefício coletivo (intervenção externa, manutenção do nível de rentabilidade), qualquer ação irá gerar um benefício coletivo, pois é difícil ou impossível excluir do usufruto quem não contribuiu para criá-lo. Nesse caso, mesmo que um ator não tenha contribuído 8 Otimidade está relacionada à provisão do bem coletivo na quantidade que atenda a necessidade do grupo comoum todo www.pontodosconcursos.com.br 25 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES para articular o setor ou chamar a intervenção externa, ele poderá ganhar. Assim, torna-se claro a importância de considerar a lógica da ação coletiva nessa situação, pois há muitos atores. O quadro colocado acima nos leva a outras considerações importantes. Como as organizações servem para promover interesses comuns, é natural que tendam a prover benefícios genéricos e indivisíveis para os membros do grupo – não significa que façam apenas isso. Considerando que nem sempre dá para excluir os membros de uma organização do usufruto dos benefícios produzidos por ela – e isso é natural, pela natureza das organizações. Teríamos um forte incentivo para ocorrência do carona (free-rider): um cara que quer todos os benefícios, mas não está disposto a agir para produzi-lo (exemplo o pelego que não faz greve e tem aumento de salário como mundo, sem, contudo, ter descontos no salário). Diante disso tudo, Olson conclui que o homem médio não tende a participar de grandes organizações voluntárias. A organização deve estabelecer então incentivos (seletivos) para a permanência da filiação que passem da simples concessão de benefícios coletivos. Considerando a dificuldade de prover esse tipo de incentivo (formal ou informal), os grupos grandes tendem a ter desempenho menos eficiente que grupos pequenos. Isso se dá também pela constatação de que quanto maior o grupo, mais grave a subotimidade. Os grupos pequenos, por outro lado, podem prover os benefícios coletivos simplesmente pela atração que ele exerce sobre cada membro do grupo. Ainda assim, mesmo em um grupo pequeno, a produção de benefícios coletivos é sub-ótima e a partilha do ônus da ação coletiva é desproporcional (arbitrária), com o ator que tem a maior fração do benefício arcando com mais. Nesse sentido, “o mais fraco tende a explorar o mais forte”, ou seja, o ator que quer com mais intensidade a provisão do benefício coletivo ou tem mais força para articular a ação coletiva, costuma ser demandado com mais intensidade que membros mais fracos ou menores do grupo. www.pontodosconcursos.com.br 26 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES Taxonomia de Olson: Grupos exclusivos X inclusivos Olson também faz uma classificação interesses dos tipos de grupos, para ele, existem dois tipos: 1. Grupos Exclusivos: são grupos que se caracterizam pela alta interdependência entre seus membros, por isso, exige participação de todos os membros (ex. cartel). Para esse tipo de grupo, o ideal seria a existência de um monopólio, pois a quantidade de ganho dos benefícios é relativamente fixa (bem coletivo exclusivo). Quando aumenta o número de indivíduos compartilhando o mesmo benefício, este não aumenta, na mesma proporção, a sua quantidade. São típicos da ação coletiva no ambiente de mercado; 2. Grupos Inclusivos: recebe bem novos membros, pois a entrada de um novo membro não compromete a quantidade de ganho dos demais, pois este não é fixo. O beneficio coletivo tende a expandir com a entrada do novo membro, por isso o bem coletivo envolvido é de natureza inclusiva. Apesar de ser desejável, não exige a necessária participação de todos os membros. É típico de mobilização política, lobby etc. Observe que o aspecto definidor do tipo de grupo não é nem a natureza do grupo, nem os critérios de seleção, nem as características das pessoas que integram o grupo, mas é sim a natureza do benefício que ele prove aos seus membros. Cultura política Nessa seção apresentadas duas abordagens relativas ao conceito de cultura política no mundo da ciência política. Em seguida é apresentada uma www.pontodosconcursos.com.br 27 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES leitura rápida e simplifica da conceituação mais clássica – a de Almond e Verba – que último para ajudar fechar as idéias para a prova. Cultura Política e Democracia A retomada de estudos sobre cultura política, para Marcello Baquero9, pode ser atribuída ao colapso do marxismo, ao ressurgimento do nacionalismo e às deficiências explicativas das abordagens institucionais. Nas últimas décadas foi institucionalizada a idéia de que os regimes democráticos dependem, para sua sobrevivência, do apoio dos cidadãos bem como de sua confiança nas instituições e nos governantes, principalmente nos casos de regimes em processo de „amadurecimento e estabilização‟ de suas democracias. Embora não exista a possibilidade de estabelecer o grau de apoio necessário para fortalecer a estabilidade política, a idéia é centrada na convicção de que, sem ele, os regimes políticos serão ineficientes e não terão credibilidade suficiente, mesmo que tenham sido eleitos pelo voto popular e funcionem de acordo com os procedimentos poliárquicos da democracia eleitoral. Para Baquero10, na teoria da cultura política, a confiança interpessoal e a confiança nas instituições políticas são pré-condições para a formação de associações secundárias que são capazes de agir como promotoras da participação política e, conseqüentemente, no aperfeiçoamento da democracia. O bom funcionamento das instituições dependeria da confiança que os cidadãos depositam nelas. Mesmo que não seja possível afirmar se a democracia antecede a confiança ou o contrário, a existência da relação entre elas seria inegável. O desafio estaria em encontrar mecanismos que possibilitassem uma integração entre esses conceitos de modo a conferir poder aos cidadãos para uma ingerência maior na política. 9 BAQUERO, Marcello. “Construindo uma outra sociedade: o capital social na estruturação de uma cultura política participativa no Brasil”, 2003. 10 Idem. www.pontodosconcursos.com.br 28 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES A cultura política de uma sociedade pode ser definida como o resultado de um padrão de orientações cognitivas, emocionais e valorativas que, apesar de possuírem certa estabilidade, são „vivas‟ e modificáveis ao longo do tempo considerando a ocorrência de rupturas/transformações que forcem a redefinição desses padrões.11 A cultura política ao ocupar um lugar central no cotidiano dos indivíduos serve como instrumento de regulação da transmissão de valores políticos e de legitimação do funcionamento das instituições políticas. A forma como é construída e difundida a cultura política está relacionada, diretamente, com a forma com que se reproduzem os comportamentos, as normas e os valores políticos de uma determinada comunidade. Dessa forma, a cultura política designa o conjunto de atitudes, normas, percepções e crenças compartilhadas por uma comunidade que tem por objeto fenômenos políticos e é composta pela distribuição de conhecimentos entre os indivíduos em relação às instituições, à prática política e às forças políticas; pelas tendências difusas como a desconfiança, a rigidez, a indiferença ou a tolerância e, finalmente, pelas normas aceitas e consideradas como legítimas pelos indivíduos da comunidade. A cultura política no Brasil e, de uma forma mais geral, na América Latina, é definida, tradicionalmente, como uma cultura fragmentada e individualista com pouco capital social e baseada na desconfiança e na aparência. Marta Lagos12 atribui à origem histórica colonial, ao autoritarismo,à prevalência da pobreza e da desigualdade a formação de um conjunto de atitudes e visões que podem ser resumidas na imagem de uma „máscara sorridente‟. “No centro do espírito latino-americano e da cultura cívica e política da região estaria a atitude de permanecer em silêncio com relação a seus sentimentos e percepções verdadeiros e, assim, manter as aparências. Silêncio e aparência, gêmeos da desconfiança, são as tendências comuns que embasam atitudes e 11 Com base na definição de Almond e Verba. BAQUERO, Marcello. “Construindo uma outra sociedade: o capital social na estruturação de uma cultura política participativa no Brasil”, p.91, 2003. 12 LOPES, Denise Mercedes Nuñez Nascimento. “Para pensar a confiança e a cultura política na América Latina”, 2004. www.pontodosconcursos.com.br 29 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES valores na região, forjadas pelos latino-americanos como forma de sobrevivência em meio a este legado histórico. A própria democracia, em muitos países da região, pode ser apreendida pela imagem da máscara sorridente, visto que ela sobrevive através de silêncios e aparências, silêncio com relação às violações democráticas e aparência com relação à verdadeira natureza dos regimes democráticos” (LOPES, 165, 2004). Com base nisso, a pergunta que se faz é qual a relação entre o grau de confiança da sociedade no sistema político ou no governo e o enraizamento de valores e princípios democráticos? O papel que a confiança assume na sociedade foi objeto dos estudos de Putnam, em que a existência de confiança interpessoal e de capital social são bases do sucesso democrático, e Inglehart que defende a existência de uma relação direta entre a estabilidade democrática e o enraizamento de valores políticos e de confiança interpessoal. Pesquisas recentes mostram que o declínio da confiança política reflete a mudança de comportamento das pessoas em relação aos mecanismos tradicionais da democracia representativa – eleições e partidos – como conseqüências do declínio da identificação partidária e capacidade de mobilização dos partidos e da falta de interesse pela política. Além da relação entre democracia e confiança, é possível estabelecer uma relação entre confiança e corrupção inserida no contexto dos problemas para a consolidação dos regimes democráticos. A idéia mais geral assume que em sociedades em que existe um baixo grau de confiança é mais provável que haja corrupção em função da aposta de que, quanto menos as pessoas acreditam no Estado e em suas instituições, mais elas seriam motivadas a buscar soluções alternativas de encaminhamento para suas demandas. Dessa forma, um cenário de incerteza é estabelecido porque os indivíduos não sabem se terão acesso aos direitos que possuem e se podem confiar nos canais tradicionais de www.pontodosconcursos.com.br 30 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES representação, resultando numa diminuição da incerteza e da cooperação através da adesão à práticas corruptas.13 A confiança como base da cooperação pode ser definida como a crença que um indivíduo possui de que os outros são partes de sua „comunidade moral‟ e, por isso, suas ações serão pautadas por princípios morais, éticos e legais comuns. Essa noção de confiança é diferente da idéia de confiança existente entre indivíduos corruptores e corrompidos, a primeira refere-se a confiança moral e generalizada em que 'todos' seriam confiáveis, enquanto a segunda refere-se à confiança estratégica e particular existente apenas entre 'iguais' que têm algo a perder ou ganhar com a manutenção ou quebra da confiança. A questão nesse ponto seria determinar qual a ordem causal entre confiança e corrupção? Existe corrupção porque não existe confiança ou o contrário? Uslaner14 não acredita que seja possível determinar a direção da causalidade e parte da idéia de que existe uma relação de reciprocidade entre as duas variáveis, embora seja possível afirmar que os efeitos da corrupção são mais fortes sobre a confiança que contrário.15 Dessa forma, o importante não é estabelecer a relação de causalidade existente entre confiança e corrupção e, sim, considerar esses aspectos como pontos crucias para o entendimento dos processos e conseqüências da corrupção e para a identificação de problemas e possíveis soluções. Uslaner16 define dois modelos de interpretação alternativos acerca da relação entre confiança e corrupção: modelo da decomposição e da recomendação. O primeiro assume que seria possível fortalecer a confiança de uma sociedade através da punição dos indivíduos corruptos que teria como resultados não só a diminuição da corrupção, como um maior crescimento 13 GONZALEZ, Júlio e POWER, Timothy J. “Cultura Política, Capital social e percepções sobre a corrupção: uma investigação quantitativa em nível mundial”. Revista de Sociologia e Política, nº 21. Curitiba, 2003. 14 USLANER, Eric M. “Trust and Corruption”. New Institucional Economics. London: Routledge, 2004. 15 Idem para ver mais sobre essa discussão. 16 USLANER, Eric M. Confianza y corrupción: sus repercusiones en la pobreza. Capital social y reducción de la pobreza en América Latina y el Caribe: en busca de un nuevo paradigma. Publicação das Nações Unidas. CEPAL/ Universidade do estado do Michigan. Santiago Del Chile, 2003. www.pontodosconcursos.com.br 31 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES econômico e uma distribuição mais igualitária de recursos. Através da criação de um conjunto adequado de instituições democráticas seria possível eliminar a corrupção e aumentar a confiança. A solução proposta pelo segundo modelo apresenta um maior grau de dificuldade em sua implementação porque parte do pressuposto de que existe menos corrupção em determinadas sociedades porque os vínculos sociais entre os cidadãos são mais fortes. Assim, mudar as instituições políticas e legais não seria suficiente para combater a desconfiança institucionalizada entre os indivíduos, seria preciso encontrar novas formas de construção e reconstrução das normas culturais vigentes em uma sociedade. A corrupção não seria um problema de alguns líderes políticos e indivíduos e, sim, estaria arraigada na cultura política e nas formas como se dão as relações entre os indivíduos.17 A questão seria, então, como modificar as normas culturais de uma sociedade para aumentar a confiança e, conseqüentemente, diminuir a possibilidade de que práticas corruptas sejam naturalizadas? Para Schimidt18 a transformação da cultura política de um país é um processo lento e não pode ser analisada como um fenômeno isolado de sua interação com as esferas econômica, social e política. A cultura política deve ser vista como fenômeno sócio-histórico localizado em que pesam a força das tradições predominantes em uma sociedade e os conflitos e contradições sociais que geram modificações no imaginário e na relação entre os indivíduos. A transformação da cultura política relaciona-se com os processos permanentes de socialização política responsáveis pela formação de atitudes políticas nos indivíduos e pela interiorização da cultura política existente pelas novas gerações. Mudanças na cultura política de uma sociedade poderiam ser iniciadas nos ambientes de socialização dos indivíduos, a família, escola, local de trabalho ou movimentos organizados da sociedadecivil. 17 Além de normas culturais, para Uslaner, a confiança é também afetada pela desigualdade social de uma sociedade, pela existência de mercados abertos e de redes de cooperação e solidariedade. 18 SCHIMIDT, João Pedro. Os jovens e a construção do capital social no Brasil. Democracia, juventude e capital social no Brasil. Marcello Baquero (org.). Porto Alegre: UFRGS, 2004. www.pontodosconcursos.com.br 32 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES Abordagem não‐culturalista A visão não-culturalista contrapõe-se à abordagem culturalista ao questionar se, de fato, uma democracia precisa estar ancorada por uma cultura democrática para estabelecer ou sustentar instituições democráticas. Nesta seção, tentaremos, em breves palavras, expor as diferenças fundamentais entre as duas abordagens19. Primeiramente, seria possível descrever três perspectivas para a relação democracia e cultura: culturalista fraca, culturalista forte e não culturalista. A visão culturalista fraca pressupõe a necessidade de uma cultura democrática para o surgimento e manutenção da democracia e assume a possibilidade de que culturas democráticas floresçam em ambientes culturais onde existam tradições incompatíveis com elementos democráticos. Essa perspectiva sustenta a possibilidade de que essa incompatibilidade seja superada através do caráter maleável das tradições que podem ser inventadas e reinventadas. A abordagem culturalista forte nega essa possibilidade e sustenta que algumas culturas seriam incompatíveis com os valores democráticos necessitando de formações políticas diferentes. Finalmente, a visão não-culturalista partiria da premissa de que fatores econômicos e institucionais são suficientes para gerar uma explicação convincente da dinâmica das democracias sem que seja necessário recorrer à explicações culturais. O „não-culturalismo‟ não nega que possam existir certos aspectos da cultura que efetivamente importem, mas acreditam que não é possível atribuir uma relação de causalidade entre construção democrática e cultura política. 19 Utilizaremos, para tanto, principalmente as idéias exposta no artigo: PRZEWORSKI, Adam; CHEIBUB, José Antonio e LIMONGI, Fernando. “Democracia e cultura: uma visão não culturalista”, 2003. www.pontodosconcursos.com.br 33 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES As cadeias causais seriam responsáveis por determinar se a cultura política antecede ou é antecedida pelas instituições democráticas. A abordagem culturalista forte defende que a cultura causaria o desenvolvimento econômico e a democracia, enquanto a visão culturalista fraca determina que uma cultura particular seria necessária para tornar possível a democracia, mas essa cultura seria automaticamente gerada pelo desenvolvimento econômico. Já a perspectiva não-culturalista a democracia surgiria e se desenvolveria de maneira independente da cultura, aqui, a democracia poderia ou não gerar homogeneidade cultural, mas a cultura não teria impacto causal sobre a durabilidade das instituições democráticas. Para os autores, a explicação não-culturalista teria como base um forte apoio empírico ausente nas explicações culturais. A idéia é de que a democracia sobrevive porque é mais vantajoso para as forças políticas relevantes, pautando suas ações por puro interesse próprio, obedecer ao veredicto das urnas do que fazer qualquer outra coisa. Os perdedores numa competição democrática podem ter incentivos no curto prazo para rebelar-se, não aceitando os resultados do turno atual. No entanto, se existir uma possibilidade de ganhar as eleições futuras e os benefícios esperados destas vitórias forem grandes o suficiente, perdedores preferirão aceitar os veredictos das urnas. O mesmo argumento explica porque os ganhadores aceitam submeter-se ao teste das urnas no futuro. Assim, com base na lógica da ação racional, a democracia comporia um equilíbrio porque as diferentes forças políticas considerariam que obedecer aos seus veredictos atenderia melhor aos seus interesses. O modelo estabelecido pela visão não-culturalista poderia ser descrito através de três aspectos: a) a probabilidade de que uma democracia persista deverá aumentar com a riqueza (renda) presente e futura; b) a probabilidade de que uma democracia se mantenha deverá ser mais alta quando nenhuma força política domine completamente o sistema político; e c) em países muito pobres a democracia será subvertida por ocupantes de cargos de governo tanto quanto pelos não ocupantes; em países com nível médio de riqueza a democracia será subvertida com mais freqüência por outsiders (por "perdedores") do que por www.pontodosconcursos.com.br 34 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES ocupantes de cargos; e em países ricos a democracia terá o apoio tanto dos vencedores quanto dos perdedores. As premissas defendidas pela visão não culturalista assumem que as democracias, em especial as mais pobres, são altamente vulneráveis a crises econômicas e que democracias em que nenhum partido detém o controle legislativo têm mais chances de sobreviver, aliado a isso, podemos ainda acrescentar o fato de que, na abordagem não-culturalista, as democracias são mais estáveis quando os chefes de governo mudam com freqüência, pelo menos uma vez em 5 anos e menos que uma vez em dois anos. Partindo disso, é possível observar que fatores econômicos seriam, na visão não-culturalista, definidores de padrões democráticos ou autoritários. Assim, explicações sobre o surgimento ou a durabilidade de regimes democráticos não precisariam estar relacionadas a elementos culturais, mesmo porque a cultura, apesar de impor barreiras, poderia ser moldada de forma a tornar-se compatível com os padrões democráticos, desde que satisfeitos os requisitos econômicos. Os resultados com base nas três variáveis do modelo não-culturalista são: a) quanto mais rica uma democracia, menos provável que entre em colapso20; b) democracias ou ditaduras têm menos chance de entrar em colapso se houve crescimento da economia no ano anterior; e c) democracias em que os chefes de governo mudam com mais freqüência tem uma chance maior de entrar em colapso, e ditaduras, em que os chefes de governo ficam durante muitos anos no poder, têm uma probabilidade ainda maior de entrar em colapso Conclusão: algumas palavras adicionais sobre cultura política ou dicas úteis para a prova Para a prova, nos parece interessante amarrar algumas idéias principais. Principalmente aquelas mais clássicas, pois apesar de superadas, foram utilizadas 20 Aqui vale destacar que os autores assumiam a relação entre ditadura e economia e concluíam que ditaduras mais ricas seriam um pouco mais propensas a entrar em colapso. www.pontodosconcursos.com.br 35 CURSO ON-LINE – CIÊNCIA POLÍTICA PARA MPOG PROFESSOR MARCELO GONÇALVES recentemente pela Esaf em prova da CGU 2008. Consiste, basicamente, numa exploração das exposições de Almond e Verba. A idéia fundamental é entender cultura política como um conceito multidisciplinar. Essa expressão ou conceito foi criado na década de 1960 por Almond e Verba a partir da combinação das perspectivas sociológica, antropológica e psicológica no estudo dos fenômenos políticos. Se buscarmos as raízes profundas do conceito, chegaremos à Escola de Cultura e Personalidade, desenvolvida nos
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