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HISTÓRIA DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA: GRÉCIA E ROMA CAPÍTULO 2 - COMO OS GREGOS VIAM A HISTÓRIA, A POLÍTICA E O TEATRO? Bruna Campos Gonçalves INICIAR Introdução O legado que a cultura grega deixou para a humanidade é muito vasto. Além de ser considerada uma base da cultura ocidental que conhecemos, também foi uma das primeiras a formar textos históricos e pensar uma nova maneira de fazer política. Ela também nos apresentou o teatro e passou a estudar o Homem na filosofia. Entretanto, você deve estar se perguntando: “ainda vivemos como os antigos? Será que não mudamos nada?”. Pode-se dizer que muitas mudanças ocorreram ao longo desses anos. Não somos os mesmos e, definitivamente, os conceitos evoluíram com o tempo. Os gregos, à sua própria maneira, pensaram ou simplesmente vivenciaram a História, a política, o teatro, a filosofia, as relações interpessoais, bem como a forma com que foram legadas as gerações procedentes. Nós, por outro lado, fomos incorporando novos significados, valores e parâmetros, até chegarmos ao que conhecemos hoje, mas que passará por um processo similar de renovação para as futuras gerações. Contudo, se esses conceitos são diferentes atualmente, como os gregos viam a História, a política e o teatro? E as mulheres, como eram tratas naquele período? Havia homossexualidade entre os gregos? É justamente sobre tais questionamentos que trataremos nesta disciplina, em específico neste primeiro capítulo. Assim, veremos a história de Heródoto e de Tucídides, dois grandes nomes da Grécia Antiga; a política na relação da democracia com a filosofia, em que nomes como Sócrates, Platão e Aristóteles desenvolveram seu trabalho; a representação da tragédia e da comédia no teatro grego, bem como o que ele significava para os antigos; e os tipos de relações existentes daquela época. Vamos começar nossos estudos? 2.1 História, historiadores e a historiografia grega: Heródoto e Tucídides A História não era vista com o rigor técnico que temos hoje, de sabermos a procedência da fonte. No entanto, ela tinha seu valor, principalmente para perpetuar o conhecimento de épocas passadas. Nesse caso, veremos dois expoentes da Grécia Antiga: Heródoto e Tucídides, ambos rompendo com a cronologia mítica e, mesmo assim, cada um deles com suas próprias teorias, retratando o mundo em que estavam inseridos. Mas se não foram os primeiros, por que destacar Heródoto e Tucídides? Embora a reflexão histórica e a sua escrita já fossem uma prática corrente no oriente, é na Grécia que ela surge como gênero literário. Logo, os gregos foram os primeiros a trazerem a discussão do papel do historiador. Aliás, como bem sublinhou Hartog (2001), é dos gregos que parte a noção do historiador como figura subjetiva, com um posicionamento crítico em relação aos registros do passado como objeto de estudo. 2.1.1 A História como conhecemos e na antiguidade Você já parou para pensar qual é a história da História? Isso mesmo! A História também possui sua própria trajetória ao longo do tempo. Ela vai nascer como um gênero literário, consciente, com os gregos antigos. Ao longo dos tempos, vai adquirir novos formatos, parâmetros e significados, uma vez que é um conceito mutável, o qual agregou os valores de muitos povos ao longo do seu percurso, até chegar à História que conhecemos do século XXI. Os gregos foram os primeiros a delinearem um gênero e acrescentarem uma metodologia ao estudo dos acontecimentos antepassados. Com isso, eles buscaram dar maior veracidade aos seus relatos históricos, passando a se importar com a fonte, distanciando-se, dessa forma, da cronologia mitológica. Os primeiros a trazerem para suas obras uma discussão a respeito da forma de construir uma narrativa histórica e do papel do historiador são Heródoto — conhecido como o pai da História — e Tucídides — narrador da guerra do Peloponeso (FUNARI, 2011). Dessa forma, a veracidade das informações passa a ter um alto valor. Contudo, para tais personagens, bastavam informar que a narrativa condizia com o que havia ocorrido de fato, a fim de convencer o leitor quanto a sua credibilidade. Na época clássica, a História possuía uma significação mais ampla, da raiz histor, ou seja, aquele que viu e testemunhou, relacionado ao ver e ao saber, uma vez que a visão acarreta o saber (GAGNEBIN, 1997; HARTOG, 2001). Heródoto, por exemplo, em “Histórias”, mostra os aspectos da realidade que vivenciou em forma de um relato de viagem ou um relatório de pesquisa em forma de narrativa, sendo considerado digno de menção e memória. Os nove livros de Heródoto já foram traduzidos para o português, assim, é possível conhecer as histórias que o historiador escreveu. Nas obras, ele narra contos de diferentes locais da antiguidade, e, a partir da descrição de testemunhos, é possível entender como ele enxergava a sociedade. Você pode ler a obra no link: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/historiaherodoto.html (http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/historiaherodoto.html)>. Heródoto privilegia a palavra da testemunha, podendo ser a sua própria ou de outrem, sem deixar de mencionar suas fontes: Tudo que eu disse até agora é o resultado de minhas próprias observações de meu julgamento e de minhas investigações (historie); daqui em diante me reportarei às crônicas egípcias, de acordo com o que ouvi, acrescentando a isso algumas observações feitas por mim mesmo. (HERÓDOTO, 2015, II, p. 99). De acordo com Gagnebin (1997), a prática de se reportar a testemunhas está ligada à crescente importância judiciária na Grécia do século V a.C., onde há a audição de testemunhas. A partir disso, a autora vê nascer o discurso racional que seria elaborado em anos, décadas e séculos seguintes. Aliás, nem precisamos ir tão longe, já que Tucídides rejeita a importância da memória e ressalta sua fragilidade, exigindo uma reconstituição crítica dos acontecimentos. Para entendermos melhor sobre esses dois personagens, acompanhe o item a seguir. 2.1.2 Historiadores da antiguidade: Heródoto e Tucídides De acordo com Funari (2011), Heródoto nasceu em Halicarnasso, na Turquia; enquanto que Tucídides nasceu em Atenas, na Grécia. No entanto, ambos viveram no século V a.C., cada qual com sua respectiva perspectiva de como uma história deveria ser escrita. VOCÊ QUER LER? http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/historiaherodoto.html Heródoto, em seu prefácio, mostra-se interessado em preservar a memória das ações humanas, tanto dos gregos quanto dos bárbaros, para que não fossem esquecidas. Assim, ele busca as causas e a veracidade dos atos: Os resultados das investigações de Herôdotos de Halicarnassos são apresentados aqui, para que a memória dos acontecimentos não se apague entre os homens com o passar do tempo, e para que os feitos e maravilhosos e admiráveis dos helenos e bárbaros não deixem de ser lembrado, inclusive as razões pelas quais eles se guerrearam. (HERÓDOTO, 2015, I, p. 1). Com essas palavras, Heródoto diferencia seu trabalho dos antigos poetas, que clamavam em suas obras a influência das musas para comporem seus versos. O historiador grego não nega o tempo mítico/sagrado, mas recusa os procedimentos narrativos do mito para descrever o nosso tempo humano. Em busca das verdadeiras razões dos acontecimentos por meio de testemunhos, ele se baseia em um esforço racional de escrita da nossa história bem como ela é. A obra de Heródoto, “Histórias”, contém nove livros, nomeados de acordo com as nove musas gregas: Clio, Euterpe, Tália, Melpômene, Terspsícore, Érato, Polímnia, Urânia e Calíope. Isso indica que ele não teria se afastando completamente dos mitos presentes em sua sociedade. Além disso, nessa coleção, o historiador relata o que viu em suas viagens pela costa do Mar Negro, como em Cítia (sul da Rússia), Lídia (na Turquia), Egito, Líbia, boa parte da própria Grécia e, complementando, a Pérsia e a Mesopotâmia. Figura 1 - Desde a antiguidade, Heródoto foi reverenciado por suas histórias, as quais marcaram diversos estudos. Fonte: markara, Shutterstock, 2018. Deslize sobrea imagem para Zoom Enquanto Heródoto escrevia para resgatar um passado ilustre, Tucídides escreveu no presente para instruir o futuro. A obra de Tucídides mais conhecida é “História da Guerra do Peloponeso”, e, ao a observarmos, podemos perceber o corte radical em relação à narrativa das histórias relatadas por Heródoto. Por se tratar de duas obras bem distintas, tanto em seus objetivos quanto em seus propósitos, a historiografia as enxerga como opostas, e, consequentemente, seus escritores também. O historiador ateniense não confia na memória — nem na sua nem na dos outros —, pois elas estariam condenadas à subjetividade das preferências pessoais e à relatividade. Dessa forma, não seria possível garantir a fidelidade do relato à realidade. Figura 2 - O mundo que Heródoto descreveu em suas histórias foi desenhado por pesquisadores tempos depois. Fonte: Paul Cowan, Shutterstock, 2018. Deslize sobre a imagem para Zoom Tucídides também busca uma reconstituição crítica dos acontecimentos, e seus critérios deveriam ser a verossimilhança da situação e a pertinência das palavras ditas, as quais estariam amparadas por uma análise do contexto político e do orador. Assim, ele faz uma narrativa coerente e lógica, que busca convencer o leitor das suas hipóteses e interpretações. A busca da veracidade das fontes de Tucídides é aclamada até hoje como os princípios da metodologia histórica: Figura 3 - Com o estudo das retratações de Tucídides em esculturas, podemos perceber como o historiador ateniense era visto pelos gregos. Fonte: ppl, Shutterstock, 2018. Deslize sobre a imagem para Zoom De fato, os acontecimentos anteriores e os mais antigos ainda, dado o recuo do tempo, era-me impossível estabelecê-los com clareza, mas pelos indícios, a partir dos quais, num exame de longo alcance, cheguei a uma convicção, julgo que não foram importantes, nem quanto à guerra, nem quanto ao mais. (TUCÍDIDES, 2013, I. p. 1-3). O historiador ateniense narrou em oito volumes a “História da Guerra do Peloponeso”, luta entre espartanos e atenienses que durou de 431 a.C. a 404 a.C. Na obra, Tucídides buscou diminuir a influência dos deuses, relatando os fatos com concisão. Para ele, a guerra do Peloponeso foi um dos grandes acontecimentos da história da Grécia, mais do que qualquer outra. Mossé (2004), inclusive, concorda com o historiador antigo ao afirmar que a guerra do Peloponeso mudou o mundo das polis conhecido até então, ampliando as diferenças sociais e a disputa entre a oligarquia e a democracia. Com Heródoto e Tucídides, temos, de um lado, uma narrativa que busca diferentes testemunhos; do outro, uma análise política dos acontecimentos. Essas duas visões da História foram debatidas e apreciadas em momentos distintos ao longo do tempo, permeando o que compreendemos hoje. Todo o estudo feito sobre os historiadores e suas obras também nos traz uma grande fonte sobre o período que escreveram. A seguir, vamos entender como a História pode servir de documentação para a pesquisa. 2.1.3 A História como documentação As obras históricas da antiguidade são ótimas documentações para o estudo dos períodos retratados por elas. Desde a maneira como foram escritas até as escolhas dos recortes para comporem a obra são pontos fundamentais. Afinal, assim como toda documentação histórica, a História em si também deve passar por um tratamento documental específico ao seu gênero literário. Para iniciarmos nossos estudos com uma fonte histórica, devemos começar com o autor que a escreveu e o porquê de ter escolhido esse tipo de narrativa, especificando os objetivos que queria alcançar. Feito isso, passamos para a análise do conteúdo, tanto o que está escrito diretamente quanto o que está nas entrelinhas, que podem nos trazer informações sobre o período em que foi narrado, mas, principalmente, quanto ao momento em que foi escrito (FUNARI, 1995). Afinal, por mais que os autores aleguem imparcialidade com os fatos, não é possível dissociar a pessoa de sua obra, já que os escritos carregam a subjetividade de quem os escreve (JENKINS, 2004). Podemos analisar as obras de Heródoto e Tucídides, por exemplo, não só como marcos para a História, mas também como documentação para compreendermos o século V a.C. Das viagens e relatos de Heródoto à Guerra do Peloponeso de Tucídides, conseguimos descobrir um mundo político, econômico, social e cultural que existiam na Grécia Antiga. 2.2 História e gênero: a questão da mulher e da homossexualidade Algo importante quanto a História é a mudança quanto a determinados assuntos com o passar dos anos. Algumas questões sociais bastante pertinentes nos dias atuais, por exemplo, é o papel da mulher na sociedade e a homossexualidade. Temos uma ideia do que acontece hoje em dia, mas, afinal, o que podemos dizer sobre a mulher no período da Grécia Clássica? Será que elas eram consideradas cidadãs ou podiam discutir sobre política? Na antiguidade existia homossexualidade? Como era vista a relação entre dois homens? Essas são preocupações da nossa atualidade, só que os antigos não usavam a mesma nomenclatura e não viam essas relações de gênero como podemos enxergar hoje. No entanto, considerando os possíveis anacronismos, é possível identificar como esses elementos estavam presentes na sociedade da Grécia Antiga. Tanto a mulher quanto o homem possuíam seus papéis na sociedade antiga, contudo, vale destacar que eram papéis bem distintos. Hoje, buscamos uma igualdade entre os pares, o que não acontecia naquele tempo. A própria relação homoerótica que existia naquele período se distingue das discussões atuais, uma vez que o laço entre dois pares iguais não era consumado como o casamento. 2.2.1 O estudo do gênero na História da Grécia Figura 4 - Nas figuras Cariátides, é possível perceber as características de uma mulher da Grécia Clássica. Fonte: markara, Shutterstock, 2018. Deslize sobre a imagem para Zoom A mulher e as relações entre as pessoas do mesmo sexo eram temas vistos de forma diferente na sociedade antiga. A discussão sobre gênero é recente, de forma que não podemos afirmar que é algo sobre o qual os antigos pensassem a respeito, ou, pelo menos, não como fazemos atualmente. Dessa forma, devemos tomar o cuidado para não incorremos em nenhum anacronismo. Dito isso, podemos, no entanto, buscar entender qual era o papel da mulher e do homem no meio em que viviam, assim como a relação que tinham na sociedade da Grécia Antiga. Dessa forma, ao analisarmos as documentações da Grécia Antiga, podemos compreender o olhar de quem já escreveu sobre o assunto. Com uma lista extensa de títulos, é possível verificar que a questão da mulher e da sexualidade foram tratadas por muitos autores, sem contar na quantidade de representações imagéticas encontradas em ânforas e outros objetos pelos arqueólogos, as quais também servem de base para tal estudo. 2.2.2 A mulher na Grécia Antiga Cada pessoa na Grécia antiga tinha uma função a desempenhar. A mobilidade social era difícil naquele período, logo, a mulher tinha um papel determinado que poderia diferir dependendo do ciclo social que se encontrava. A historiografia aponta que a mulher com menores condições financeiras poderia usufruir de maior mobilidade na cidade, o que não acontecia com as mulheres mais abastadas, as quais tinham um lugar próprio na casa, onde deveriam exercer suas funções (FUNARI, 2011). Demóstenes, em sua obra “Contra Neera”, difere claramente os papéis que a mulher representava na sociedade antiga ao citar que “As hetairas, nós as temos para o prazer; as concubinas, para os cuidados de todo o dia; as esposas, para ter uma descendência legitima e uma fiel guardiã do lar”. Vemos, assim, a hetairas como a cortesã à qual o homem solicita prazeres sensuais; a concubina, que se dedicava aos cuidados diários que a vida física exigia; e, por último, a esposa e a mãe dos filhos legítimos, também guardiã do lar. Não só o que Demóstenes escreveu nos diz sobre o pensamento da época. O que ele não escreveu também é muitoimportante. Não vemos, por exemplo, a menção da mulher no espaço público ou nas discussões políticas, já que, possivelmente, esses não eram locais para serem frequentados abertamente pelo gênero. O conhecimento que temos da mulher antiga perpassa a visão masculina, muito embora sejam os homens que tenham escrito quase tudo sobre o período, tirando raras exceções, como é o caso da poetisa Safo, representante feminina da lírica grega. O exemplo da poetisa mostra que as meninas, principalmente da elite, podiam aprender a ler e a escrever, sendo admiradas por seu talento (FUNARI, 2011). Figura 5 - A mulher grega tinha seu papel na sociedade, mas isso não significa que ela não tinha importância. Fonte: IMG Stock Studio, Shutterstock, 2018. Deslize sobre a imagem para Zoom Dessa forma, podemos imaginar que a Grécia era uma sociedade regida pelos homens, tanto na política quanto no que diz respeito ao provento da família e dos descendentes. Aristóteles, inclusive, em sua obra “Política”, retrata que quem regia a casa era o poder pater, que vinha do pai ou do marido, de forma que a mulher passava da casa do pai para a casa do marido, sem ter um meio termo. O espaço da mulher era limitado, uma vez que ela não tinha o status oficial de cidadã, pois não podia participar da política de sua cidade. Contudo, era ela, por meio do legítimo casamento com um grego, que gerava os futuros cidadãos e, portanto, deveria ser respeitada. VOCÊ SABIA? Chico Buarque de Holanda, na música “Mulheres de Atenas”, retrata a mulher do período da Grécia Antiga, mais especificamente de Atenas. Essas damas cuidavam de seus lares e geravam os futuros cidadãos de Atenas sem qualquer imposição. Na música, Chico faz uma crítica quanto ao papel da mulher na sociedade. De acordo com Funari (2011), o casamento entre os mais abastados acontecia, principalmente, por questões de interesses, em que não havia escolhas por parte da mulher, que, muitas vezes, vivia em uma ala separada da casa (gineceu), sem contato com o mundo exterior. Entretanto, isso não se verifica entre os menos afortunados financeiramente, em que a mulher não era confinada e, provavelmente, não era o pai a decidir sobre a união. Ainda conforme o autor, antigamente também haviam diferentes níveis sociais, e em cada um deles a mulher estava ligada exclusivamente ao lar e à reprodução; enquanto que o homem era sinônimo de vida em sociedade. Essas mulheres só podiam sair em público na companhia do homem da casa, sendo ele o pai ou o marido. Também vale destacar que, naquele período, o matrimonio não garantia exclusividade sexual. Assim, aos homens — e somente a eles — era permitido e aceito a relação fora do casamento, seja com mulheres ou com outros homens. Mas como será que era a relação entre duas pessoas do mesmo gênero na antiguidade grega? Para descobrir sobre o assunto, vamos seguir nossos estudos! 2.2.3 A homossexualidade na Grécia Antiga Temos notícias de que, na Grécia Antiga, existiam relações homoeróticas, seja entre dois homens ou duas mulheres, sendo esta última mais incomum. A relação com outros rapazes era culturalmente aceita, ainda que não houvesse união entre duas pessoas do mesmo sexo como família. Funari (2011, p. 55, grifos do autor) nos explica que havia, sim, “[...] relações sexuais e amorosas entre adultos e meninos imberbes sem que, no entanto, houvesse culpa, ou a homossexualidade, no sentido de relação exclusiva entre homens”. O autor ainda destaca três aspectos importantes a serem considerados: os gregos não recebiam uma nomenclatura para essa prática — como hoje seriam os gays —, eles simplesmente eram homens; esse era um comportamento generalizado entre a elite grega, e não uma exceção; eles não deixavam de se relacionar com mulheres também. Funari (2011) também menciona que, embora nem todos se comportassem sexualmente do mesmo modo, os camponeses não partilhavam da cultura sexual da elite, mas não reprovavam as relações sexuais entre o mesmo sexo, já que era tido como divino. No entanto, a sociedade grega reprovava os exageros, logo, aquele que demonstrasse uma paixão exacerbada ou traços efeminados eram condenados moralmente por falta de moderação. Naquela época, nem tudo estava ligado ao sexo: dois homens poderiam se relacionar amorosamente sem que houvesse contado físico sexual. Assim, um erastes (cidadão adulto e com recursos financeiros) poderia escolher um eromenos (menino entre seus 12 e 18 anos e filho de um cidadão) para mostrar sua afeição por atos de generosidade e simpatia. Dessa forma, os limites do autocontrole permitido nesse tipo de relação, que deveria ser consensual, não eram excedidos (SOUZA, 2009). O filme “Alexandre, o Grande”, retrata com exagero a relação homoerótica na antiguidade. Fazendo uma crítica histórica, é possível perceber os elementos da cultura grega em meio à cultura macedônica e às características do helenismo propagado por Alexandre. Vale a pena assistir e analisar os aspectos VOCÊ QUER VER? da época! Para além das relações entre dois homens, haviam, também, as relações entre duas mulheres. Contudo, elas não são retratadas com tanta evidência, o que nos leva a considerar que não eram muito comuns. Somente as poesias de Safo nos indicam que existiram relações homoeróticas entre mulheres. A poetisa se estabeleceu em Lesbos, de onde teria se correspondido com outras damas e escrito seus versos. Aliás, seus escritos são uns dos primeiros que contam sobre essa relação da forma que conhecemos hoje, chamada de Lesbianismo. Essa conduta ficou marcada justamente por conta de Safo em Lebos (LEITE, 2006). Assim, podemos entender que a relação na antiguidade entre duas pessoas do mesmo sexo poderia ser comum, no entanto, está longe do que acreditamos ou vivemos atualmente. Vejamos, agora, um pouco mais de dois elementos que compunham a sociedade gregas: a democracia e a filosofia. 2.3 A democracia e a filosofia em Atenas sob o olhar da História: Sócrates, Platão e Aristóteles Os gregos foram os primeiros a pensarem em um sistema político com mais participação dos cidadãos, iniciando o que conhecemos como democracia, a qual foi bastante debatida pelos filósofos grego, principalmente Sócrates, Platão e Aristóteles. Devemos aos gregos o seu início, e aos filósofos a sua discussão. Assim como devemos ter cuidado ao estudar o gênero na antiguidade, também precisamos estar atentos ao estudar a democracia da Grécia, que, embora seja a base da nossa, difere do que vivemos hoje. A começar pela cidadania, que era vista com outros olhos. Não bastava viver ou ter nascido na cidade grega, era preciso preencher uma série de requisitos, como ser do sexo masculino e ter nascido de um cidadão grego casado legitimamente com uma mulher grega. Além disso, escravos, mulheres e estrangeiros não eram considerados cidadãos, ou seja, não participavam da vida política da cidade. Foram os filósofos que difundiram esse sistema político e que buscaram discutir e apontar os melhores caminhos que deveriam ser seguidos pelos governantes do mundo. Portanto, a partir de agora, estudaremos as características da democracia ateniense e como a filosofia se desenvolveu na Grécia Antiga. 2.3.1 A democracia na antiguidade grega Atenas é considerado o modelo grego da democracia, que nem sempre esteve em vigor, mas que retornava com o apoio dos cidadãos. Diferentemente de todos os outros governos — como a monarquia, a qual o poder estava na mão de uma só pessoa; ou a oligarquia/aristocracia, que estava nas mãos de poucos —, a democracia era o governo do povo, conquistada após a pressão popular, principalmente dos comerciantes. Lessa (2008, p. 62) faz alguns apontamentos sobre a democracia ateniense, destacando que a “[...] dinâmica da democracia implicava em debate, em circulação de informações, em exposição pública, em colocar o poder no centro, na elegibilidade, na rotatividade, na anuidade e na coesão social”. Ainda de acordo com o historiador, o exercício pleno da democracia culminava na Assembleia (Ekklésia),onde a participação massiva era o fundamento da polis democrática. Somente os cidadãos com 18 anos ou mais poderiam intervir nas assembleias, o que não necessariamente condizia com a totalidade da população. De acordo com Funari (2011), em 431 a.C., haviam 310 mil habitantes na Ática (região que compreendia tanto a parte urbana quanto a rural da cidade de Atenas), dos quais somente 70 mil poderiam participar da vida política, já que estrangeiros, escravos e mulheres não tinham qualquer direito político. De acordo com Lessa (2008, p. 61, grifos do autor), Heródoto concretiza o “[...] ideal de liberdade em um dos princípios fundamentais da democracia ateniense, a saber: a isegoría.”, que, em linhas gerais, significa ter direito igual à palavra, ou seja, expressar uma opinião. Outros dois elementos que caracterizam a democracia ateniense é a igualdade com relação aos outros cidadãos perante a lei (isonomia) e a liberdade individual. Segundo Funari (2011, p. 36), a Assembleia se reunia pelo menos 10 vezes no ano, com três encontros extraordinários para cada uma das reuniões. As proposições discutidas eram enviadas para um conselho (Bulé), formados por 500 homens sorteados, “[...] onde eram comentadas e emendadas, e retornado então para serem aprovadas na assembleia”. Dessa forma, cabia a Assembleia e a Bulé a escolha dos magistrados que iriam executar suas decisões, com poderes para manter a ordem e o respeito às leis e aos decretos. Esses magistrados poderiam ser eleitos, caso fosse um cargo que requeria uma habilidade especial, como estratégia militar ou de arquitetura, ou sorteados entre os candidatos. Funari (2011, p. 38, grifos nossos) aponta que, assim, os gregos “[...] punham nas mãos dos próprios deuses a escolha, já que a sorte era uma deusa – Tykhê”. A democracia ateniense contava, também, com um tribunal popular (Heleia), composto por juízes escolhidos por sorteio, podendo chegar a 600 cadeiras. De acordo com Mossé (2004), ao tribunal cabia julgar as causas privadas e públicas, que eram direcionadas pelos cidadãos da polis. Além disso, havia um segundo tribunal (Areópago), formado pelos antigos, que julgava as mortes da cidade ateniense. Conforme Funari (2011, p. 39), “A democracia de Atenas era um regime em que os relativamente pobres tinham um poder considerável, algo inédito e, até hoje, muito raro em toda a História da humanidade”. Sendo assim, na democracia ateniense, todos os cidadãos podiam participar da vida política, e todo homem nascido de um ateniense e uma ateniense poderia usufruir dos direitos da polis, independentemente de sua condição financeira. Entretanto, outra herança que temos do mundo grego é a filosofia, que teve grandes nomes vindos da Grécia, os quais, inclusive, discutiram os assuntos políticos de suas polis. Vejamos agora um pouco mais sobre o início da filosofia ocidental. 2.3.2 A Grécia: berço da filosofia ocidental A Grécia Antiga nos legou muito em diversas áreas do conhecimento e da cultura, como nas artes, na literatura, na música e na filosofia. Esta última, no entanto, só começou a ficar conhecida a partir do século V a.C. De forma literal, o termo significa “amigo da sabedoria” (MOSSÉ, 2004). Inicialmente, a filosofia se preocupava em buscar a origem do mundo, os aspectos da natureza e o estudo dos astros celestes, a fim de compreender o mundo que estava a seu redor. Esse período, que contou com Xenófanes, Parmênides, Tales de Mileto e Heráclito, anos mais tarde foi reconhecido como pré-socrático, o que nos mostra a importância dos questionamentos de Sócrates. Sócrates, Platão e Aristóteles, por sua vez, foram figuras muito representativas da filosofia grega, tanto que você já deve ter esbarrado com o nome deles em algum momento de seus estudos. Sócrates deu uma nova proposta para a filosofia, centrando-a no homem. Ou seja, ele deixou de buscar as origens do universo, e começou a pensar nos elementos da vida humana, como o conhecimento, os valores morais e estéticos, entre outros aspectos. Ainda que só conheçamos seu trabalho por escritos de outros filósofos, uma vez que não deixou seus estudos em escrito, a filosofia de Sócrates foi tão importante e marcante que o período antecedente a ele ficou conhecido como pré-socrático. Figura 6 - Embora não tenhamos escritos de Sócrates, ele foi representado em diversas esculturas. Fonte: vangelis aragiannis, Shutterstock, 2018. Deslize sobre a imagem para Zoom Já o período em que o filósofo viveu e influenciou diretamente com sua forma de enxergar o mundo, ficou conhecido como socrático, sendo posterior de helênica. Xenofonte foi um soldado e discípulo de Sócrates, autor de inúmeros tratados práticos. Suas obras também guardam os pensamentos do filósofo, sendo de grande importância para o estudo sobre Sócrates também. Podemos conhecer mais sobre os dois personagens na obra “Apologia de Sócrates”, escrita por Xenofonte. Um dos principais discípulos de Sócrates foi Platão, o qual nos brindou com as ideias de Sócrates e as suas próprias, legando, ainda, obras sobre os programas de cidades ideais, marcando sua importância como pensador político, principalmente com as obras “República” e “Leis” (MOSSÉ, 2004). Nas duas obras de Platão, é notória a crítica feita ao sistema democrático, sendo que ele foi o primeiro a elaborar uma reflexão sistemática sobre a democracia. Para o filósofo, o governo deveria ser exercido por aquele que tem conhecimento e que o busque, constantemente, como prever as leis. Aristóteles, assim como seu mestre, Platão, também elaborou teorias sobre política. Aliás, muito do que conhecemos do sistema democrático ateniense se deve a esses dois filósofos. Em sua obra “Politéia”, Aristóteles descreveu os sistemas políticos que eram encontrados no seu período, incluindo a democracia. É dele a frase “a democracia é o governo dos homens livres”, no entanto, o filósofo não vê esse tipo de governo como o melhor em todas as situações. Para ele, cada povo se adapta a um regime de governo. Na sequência, veremos com mais detalhes sobre cada um desses filósofos e de seus pensamentos que influenciaram o mundo ocidental. 2.3.3 Sócrates, Platão e Aristóteles VOCÊ O CONHECE? A filosofia traz uma atitude crítica frente as questões que nos cercam, não estabelece limites nem cerce o conhecimento que pode ser alcançado. Para ela, o importante é o questionamento, que nos leva a sustentar os nossos valores de forma crítica e refletida. Platão e Aristóteles colocam a admiração como o ponto inicial para o pensamento filosófico. Nas palavras de Aristóteles (2012, p. 2), “Os homens começam e sempre começaram a filosofar movidos pela admiração”. Sócrates, por sua vez, nasceu e viveu na Atenas do século V a.C. Considerado um dos fundadores da filosofia ocidental, ele não deixou nenhum escrito para posteridade, mas o que sabemos sobre suas reflexões está nos textos militares de Xenofonte, nas comédias de Aristófanes e, principalmente, nos textos filosóficos de Platão. Mossé (2004) destaca que o filósofo ateniense gostava de caminhar por Atenas, questionando todos aqueles a quem encontrava sobre os mais variados assuntos, com a intenção de fazê-los medir a extensão da ignorância. Pela prática da maiêutica (método de dialógico que Sócrates usava para buscar a verdade), convencia essas pessoas de que era melhor sofrer injustiça do que cometê-la. Platão foi o principal discípulo de Sócrates. Com seus diálogos, podemos identificar o pensamento de seu mestre, que foi condenado à morte por cicuta, sobre a acusação de abandonar os deuses reconhecidos pelo Estado e introduzir novos, além de ter corrompido com a juventude. Assim, entre ficar sem passar seus conhecimentos e a morte, Sócrates ficou com o desconhecido, e, antes de partir, proferiu a seguinte frase: “Mas eis a hora de partir: eu para a morte, vós para a vida. Quem de nós segue o melhor rumo, ninguém o sabe, exceto os deuses.” (PLATÃO, Apologia, 42a). Após a condenação e a morte de seu mestre, Platão se afastou da atividade políticae fundou a Academia, onde podia lecionar em Atenas. Lá, fez inúmeros discípulos, entre eles, Aristóteles. Platão adotou a forma de diálogo do seu mestre, e, partindo dessa técnica, retomou os problemas colocados por Sócrates sobre o Direito e o Bem, mas para fazer de sua busca um ascetismo do qual apenas o homem filosófico era capaz, sabendo que o mundo sensível era apenas o reflexo do mundo superior das ideias (MOSSÉ, 2004). VOCÊ SABIA? Que o termo “paixão platônica” — que se refere ao amor idealizado —, como conhecemos atualmente, embora exista em referência a Platão, não expressa o que o filósofo pensava sobre o amor? José Cavalcante de Souza, em sua tradução da obra “Banquete”, de Platão, destaca que o amor, para o filósofo, seria só intelectual, sem aspectos físicos (SOUZA, 1972). Aristóteles seguiu seu próprio caminho, levando consigo os ensinamentos de Platão, o qual discordava em muitas coisas. Assim como seu mestre, o filósofo acreditava que, para além do mundo sensível, existiam verdades abstratas e universais, mas, diferentemente de Platão, achava que a melhor maneira de conhecer essas verdades era a partir da observação do mundo sensível (MOSSÉ, 2004). O filósofo tinha interesse por muitos assuntos, como biologia, botânica, fisiologia, física, metafísica, lógica, música, ética, governo, entre outras áreas. Ele foi o primeiro a sistematizar a ciências, chegando a cunhar terminologias (substância, categoria, energia, princípio e forma) até hoje presentes no vocabulário científico e filosófico. Aristóteles também criou sua própria escola, o Liceu, onde podia ensinar à sua maneira. Eyler (2014, p. 187) resume a experiência dos dois últimos filósofos apontando que “[...] tanto Platão quanto Aristóteles estavam preocupados com o desenrolar do mundo dos homens e tentaram, cada qual à sua maneira, projetar modelos de cidade e leis que reduzissem aquilo que eles identificavam como particularidade e imprevisibilidade humanas”. Dessa forma, ao criticar a democracia, Platão também estava contribuindo para que conhecêssemos um pouco mais sobre o sistema que vigorava em sua época. Da mesma forma, Aristóteles, ao fazer um balanço das diferentes formas de governo, também nos dá um panorama do que podia ser encontrado no tempo da Grécia Clássica. Estudemos, agora, outra herança grega: o teatro, com suas particularidades e características do mundo grego. 2.4 O teatro grego: a tragédia e a comédia Você já foi a um teatro? Aliás, você sabia que os gregos já encenavam? O teatro foi um dos legados culturais deixado pelo povo grego da antiguidade. Não com tantos elementos como conhecemos hoje, nem com todas as variações presentes nas peças atualmente, pois existiam apenas dois gêneros: a tragédia e a comédia, sendo o primeiro o mais antigo. O teatro no período da Grécia Clássica estava além de uma simples diversão ou distração. Sua intenção também incluía quesitos religiosos e políticos. Na antiguidade, era difícil dissociarmos a vida religiosa da política, a econômica da social, e vice e versa. Afinal, todas as esferas estavam interligadas de uma forma ou de outra, e o teatro não foi uma exceção. Hoje em dia, temos acesso não só às peças escritas naquele período, mas também às construções dos teatros. No entanto, das centenas de peças, poucas chegaram na íntegra para nós, e todas de atenienses, como Ésquilo, Sófacles, Eurípedes e Aristófanes. Suas obras nos permitem analisar as características da sociedade em que viviam, além de darem margem para compreendermos o teatro grego da antiguidade. 2.4.1 As características do teatro grego Mossé (2004) acredita que o teatro é uma das manifestações mais esplêndidas da civilização grega. Ela teria nascido no fim do século VI a.C. e no início do século V a.C., em Atenas, durante as festas com canções e danças em honra ao Deus Dioniso. Duas grandes festas aconteciam em homenagem ao Deus do vinho, as Leneias — que ocorriam no fim do mês de janeiro — e as Grandes Dionísias — no final de março. Em ambas, sob a presidência do arconte (magistrado), aconteciam os concursos dramáticos onde eram representadas a tragédia e a comédia. Era uma grande cerimônia religiosa e cívica que encerrava as festividades de homenagem ao deus Dioniso (MOSSÉ, 2004). De início, provavelmente, um coro cantava e dançava diante de um altar e os espectadores faziam um círculo ao redor. Conforme as apresentações foram se tornando mais dramáticas, a estrutura manteve-se a mesma: um lugar circular diante de um altar, circundado pela plateia circular em ascendente, em geral aproveitando a inclinação do terreno. O caráter religioso só teatro nunca se perdeu, ainda que tragédias e comédias tenham, gradativamente, se distanciado dos temas sagrados. (FUNARI, 2011, p. 72-73). A estrutura do teatro grego se perpetuou por todo o Mediterrâneo, influenciando o Império Romano e o mundo ocidental, principalmente depois do Renascimento Cultural. Mossé (2004) chama a atenção para o fato de não só os cidadãos serem convidados para prestar o tributo ao deus, os metecos (estrangeiros que viviam na polis grega) e os estrangeiros, assim como os representantes das cidades aliadas, também estavam presentes no tributo. Segundo Vernant e Vidal-Naquet (2002), o teatro grego era composto pelo coro, anônimo e coletivo cujo papel era expressar, através do medo, da esperança e do julgamento, os sentimentos dos expectadores que compunham a comunidade cívica; e pelo ator, figura individualizada da qual suas ações formam o centro do Figura 7 - Provavelmente, as máscaras do teatro grego não tenham sobrevivido ao tempo, mas suas representações em esculturas ainda são evidentes. Fonte: dominique landau, Shutterstock, 2018. Deslize sobre a imagem para Zoom drama, sendo visto como um herói de outra época, sempre mais ou menos estranho à condição comum de cidadão. Dessa forma, o coro exercia um papel intermediário entre o ator e a plateia, sendo ele, também, o responsável por narrar a história e conclui-la. Em geral, a estrutura dos teatros era sempre a mesma, de formato circular e em ascendente, conforme destaca Funari (2011). Além disso, os teatros contavam com a orquestra, uma área circular de terra batida ou de pedra, situada no centro das bancadas, local onde o coro atuava. No centro da orquestra, ficava um altar em honra a Dioniso, o thymele. O teatro também era composto pela skenê, ou seja, o cenário, que era o local para trocar o figurino; e o proscenium onde atuava os atores, embora tinham a liberdade de ir até a orquestra. Os atores profissionais, diferentemente do coro, usavam máscaras, consideradas símbolos do teatro, inclusive nos dias de hoje. Esses itens, de acordo com Vernant e Vidal-Naquet (2002), distinguiam o ator da coletividade do coro e os integravam a uma categoria social e religiosa estritamente definida: a dos heróis. Assim, eles se tornavam a encarnação de um dos excepcionais seres pertencentes as lendas contadas. Até hoje, são encenadas peças como “A Medeia”, de Eurípedes; “Prometeu acorrentado”, de Ésquilo; e “Édipo”, de Sófocles. Os três autores trágicos mais conhecidos (FUNARI, 2011). 2.4.2 A tragédia A tragédia é o gênero mais antigo conhecido. De acordo com a tradição, foi Téspis quem criou a tragédia ao introduzir um ator que falou com ele ao coro. Depois, Ésquilo teria acrescentado um segundo ator, e, mais tarde, passando de três para quatro atores, o que permitia o encontro em cena de vários personagens (MOSSÉ, 2004). Todos eram homens, atores e cantores que usavam máscaras. Segundo Mossé (2004), as tragédias eram construídas, singularmente, de acordo com um padrão idêntico. Tudo começa com um prólogo antes da entrada do coro, que, por sua vez, expunha a situação. Depois, os párodos, a primeira intervenção do coro, e, em seguida, a alternância de cenas e músicas faladas, até chegar a cena final ou ao êxodo. Os temas das peças geralmente consistiam em um episódio particularmente significativo do mito. Vernant e Vidal-Naquet (2002) apontam que, como gêneroliterário, a tragédia parece dar expressão a uma particular experiência humana, que é ligada a especificas condições sociais e psicológicas. Para Aristóteles, a tragédia devia suscitar algumas emoções, como o terror e a piedade, fazendo com que o espectador fosse levado a catarse, espécie de purificação da alma, fonte do prazer estético. O filósofo grego não teria sido o primeiro a escrever sobre a tragédia grega, no entanto, é ele que influencia o teatro e nos traz informações sobre essa arte em sua obra “Poética”. Ainda de acordo com o filósofo, a tragédia devia preencher três requisitos: personagens de grande destaque, como heróis, reis e deuses; uma linguagem própria; e um final triste, que, em linhas gerais, deveria mostrar o desastre que acontecia com os personagens orgulhosos que não aceitavam seu destino. O portal Domínio Público possui disponível várias obras abertas ao público, entre elas, a obra de Sófacles: “Édipo Rei”. Nela, temos a história do um menino adotado que, conforme mostra seu destino, tentará matar o pai e desposar a mãe, mas foge para que a cena não aconteça de fato. Você pode acessar a obra completa no link: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do? select_action=&co_obra=2255 (http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do? select_action=&co_obra=2255)>. A história de “Édipo” foi levada para a psicologia por Sigmund Freud, para descrever o complexo em que o homem busca em sua companheira características da mãe, sentimento conhecido como “complexo de Édipo”. Com personagens intensos, histórias de passados heroicos remotos e com grande significado para a cidade, Eyler (2014) ressalta que, no teatro, os heróis, como personagens, podem falar por seu próprio nome, diferentemente do que ocorria com os poetas. De acordo com a autora, a “[...] encenação permitia aos espectadores o reconhecimento da força da tradição e conferia um mínimo de garantia aos cidadãos.” (EYLER, 2014, p. 107). VOCÊ QUER LER? http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2255 A tragédia tinha sua importância para a democracia, principalmente na manutenção de sua mentalidade e história, pois, além dos mitos, tinha a política como temática. Entretanto, outro gênero também ficou marcado nessa época: a comédia. 2.4.3 A comédia Muitas obscuridades permanecem quanto ao nascimento da comédia. Sabe-se que ela só ficou conhecida 50 anos após a tragédia, mas onde teria iniciado é um mistério para os pesquisadores. De acordo com Mossé (2004), seu surgimento se deu com o cômos, coro falado e cantado que acompanhava as cerimônias do culto de Dionísio. Com uma temática mais livre, a comédia pode falar de situações imaginárias em um contexto político real, por meio de circunstâncias extravagantes, em que os políticos não satirizados e a guerra é questionada (MOSSÉ, 2004). Em determinados momentos, ela também passa a falar de assuntos mais privados, intrigas apaixonantes, sentimentos com tipos sociais típicos, como o cozinheiro, o soldado, a cortesã e o parasita, além das ironias políticas e críticas às instituições e filósofos. Mossé (2014) ainda aponta que as alusões à política já não estão mais presentes na comédia, por outro lado, as intrigas apaixonadas, o reconhecimento das crianças perdidas e as cortesãs tomam o primeiro lugar. Nesse momento, o coro desaparece e a peça passa a se articular em cinco atos. Esse tipo de comédia influenciou todo o mundo helenístico e inspirou a comédia latina. Aristófanes é considerado o maior representante da comédia grega clássica. Um grande exemplo é a peça “Lisístrata: a Greve do Sexo”. CASO As peças gregas são uma documentação riquíssima para se entender a cultura grega. Imagine que, em uma escola, a professora de História, sabendo disso, resolveu levar uma peça para dentro da sala de aula. Sua escolha foi “Lisístrata: a Greve do Sexo”, de Aristófanes, que narra a história de uma mulher ateniense em busca de uma luz para encerrar o conflito entre as cidades-estados gregas, trazendo a paz e seus maridos de volta para casa. Ao trabalhar com ela em sala, muitas discussões foram geradas, como o papel da mulher e a sexualidade na Grécia Antiga. Os alunos, curiosos, queriam saber mais sobre o assunto e fizeram muitos questionamentos. A professora, então, utilizou a própria história da peça e o que havia explicado durante as aulas para esclarecer alguns pontos. Com isso, ela instigou a discussão, ampliando as possibilidades de entendimento da cultura grega, além de ter incentivado os alunos a fazerem novas leituras. Na história, Lisístrata propõem as mulheres de todas as cidades gregas uma greve de sexo, para que seus maridos parem de guerrear. Ao final da peça, ela consegue seu intento ao discursar para os embaixadores de Atenas e de Esparta sobre os impactos da guerra. Essa peça, inclusive, pode ser trabalhada de diferentes formas, com a intenção, por exemplo, de representar o papel da mulher na sociedade grega daquele período. Temos acesso a muitas peças gregas que retratam a sociedade grega de seu período, seja em uma tragédia, seja em uma comédia. Essas peças que podem ser lidas para proveito, para estudo e para trabalhar em sala de aula. Síntese Chegamos ao final do primeiro capítulo! Você concluiu seus estudos sobre a sociedade grega do período clássico, analisando as características sociais, culturais e políticas da época. Com essa discussão, esperamos que você se sinta competente para refletir e discutir em sala de aula as características da Grécia Clássica, bem como para buscar novas bibliografias e enriquecer seus estudos. Neste capítulo, você teve a oportunidade de: analisar a história da História e como os gregos viam as narrativas do passado; compreender como a mulher e a homossexualidade eram vistas na Grécia Clássica; entender a democracia ateniense e a sua relação com Sócrates, Platão e Aristóteles; conhecer as principais características do teatro grego, tanto na tragédia quanto na comédia. Referências bibliográficas ALEXANDRE, O Grande. Direção: Oliver Stone. Estados Unidos: Warner Bros, 2005. 170 min. Color. APOLODORO; DEMOSTENES. Contra Neera. Tradução de Glória Onelley com introdução e notas de Ana Lúcia Curado. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013. ARISTÓFANES. Lisístrata. 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