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1 Resumo do capitulo 3, A ecologia dos saberes, do livro A Gramática do tempo: por uma nova cultura política de Boaventura Sousa Santos SANTOS, Sousa Boaventura. A ecologia dos saberes (cap. 3). In: A Gramática do Tempo: por uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2010. Por: Ana Beatriz Araujo Almeida No capítulo sobre a “ecologia dos sabores” Boaventura na sua introdução, comenta que o conhecimento tem como função dar sentido ao presente, passado e futuro. E que o conhecimento em todas as suas múltiplas formas não é distribuído de forma proporcional na sociedade, existindo assim um privilégio sociológico e epistemológico. Segundo o autor, após uma “revolução cientifica’’, o debate sobre o conhecimento centrou-se na ciência moderna, nos fundamentos da validade privilegiada do conhecimento científico, nas relações deste com outras formas de conhecimento, nos processos de produção da ciência e no impacto da sua aplicação (pág. 138). A distinção entre o debate moderno sobre o conhecimento dos debates anteriores é o fato de a ciência moderna se ter proposto não apenas compreender o mundo ou explicá-lo, mas também transformá-lo, e, paradoxalmente, para maximizar a sua capacidade de transformar o mundo, dela ter pretendido ser imune às transformações deste. Nesse contexto, o pesquisador observa que depois de criadas e estabilizadas as condições institucionais que garantem a autonomia da ciência, tal verdade científica e tal representação desta verdade não estariam sujeitas ao condicionamento ou à manipulação por parte do mundo não científico. De acordo com o sociólogo, prefere-se certos critérios epistemológicos por haver um juízo valor, essa preferência acontece a partir de considerações culturais, éticas e políticas. Para muitos pesquisadores, só existirá leis gerais que terão vigência em todas as disciplinas após a descoberta da interação entre a evolução cultural e a evolução genética. Sendo, a linha sociobiologia, chamada por Edward O. Wilson de consilience e a crença cultural ocidental na unidade da ciência, denominada por Gerald Holton de “encantamento técnico”, que atinge aqui a sua formulação mais extrema. Entretanto, Boaventura informa que já havia previsto outra corrente que possuía uma enorme variedade interna, se desenvolvendo durante os últimos anos num processo de indiferenciação entre as ciências naturais e as ciências sociais sob a égide destas últimas. Em geral, pode-se dizer que o antirreducionismo e o anti-determinismo 2 convivem com a aspiração da unidade da ciência, a possibilidade de investigar a matéria, a vida e a sociedade com instrumentos analíticos e teóricos comuns Ao falar sobre as “condições da diversidade epistemológica do mundo”, o autor afirma que ao reconhecer a diversidade epistemológica do mundo, sugere-se que a diversidade é também cultural e, em última instância, ontológica, traduzindo-se em múltiplas concepções de ser e estar no mundo. Este é um dos componentes daweltanschauung do século XXI. O outro, que só aparentemente é contraditório, é a globalização como processos concretos, reais e virtuais (pág. 142/143). Boaventura salienta as duas diferenças em relação há séculos atrás: a primeira, que a imaginação epistemológica do início do século XX era dominada pela ideia de unidade e que atualmente ela perdeu a unanimidade sendo confrontada pela premissa da pluralidade, diversidade, fragmentação e da heterogeneidade; a segunda diferença está relacionada na mudança do universalismo (herança do iluminismo) abstrato, negador das diferenças que passou a atribuir validade a um conhecimento supostamente válido para a globalização em que não há uma separação entre os processos de exclusão característicos da dominação colonial e os que ocorrem no inteiros das antigas potencias coloniais. No seu ponto de vista, assumir a diversidade epistemológica do mundo implica em renunciar uma epistemologia geral, não havendo apenas conhecimentos muito diversos no mundo sobre a matéria, a vida e a sociedade; há também muitas e muito diversas concepções sobre o que conta como conhecimento e os critérios de sua validade. Nem todos são incomensuráveis entre si (pág. 144). Relata que hoje o debate sobre a diversidade epistemológica do mundo apresenta hoje duas vertentes. A primeira, chamada de interna, questiona o caráter monolítico do cânone epistemológico e interroga-se sobre a relevância epistemológica, sociológica e política da diversidade interna das práticas científicas, dos diferentes modos de fazer ciência, da pluralidade interna da ciência. A segunda, que o autor aprofundará mais tarde, focará o exclusivismo epistemológico da ciência e sua relação com outros conhecimentos. Ao analisar “pluralidade interna das práticas científicas”, o autor identifica nesse conjunto as perspectivas feministas, pós-coloniais, multiculturais e pragmáticas. Dialoga que existem extremos em relação a epistemologia convencional da ciência moderna, o primeiro está preso ao positivismo, na crença na neutralidade, monopólio do conhecimento válido e indiferença à cultura. No seu extremo oposto estão os críticos ferrenhos da ciência moderna, enfatizando o seu caráter destrutivo e antidemocrático, sua pseudo-neutralidade, disjunção entre o progresso técnico e o progresso ético da humanidade. O terceiro, parte da ideia de que ambas as vertentes partem da mesma concepção comum de ciência: o essencialismo científico, o excepcionalismo, a autorreferencialidade, a tese da unidade da ciência, o representacionismo. É contra isso que se levanta a terceira via na tentativa de resgatar tudo o que foi produzido pela positivo pela ciência moderna (pág. 145/146). Ainda nesse segmento, Boaventura chama a atenção para as origens da ciência moderna quando ela admitia o uso de procedimentos diversos e relata que a diversidade epistemológica não é um mero reflexo ou epifenômeno da diversidade ou 3 heterogeneidade ontológica, e sim que ela se baseia na impossibilidade de identificar uma forma essencial ou definitiva de descrever, ordenar ou classificar processos, entidades relações no mundo. Conclui-se com essa análise que atualmente é impossível a existência de uma epistemologia geral, sendo possível no máximo uma apreciação de uma epistemologia geral sobre a impossibilidade uma epistemologia geral, por isso a importância de passarmos da diferenciação interna das práticas científicas à diferenciação entre saberes científicos e não científicos. Na análise da “pluralidade externa: outros saberes” que constitui o capítulo 3, Boaventura se debruça sobre o duplo questionamento que a autorreflexividade permite. O primeiro, por que são todos os conhecimentos não científicos considerados locais, tradicionais, alternativos ou periféricos? E o segundo, por que permanece a relação de dominação, apesar de mudarem as ideologias que a justificam? As metamorfoses da hierarquia entre o científico e o não científico têm sido, pois, variadas, e incluem as dicotomias monocultural/pluricultural, moderno/tradicional, etc. (pág. 153), cada uma delas revelando uma dimensão da dominação. Quando se assume que todo conhecimento é parcial e situado, como faz a epistemologia crítica, o mais correto é comparar todo os conhecimentos, incluindo o científico, em função das suas capacidades para a realização de determinadas tarefas em contextos sociais delineados por lógicas particulares incluindo as que presidem ao conhecimento científico. Uma observação importante nesse contexto é que a atual reorganização global da economia capitalista é fundamentada numa diferença epistemológica que não reconhece igualitariamente outros saberes. Esta diferença epistemológica inclui outras diferenças – a capitalista, a colonial, a sexista – ainda que não se esgote nelas. A luta contra ela, sendo epistemológica, é também anticapitalista,anticolonialista e antissexista. É uma luta cultural (pág. 153). A luta, apenas na teoria, contra uma monocultura do saber, mas como uma prática constante do processo de estudo, de pesquisa-ação ainda é um desafio. Na encruzilhada dos saberes e das tecnologias é onde encontra-se o futuro. Nenhuma tecnologia é neutra, cada tecnologia carrega consigo o peso do modo de ver e estar com a natureza e com os outros, por isso o futuro não está no retorno às velhas tradições. Em suma, pode-se afirmar que a diversidade epistêmica do mundo é potencialmente infinita, pois todos os conhecimentos são contextuais e parciais. Não há nem conhecimentos puros, nem conhecimentos completos; há constelações de conhecimentos (pág. 154). Boaventura apresenta “a ecologia dos saberes”, como um conjunto de epistemologias que partem da possibilidade da diversidade e da globalização contra- hegemônicas e pretendem contribuir para as credibilizar e fortalecer. Fundamenta-se em dois pressupostos, o primeiro, que não existe epistemologias neutras e as que clamam sê-lo são as menos neutra e segundo, que a reflexão epistemológica deve cair sobre nas práticas de conhecimento e seus impactos noutras práticas sociais, não nos reconhecimentos em abstrato. Ele entende a ecologia dos saberes como ecologia das práticas dos saberes. 4 Segundo o autor, a ecologia dos saberes é simultaneamente uma epistemologia da corrente e da contracorrente e as suas condições de possibilidade são também as da sua dificuldade. Ela procura dar consistência epistemológica ao saber propositivo e é uma ecologia porque se baseia no reconhecimento da pluralidade de saberes heterogêneos. Na ecologia dos saberes cruzam-se conhecimentos e, portanto, também ignorâncias. Como não há ignorância em geral, as ignorâncias são tão heterogêneas, autônomas e interdependentes quanto os saberes. Sendo assim, a ecologia dos saberes não tem como ponto de partida ou estado inicial, necessariamente, a ignorância. Aqui, Boaventura defende que a ecologia dos saberes parte da hipótese de que todas as práticas de relação entre seres humanos e entre eles e a natureza envolve mais de uma forma de saber e, consequentemente, de ignorância. Epistemologicamente, a sociedade capitalista moderna caracteriza-se pelo privilégio que concede às práticas onde domina o conhecimento científico. Isto significa que só a ignorância dele é verdadeiramente desqualificadora. O privilégio concedido ás práticas científicas significa o privilégio das intervenções no real humano e natural, tornadas possíveis por elas. As crises e as catástrofes que decorrem eventualmente de tais práticas são socialmente aceitas como custos sociais inevitáveis e sua superação reside em novas práticas científicas (pág. 157). Por fim, Boaventura declara que a injustiça social se baseia na justiça cognitiva e finaliza que a epistemologia de saberes é a epistemologia da luta contra a injustiça cognitiva que se fundamenta nas seguintes teses propostas por ele: 1- A luta pela injustiça cognitiva não terá êxito se basear exclusivamente na idéia da distribuição mais equitativa do saber científico no capitalismo. É preciso levar em conta a ignorância científica e sua incapacidade para reconhecer saberes alternativos e se articular com eles numa base igualitária. 2- As crises e as catástrofes produzidas pelo uso imprudente e exclusivista da ciência são bem mais sérias do que a epistemologia científica dominante pretende. 3- Não há conhecimento que não seja conhecido por alguém para alguns objetivos. Todos os conhecimentos sustentam práticas e constituem sujeitos. 4- Todos os conhecimentos têm limites internos e limites externos. 5- A ecologia de saberes tem de ser produzida ecologicamente com a participação de diferentes saberes e seus sujeitos. 6- A ecologia de saberes é uma epistemologia simultaneamente construtivista e realista. 7- A ecologia de saberes centra-se nas relações entre saberes, nas hierarquias e poderes que se geram entre eles. 8- A ecologia dos saberes pauta-se pelo princípio da precaução. 9- A centralidade das relações entre saberes, que caracteriza a ecologia de saberes, impele-a para a busca da diversidade dos conhecimentos. 10- A ecologia dos saberes exerce-se pela busca de convergências entre conhecimentos múltiplos. 11- A questão da incomensurabilidade põe-se também no interior da mesma cultura 12- A ecologia de saberes visa ser uma luta não ignorante contra a ignorância. 5 13- A ecologia de saberes ocupa-se da fenomenologia dos momentos ou tipos de relações. 14- A construção epistemológica da ecologia de saberes suscita três questionamentos: a) sobre a identificação dos saberes, b) sobre os procedimentos para o relacionamento entre eles, c) sobre a natureza e avaliação das intervenções do real. 15- É próprio da epistemologia da ecologia de saberes não conceber os conhecimentos fora das práticas de saberes e estas fora das intervenções no real que elas permitem ou impedem. 16- A ecologia de saberes visa facilitar a constituição de sujeitos individuais e coletivos que combinam a maior sobriedade na análise dos fatos com a intensificação da vontade da lua contra a opressão. 17- Na ecologia dos saberes a intensificação da vontade exercita-se na luta contra a desorientação.
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