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19 - A Revolta de Princesa Poder Privado X Poder Instituido - Inês Caminha L Rodrigues

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Inês Caminha Lopes Rodrigues
A REVOLTA DE PRINCESA
poder privado X poder instituído
1981
CopyrfgÀf (!) Inês Caminha L. Rodrigues
Capa :
127 (antigo 23)
Artistas Gráficos
Caricata ras :
Emílio Damiani
Revisão :
José E. Andrade
Ao Cláudio
e aos nossos filhos,
Clâudia e Carlos Eduardo
editora brasil iense s.a.
O1 042 -- rua barão de itapetininga, 93
sâo paulo -- brasil
ÍNDICE
' 'Eta pau-Pereira,
Quem em Princesa
Já roncou!
Eta Paraíba,
Mulher-macho, sim senhor!"
Os antecedentes
.4 /ufa
Conclusão
Indicações para leitura
7
28
77
80
Balão Paraíba --
Luas Gonzaga/Humberto Teixeira
OS ANTECEDENTES
A Fava/ta de .Prlnceia foi um movimento sedi-
cioso que envolveu, de um lado, os comandados do
''coronel'' José Pereira Limo e, do outro, as tropas da
polícia militar da Paraíba. Iniciou-se a 28 de feve-
reiro de 1930, com o rompimento político-partidário
entre José Pereira e João Pessoa Cavalcanti de Albu-
querque, governador (naquele tempo ''presidente'')
do Estado, e se prolongou até 26 de julho daquele
Para a eclosão do movimento concorreu uma
série de fatores, incluindo-se dentre eles a própria
investidura de João Pessoa no governo do Estado, por
determinação de Epitâcio Pessoa da Silvo, seu tio e
principal líder político da Paraíba. O governador
designado residia no Rio de Janeiro, onde exercia as
funções de ministro do Supremo Tribunal Militar, e
estava desligado da política partidária de sua terra
natal. A 22 de outubro de 1928 assume a presidência
ano
8 Inês Caminha Lares Rodrigues A Revolta de Princesa 9
paraibana imbuído de extremado idealismo, disposto
a corrigir os vícios políticos. Prometera a si mesmo
encetar uma ferrenha campanha de moralização dos
costumes, pois, segundo suas próprias palavras, es-
tava ''tudo podre'', fazendo-se necessária ''uma vas-
sourada em regra'' para ''purificar a vida pública,
rebaixada por figuras de significação e aproveita-
dores gulosos''
Dentre as preocupações administrativas de João
Pessoa duas avultaram: o sistemático desprestígio
aos coronéis (responsáveis, segundo ele, pelos abusos
políticos que denunciara) e um programa para soer-
guimento das finanças do Estado. Em função destas
preocupações, iniciou uma série de medidas visando
a sanear o que Ihe parecia errado. Considerando o
Município (o espaço de atuação dos coronéis por ex-
celência) um dos fulcros das reformas que pretendia
encetar, sobre ele fez convergir grande número de
atitudes renovadoras: destituiu chefes políticos, de-
mitiu juízes e promotores, removeu delegados e che-
fes de Mesas de Rendas (coletorias estaduais), pro-
moveu cuidadosa triagem na nomeação dos novos
prefeitos, desprezando a velha praxe de compadrio.
O ferrenho combate ao cangaço que em-
preendeu se incluía, por via indireta, dentre as me-
didas de desprestígio aos chefes locais, pois declarava
o propósito de não Ihe dar tréguas, ''esteja (o can-
gaceiro) onde estiver e seja quem for o seu protetor
ou o seu homiziador''. E arrematava: ''Quem se sen-
tir humilhado com a ação da polícia que não o acolha
em suas terras e propriedades". Objetivando o su-
:© }';ÃI'
10 Inês Caminha Inpes Rodrigues A Rwolta de Princesa 11
cesso nesse combate, estabelece cinco itens básicos
que lograram êxitos parciais: reativação de um con-
vénio entre os Estados nordestinos; moralização da
Força Pública; eliminação nosjuris da influência dos
coronéis; desarmamento geral; proibição taxativa da
venda de armas. Atingia, assim, alguns esteios do
prestígio e da liderança dos detentores do mando-
nismo local, como a faculdade de impedir a apreen-
são, pela polícia, de armas de seus protegidos e de
promover a sua restituição, bem como a poderosa
influência sobre jurados e testemunhas.
O Judiciário não escapou à ação moralizadora.
''Magistrados suspeitos de transigência com o crime
e acoimados de relapsia no cumprimento de suas
funções'' foram destituídos dos cargos. Os juízes pas-
saram a ser obrigados a residir nas respectivas co-
marcas e seu afastamento ficou restrito aos casos de
férias e de licença.
A ação do governo estadual se fez sentir ainda
em outros setores, numa gama muito ampla e diver-
sificada que abrangia do casamento civil ao jogo do
bicho.
As medidas que empreendeu visando a melhorar
a crítica situação financeira do Estado também se
destacariam no conjunto de seus atou administrativos.
Com aquele desiderato, instituiu uma série de medi-
das de contenção de despesas e um novo sistema de
arrecadação tributária. O sistema fiscal que implan-
tou estabelecia inovações como a taxa de pedâgio,
o que, além de demandas judiciárias contra o Es-
tado, Ihe valeu os apelidos de ''João Porteira'' e
''João Cancela'', por causa dos postos de cobrança
espalhados pelas estudas de rodagem e carroçâveis.
Porém, a iniciativa mais marcante de sua adminis-
tração, neste âmbito, se configurou no imposto de
importação criado, origem do que o Jorna/ do (;om-
merc/o de Recite chamou Gzzerra Zrfbutáría .
A economia e as finanças paraibanas há muito
vinham sofrendo grandes prejuízos em face do inter-
câmbio comercial de suas cidades interioranas com
os Estados vizinhos, principalmente Pemambuco. A
precariedade dos meios de comunicação; a ausência
de estudas razoáveis interligando as varias regiões
do Estado; o maciço central da Borborema, cortando
o território paraibano de nordeste a sudoeste, res-
ponsável durante muito tempo pelo isolamento de
diversos municípios do interior em relação à Capital,
eram fatores que induziam esse intercâmbio.
O comércio da capital paraibana no último lus-
tro dog anos vinte estava em situação deplorável.
O número de falências havia se multiplicado. O mes-
mo acontecia a Campina Grande, considerada o em-
pório do sertão.
Para combater a crise económica foi promul-
gada a Lei Tributária 673 de 17 de novembro de
1928, regulando a exportação e importação de mer-
cadorias. Por esse dispositivo, foi criado o Imposto
de Incorporação (de ''barreira'') que incidia sobre a
segunda.
Em virtude da nova legislação, passou a ser
dado tratamento diferente, em termos tributários, às
mercadorias que entravam ou saíam do Estado. Vi-
/nês CamínAa lares RodrÜtles l '4 Neva/fa de /'rllzcesa12 13
sando a fomentar o comércio da capital, foi esta-
belecida uma acentuada diferenciação nos impostos
relativos à importação e exportação realizadas pela
capital e pelas fronteiras (divisas com os Estados li-
mítrofes). Essa variação era pequena no referente à
exportação, oscilando, por exemplo, quanto a dois
pi'odutos principais da economia paraibana -- o al-
godão e o couro -- entro 2%o e 4%o . Quanto à impor-
tação, entretanto, a lei ao mesmo tempo que dimi-
nuiu os percentuais referentes à mercadoria que en-
trasse pelo pôrto da Capital, hipertrofiou a incidên-
cia sobre produtos advindos pelas fronteiras, ultra-
passando a majoração, em alguns casos, a 1 000%o.
Essa estratégia pretendia, por um lado, desesti-
mular -- para não dizer ''proibir'' -- o comércio do
interior paraibano com outros Estados e, por outro,
coagir as firmas das unidades vizinhas a abrirem fi-
liais na capital paraibana.
Os Estados prejudicados protestaram contra o
novo sistema tributário. Pernambuco, com maior
vigor. Sua Associação Comercial, além de represen-
tar junto ao presidente da República, Washington
Luiz, alegando a inconstitucionalidade da lei e pe-
dindo a intervenção federal, solicitou o empenho de
Estácio Coimbrã, presidente do Estado, quanto à re-
vogação da lei. Solicitou, também, o apoio de insti-
tuições congéneres de vários outros Estados nesse
sentido.
O Jorna/ do Cbmmercío de Recite, órgão de
grande poder de veiculação, promoveu vigorosa cam-
panha contra a lei e facultou suas colunas aos que se
julgavam prejudicados, dentre estes os comerciantes
das cidades do interior paraibano.
Outros periódicos de Pernambuco se solidari-
zaram com a campanha, acirrando a polêmica, que
transcendeu o âmbito regional.
Preocupado com a repercussão negativa de sua
medida, João Pessoa procurou se justificar junto a
Washington Luiz e à imprensaatravés de telegrama
onde assegurava que ''a campanha de descrédito do
Estado movida pela propaganda do Jorna/ do Cbm-
mercfo do Recite advém do despeito de seus proprie-
tários por ter meu governo suspendido a subvenção
que recebiam do Tesouro
A afirmação do presidente paraibano indignou
os proprietários dojornal que, rebatendo-a, exigiram
a apresentação das respectivas provas no prazo de
oito dias. Se não as apresentasse, afirmavam, João
Pessoa estaria na contingência de ''oferecer aos seus
governados o espetáculo de um governante transfor-
mado em mentiroso vulgar''. As provas não foram
apresentadas e, a partir de então, o jornal pernam-
bucano abandona a linha de sobriedade e restrita
contestação à Lei Tributária,. passando a ataques
pessoais em linguagem panfletária. Adota, assim, a
pratica que vinha sendo empregada pelo órgão oficial
do Estado da Paraíba, .A Z./niõo,. em relação aos
Pessoa de Queiroz, primos e inimigos de João Pessoa
e proprietários do Jorna/ do Cbmmerczo. O gover-
nador paraibano passa a ser chamado de ''vulgar e
desprezível caluniador'' e os redatores de ..4 [/dão de
''ruminantes'', ''irresponsáveis alugados'', ''sevan-
Imãs Ckzmín&a .topes Rodrfgues l .4 Neva/fa de Princesa14 15
dicas''. O jornal paraibano, com a anuência do pre-
sidente do Estado, desfecha então ataque direto, no-
minal, ao deputado Francisco Pessoa de Queiroz,
chamando-o de mentiroso e afirmando que não tar-
daria, por sua ''obsessão de mentira'', a ser empur-
rado ''para dentro das grades de um manicõmto
A Guerra Trlbufárla se desvirtuara, fugira do
seu móvel, se transformara em válvula de escape dç
rixas familiares e se constituiria numa das sementes
do futuro movimento armado de Princesa.
Ao ter ciência da refrega entre seus sobrinhos,
Epitâcio Pessoa escreve-lhes de Haja, onde se encon-
tmva em missão diplomática, censurando-lhes o ges-
to insensato e o nível da discussão:
ao mesmo tempo o presidente do nosso Estado
(.. .) Hâ deveres morais a que os interesses mate
dais devem ceder o passo.
Noutra correspondência lamentava a ''polêmica
escandalosa'', ressaltando:
''Como devem ter-se regozijado os nossos ini-
migosl Faltam-me os elementos necessários para
ser juiz na questão, nem valeria mais a pena,
pois que a discussão produziu todos os males;
sela como for, o que sei é que ela foi profunda-
mente lamentável.
A publicação, a 8 de julho de 1929, de uma sen-
tença referente a um mandato proibitório contra o
Estado da Paraíba, por iniciativa de quarenta firmas
pernambucanas, alegando a inconstitucionalidade
do Imposto de Incorporação, marcaria o término da
Guerra Tríbzzfárla. Mas a animosidade que ensejou
iria se intensificar e se constituir num dos fatores
mediatos do assassínio de João Pessoa. Prepararia,
também, o terreno para a eclosão da revolta de Prin-
cesa, onde o governante paraibano despendeu consi-
derável parcela das rendas adquiridas por força das
tão discutidas e polêmicas medidas que implantou.
As atitudes inovadoras do presidente paraibano
iriam, fatalmente, desgostar muitos correligionários
que, seguindo os usos políticos, se dirigiam a Epitá-
fio Pessoa formulando queixas e lamentações. Este
fez várias sugestões ao sobrinho no sentido de .que
''Eu nunca imaginara que vocês, com sacrifício
da compostura pessoal, do decoro das posições,
e dos interesses morais da família, chegassem,
sob a risota escarninha dos nossos inimigos, ao
debate escandaloso de que posteriormente me
deram notícia cartas e jornais. Não entro na
apreciação da responsabilidade de cada um. En-
volvo ambos igualmente na mesma queixa. Não
acho desculpa para .A Z./nfâo, órgão oficial, a
cobrir-te de apodos indecorosos, como não en-
contro para adorna/ do Cbmmerclo, a provocar
e sustentar esse vergonhoso bate-boca, e, se é
verdade o que me dizem daí, a oferecer-se ainda,
sem êxito, a mesquinhos despeitados para a pu-
blicação de artigos e livros de ataques calunio:
sos à honra pessoal de um nosso parente que é
16 Inês Caminha Inpes Rodrigues A Revolta de Princesa 17
levasse em conta os costumes políticos vigentes e ate
nuasse o rigor dos atou. As advertências eram vaza-
das em termos clarose diretos:
coligação entre Paraíba, Minas Gerais e Rio Grande
do Sul apresentou, afrontando o governo federal,
uma chapa, à sucessão da Presidência da República,
encabeçada por Getúlio Vargas, sendo o governador
paraibano o candidato a vice. Seguindo instruções do
tio Epitácio, João Pessoa em agosto de 1929 negara
apoio à chapa oficial do Catete, encabeçada por Júlio
Prestes, governador de São Paulo. Por este gesto de
rebeldia (que ficou conhecido como o /lego, termo
que, posteriormente, integraria a bandeira do Es-
tado) e pela dificuldade em se encontrar um candi-
dato a vice-presidente do país para compor a chapa
oposicionista, o nome de João Pessoa foi lembrado e
aceito como companheiro de Getúlio Vargas.
O fato de haver sido Epitácio Pessoa o respon-
sável pela inclusão do nome do sobrinho na chapa
getulista levou os chefes políticos governistas parai-
banos -- mesmo os que haviam sofrido atou consi-
derados hostis, injustos e desprestigiosos -- a apoia-
rem os candidatos da Aliança Liberal.
A candidatura de João Pessoa à Vice-Presidên-
cia da República ensejou duas conseqüências imedia-
tas. A primeira delas foi a reação do governo federal
manifestada em atos de represália através de demis-
são e remoção de funcionários federais simpatizantes
da causa liberal e suspensão de obras e serviços pú-
blicos de iniciativa da União no Estado.
Essas medidas foram capitalizadas politica-
mente para o candidato João Pessoa, que passou a
assumir o papel de vítima da opressão do governo
federal, criando-se um grande fervor em torno do seu
''Jâ te disse mais de uma vez: ninguém pode
estripar num instante vícios arraigados desde
anos; deve-se ir com jeito, pouco a pouco, para
não chocar violentamente a mentalidade do
meio. E preciso não esquecer que esses vícios se
tornaram, pelo hábito, fatos normais, o que ate-
nua sobremodo a responsabilidade de quem os
pratica. Por outro lado, substituir o correligio-
nário por um adversário para corrigir o mal é
um engano: o adversário vive no mesmo meio,
com as mesmas paixões, os mesmos preconcei-
tos, os mesmos,pontos de vista acanhados, ten-
do, mais do que o correligionário, a sede da re-
presália: ao cabo de algum tempo a situação é
pior. Não me parece acertado surpreender os
chefes políticos com decisões radicais, lançando
entre eles a perturbação e o descontentamento
(...). Eu sei, por informações de varias fontes,
que hâ por aí desgostos latentes, e destes, em
momento oportuno, se podem aproveitar os ad-
versários .
Esses conselhos, entretanto, mercê das obstina-
ções e contradições do sobrinho, não foram seguidos.
Os rumos tomados pelos acontecimentos polí-
ticos no Estado iriam ser influenciados decisivamente
pela adesão de Jogo Pessoa à Aliança Liberal. Esta
Imãs CamínÀa topes Rodrfgtzes il .4 levo/ía de Prllzcesa18
19
nome. Essa imagem de oprimido ultrapassou os li-
mites estaduais e foi explorada na campanha da
Aliança a nível nacional.
A segunda resultante do ingresso do presidente
paraibano na chapa aliancista implicou no seu afas-
tamento de princípios por ele fixados no início do seu
governo. O primeiro desvio se consubstanciou na
peregrinação eleitoreira por vários municípios à cata
dos votos monopolizados pelos ''coronéis'', numa
concessão aos métodos políticos que tão ferrenha-
mente combatera.
Outra incoerência de Jogo Pessoa iria resultar
em significativos desdobramentos políticos. Conco-
mitantemente às eleições à Presidência e Vice-Presi-
dência da República haveria eleições para senador e
deputado federal. João Pessoa, jâ em seu discurso de
posse, instituíra o princípio da renovação total dos
candidatos, ou seja, não seriam admitidos candida-
tos à reeleição. Contrariando a vontade da Comissão
Executiva do partido (Partido Republicano Conser-
vador), a 17 de fevereiro de 1930 ele oficializa uma
chapa onde são excluídos todos os candidatos à re-
eleição,preservando, porém, o nome do deputado
Carlos Pessoa, seu primo. À contradição aliava-se
mais um ato de afronta a prestigiosos chefes políticos
pelo alijamento dos candidatos à reeleição.
Dois dias após haver lançado a chapa, sozinho e
sem considerar as vontades em contrario, chegava
Jogo Pessoa, acompanhado de uma comitiva, em sua
viagem eleitoreira, à cidade de Princesa, sede dos
''domínios'' do coronel José Pereira. O presidente
paraibano foi recebido festivamente, com banquete e
bailes. Entretanto, segundo o depoimento de um dos
integrantes da comitiva, havia uma atmosfera som-
bria a despeito das solenidades. José Pereira, apesar
de não declarar expressamente naquela ocasião, se
sentia desprestigiado pela constituição da chapa,
principalmente pelo fato de, sendo o presidente do
Estado seu hóspede, nada Ihe comunicar a respeito.
Segundo revelou posteriormente, causara-lhe tam-
bém profunda indignação o alojamento do nome do
ex-governador João Suassuna como integrante da
aludida chapa. Assim, a 23 de fevereiro de 1930, três
dias após João Pessoa haver encerrado sua visita a
Princesa, recebe ''com inominável surpresa'', como
declarou, um telegrama de rompimento de José Pe-
reira onde este afirmava haver deliberado passar a
apoiar a candidatura Júlio Prestes. Informava ainda
que havia ''concedido liberdade'' aos seus amigos
para ''usarem o direito do voto consoante lhes ditar a
opinião'' e advertia que se comprometia ''a defendê-
los se qualquer ato de violência do governo (estadual)
atentar contra o direito do voto assegurado pela
Constituição
Na verdade, o telegrama era o clímax de uma
série de fatos que vinham-se acumulando e, mais
cedo ou mais tarde, desaguariam na ruptura. O rela-
cionamento entre o presidente paraibano e o líder de
Princesa sofrera um processo de desgaste e estreme-
cimentos. Como observou José Américo de Almeida,
importante testemunha destes fatos, o coronel ''sem-
pre prestigiado, punha e dispunha no Estado. SÓ
k
20 /nês Camfn#a topei Rodrjgtzei l .4 Revolta de Princesa 21
agora decaía. João Pessoa, num dos seus rasgos de
franqueza, exaltando-se, chamara-o de cangaceiro.
Não punha dúvida nas suas qualidades, mas impli-
cava com o que Ihe parecia caudilhismo"
Como vimos várias foram as medidas de João
Pessoa consideradas hostis aos chefes locais, dentre
as quais destacam-se quanto ao coronel
princesense: tentativa de desarmamento (a que rosé
Pereira não se sujeitou); transferência de seu irmão
Manual Carlos da chefia da Coletoria de Princesa para
a de Patos, sem consulta ao coronel; tentativa de
nomeação do prefeito do município à sua revelia;
nomeação de um seu inimigo, tenente Manuel Ar-
ruda, para delegado de polícia do município; a indi-
ferença com que passara a ser tratado pelo governa-
dor quando se dirigia ao palácio.
Por outro lado, certos eventos teriam criado
independentemente das vontades de João Pessoa e
rosé Pereira um clima de animosidade entre os dois
que antecedeu a ascensão do primeiro à chefia do
Executivo paraibano. João Pessoa teria chegado à
Presidência jâ alimentando a pretensão de afastar o
chefe sertanejo da tida política do Estado. Este, por
sua vez, estaria ciente dessa disposição, chegando a
afirmar que um dos desideratos preestabelecidos
pelo governador era promover ''meu alojamento polí-
tico em Princesa e consequente exclusão do Diretório
do Partido'
O rancor seria exacerbado com a constituição da
chapa, passando de latente a manifesto. O fato foi
agravado pelas circunstâncias como ela foi comuni-
cada a José Peneira. Segunda suas próprias palavras,
em entrevista concedida ao Jor/za/ do Cbmmerclo de
Recite (edição de 26 de abril de 1930):
''(...) embora estivesse em minha casa, deixou
(o governador) o seu aludido dudante-de-ordens
(Coronel PM Elísio Sobreira) encarregado de
mostrar-me um papel no qual se liam os nomes
dos candidatos do Partido à bancada da Câ-
mara e ao terço do Senado. Era a chapa.
Estranhara, ainda, que o presidente paraibano,
em sua companhia por mais de vinte e quatro horas,
não Ihe fizesse nenhuma alusão ao pleito de lo de
março. Sentira-se desprestigiado na qualidade de
membro da Comissão Executiva (José Pereira era
deputado estadual hâ várias legislaturas), por não ter
sido procurado ou mesmo consultado quanto à es-
colha dos candidatos. Entretanto,. a gota que fez
transbordar e que serviu de pretexto para o rompi-
mento foi a exclusão da nova chapa da quase tota-
lidade da bancada, principalmente a não recondução
de João Suassuna:
''Estranhei que da lista organizada fossem ex-
cluídos sumariamente o senador Massa, que
havia sido um dos batalhadores pela ascensão
do sr. Epitâéio (Pessoa) à suprema direção polí-
tica na Paraíba. Objetei ao sr. Sobreira que ele,
Massa, fiel ao Partido, não merecia a inespe-
rada e odiosa exclusão nos últimos momentos.
]
22 Inês Caminha Inpes Rodrigues A Revolta de Princesa 23
Isto a 20 de fevereiro. Objetei mais: também
não compreendia a exclusão do deputado Oscar
Soarem, que era dos mais devotados ao Partido;
o sacrifício do deputado Daniel Carneiro, o
qual, no momento em que o presidente (João
Pessoa) assim o tratava, se encontrava desas-
sombradamente em Alagoas, defendendo a cau-
sa da Aliança em campanha eleitoral ( . . .)."
nhas objeções ao presidente.''
Paralelamente a esses fatos, verificava-se a ação
dos Pessoa de Queiroz que, estabelecidos em Recite,
mantinham grandes laços comerciais e de amizade
com José Pereira e o instigavam ao rompimento.
Reinava um clima de emulação e de inimizade
entre João Pessoa e seu primo Francisco Pessoa de
Queiroz, deputado federal por Pernambuco. A não
indicação por parte de Epitâcio Pessoa, tio de am-
bos, do nome do segundo à presidência da Paraíba
acirrou a animosidade. Os sentimentos dissociativos
existentes entre os primos se revelam claramente de
forma variada, como na carta que João Pessoa reme-
teu ao tio, de 26 de agosto de 1929:
E acrescentou
''lnterpelei, então, o ajudante-de-ordens, por
que se excluía e sacrificava o deputado João
Suassuna, ex-presidente do Estado, que elegera
o próprio sr. João Pessoa, a quem entregara a
chefia do Partido? O ajudante-de-ordens res-
pondeu-me que o critério era o do rotativismo.
Indaguei como ele explicava que sendo o cri-
tério o de rotativismo só ficasse na bancada,
dos antigos, o sr. Cardos Pessoa, justamente o
primo do presidente Pessoa? O ajudante, meio
confuso, disse que o sr. Carlos Pessoa se havia
portado com muita vibração na legislatura pas-
sada, durante a campanha da Aliança, ao que
retruquei que o sr; Carlos Pessoa era um depu-
tado apagado, que nunca pronunciara, sequer,
um discurso. Rotativismo, ou é ou não é. Em
parte eu não compreendo o rotativismo, benefi-
ciando precisamente um membro da família. O
ajudante-de-ordens afinal retirou-se da minha
presença, alegando que eu poderia levar as mi-
''(...) Senti sempre os seus desvelos e carinhos
pelo Francisco, apesar do que ele tem feito.
Nunca Ihe faltou com sua assistência pública:
nomeava-o para lugar de confiança perto de si;
levava-o para o estrangeiro em posto de respon-
sabilidade; amparava-o em sua carreira política;
ia ao seu embarque e desembarque (distinção
que nenhum sobrinho jâ recebeu) e às suas fes-
tas; dava-lhe prestígio para os desmandos que
praticou em Pernambuco na campanha contra
Barba, desmandos que já agora não deve saber
de minha boca, etc. Nunca, absolutamente nun-
ca, procurei de qualquer modo concorrer nessa
preferência ou criar à mesma qualquer emba-
raço contando-lhe história de Francisco. ( . . .) Es-
r
11
24 três Caminha Lotes Rodrigues A Revolta de Princesa 25
te nunca se conformou com o Sr. fazer-me presi-
dente em vez dele. Na sua desvairada ambição
inescrupulosa, só a um Pessoa concede, ou jâ
concedeu, a liberdade de subir mais do que ele.
Esta pessoa é o senhor. Despeitado com a minha
vinda, porque assim continuaria fora da polí-
tica da Paraíba e privado de ser presidente aqui,
chefe e senador, por fim, uma vez que não tinha
futuro na política de Pernambuco, onde não iriaalém de deputado, como não se constrangia de
dizer em suas rodas; despeitado, nzznca deu no
seu jornal qualquer notícia sobre meu governo
(entretanto os jornais inimigos falavam dele com
entusiasmo), e indo mais longe cortava do seu
serviço telegráfico tudo que era transmitido em
relação à minha pessoa.
i H
A Gzzerra Tríbufária fomentou ainda mais a in-
triga entre eles, pois João Pessoa, num gesto de ha-
bilidade política, permitindo que o jornal oficial
paraibano taxasse de ''ladrões'' toda a família Pessoa
de Queiroz, provocou o rompimento de outro primo
e, até então, amigo, João Pessoa de Queiroz. Além de
terem seus interesses comerciais prejudicados pela
nova política tributária paraibana, viram-se difama-
dos nas páginas de .4 Z./níõo. Em contatos constantes
com José Pereira, tinham conhecimento dos atos con-
siderados afrontosos que este suportava do governo
paraibano. O coronel afigurou-se-lhes, então, o ele-
mento mais indicado para uma vindita a João Pes-
soa. Detentores de fortuna considerável, incitaram-
l
Jogo Pessoa
26 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa 27
no à sublevação contra o governo estadual, sob pro-
messa de custearem a luta.
Havia, pois, condições favoráveis para surgir e
medrar um movimento contra Jogo Pessoa. A insa-
tisfação dos chefes locais feridos em suas prerroga-
tivas de detentores do mandonismo e possuidores de
exércitos particulares'' juntava-se o ânimo de um
grupo endinheirado para financiar a sublevação.
Como afirmou um dos assessores dos Pessoa de
Queiroz, ''a reação jâ estava preparada e José Pereira
foi o homem certo para essa reação''. Neste sentido,
o coronel já estaria se armando desde setembro de
1929, muito antes do telegrama de rompimento.
Com o rompimento, José Pereira -- um dos
baluartes do Partido Republicano da Paraíba'', nas
palavras de Epitâcio Pessoa -- ingressa incontinenti
na facção opositora ao governo do Estado e pró-
candidatura Júlio Prestes. Acompanharam-no líde-
res de considerável envergadura eleitoral como João
Suassuna, Oscar Soares, Pedra Firmino, Padre Ma-
noel Octaviano, Início Evaristo, Cícero Parente, Nulo
Feitosa e Duarte Dantas.
A dissensão no partido do governo paraibano
muito significou para a oposição, pois reforçava a
chapa do Cacete em Estado aliancista. Heráclito
Cavalcanti, líder da oposição a João Pessoa na Pa-
raíba, contando com o natural apoio do governo fe-
deral, soube tirar proveito da ruptura atraindo ime-
diatamente os dissidentes para as suas hostes.
João Pessoa reage imediatamente ao rompimen-
to de rosé Pereira promovendo o esvaziamento da
maquina burocrático-administrativa no município de
Princesa. No dia 24 de fevereiro, a apenas cinco dias
do pleito, ordena a retirada da cidade de todas as
pessoas que ali exerciam funções ligadas à adminis-
tração estadual.
Os Pessoa de Queiroz, interessados em alijar, de
qualquer forma, o primo da presidência do Estado,
julgando haver chegado o momento propício para
um movimento neste sentido, asseguraram a José
Pereira: ''reaja que nós o sustentaremos''
O presidente do Estado, sob o pretexto de ga-
rantir as eleições nos municípios cujos chefes discor-
davam de sua orientação política, enviou reforços
policiais consideráveis para os mesmos. No dia 28 de
fevereiro de 1930, véspera das eleições, chegavam à
cidade de Teixeira, próxima a Princesa, tropas da
polícia paraibana comandadas pelo tenente Ascen-
dino Feitosa, inimigo da família Dantas, que exercia
liderança política no município. A nomeação deste
oficial para o comando das tropas seria mais um ato
de provocação aos Dantas por parte do presidente
paraibano.
Segundo o testemunho de pessoas que presen-
ciaram os acontecimentos, ''a polícia já subiu a serra
(de Teixeira) atirando''. Trava-se, então, cerrado
tiroteio entre membros da família Dantas e as forças
policiais. José Pereira, cumprindo a promessa feita,
acorre com homens em defesa de seus aliados.
Estava deflagrada a Revolta de Princesa.
A Revolta de Princesa 29
com os de vários outros chefes políticos. Dessa for-
ma, dentro de pouco tempo arregimentou dois mil
homens, mantendo uma metade no/roPzf, bem muni-
ciada, e a outra, de reserva, aguardando armas e
munições e a oportunidade de preencher as eventuais
baixas. Enquanto esperava, se divertia em bailes que
se realizavam diariamente nos arredores da cidade.
O número de sublevados -- as ''tropas liberta-
doras'', como se autodenominavam -- se revela de
grande significação quando se leva em conta que
toda a polícia militar do Estado, no início da revolta.
contava apenas com 870 homens (incluídos o pessoal
da administração e os não combatentes -- músicos.
arreeiros e ordenanças), assim distribuídos:
A LUTA
Uma série de fatores iria permitir a José Pereira
manter a luta contra o governo do Estado.
Em primeiro lugar, ele era um grande ''coronel''
(na estrutura então vigente, havia os pequenos, mé-
dios e grandes coronéis, de acordo com o poder e
prestígio desfrutados). Era considerado um dos maio-
res chefes sertanejos do Nordeste e o maior da Pa-
raíba. Seu prestígio transcendia os limites do seu
município, atingindo as esferas estadual e federal.
A esta circunstância, juntavam-se certas caracte-
rísticas de sua personalidade. Era muito generoso e,
ao contrário do que normalmente ocorria com os ''co-
ronéis'', era gentil, polido, avesso à violência. E, ali-
cerçando sua liderança, estava um grande carisma.
Assim, por suas qualidades de líder e por ser um
coronel de grande envergadura, dispunha de um
vasto contingente que Ihe acompanharia na luta ar-
mada. Além dos seus próprios ''cabras'', contaria
Cel. ou Ten.-Cel. Comandante
Majores
Capitães .
los Tenentes
2os Tenentes
Sargento-Ajudante
los Sargentos
2os Sargentos
3os Sargentos
Cabos
Sds. músicos de la classe
Sds. músicos de 2? classe
Sds. músicos de 3a classe
Sds. Tambor-corneteiros
Soldados
l
2
7
9
10
l
11
25
45
85
8
8
14
22
622
Total 870
T
30 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa 31
Estes fatos, entretanto, não seriam suficientes
para garantir a José Pereira o sucesso da revolta. Um
dos esteios principais para a sustentação da luta
estava, como jâ informamos, nos Pessoa de Queiroz,
principalmente os irmãos João e Francisco, que sub-
vencionaram o levante em parcela considerável. Co-
mo asseverou um dos assessores dos Pessoa de Quei-
roz, José Pereira iniciou a luta ''quase forçado'' por
eles, pois não dispunha de condições materiais para
tal iniciativa, ''não tinha dinheiro nem armas'
Além deste valioso apoio, o chefe sublevado se
beneficiava do momento político nacional. Sua ade-
são à candidatura Júlio Prestes iria representar certas
facilidades para os revoltosos, quer através de difi-
culdades criadas Pêlo governo federal ao governo
paraibano, quer mediante conivências que muito os
favoreciam. Afora isso, estando a Paraíba alhada
entre Estados fiéis ao Catete, seu governo sofria
grandes limitações no combate aos sublevados.
Beneficiado por esse contexto, José Peneira pede
dispor de facilidades que eram negadas ao governo
paraibano. Contou desde o início com a oportuna
omissão dos governos estaduais vizinhos, além de re-
ceber armas novas e munição do ano, saídas da fá-
brica de Realengo, no Rio de Janeiro, do Exército
Nacional. A participação efetiva do presidente da
República é contestada, quando não negada; ad-
mite-se, porém, como certo o fato de ele ''fazer vista
grossa'' às ajudas recebidas pelo chefe revoltosd,
principalmente as prestadas por Júlio Prestes, cujo
favorecimento a José Pereira é:admitido por todos.
As armas para os princesenses, por exemplo, era o
governador paulista quem arranjava, no Rio de Ja-
neiro, o mesmo acontecendo em relação a grande
parcela da munição (apurou-se, posteriormente, que
Júlio Prestes remeteu aos revoltosos . 170000 cartu.
lhos, clandestinamente, como material tipográfico) .
As primeiras armas e munições que chegaram a
Princesa, entretanto, vieram de Recite, saídas da
polícia pernambucana e conseguidas por Jogo Pessoa
de Queiroz.
O materialbélico vindo daquela capital chegava
a Princesa (contígua ao território pernambucano)
sem nenhuma dificuldade mercê da conivência da
polícia de Pernambuco. Como testemunhou Cícero
Marroéós, almoxarife de José Pereira, ''as armas
vinham de Recife, passando por Lagoa da Cruz. Ha:
via soldados mas deixavam passar''
Concomitantemente a essas regalias encontra-
das pelos revoltosos, a polícia enfrentava uma série
de problemas, a começar pela inferioridade numé-
rica, como jâ se aludiu. Outra grande dificuldade
com que se debatia o governo estadual se referia à
precariedade do material bélico disponível, obsoleto
e em grande parte imprestável. A polícia militar do
Estado contava, então, com
Fuzis .A/azzser mod. 1895
Idem, Idem, mod. 1908
Maaulichers
Combiains
Clavins, tipo .Adanzz//crer
418
566
377
159
93
32 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa 33
Idem, tipo Wz'nc/zesfer
Revólveres .Nêganr
Metralhadora pesada
Espada
Espadins
29
122
l
l
2
Quanto a munição, dispunha de
Cartuchos p/fuzil Màuser 1908
Idem, Idem 1895
Idem , p/ Manulicher
Idem , p/ Combtain
Cartuchos Wzrzc#esfer
Idem , p/ reNâXxer Negant
Idem ,p/ metralhadora pesada
83382
180
44229
20895
5202
5 608
7(»
''Às vezes, de 10 cartuchos disparava um. Basta
dizer qué em 1930 brigava-se com munição de 1912''
-- lembrou Jogo de Souza e Salva, que participou da
luta como sargento da polícia.
A escassez de munição levou à severa recomen-
dação de que os soldados só deveriam atirar quando
houvesse grande probabilidade de alvejar o inimigo.
No cerco ao povoado de Tavares, por exemplo, or-
dens terminantes nesse sentido foram expedidas pelo
comandante (''para quem um cartucho tinha extra-
ordinário valor'') e ninguém ousava desobedecer a
ordem. Assim, aos tiros dos homens do coronel prin-
cesense, muitas vezes a resposta era dada com ba-
tuques em latas e garrafas, sopros em búzios feitos de
chifres de boi, toques de corneta, gritos insultuosos,
A escassez de munição levou à severa recomendação de
que os soldados s6 deveriam atirar quando houvesse
grande possibilidade de alvejar o inimigo.
l
34 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa
para dar a impressão de uma resistência à altura.
Em certas ocasiões, a polícia lutava a pé contra
grupos de rebelados a cavalo.
Apesar de todos os elementos adversos, João
Pessoa considerou o levante apenas ''um simples caso
de polícia'' e fixou os dias 18 a 20 de março de 1930
como o seu termo final. A 18 deste mês, em entre-
vista à imprensa, o ministro da Justiça, interrogado
sobre o caso Princesa, afirmou que o governo federal
nada poderia fazer, pois o presidente paraibano ha-
via Ihe informado que o governo do Estado tinha
condições para jugular o movimento, prescindindo
de ajuda federal. Em face da legislação vigente, o
ministro se via impedido de agir caso não fosse soli-
citada a ajuda por parte das autoridades paraibanas,
argumentava.
Para dar combate aos revoltosos, o governo
paraibano, a 5 de março de 1930, reorganizou o
Batalhão Provisório -- que havia sido extinto no
início da administração Jogo Pessoa como medida de
economia -- com sede na cidade de Patos, sob o
comando do capitão Irineu Rangel e com um efetivo
de 800 homens que nunca chegou a se integralizar.
A 6 de março, o capitão João Costa parte à
frente de um contingente rumo a Teixeira para pres-
tar reforço ao tenente Ascendino Feitosa, em res-
posta aos constantes telegramas de pedido de ajuda
que este emitira ao presidente do Estado. Como os
homens de Duarte Dantas haviam deixado a vila
para se juntarem aos de José Pereira, João Costa
prosseguiu em direção ao município revoltoso. Essa
marcha era feita sob as condições mais adversas.
A única estrada de acesso a Princesa estava tomada e
as tropas da polícia que se aventurassem a seguir por
ela se exportam a emboscadas. Restava a alternativa
de seguir pelo mato enfrentando a vegetação hostil,
os espinhos de xeque-xeque, coroa-de-frade, facheiro,
mandacaru, macambira, jurema preta, unha-de-
gato, pinho branco, getirana. Arriscando-se a pica-
das de cascavéis, corais e salamandras.
No dia 8 de março a tropa atinge o povoado de
Imaculada, travando-se intenso tiroteio do qual as
forças legais saíram vitoriosas. Após a escaramuça, o
capitão deixa um contingente de vinte soldados co-
mandados por um sargento e, no dia 24, segue em
direção a Agua Branca, povoado do município de
Princesa. Chega a esta localidade no dia seguinte,
desalojando igualmente os revoltosos. Deixa aí vinte
e cinco homens sob o comando de um outro sargento
e segue em direção ao povoado próximo, Tavares,
a 23 km da sede do município. AÍ se verifica o maior
combate de toda a campanha. A tropa chegou no fim
da tarde do dia 28 e se inicia um tiroteio que se
prolonga por 36 horas. No dia 30, os revoltosos dei-
xam Tavares e vão se alojar nos arredores. Apesar da
tomada do povoado, a polícia fica em posição crítica
pois, sendo Tavares circundada por elevações, se
constituía num bom alvo para os princesenses, nas
cercanias. As forças legais ficaram sitiadas nas con-
dições mais adversas: pouca munição, grande escas-
sez de alimentos (contava principalmente com o mi-
lho estocado nas casas, além de um pouco de feijão e
36 Inês CaminhaLopes Rodrigues 37
alguma rês eventualmente desgarrada, devorada sem
sal), sem meios de comunicação, pouca agua (que só
podia ser recolhida à noite numa área muito peri-
gosa, pois a única cacimba disponível ficava além dos
limites de segurança). Fustigados por uma peste de
pulgas que se aliava ao frio de região serrana e à falta
de cobertores, não dispunham de condições para
dormir com um mínimo de conforto.
Era intenção dos revoltosos conseguir a rendição
da polícia através da fome.
Varias tentativas foram feitas para o remunicia-
mento dos situados, todas elas frustradas até que o
capitão Irineu Rangel consegue furar o bloqueio após
18 dias de cerco
O contingente comandado pelo capitão João
Costa constituía a co/una /este. Além desta, havia
mais duas: a /forre, sob o comando de Irineu Rangel
e a oeste, sob o comando do tenente Ascendino Fei-
Parte da coluna oeste partiu do povoado de Olho
d'Agua no município de Piancó, onde se instalara o
Comando Geral, em direção a Princesa, passando
pelos povoados de Alagoa Nova (posteriormente de-
nominada Manaira), São José e Patos (posterior-
mente denominado Irerê), este último a 18 km de
Princesa. Chega ao povoado de Patos a 22 de mar-
ço. Aproveitando a ausência de homens no lugar e
com o intuito de ''conquistar Princesa sem saque'' , a
polícia prende algumas mulheres da família do coro-
nel rebelado que estavam de saída para a vizinha
cidade de Triunfo, em Pernambuco (onde jâ havia se
tosa
refugiado grande parte da população). Dentre elas se
encontravam Alexandrina Florentino Dinis, esposa
de Marcolino Diniz, sobrinho e cunhado de José Pe-
reira e um de seus auxiliares mais importantes na
O sargento Clementino de Quelé envia, então,
um bilhete ao delegado geral .:do Estado, Severino
Procópio,. que se encontrava em Piancó, informan-
do-lhe a respeito do plano dé marchar sobre Princesa
com as prisioneiras à frente da tropa (que a essa
altura era composta por uns.sessenta elementos). O
soldado que conduzia a mensagem, entretanto, foi
capturado por homens do coronel e o bilhete chega às
mãos de Marcolino Diniz. Este dâ ciência do fato a
José Pereira cuja reação foi incisiva, afirmando que
não se entregaria mesmo que suaprópria mãe viesse
à frente da tropa. E formado, então, um contingente
de uns 150 homens e trava-se, a 24 de março, um
tiroteio que se inicou às 8 horas da manhã e terminou
nove horas depois, com a fuga da liolícia, que sofreu
um grande número de baixas. Todas as prisioneiras
saíram ilesas.
Essa derrota da polícia deu novo alento aos re-
voltosos pois a facção da tropa foi desbaratado, per-
dendo metade de seus homens e grande parte do
remanescente fugiu para Pernambuco.
A coluna morre, ou do centro, parte também de
Olho d'Agua, passando por Barra :(posteriormente
denominada Juru), chegando aSantana dos Garro-
tes, a 67 km de Princesa, e daí não l)assa em decor-
rência da precariedade da munição e de êoinunica-
luta
38 Inês Caminha Lotes Rodrigues A Revolta de Princesa 39
ção com o resto da tropa.
Paralelamente aos revezes sofridos pelas forças
legais no teatro de operações, o governo estadual
enfrentava uma série de problemas que dificultava
ainda mais o bom desempenho da polícia. O pri-
meiro deles se constituía na dificuldade de adquirir
armas e munições. Neste sentido Jogo Pessoa se viu
bloqueado pelos Estados vizinhos que iniciaram uma
rigorosa fiscalização impedindo o desembarque de
qualquer material bélico destinado ao governo da
Paraíba.
A administração federal, por seu turno, não Ihe
concedia licença para a compra desse material, reco-
mendando, ainda, severa fiscalização nas alfânde-
gas. Nessa contingência, João Pessoa telegrafa ao
presidente Washington Luiz protestando contra a
,medida:
os jornais publicam um despacho concedendo
isenção de impostos às armas importadas pelo
Estado de Alagoas. O vapor (navio) Fará, que
foi sob a suspeita de ter trazido armamento
para o meu governo rigorosamente revistado em
Alagoas, e especialmente aqui, onde o próprio
chefe da oposição foi em pessoa, acompanhado
de autoridades aduaneiras, fiscalizar os portos
de Cabedelo e desta capital, desembarcou sem
nenhum embargo grande quantidade de armas e
munição em Natal."
Em resposta a este telegrama (publicado em .4
[/n/ão de 12 de abri] de 1930), o ministro da Fazenda
informa que nenhum material bélico poderia ser em-
barcado ou desembarcado sem autorização do Minis-
tério da Guerra. O presidente paraibano se dirige,
então, a Sezefredo Passos, ministro da Guerra, soli-
citando autorização para importar da Fiança 100 000
cartuchos de fuzil .A/azzser, protestando ao mesmo
tempo contra as normas que, segundo seu entender,
''eram contrárias à Constituição e à mais superficial
noção do regime por ela instruído''
A 10 de abril, João Pessoa emite telegrama ao
ministro da Fazenda protestando contra o fato de
ele, o ministro, haver expedido ordem, em carâter
confidencial, para rigorosa fiscalização nas alfânde-
gas da Paraíba e Pernambuco no sentido de impedir
um possível desembarque de material bélico no pri-
meiro Estado, como se as transações do governo
paraibano se tratassem de contrabando. Ao mesmo
''Venho protestar contra o fato de que estou se-
guramente informado de haver o ministro da
Fazenda recomendado à Inspetoria da Alfân-,
dega deste Estado apreender qualquer arma-
mento ou munição destinados ao meu governo.
É um fato virgem na República ficar um Estado
privado dos meios de policiamento pelas pró-
prias autoridades federais, expondo-se, assim,
aos desmandos dos bandidos como .[ampfão e
outros em ação. E tanto mais estranhável essa
medida quando outras unidades da Federação,
que não se encontram na mesma emergência,
são tratadas de modo diferente. Agora mesmo
40 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa 41
tempo, informava que havia indicado uma casa no
Rio de Janeiro para importar armas da Alemanha
para a polícia. Fazia essa comunicação objetivando
cientificar a autoridade competente, expurgando,
assim, o ato de qualquer laivo de clandestinidade,
assegurando que no momento devido seriam desem-
baraçados os documentos exigidos para um desem-
barque legal.
Dias depois, João Pessoa recebeu uma comuni-
cação do ministro da Guerra, procurando saber se a
força pública do Estado satisfazia as cláusulas do
acordo com o governo federal referente ao papel das
polícias militares como instituições auxiliares do
Exército, condição necessária, segundo o ministro,
para a concessão da licença pleiteada. Após informar
que sim, João Pessoa recebe nova comunicação afir-
mando que a polícia paraibana não gozava da prer-
rogativa alegada, pois o seu comandante, coronel
Elísio Sobreira, não era portador de curso de aper-
feiçoamento mantido pelo ministério da Guerra. O
presidente paraibano solicita então ao ministro da
Guerra que ponha à disposição de seu governo, para
servir como comandante da força pública, o tenente-.
coronel Aristarcho Pessoa Cavalcanti de Albuquer-
que, que preenchia o requisito.
Aristarcho Pessoa era, entretanto, irmão do re-
querente e o parentesco foi o argumento usado para
indeferir o pedido. Diante da negação, Jogo Pessoa
solicita a libéração para o referido posto de um outro
irmão, coronel (do Exército) José Pessoa Cavalcanti
de Albuquerque. Concomitantemente, informa que o
comandante da polícia de Alagoas não tinha curso de
aperfeiçoamento, o que não impedira o desembarque
de material bélico para este Estado, além da isenção
de todos os impostos. E arrematava:
''Diante disto, há de concordar V. Excia. que
não é possível, sem clamorosa injustiça, negar-
se à Paraíba licença para importar munição.''
A argumentação do presidente paraibano, en-
tretanto, teve o.silêncio como resposta.
Para satisfazer a premente necessidade, outros
meios são pontos em prática. Um deles foi o contra-
bando, de resultados modestos em virtude da grande
fiscalização das autoridades aduaneiras e dos Esta-
dos vizinhos.
No intuito de aumentar a eficácia da repressão à
entrada clandestina de munição para a polícia parai-
bana, o governo federal deslocou para o porto de
Cabedelo o vaso de guerra Muniz Freira, vindo do
Rio de Janeiro.
Visando a atenuar as dificuldades dessa aquisi-
ção, foi instituída, na primeira quinzena de maio,
a ''semana da bala'', de pequenos resultados prá-
ticos. Pessoas das mais diversas regiões e condições
sociais se dirigiam ao palácio para entregar ao gover-
nador os cartuchos que conseguiam amealhar.
O governo paraibano conseguiu no Cearâ, clan-
destinamente e com grande dificuldade, pequena
parte do arsenal do padre Cícero Romão Batista,
utilizado em 1926 na luta pela deposição de Franco
BI 42 Inês Caminha Lopes Rodrigues
A Revolta de Princesa 43
Rabelo, presidente daquele Estado. Deve-se frisar
que esse armamento estava enterrado, o que eviden-
cia a sua precariedade.
Outro artifício para atenuar a dificuldade foi a
instalação de uma pequena fabrica de munição e
explosivos no quartel da polícia militar, na Capital.
Após os combates, as cápsulas eram, na medida do
possível,. recolhidas e enviadas à Capital para serem
recondicionadas. Essa iniciativa não se mostrou de
muito êxito, pois as cápsulas recondicionadas nem
sempre apresentavam a pressão necessária para um
disparo eficaz. Em decorrência desse malogro, a fá-
brica começou a produzir bombas que logo foram
apelidadas, por serem vermelhas, de ''liberais''.
Eram do tamanho de uma granada de mão e carre-
gavam em seu bojo pregos e grampos de arame far-
pado. O uso desses explosivos produziram alguns
efeitos satisfatórios e foi empregada uma nova ma-
neira de utiliza-los, acoplando-os a foguetões.
Uma bomba de alto poder explosivo, pesando
cerca de sessenta quilos, que seria lançada de avião
sobre Princesa, foi também fabricada. João Pessoa,
porém, ao saber da potencialidade do petardo proi-
biu o seu uso.
Não apenas a aduana mas todas as repartições
federais dificultavam o quanto podiam a ação do
governo paraibano. O telégrafo, por exemplo, reti-
nha os telegramas de interesse dos revoltosos, os de-
cifrava e informava o seu teor a José Pereira. Por
outro lado, a agência telegráfica de Teixeira, que
estava em poder da Polícia, foi fechada, enquanto
permanecia aberta a de Princesa, facilitando a comu-
nicação do coronel com os Pessoa de Queiroz e com
Washington Luiz, que nunca deixou sem resposta a
correspondência daquele.
Como já foi insinuado, os governos estaduais
vizinhos, em apoio ao coronel, dificultavam o quanto
podiam a ação do governo da Paraíba. Além dos
fatos já indiretamente referidos, o governo pernam-
bucano, por exemplo, frustou a formação do que
seria a co/una szz/. Como o município rebelado era
contíguo ao outro Estado, João Pessoa enviou tele-
grama ao governador Estácio Coimbrã solicitando
permissão para a passagem de tropas paraibanas por
território pernambucano a fimde abafar mais facil-
mente a revolta. Estâcio Coimbrã consulta o coman-
dante da polícia militar do seu Estado e este o alerta
quanto aos inconvenientes da permissão, destacando
a possibilidade de a luta se alastrar por Pernambuco.
As ponderações são acatadas e a permissão é negada.
João Pessoa insiste evocando o convénio, entre os
Estados nordestinos, de combate ao cangaço, que
permitia à polícia de uma unidade federativa pene-
trar no território de outra em busca de facínoras. O
presidente pernambucano entretanto ratifica o inde-
ferimento, alegando não considerar criminosos os
amotinados de Princesa, sendo o seu chefe ''depu-
tado aó Congresso da Paraíba e até pouco tempo
membro da comissão executiva do partido situaéio-
nista deste Estado''
As ponderações do comandante da polícia de
Pernambuco tinham sua razão de ser, pois grande
l 44 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa 45
parte da população de Princesa havia-se refugiado
nas cidades pernambucanag de Flores e Triunfo, por
onde necessariamente passariam as tropas paraiba-
nas caso fosse concedida a permissão. Nessas cir-
cunstâncias, seria quase inevitável a ocorrência de
refregas e os aliados do coronel -- como este alegou
em telegrama a Estâcio Coimbrã -- estariam em pe-
rigo de vida.
Em face da nova recusa do governador pernam-
bucano, João Pessoa Ihe envia um telegrama onde
declama que o verdadeiro motivo de sua insistência
era ''provar à Nação que V. Excia. não me a daria (a
permissão) e comprovar mais uma vez restrições .cria:
das ao meu governo no combate a cangaceiros (que)
constituem elementos de desordem e de crime para
todo o Nordeste''. E conclui: ''Membro da comissão
executiva do meu partido ou deputado à Assembleia
Legislativa do Estado, o coronel José Pereira perdeu
o conceito e tornou-se chefe de bando, colocando-se à
frente dos facínoras mais perigosos da região. O
convénio entre nossos Estados foi estabelecido justa-
mente para todos os cangaceiros, de gravata ou não
O governante pernambucano, entretanto, re-
cebe de Washington Luiz telegrama de elogio à me-
dida tomada, ''digna, patriótica e constitucional'', e
lembrando que a permissão enselaria a locomoção de
tropas paraibanas a fim de prender um grande nú-
mero de pessoas (''entre as quais se encontra um de-
putado estadual, até hâ dias membro da alta direção
partidária situacionista da Paraíba e publicamente
conceituado pelos maiores vultos políticos do país,
sem processo judicial e sem mandado de justiça'') e
que poderia transformar ''um caso de ordem pública
local, como tela sido afirmado ao governo federal,
em guerra civil''. Conclui o telegrama levantando a
possibilidade de intervenção federal na Paraíba caso
João Pessoa efetivasse o seu intento.
Simultaneamente a esses percalços, as tropas
paraibanas enfrentavam o problema das deserções
que, às vezes, chegavam a trezentas por semana.
Muitos dos que desertavam iam integrar as hostes de
rosé Pereira, alguns como chefe de grupo (João Pau-
lino, por exemplo). Essas deserções se deviam, em
parte, ao grande prestígio. do coronel junto aos pra-
ças e oficiais da polícia, muitos dos quais haviam in-
gressado na corporação por seu intermédio. ''Quase
todo soldado era seu compadre'', declarou um ex-
combatente, coronel da polícia aposentado. Esse
prestígio aumentara ainda mais em virtude da majo-
ração de vencimentos que José Pereira, como depu-
tado estadual, havia conseguido para os militares
durante o governo João Suassuna (1924-1928).
Entretanto, melhor explicação para as deserções
estaria na desigualdade com que eram tratados os
combatentes nos dois lados. Enquanto a polícia pas-
sava privações de toda a ordem, os revoltosos re-
cebiam comida fartamente, além de indumentária
(chapéu, alpercatas, calça e embornal) e um paga-
mento semanal de 10 mil réis (solteiros) e 20 mil réis
(casados), sendo os chefes de grupo pagos com quan-
tias maiores.
Muitos se distavam na polícia num dia e deser-
46 Inês Caminha Lotes Rodrigues A Revolta de Princesa 47
tapam no outro levando o fuzil e os cem cartuchos
conseguidos com grande sacrifício. Essas armas e
munições iriam reforçar o arsenal dos revoltosos ou,
num comércio ilícito e irónico, seriam revendidas ao
governo do Estado.
Com o decorrer do tempo, as duas partes foram
desenvolvendo praticas que objetivavam efeitos de
ordem moral sobre o inimigo e que foram arroladas
sob a expressão genérica de ''guerra psicológica''
Assim, espalhou-se a notícia de que havia entre os
revoltosos, como estrategista militar, um ex-capitão
alemão, Von Schiliefen, que havia servido na l Gran-
de Guerra na ofensiva ocidental sob as ordens do
marechal Ludendorff. O imigrante Yiege Kumamoto,
que viera tentar a vida no Brasil, dedicando-se à
agricultura, e por intermédio da família Pessoa de
Queiroz terminara em Princesa como empregado do
armazém de José Pereira, foi transformado em oficial
nipónico, estrategista dos sublevados. Espalhou-se
também a notícia de que Princesa estava cercada por
um cinturão de poderosas bombas. (Na verdade, esse
cinturão se restringia a um pequeno segmento pró-
ximo a um dos açudes e sem condições de ser acio-
nado, pois a energia elétrica .gerada pela urina não
tinha capacidade para tal.) Divulgou-se, também, a
construção de um campo de pouso em Princesa e
adequação do açude Macapâ a fim de que nele pu-
desse pousar um hidroavião.
Por parte do governo estadual, a grande arma
''psicológica'' era a notícia do bombardeamento de
Princesa por um avião detentor de uma capacidade A ''guerra psicológica" em Princesa.
48 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa 49
de võo de 52 horas ininterruptas, segundo as exa-
geradas notas de .A Z./nlâo.
Apesar dos reveses sofridos pela polícia, as notí-
cias sobre a campanha divulgadas pelo jornal oficial
do Estado descreviam, durante todo o movimento ar-
mado, um quadro de constantes êxitos militares que
não correspondia à verdade dos fatos.e tinha a in-
tenção de influenciar favoravelmente a opinião pú-
blica. Como registrou uma testemunha -- o então
jornalista e futuro presidente Jogo Café Filho, em
suas memórias .---- a situação da polícia era ''de pâ-
nico, de fadiga e de debandada. As tropas da Força
Pública da Paraíba lutavam amedrontadas e, sempre
que podiam, escapavam à luta, largando as posições
de combate e se recusando a enfrentar o inimigo''
Maior poderde fogo apresentava .4 ZI/nfão. José
Pereira era chamado pelo jornal de ''truculento ca-
beça dos assassinos e ladrões, ''asqueroso traidor'',
''rombuda figura de tarado'', ''audaz curiboca'',
''bronco e retardado mental, capaz de tudo no seu
priihilivismo de trabuqueiro'', ''celerado'', ''Lam-
pião. de gravata'' , ''facinoroso chefe de malta". Cola-
boradores seus recebiam descrições como ''criatura
informa e nojenta, mole de carâter e capaz de todas
as sabujices e todas as misérias, que está prostituindo
uma das repartições federais de nossa terra (a alfân-
degas' ou comentários como ''só ainda não quiseram
deixar a Paraíba esses três patifes que constituem a
Trindade Maldita do perrepismo: Tinoco, do Telé-
grafo, Claveirãfdos Correios, e Atapalaba, da Alfân-
dega''. (''Caveira'' era; na verdade, Taveira, e Ata-
palaba, Atabaliba.) Duarte Dantas foi chamado de
''o vilão de Teixeira, cangaceiro pelos antecedentes,
até a terceira geração'' -- aliado de Jogo Suassuna,
"João Tamboeira, jungidos os dois à mesma canga
da mais repulsiva degradação moral'' -- ''alma con-
vulsa de trabuqueiro (Duarte Dantas), com todas as
qualidades de perversidade e cobardia dessa enti-
dade anacrónica trazida à atualidade pelo desvario
do perrepismo (facção política opositora a João Pes-
soa) casado aos instintos desordenados de José Pe-
reira''. Os Pessoa de Queiroz foram chamados de
''sacripantas'', ''tenebrosa coça de aventureiros polí-
ticos, ladrões e lacaios do Catete". João Pessoa de
Queiroz era chamado de ''famoso incendiário e con:
trabandista de Pernambuco (...) e éom seu irmão,
Checo, não tem sido alheio a assassinatos e padroeiras
ousadíssimas''O presidente da República também não escapou
aos insultos do jornal que contra ele investiu com a
mesma fúria: ''Piedade desse infeliz, desse desgra-
çado Washington Luiz, que o senador paraibano
(Epitácio Pessoa) reduziu a escombros, a farrapos,
a cacos, a pó de traque, e que depois de roto, espa-
tifado, o senhor Epítácio sacode no meio das ruas.
entregue à írrisão nacional, como uma carcaça de
primeiro magistrado a quem nenhum brasileiro, ne-
nhum cidadão, deve a mais pequenina sobra de es-
tima quanto mais de respeito''
A violência de .4 Z./filão refletia o rancor do
governo paraibano despertado pela luta armada. A
campanha de Princesa se constituíra num sério en-
1:.
Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa50 51
trave aos planos da administração estadual que, em
decorrência dos grandes gastos por ela provocados,
se viu forçada a paralisar todas as obras públicas.
O objetivo principal dos revoltosos e seus aliados
era a intervenção federal na Paraíba. Os adversários
do governo paraibano, procuravam criar uma situa-
ção de c.aos generalizado no Estado que ensejasse a
medida por parte do governo federal. As manobras
conseguiram, em certa medida, atingir o objetivo.
Em sua mensagem apresentada ao Congresso no dia
3 de maio, Washington Luiz sugere ao Poder Legis-
lativo federal que formalize o pedido. A sugestão
dever-se-ia às interpretações díspares dos parágrafos
do art. 6o da Constituição Federal quanto à legali-
dade ou ilegalidade da medida se a iniciativa partisse
do presidente da República. Caso o governador pa-
raibano, considerando-se impotente para combater a
desordem reinante no Estado, pedisse ajuda ao go-
verno federal, desapareceria qualquer sombra de ile-
galidade no ato do chefe da nação. Seria uma solução
cómoda para os adversários de João Pessoa pois, com
a intervenção, este seria afastado da presidência e
posto em seu lugar algum opositor. Mas João Pessoa
estava resoluto a não pedi-la, como proclamou:
me restar um vintém nos cofres públicos e um
cartucho para queimar.
Quanto à intervenção, não pedi nem pedirei,
não por orgulho ou por vaidade, mas porque
não me quero sujeitar com o meu Estado a
mais uma mistificação.''
A necessidade ou não, necessidade de interven-
ção gerou mais um debate entre os dois jornais opo-
sitores diretamente envolvidos no movimento. Por
um lado, .4 Z./n/âo afirmava inexistir um estado de
desordem que justificasse a intervenção sem ferir a
Constituição Federal. Por outro, o Jor/za/ do Cbm-
mercfo asseverava que o Estado se encontrava no mais
completo caos, não dispondo suas autoridades dos
meios necessários para fazê-lo voltar à normalidade,
caracterizando-se, assim, o estado de coisas que exi-
gia e legalizava a medida.
A possibilidade de intervenção causou pânico na
Paraíba, onde a reação foi imediata e se efetivou
numa série de medidas no sentido de dissuadir o
chefe da nação do intento que se esboçava. Nesse
sentido, fez-se um manifesto dirigido a Washington
Luiz assinado por 18068 pessoas que, enfatizando a
autonomia do Estado, pedia que a intenção não fosse
concretizada. No mesmo sentido, rezou-se uma mis-
sa campal e o arcebispo mais o bispo de Cajazeiras
enviaram apelo ao Presidente da República reite-
rando o pedido, ''pela Paixão e Morte de Nosso
Divino Salvador'', solicitando ainda que o Presidente
da República se dignasse a "tranqüilizar família e
Querem a intervenção a todo custo: chegam a
insinuar o absurdo de eu mesmo a pedir para o
meu Estado. Mas podem ficar certos de que
esse passo não darei absolutamente. E a autono-
mia do meu Estado hei de defender, queira ou
não queira o Dr. Washington Luiz, enquanto
52 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa
povo paraibanos profundamente alarmados expecta-
tiva intervenção federal
Paralelamente, Arthur dos 'Anjos (um dos ''de-
putados de José Pereira'' ou ''de Princesa'' -- eleitos
mediante a degola dos candidatos mais votados mas
não reconhecidos) do Rio de Janeiro mantinha con-
tato com oi perrepistas de todos os municípios parai-
banos a fim de conseguir um manifesto semelhante
ao acima citado a ser enviado ao mesmo destinatário
solicitando a intervenção sob o argumento de se
achar o Estado em profunda desordem.
Sob esta discussão, a luta continuava, atingindo
seu terceiro mês, com quase nenhum sucesso para a
polícia, como registrou José Américo de Almeida,
secretario de Segurança do Estado à época:
resolve ir para o teatro de operações onde constata,
ainda com mais intensidade, os modestos resultados
conseguidos pela polícia. As três colunas deveriam
partir de pontos diversos e marchar em direção a
Princesa, plano malogrado em decorrência dos fatos
já expostos aliados à falta de comunicação e de en-
tendimento reinante entre os seus chefes. Cuidou,
então, o secretario de segurança de retomar a ofen-
siva ''fosse como fosse'' pois ''precisava-se de uma
vitória a qualquer preço, para restaurar o espírito
combativo
Os malogros, ou, no máximo, os pequenos su-
cessos da polícia podem ser percebidos acompa-
nhando'se as vicissitudes sofridas por suas tropas. . A
coluna /este conseguiu sair de Tavares e chegar ao
lugar chamado Sítio, a 16 km de Princesa, onde
desalojou os revoltosos. Estes, entretanto, reconquis-
taratn a posição e forçaram a polícia a retroceder
para Tavares. A coluna oeste no desastroso combate
de Patos foi -- como já vimos -- dpsbaratada, sendo
posteriormente recomposta após a presença do secre-
tario de Segurança no local das lutas; com a sua
restauração marchou sobre Mahgueza e Boa Ven-
tura, no município de Piqncó, até atingir Alagoa
Nova, reconquistando-a. Quando à coluna norte, os
seus elementos teriam sido redistribuídos entre as
duas outras.
O maior insucesso das forças do governo parai-
bano se deü com a quixotesca co/una da vffórfa, co-
mandada pelo tenente Genésio que, apesar de cora-
joso, não dispunha de experiência hem talento para a
''A campanha entrara no seu terceiro mês e, até
essa parte, as forças do governo só tinham tido,
verdadeiramente, uma vitória: a captura de Ta-
vares, pela coluna do tenente Jogo Costa.''
A afirmação foi ratificada pelo delegado geral,
Severino Procópio:
''Jâ pelos meses de maio e junho (...) eu repu'
tava quase impraticável, ou muito difícil, a to-
mada da cidade de Princesa devido à pobreza
de material bélico que nos atormentava.''
b-
11
Numa tentativa de soerguer os ânimos das tro-
pas do Estado, José Américo de Almeida, em maio,
54 Inês Caminha Lopes Rodrigue$ A Revolta de Princesa 55
iniciativa. Foi constituída no início de junho, apres-
sadamente e com os mais precários elementos hu-
manos (refugos de tropas, militares reformados,
guardas-civis sem adestramento). Dos 200 homens
que se pensou reunir, foram arrebanhados 180. Colo-
cados em nove caminhões, seguiram em direção a
Princesa, levando à frente um feiticeiro com um pa-
tuâ de ''rezas fortes'' pendurado no pescoço. Se-
guiam com estardalhaço, a toque de corneta, e a
cada parada o feiticeiro (''catimbozeiro'') fazia uma
pregação afirmando que todos estavam protegidos e
que iriam ''pegar Zé Pereira à unha''.
Os caminhões seguiam muito juntos, sém guar-
dar o espaço necessário para eventuais manobras de
recuo. Na manhã de 5 de julho, a aproximadamente
l km do povoado de Agua Branca (onde a ''coluna''
pernaitãra), deu-se a emboscada fulminante. Um
grupo chefiado por Gavião e outro por Antõnio Pau-
lino, num total de 80 elementos, alojados em eleva-
ções que margeavam a estrada, envolveram o com-
boio, um grupo à frente e outro atrás.
Nessa aventura, a polícia perdeu 35 000 cartu-
chos (levados pelos revoltosos para Princesa) que se
destinavam a um ataque final planejado, além de
mais de 100 homens, dentre os quais o tenente Ge-
nésio e o catimbozeiro, este com um tiro no meio da
testa.
Alguns elementos desbaratados chegaram a Ta-
vares onde se juntaram ao contingente ali sediado. A
sua presença constituía um problema a mais; se-
gundo o comandante geral das operações: ''Minha
maior preocupação depois do insucesso foi evitarque
os poucos sobreviventes tivessem contato com a tro-
pa. Seria o pior derrotismo''
Com o prolongamento da luta, entretanto, José
Pereira, apesar do apoio recebido, começou a sentir
dificuldades pois a ajuda ia escasseando. Nem sem-
pre as necessidades eram atendidas na medida satis-
fatória. As dificuldades não se prendiam propria-
mente a armas, munição ou alimento. Os maiores
problemas se relacionavam ao dinheiro para o paga-
mento dos dois mil homens sob o seu comando. Nem
sempre as quantias solicitadas pelo coronel aos seus
aliados eram enviadas, coMO lembrou Yiege Kuma-
moto:
''O dinheiro faltou. Zé Pereira sacrificado. Esse
ponto era um quebra-cabeça para elç. Ele me
mandava para comerciantes de Flores, Carnaí-
ba, Triunfo, atrás de dinheiro. Ele fazia a carta
e eu apresentava; muitas vezes não conseguia
nada. Na primeira vez o comerciante empres-
tava; na segunda vez, negava.''
Os Pessoa de Queiroz, por seu turno, viam tam-
bém minguar suas reservas.
A luta se prolongava e o Congresso não decidia
pedir a intervenção federal no Estado, legitimando o
ato do presidente .da República. Washington Luiz,
então, no início de junho, começa a deslocar tropas
do Exército para a Paraíba. Seguiram para o Estado
contingentes do 19' BC (Batalhão de Caçadores) de
56 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa
57
Salvador, do 20o Bc de Maceió, do 21o BC de Recife,
do 23o BC de Fortaleza, do 24o BC de São Luas,
além de um segundo vaso de guerra destinado ao
porto fluvial da capital paraibana.
O movimento chegara a um impasse: nem as
forças do governo estadual conseguiam chegar a
Princesa nem a intervenção federal era decretada ou
pedida. Ambas as. partes iam sentindo o peso do
esmorecimento. Não se registrava nenhum sucesso de
vulto de quaisquer das partes. SÓ nos exageros da
imprensa havia intensos combates, derrotas e vitórias
sensacionais.
Objetivando põr termo ao problema, os Pessoa
de Queiroz e seus assessores sugerem a Washington
Luiz uma marcha de José Pereira à frente de 1 000
homens sobre a capital do Estado, onde chegariam
com o contingente ampliado ao dobro pelas infalíveis
adesões que encontrariam no percurso. O presidente
da República rebate a sugestão argumentando ser
João Pessoa governante investido legalmente no pos-
to. E se o sugerido ocorresse, o governo federal o
reporia no cargo, acrescentou.
Frustrado esse plano, arquitetam um outro.
Para apressar a intervenção e/ou dar condições ao
governo federal para executa-la coberto pela lei,
idearam proclamar Princesa ''Tenitório Livre'' atra-
vés da promulgação de um ''Decreto'' baixado por
José Pereira e có-assinado por lugares-tenentes seus,
intitulados ''Ministros'' nesse ato. Editar-se-ia um
jornal, órgão oficial do ''Território Livre'' (que não
passou de dois números) e compor-se-ia um hino,
cuja letra era de autoria do poeta pernambucano
Austro Costa e a música do maestro Nelson Ferreira.
O ''Decreto'', redigido por Joaquim Inojosa, es-
tabelecia que a ''administração provisória de Prin-
cesa instituída por aclamação popular'' baixava a
seguinte resolução:
'Artigo lo -- Fica decretada e proclamada pro-
visoriamente a independência do município de
Princesa, deixando o mesmo de fazer parte do
Estado da Paraíba, do qual está separado desde
28 de fevereiro do corrente ano;
'Artigo 2o -- Passa o município de Princesa a
constituir com seus limites anuais um território
livre, que terá a denominação de Território de
Princesa;
''Artigo 3o -- O Território de Princesa assim
constituído permanece subordinado. politica-
mente aos poderes públicos federais conforme se
acham estabelecidos na Constituição da Repú-
blica dos Estados Unidos do Brasil;
''Artigo 4o -- Enquanto pelos meios populares
não se fizer a sua organização legal, será o terri-
tório regido pela administração provisória do
mesmo território.F
Com data de 9 de junho de 1930, estava subs-
crito por José Pereira Lama e pelos ''Ministros'' José
Frazão Medeiros Lama e Manoel Rodrigues Sinhâ.
O texto do ''Decreto'' foi lido na Câmara Fe-
deral a 13 de junho, causou grande polêmica e levou
58 Inês Caminha Lotes Rodrigues A Revolta de Princesa 59
o ''caso da Paraíba'' pela primeira vez à discussão
formal nessa Casa.
O governo da Paraíba, a essa altura, resolve
lançar mão de sua arma ''psicológica'' de maior efi-
ciência: o bombardeamento da sede do município
revoltoso, se utilizando de um avião de propriedade
do Estado. Esse era o terceiro dos três pequenos
aviões conseguidos com grandes sacrifícios pelo go-
vêrno do Estado. O primeiro, o.1;7íf, fora uma doação
do governo de Minas Gerais, em função da luta, e
não chegou a voar na Paraíba em decorrência de
avaria; o segundo, o Carolo, também se estragou,
ficando imprestávêl. O terceiro chegou a sobrevoar
Princesa deixando em polvorosa a população pois,
além de ser a primeira vez que um tal engenho pas-
sava sobre a cidade, o sobrevoo fora precedido da
aterrorizante notícia do bombardeamento. Apesar
do medo geral, todos os que se encontravam na ci-
dade atiraram inocuamente contra o avião, que sol-
tava um boletim concitando os revoltosos a se rende-
rem. O boletim, redigido por José Américo de Al-
meida e cujos exemplares foram lançados a 18 de
junho, afirmava:
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''O governo da Paraíba intima-vos a entregar as
armas e as vossas vidas serão garantidas, dando
o governo liberdade aos que não responderem
por outros crimes. Confiai na palavra do go-
verno. Deveis apresentar-vos aos nossos oficiais.
''Dentro de quatro horas Princesa será bombar-
deada pelos aeroplanos da polícia e tudo será
60
lvl
lhas Camín#a topes Rodei'gues T
arrasado. Evitai o vosso sacrifício inútil. Ainda
é tempo de salvar-vos. Não vos enganeis. Os vos-
sos chefes estão inteiramente perdidos.''
A Revolta de Princesa 61
certos grupos, como o chefiado por João Paulino,
ex-integrante da polícia paraibana, cometeram sa-
ques.
As primeiras incursões ocorreram no início de
junho. Após o lançamento dos boletins pelo avião
elas se intensificaram e atingiram os municípios de
Piancó, Pombal, Patos, Brejo do Cruz, São José de
Piranhas, Cajazeiras, Catolé do Rocha, Souza, Mon-
teiro. Na impossibilidade de combater os grupos,em
todos os municípios por onde passavam, o secretario
de Segurança apelou a homens influentes desses lu-
gares no sentido de que reagissem à passagem dos
mesmos, reação que algumas vezes se efetivou. Em
outras oportunidades, formavam-se tropas volantes
da polícia çm perseguição aos grupos que, quando se
fazia necessário, atravessavam as fronteiras paraiba-
nas e se homiziavam no Rio Grande do Norte e
Cearâ.
l.Jm fato paralelo, entretanto, viria a mudar o
rumo dos acontecimentos.
O presidente paraibano se indispusera com a
família Dantas desde os seus fitos administrativos
contrários ao mandonismo local. A indisposição se
intensificada com o incidente que marcou o início do
levante de Princesa. Além das arbitrariedades contra
membros da família Dantas, uma série de fatos vão-
se acumulando e fermentando um intenso rancor no
advogado João Duarte Dantas contra Jogo Pessoa.
Joaquim Dantas, irmão aditivo do primeiro, logo no
início da campanha de Princesa foi preso, incomu-
nicável, por mais de dois meses. A fazenda Santo
A ameaça tinha como objetivo apenas causar
efeito moral pois o petardo a ser lançado sobre a ci-
dade já havia sido desmontado. Provocou, entre-
tanto, fol:te reação no coronel sublevado que tele-
grafou a üma sériejde autoridades protestando con-
tra a medida, dentre elas o governador paraibano a
quem ameaçou invadir o Estado, ''implantando o
regime de terror'
A represália prometida por José Pereira era mais
uma manobra dos Pessoa de Queiroz visando a evi-
denciar o estado de desordem na Paraíba e, assim,
apressar a intervenção federal. No início, o coronel
fora contrário à ideia. Achava que espalhar homens
armados pelas cidades, vilas e povoados era uma
atitude arriscada porque ninguém poderia garantir
que esses homens não se excedessem e ao invés de
passarem pelos aglomeradosatirando para cima,
como lhes fora recomendado, cometessem assassi-
natos e razias. Os Pessoa de Queiroz convenceram-
no, entretanto, da imprescindibilidade da iniciativa
em face. das dificuldades que lhes rondavam. José
Pereira acedeu ao plano e espalhou grupos em incur-
sões pelo Estado. Ã saída desses grupos, como teste-
munharam pessoas presentes a tais eventos, fazia
advertências no sentido de que mulheres, velhos,
crianças e autoridades federais não fossem molesta-
das. Apesar das admoestações e ameaças, porém,
62 Inês Caminha Lotes Rodrigues A Revolta de Princesa 63
Agostinho, pertencente a Franklin Dantas, pai do
advogado, foi incendiada e a autoria do delito atri-
buída à polícia paraibana. Sobre estes dois fatos,
João Dantas emite um telegrama de veemente pro-
testo a Jogo Pessoa afirmando que este tivesse a cer-
teza de que ''nenhum Dantas se amedrontará diante
vosso capricho''. Concluía, ameaçando: ''felizmente
tendes filhos e juntamente com eles respondereis pelo
que sofrer minha família''
Em resposta ao telegrama, .4 [/filão publica, em
sua edição de 3 de junho de 1930, violento editorial
de ataque não só a Jogo Dantas mas a toda sua
família:
todo dia encontrava nas nossas ruas, sem ter a
coragem de um só gesto de descontentamento,
jura-lhe, num desabafo de bandido, os filhos
menores, o mais velho dos quais tem 17 anos!
''Covardia igual vamos encontrar mesmo nesta
campanha (Princesa) em dois dignos membros
dessa família de celerados."
A exemplo da Guerra Zríburárfa, inicia-se então
um aguerrido debate entre os Dantas, através de o
Jorna/ do Commeró/o do Recife, e .4 [/nlâo. O jorna]
oficial do Estado da Paraíba publica os artigos ''A
perversidade e a cobardia dos Dantas'', ''A fisiono-
mia moral de um caluniador'', ''Cangaceiro de gra-
vata 1 -- Duarte Dantes'', ''Caluniador e poltrão''
''Cangaceiro de gravata ll -- Franklin Dantas'', ''A
projeção de um nome'' e ''A serviço da delação --
João Duarte Dantas''. Os Dantas respondem.com os
artigos ''As voltas com um doido 1 -- Jogo Pessoa
Cavalcanti de Albuquerque'', ''As 'voltas com um
doido ll'', ''As voltas com um doido lll'' e ''O doido
da Paraíba
A dimensão a que chegaram os insultos recípro-
cos nesta campanha extremada de difamação pode
ser ilustrada pelo texto de qualquer um desses artigos
tigos. Em ''As voltas com um doido I'', por exemplo,
Jogo Dantas.chama João Pessoa de palhaço, espírito
fútil, biltre, patife, bandido, vilão. Evidenciando
suas (de João Dantas) vinculações com a revolta
de Princesa, afirma quanto ao governador parai-
bano:
''O presidente João Pessoa mal conhece esse mo-
lambo que acode pelo nome de Jogo [)antas.
(...) Até que agora, depois de deflagrados os
acontecimentos de Princesa, o miserável se
transformou em espião a serviço dos cangacei-
ros, acertando finalmente com um serviço bem à
altura de sua falta de escrúpulo e de sua falta
de caráter. ( . . .)
Agora, Jogo Duarte (Dantas), com uma bra-
vura telegráfica igual à do seu primo Duarte
Dantas, manda da vizinha capital do sul (Re-
cife) esse despacho ameaçador ao chefe do go-
verno. Despacho onde se estampa toda a in-
fluência ancestral de perversidade e cobardia
dos Dantas.
:Jogo Dantas, impossibilitado de se vingar do
presidente João Pessoa, desse presidente que
64 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa 65
''Nos sustos e tremeliques que te atormentam
nas pungentes crises do teu medo, do teu terror
de Princesa -- dessa Princesa da tua insõ.nia,
que será o eterno pesadelo das tuas noites, dessa
Princesa, reduto invicto da bravura sertaneja,
da qual não ousam aproximar-se as tuas tropas
e onde, entretanto, todo mundo passeia livre-
mente -- nessas maleitas de pânico que te afli-
gem, repito, tu supões que toda a gente tem os
nervos relaxados como os teus e queres que teus
inimigos sejam covardes.''
t
desbragada advocacia administrativa; ladrão és
tu, magistrado cavador e negocista, que mal
despias a toga de ministro do Supremo Tribunal
Militar, sobraçavas a pasta dos gordos negócios
da Paraíba; ladrão és tu, juiz-corretor, de contas
confusas e parcelas inexplicáveis de
368:000$000; ladrão és tu, administrador sem
escrúpulos, que abarrotas as algibeiras frater-
nas, com o monopólio dos contratos pingues e
engenhosas concorrências; tu, sim, João Gui-
tarra, é que és um ladrão.''
E ironiza, contra as tropas do Estado: E conclui
''Onde os bravos contra os quais jâ mobilizaste
toda a Força Pública, criaste um novo batalhão,
aliciaste centenas de civis a 10S000 diários por
cabeça, utilizaste cangaceiros vindos de toda a
parte, recorrente ao corpo de bombeiro e até à
guarda-civil?
''Que gente sem valia é essa que, para atacar,
precisas prender senhoras, como reféns, prepa-
rares carros blindados que não vingam rampas
e adquirires aviões que não voam e logo no pri-
meiro ensaio dão cabo do piloto?''
''Toma, entretanto, um conselho salutar. Raspa
logo do Tesouro esse resto de cobres que lâ exis-
te, se é que já o não fizeste, queima sem de-
mora 'o último cartucho', ainda que o dispares
para o ar, e vai seguindo para o Rio.
''Porque, se aí permaneceres, com semelhantes
crises de nervos, iras, na certa, em qualquer
destas luas fortes de junho, dar com o costado
no Juliano Moreira (manicómio judiciário) .
''Então, adeus vidoca feliz de ministro, adeus
corretagem e negócios gordos.
''E que ditador, que grande ditador perderia o
Brasil! . . . ' 'Rebatendo a acusação de ladrão assacada con
tra o seu pai, contra-ataca:
''Ladrão és tu, ostra de ministério, arestim de
repartições federais no exercício infrene da tua
O clímax dessas agressões ocorreu quando a
polícia paraibana, na ausência de João Dantas (que
após rebentar a revolta de Princesa passara a residir
66
'q'r
Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa 67
em Recite), invadiu o seu apartamento, na Capital
da Paraíba, e apreendeu uma série de documentos,
dentre os quais cartas íntimas, de cunho amoroso.
Em sua edição de 22 de julho de 1930, na primeira
pagina, .4 C/n/ão anuncia com grande destaque a
divulgação do material apreendido:
Dantas (a quem João Pessoa não conhecia pessoal-
mente) se armou e saiu à sua procura. Encontrou.a
na Confeitaria Glória, conversando numa roda de
amigos. Sacou o revólver e disse:
Sou o l)r. Jogo Duarte Dantas, a quem tanto
injuriastes e ofendestes.
E deu-lhe três tiros.
A notícia foi dada a José Pereira com alegria por
um dos revoltosos:
-- João Pessoa morreu! Ganhamos a luta. co-
ronell
E ele retrucou:
-- Perdemos!...
E completando o vaticínio, afirmou:
-- Perdi Q gosto da luta. Os ânimos agora vão
se acirrar e principalmente contra mim. João Dantas
não devia ter feito isso; eu não comungo com o assas-
sinato.
Mandou, então, proibir os ''sambas'' (bailes)
que se realizavam costumeiramente durante todo o
desenrolar da luta nos arredores da cidade e celebrar
missa em intenção do morto. Ordenou, ainda, a
suspensão das hostilidades, os tiroteios com a polí-cia
''Os documentos encontrados .4 Z./dão come-
çara amanhã a publicar, porquanto os mesmos
contêm curiosas revelações sobre os miseráveis
modos de agir dos inimigos da Paraíba, dos
quais o tarado João Dantas era uma espécie de
espião e cônsul geral nesta cidade. (. . .)
''Com a divulgação desse manancial de cartas,
telegramas, instruções reservadas e confiden-
ciais da mais repugnante politicagem, esta folha
realizara uma das mais sugestivas e impressio-
nantes reportagens.
''O perfil de alguns dos mais miseráveis traido-
res de nossa terra recorta com relevo através de
seus próprios documentos e correspondências.
Criado num ambiente onde a vingança era con-
siderada uma espécie de dever sagrado e o conceito
de honra não permitia transigências, Jogo Dantas
estaria sem alternativa para uma reação. Deve-se
frisar, também, que ele era filho de ''coronel'' e como
tal não aceitava desfeitas, a elas respondendo à al-
Assim, a 26 de julho de 1930, lendo nos jornais
que o governador da Paraíba estava em Recite, João
tura
A previsão de José Pereira se confirmou. A
morte do governador

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