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John Stuart Mill Considerações Sobre o Governo Representativo

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John Stuart Mill – Considerações Sobre o Governo Representativo
ÍNDICE 
Prefácio
I - Até que ponto as formas de governo dependem de escolha
II - Critério para boa forma de governo
III - De como a forma idealmente melhor de governo é a representativa
IV - Em que condições sociais se torna inaplicável o governo representativo
V - Das funções próprias aos corpos representativos
VI - Das enfermidades e perigos a que está sujeito o governo representativo
VII - Da democracia verdadeira e falsa; representação de todos ou somente da maioria
VIII - Da extensão do sufrágio
IX - Deverá haver dois estádios de eleição?
X - Da maneira de votar
XI - Da duração dos parlamentos
XII - Devem exigir-se garantias idos membros do parlamente?
XIII - De uma segunda câmara
XIV - Do poder executivo em governo representativo
XV - Dos corpos representativos locais
XVI - Da nacionalidade em correlação ao governo representativo
XVII - Dos governos representativos federais
XVIII - Do governo de possessões por um estado livre
Notas biográficas
PREFÁCIO 
Os QUE ME DERAM A HONRA de ler escritos meus anteriores não experimentarão provavelmente forte impressão de novidade ao percorrer as páginas do presente volume; pois que os princípios são os de que me venho ocupando durante a maior parte de minha vida, e muitas dentre as principais sugestões práticas outros as anteciparam ou mesmo eu. Nota-se, contudo, novidade em reuni-las e apresentá-las na respectiva conexão; bem como, parece-me, em grande parte do que se lhes exibe em apoio. De qualquer maneira, algumas das opiniões, se não são novidade, têm mui pouca probabilidade, por enquanto, de serem em geral recebidas como se o fossem
Afigurasse-me, contudo, por vários indícios, dentre os quais não são menos importantes os debates sobre a reforma do Parlamento, que tanto os Conservadores como os Liberais (se me é dado continuar a chamá-los como a si se chamam) perderam a confiança nos credos políticos que professam nominalmente, enquanto nenhum dos dois lados parece ter feito qualquer progresso no sentido de conseguir outro melhor. Todavia deve ser possível semelhante doutrina melhor, que não seja simples acomodação mediante a divisão da diferença entre os dois, mas algo de mais amplo do que qualquer deles, doutrina essa que em razão da própria amplitude mereça adotada seja pelos liberais, seja pelos conservadores, sem que precisem renunciar a algo que sintam ser realmente de valia no próprio credo. Quando tantos sentem obscuramente a falta de tal doutrina, e tão poucos estão em condições de lisonjear-se por havê-la conseguido, qualquer um pode, sem presunção, oferecer quanto os seus próprios pensamentos, e a melhor parte dos que conheça de outrem, seja capaz de contribuir-lhe para a formação. 
ATÉ QUE PONTO AS FORMAS DE GOVERNO DEPENDEM DE ESCOLHA 
TODAS AS INVESTIGAÇÕES com respeito a formas de governo trazem o cunho, mais ou menos exclusivo, de duas teorias discordantes relativamente às instituições políticas, ou, para falar mais precisamente, concepções discordantes do que venham a ser instituições políticas. 
Espíritos há que concebem o governo como arte rigorosamente prática, que não origina qualquer outra questão que não os meios e um fim. Assimilam-se as formas de governo a quaisquer outros expedientes para a consecução de objetivos humanos. Encaram-nas como sendo totalmente um caso de invenção e ardil. Sendo devidas ao homem, supõe-se tenha ele a escolha para fazê-las ou- não, e como e de acordo com que modelo fazê-las. Conforme esta concepção, o governo é um problema, que se terá de resolver como qualquer outro assunto de negócio. O primeiro passo importa em definir os objetivos cuja promoção incumbe aos governos. O passo seguinte consiste em indagar qual a forma de governo que mais convém à realização daqueles objetivos. Tendo-nos satisfeito quanto a estes dois pontos, e determinado a forma de governo que combina o maior volume de bem com o menor de mal, resta ainda conseguir a concordância dos concidadãos, ou daqueles a quem se destinam as instituições, com a opinião a que chegamos intimamente. Encontrar a melhor forma de governo, persuadir o próximo de que é a melhor e, depois de fazê-lo, instigá-lo a insistir em realizá-lo, tal a ordem de ideias no espírito dos que adotam este modo de ver a filosofia política. Encaram uma constituição sob o mesmo prisma (desde que se leve em conta a diferença de escala) como encarariam um arado a vapor ou uma debulhadora. 
A estes se opõe outra classe de argumentadores políticos, que tão longe estão de assimilar certa forma de governo a uma máquina que o consideram como uma espécie de produto espontâneo, e a ciência do governo como ramo (por assim dizer) da história natural. Segundo estes, as formas de governo não dependem de escolha. Devemos aceitá-las, geralmente, como as encontramos. Não é possível instituir governos segundo planos premeditados. "Não os fazemos, surgem." Cabe-nos em relação a eles, como perante outros fatos do universo, travar conhecimento com as propriedades naturais e a eles nos adaptarmos. Esta escola considera as instituições fundamentais de um povo como uma espécie de produto orgânico da natureza e da vida desse povo; dos hábitos, instintos, e desejos e aspirações inconscientes, mas mui raramente de resoluções ponderadas. A vontade não tomou parte na questão senão indo ao encontro das necessidades do momento, por artifícios também do momento, os quais, se forem suficientemente conformes aos sentimentos e ao caráter nacionais, perduram comumente e passam a constituir mediante agregação sucessiva certa política conveniente ao povo que a possui, que seria, porém, vão tentar introduzir em qualquer outro povo cuja natureza e cujas circunstâncias não a tivessem espontaneamente originado. 
Difícil seria decidir qual destas doutrinas fosse a mais absurda, se supuséssemos qualquer das duas sustentada como teoria exclusiva. Todavia, os princípios que os homens reconhecem com relação a qualquer assunto controvertido constituem geralmente expoente muito incompleto da opinião que realmente esposam. Ninguém acredita que todo o mundo é capaz de fazer funcionar qualquer espécie de instituições. Leve-se a analogia com os dispositivos mecânicos tão longe quanto se quiser, ninguém escolhe nem mesmo um simples instrumento de madeira e ferro apenas por ser em si o melhor. Pondera se está de posse dos outros requisitos que se devem combinar ao instrumento para tornar-lhe o emprego vantajoso, e, em particular, se os que vão fazer uso dele possuem o conhecimento e a habilidade necessários para o manusear. Por outro lado, nem são realmente os que falam das instituições como se elas fossem uma espécie de organismos vivos, os fatalistas políticos por que se querem fazer passar. Não pretendem não disporem os homens, em absoluto, de certa margem para escolha quanto ao governo sob o qual querem viver, nem que a ponderação das consequências que defluem de várias formas de governo não seja elemento a levar-se em conta ao resolver qual delas deva merecer preferência. Todavia, embora cada lado exagere grandemente a própria teoria, por oposição ao outro, e nenhum deles se agarre sem modificação a qualquer delas, correspondem as duas doutrinas a diferença profundamente arraigada entre os dois modos de pensamento; e apesar de ser evidente que nem um nem outro esteja inteiramente certo, contudo, sendo igualmente evidente que nem um nem outro é totalmente errôneo, precisamos esforçar-nos por chegar ao fundo de cada um, valendo-nos da soma de verdade existente em qualquer deles. 
Lembremos então, em primeiro lugar, que as instituições políticas são obra dos homens (embora vez por outra se ignore a proposição), devendo a origem e a existência inteira à vontade humana. Não acordaram os homens em manhã de estio para com elas deparar completas. Nem se assemelham às árvores que, uma vez plantadas, "estão sempre a crescer" enquanto os homens "estão a dormir". Em qualquer estádio da existência são o que são pela atuação
voluntária do homem. Como tudo mais que se deve à mão do homem, podem ser bem ou malfeitas; talvez para produzi-las, lançassem mão de julgamento e habilidade ou exatamente o contrário. Ainda mais, se um povo deixou ou, devido à pressão externa não foi capaz de estabelecer uma constituição pelo processo experimental que consiste em aplicar um corretivo a cada mal, conforme surge ou segundo os que o sofrem acumulam forças para a ele resistirem, esta demora no progresso político constitui para ele grande desvantagem, sem que, entretanto, prove não pudesse ter-lhe sido vantajoso o que se verificou vantajoso para outros, sendo-o ainda quando achar conveniente adotá-lo.
Por outro lado, é preciso ter presente ao espírito que o mecanismo político é incapaz de agir por si. Sendo, de início, feito pelos homens, estes terão de fazê-lo funcionar, e até mesmo por homens vulgares. Tornasse-lhe necessária não a simples aquiescência, mas a participação ativa, que terá de ajustar-se às- aptidões e qualidades de tais homens, conforme disponíveis. Esta circunstância implica em três condições. O povo para o qual se destina a forma de governo deve inclinar-se a" aceitá-la, ou, pelo menos, não ser tão desinclinado que oponha obstáculo insuperável à sua instituição. Deve ter o desejo de fazer e ser capaz de fazer o que lhe exigirem para que o governo preencha os seus fins. Deve entender-se a palavra "fazer" como compreendendo tanto abstenções como atos. Têm de ser capazes de preencher as condições da ação e as condições de comedimento, necessárias ou à conservação em existência do governo estabelecido ou à consecução dos seus fins, cujo alcance importa em recomendá-lo. 
A omissão de qualquer destas condições torna uma forma de governo, por mais promissora que se tenha apresentado, inadequada ao caso particular em foco. 
O primeiro obstáculo, a repugnância do povo à forma particular de governo, exige pouca explanação por isso que não se pode deixá-la passar em teoria. O caso volta à baila constantemente. Somente força estranha levaria uma tribo de índios norte-americanos a submeter-se às restrições de governo regular e civilizado. Poder-se-ia dizer o mesmo, embora- um tanto menos absolutamente, dos bárbaros que invadiram o Império Romano. Foram necessários séculos de tempo e inteira alteração das circunstâncias, para trazê-los disciplinadamente à obediência regular mesmo aos próprios chefes, quando não serviam realmente sob a bandeira deles. Há nações que se não submetem voluntariamente a qualquer governo que não o de certas famílias, detentoras, desde tempos imemoriais, do privilégio de fornecer-lhes chefes. Não foi possível fazer com que certas nações suportassem um governo monárquico senão mediante conquista estrangeira; outras são por igual contrárias à república. Muita vez a dificuldade redunda, no momento, em impraticabilidade. 
Contudo, verificam-se igualmente certos casos em que um povo, embora não infenso à forma de governo - provavelmente até mesmo a desejando - pode mostrar-se relutante ou incapaz de preencher-lhe as condições. Será incapaz de satisfazer às que são indispensáveis à manutenção do governo até mesmo em existência nominal. Assim um povo pode preferir o governo livre, mas se por indolência, incúria, covardia ou falta de espírito público não estiver à altura dos esforços necessários para o conservar; se por ele não combater quando diretamente atacado; se se deixar enganar pelos artifícios empregados para burlá-lo dele; se for possível induzi-lo, por meio de desânimo momentâneo ou pânico temporário ou, ainda, por um acesso de entusiasmo por certo indivíduo, induzi-lo a depor as próprias liberdades aos pés mesmo de um grande homem ou confiar-lhe às mãos poderes que o tornem capaz de subverter as instituições - em todos esses casos não tem aptidão para a liberdade; e embora lhe fosse vantajoso desfrutá-la mesmo por pouco tempo, não é provável que goze dela por um longo período. Ainda mais, pode acontecer que um povo não tenha vontade ou seja incapaz de cumprir com os deveres que certa forma de governo dele exige. Um povo rude, embora até certo ponto cônscio dos benefícios resultantes de sociedade civilizada, pode ser incapaz de pôr em prática a paciência que ela exige: pode ter paixões por demais violentas ou orgulho pessoal exigente em demasia para renunciar a conflitos privados, abandonando às leis o desagravo de malefícios reais ou supostos. Em tal caso, um governo civilizado, para ser-lhe realmente vantajoso, precisa ser despótico em grau considerável: sobre ele não poderá o povo exercer qualquer controle, cabendo ao governo impor-lhe às ações enérgica limitação. Ainda mais, deve considerar-se um povo inapto para a liberdade mesmo limitada e condicional se não coopera ativamente com a lei e as autoridades públicas na repressão dos malfeitores. Um povo que está mais disposto a proteger um criminoso do que prendê-lo; que, como os hindus, jura falso testemunho para encobrir o ladrão de preferência a incomodar-se e arriscar-se à desforra por acusá-lo; que, como nalgumas nações da Europa até pouco tempo, se um homem apunhala outro na via pública, passa para o outro lado, porque incumbe à polícia tratar do assunto e é mais seguro deixar de interferir no que não lhe diz respeito; povo que se revolta ante uma execução, mas não se abala com um assassínio - merece autoridades públicas revesti das de poderes de repressão muito mais severos do que em qualquer outra parte, visto como os primeiros requisitos indispensáveis à vida civilizada nada terão que lhes sirva de base. Estes estados deploráveis de sentimentos, em qualquer povo que tenha emergido da vida selvagem, resultam, sem dúvida, usualmente de mau governo anterior, que lhes ensinou a considerar a lei como feita para outros fins que não o próprio bem dele e os administradores como inimigos piores que quantos a violem abertamente. Todavia, por menor que seja a responsabilidade que caiba àqueles em quem se desenvolveram tais hábitos mentais e muito embora seja possível finalmente conquistá-los por meio de melhor governo, entretanto, enquanto existirem, não se poderá governar um povo com essa disposição mediante o exercício de tão pouco poder sobre ele como um povo cujas simpatias estiverem do lado da lei, inclinado a dar assistência ativa ao seu funcionamento. Ainda mais, de reduzido valor serão as instituições representativas, tornando-se mesmo mero instrumento de tirania ou intriga se a generalidade dos eleitores não está suficientemente interessada no seu próprio governo para dar-lhe votos ou, se chegarem a votar, não confiram os sufrágios levados pelo interesse público, mas os vendam por dinheiro ou votem ao aceno de alguém que os controle, ou a quem desejam favorecer devido a razões particulares. A eleição popular praticada por essa forma, ao invés de ser a garantia contra os maus governos, nada mais é do que uma roda adicional na máquina deles. Além desses empecilhos morais, dificuldades mecânicas se apresentam muita vez como obstáculo insuperável às formas de governo. No mundo antigo, embora pudesse existir e muitas vezes existisse, grande independência individual ou local, nada havia de parecido com um governo popular regulado, além dos limites de uma única cidade-comuna; porque não existiam as condições físicas para a formação e propagação da opinião pública, exceto entre os que era possível reunir para discutir questões públicas na mesma ágora. Em geral pensam que este obstáculo desapareceu com a adoção do sistema representativo. Para superá-lo, porém, completamente, era necessária a imprensa, equivalente real, embora não adequado em todos os sentidos, do Pnix ou do Fórum (Pnix, lugar de encontro da assembleia ateniense; Fórum, a principal praça de Roma). Existiram estados da sociedade nos quais era impossível mesmo a uma monarquia de extensão territorial um tanto grande subsistir, dividindo-se inevitavelmente em pequenos principados, ou mutuamente independentes, ou mantidos juntos por meio de laços precários como o feudal, porque a máquina
da autoridade não era bastante perfeita para executar ordens a grande distância da pessoa do governante. Este dependia principalmente da fidelidade voluntária para a obediência até mesmo do próprio exército, nem existiam meios de obrigar o povo a pagar volume suficiente de impostos a fim de manter a força necessária à compulsão da obediência através de extenso território. Nestes e em outros casos semelhantes deve entender-se que a importância do empecilho pode ser maior ou menor. Pode ser tão grande que cause o mau funcionamento da forma de governo, sem que lhe impossibilite a existência ou impeça que venha a ser praticamente preferível a qualquer outro que se possa instituir. Esta última questão depende principalmente de uma consideração a que ainda não chegamos - as tendências das várias formas de governo no sentido de fomento ao progresso. 
Acabamos de examinar as três condições fundamentais da adaptação das formas de governo ao povo que por elas terá de reger-se. Se os que sustentam a teoria política que se pode chamar de naturalista querem somente insistir na necessidade dessas três condições, se querem apenas dizer que nenhum governo é capaz de existir permanentemente se não satisfizer às duas primeiras condições e até certo ponto à terceira, a doutrina que professam, assim limitada, é incontestável. Mas parece-me insustentável tudo quanto exceder ao que fica dito. Tudo quanto nos dizem relativamente à necessidade de base histórica para as instituições, de ficarem em harmonia com os costumes e o caráter nacionais, e outras alegações semelhantes, ou coincide com o que se disse acima ou é fora de propósito. Observa-se abundância de simples sentimentalidade em relação a estas e outras frases semelhantes, muito além da substância do significado racional nelas contido. Considerados, porém, sob ponto de vista prático, estes pretensos requisitos das instituições políticas constituem simplesmente outras tantas facilidades para a realização daquelas três condições. Quando se abre o caminho a uma instituição ou grupo de instituições, por meio das opiniões, gostos e hábitos do povo, a este se induz mais facilmente a aceitá-las, mas aprenderá com maior rapidez e ficará, desde o início, mais inclinado a pôr em prática o que se exige dele, não só para a preservação das instituições como também para induzi-lo a ação tal que as torne capazes de produzir os melhores resultados. Muito se enganaria qualquer legislador que não modelasse as medidas de sorte a tirar vantagem de hábitos e sentimentos pré-existentes se acaso os encontrar. Por outro lado, será exagero elevar estes simples auxílios e facilidades a condições necessárias. Induz-se mais facilmente o homem a fazer aquilo a que está já acostumado, fazendo-o com facilidade maior; aprende também, contudo, a fazer o que é novo. A familiaridade é de grande auxílio, mas a insistência em certa ideia torna-a familiar, mesmo quando estranha a princípio. Deparam-se inúmeros exemplos de ansiedade de um povo inteiro por algo que ainda não experimentou. A porção de capacidade que um povo possui para realizar o que é novo e adaptar-se a novas circunstâncias constitui, em si, um dos elementos da questão. Nesse predicado muito diferem as nações umas das outras, bem como os diferentes estádios de civilização. Com relação à aptidão de certo povo em preencher as condições de cada forma de governo não é possível estabelecer-se qualquer regra geral. Devemo-nos guiar pelo conhecimento do povo em apreço e pelo julgamento prático geral e sagacidade. Será também necessário não perder de vista outra consideração. Pode acontecer que um povo não se encontre preparado para instituições boas; mas faz parte do preparo inflamar neles o desejo de consegui-las. Recomendar e encarecer certa instituição ou forma de governo, e apresentar-lhes as vantagens sob a luz mais favorável constitui uma das maneiras, muita vez a única ao alcance, de educar o espírito da nação não só para aceitar ou solicitar, mas até para pôr em execução certa instituição. De que meio dispunham os patriotas italianos, durante a geração atual e anterior para prepararem o povo italiano para a liberdade com a unidade senão instigando-os a exigi-la? (J. S. Mill escrevia pouco depois de ter o reino do Piemonte, ao norte da Itália, conseguido finalmente (1859-61) por meios militares e diplomáticos, impor a unidade à maior parte da península italiana, - o que o nacionalismo revolucionário dos patriotas italianos desde a Revolução Francesa não pudera assinalada mente realizar. Completou-se a unificação com a ocupação de Veneza em 1866, de Roma em 1870 e do Trentino em 1918). Contudo os que metem ombros a semelhante missão precisam estar devidamente imbuídos não só dos benefícios da instituição ou da forma de governo que recomendam, mas têm de possuir a capacidade moral, intelectual e ativa, exigida para levá-la a efeito - de sorte que evitem, se possível, despertar desejos muito além do que é possível. 
O resultado de quanto se disse até agora é que, dentro dos limites fixados pelas três condições tantas vezes aludidas, as instituições e formas de governo são questão de escolha. Investigar qual a melhor forma de governo em abstrato (conforme se diz) não constitui emprego quimérico, mas altamente prático do intelecto científico; e introduzir em qualquer país as melhores instituições que sejam capazes, no estado presente desse país e em qualquer grau tolerável, de satisfazer-lhe às condições, é um dos objetivos mais racionais a que se possa dedicar o esforço prático. Tudo quanto se possa dizer no sentido de desacreditar a eficácia da vontade e dos propósitos humanos em questões de governo também seria possível dizer em qualquer outra de suas aplicações. Em tudo quanto existe, observam-se limites muito rigorosos ao poder humano. Só lhe é dado agir manejando uma ou mais de uma força da natureza. Devem, portanto, existir forças suscetíveis de aplicação ao objetivo em vista, e estas somente atuarão conforme as suas próprias leis. Não é possível fazer um rio correr para trás, mas por isso não vamos dizer que "não se fazem mas surgem" as rodas de água. Na política, assim também em mecânica, a força que mantém o motor em funcionamento tem de procurar-se fora do mecanismo; e se não estiver à mão ou se mostrar insuficiente para superar os obstáculos que forem de esperar razoavelmente, o dispositivo não funcionará. Não se trata, no caso, de peculiaridade da arte política, significando simplesmente dizer-se que está sujeita às mesmas limitações e condições que imperam em qualquer outra arte. 
Neste ponto deparamos com outra objeção ou com a mesma sob forma diferente. As forças, argumenta-se, das quais dependem os fenômenos políticos mais importantes não se submetem à direção de políticos e filósofos. O governo de um país, afirma-se, está fixado e determinado, sob todos os aspectos de relevo, de antemão pelo estado do país em relação à distribuição dos elementos de poder social. O poder mais forte na sociedade, seja qual for, conseguirá a autoridade de governar, e qualquer alteração da constituição política não será duradoura se não for precedida ou acompanhada de distribuição alterada do poder na própria sociedade. A nação não pode, portanto, escolher a forma de governo. É capaz de escolher os simples detalhes e a organização prática, mas a essência do conjunto, a sede do poder supremo, determinam-nas as circunstâncias sociais. 
Admito de imediato a existência de grande porção de verdade em semelhante doutrina; mas para utilizá-la, necessário se torna reduzi-la a expressão distinta e limites próprios. Quando se diz que o poder mais forte da sociedade ficará ainda mais forte no governo, o que se quer dizer por poder? Não serão nervos e tendões, senão a única forma de governo que estivesse em condições de existir seria a democracia pura. Se juntarmos à simples força muscular dois outros elementos, a propriedade e a inteligência, ficaremos mais próximos da verdade, mas ainda longe de alcançá-la. Não só um número menor mantém em sujeição
número maior, mas o maior número pode ter preponderância em propriedade e individualmente em inteligência, conservando-se, entretanto, em submissão, à força ou por outro modo qualquer, à minoria sob qualquer dos dois aspectos inferior. Para que se tornem politicamente influentes estes vários elementos do poder, é preciso que se organizem; e a vantagem da organização está necessariamente com aqueles que estão de posse do governo. Um partido muito mais fraco em todos os outros elementos do poder é capaz de preponderar grandemente quando se lançam à concha da balança as forças do governo, e somente por este meio preponderar por muito tempo, embora, sem dúvida, um governo assim situado se encontre nas condições que em mecânica se chamam de equilíbrio instável, à semelhança de objeto equilibrado pela extremidade mais delgada, que, uma vez deslocado, tende cada vez mais a afastar-se do estado anterior ao invés de aproximar-se dele.
Todavia, existem objeções ainda mais fortes a esta teoria do governo nos termos em que geralmente a formulam. Na sociedade o poder que revela qualquer tendência para converter-se em poder político não é quiescente, meramente passivo, mas poder ativo - em outras palavras, poder realmente exercido; o que importa em dizer, porção mui reduzida de todo o poder em existência. Falando-se politicamente, grande parte de todo poder consiste em vontade. Como será então possível computar os elementos do poder político, se se omite do cômputo uma parte qualquer que atua sobre a vontade? Pensar que, como os que exercem o poder na sociedade ao fim exercem o de governar, não havendo, portanto, qualquer vantagem na tentativa de influir sobre a constituição do governo atuando sobre a opinião, importa em esquecer que a própria opinião é, de per si, uma das maiores forças sociais ativas. Uma pessoa que possua certa crença é poder social igual a noventa e nove que têm apenas interesses. Os que conseguem dar origem à geral persuasão de que certa forma de governo, ou fato social de qualquer espécie, merece preferência, deram quase o passo mais importante para trazer-lhe em apoio as forças da sociedade. No dia em que o protomártir deixou-se lapidar até a morte em Jerusalém, enquanto o que havia de ser o Apóstolo dos Gentios estava perto "consentindo que o matassem", alguém teria suposto que o partido do lapidado se tornasse algum dia o poder mais forte da sociedade? (Refere-se a Santo Estevão, o primeiro mártir cristão, e a S. Paulo, que como Saulo, acompanhava a execução daquele (atos, 7:54-60)). E o resultado não veio provar que assim o era? Porque era deles a crença mais poderosa dentre as que então existiam. O mesmo elemento tornou um monge de Wittenberg (Martin Lutero, 1483-1546, que desafiou em Worms o imperador e os príncipes alemães recusando abjurar os próprios ensinamentos. Essa assembleia assinala o início da Reforma na Alemanha) na reunião da Dieta de Worms, força social mais poderosa do que o Imperador Carlos V e todos os príncipes aí reunidos. Mas, poder-se-á dizer, são casos que diziam respeito à religião, e as convicções religiosas são algo de peculiar na força que possuem. Vamos então tomar um caso meramente político, no qual a religião, até onde a interessava, estava do lado mais fraco. Se alguém quiser convencer-se de que o pensamento especulativo forma um dos elementos principais do poder social, reflita sobre a época em que raramente se encontrava um trono na Europa que não estivesse nas mãos de rei liberal e reformador, imperador liberal e reformador e, caso ainda mais estranho, papa liberal e reformador: a época de Frederico o Grande, de Catarina II, de José II, de Pedro Leopoldo, de Benedito XIV, de Ganganelli, de Pombal, de Aranda; (O grupo indicado era de estadistas mais ou menos sob a influência do Iluminismo. Todos eles instituíram reformas sociais e reforçaram a autoridade temporal com atitude marcadamente contrária à Ordem dos Jesuítas) quando os próprios Bourbons de Nápoles eram liberais e reformadores, e todos os espíritos ativos da nobreza da França estavam dominados pelas ideias que pouco depois haviam de custar-lhes tão caro. (Mill faz supor que as ideias do Iluminismo contribuíram para preparar o caminho da Revolução Francesa (1789-1793)). Com toda certeza exemplo concludente de como o simples poder físico ou econômico longe está de ser o poder social inteiro. Não é por meio de qualquer alteração na distribuição de interesses materiais mas pela divulgação de convicções morais que se chegou a abolir a escravidão africana no Império Britânico e em qualquer outra parte do mundo. Os servos da Rússia devem a emancipação, se não a um sentimento de dever, pelo menos à generalização de opinião mais esclareci da relativamente ao verdadeiro interesse do Estado. O que os homens pensam determinar-lhes a maneira de agir; e embora as persuasões e convicções do homem médio sejam determinadas em muito maior grau mais pela posição pessoal que pela razão, não pequeno poder exercem sobre ele as persuasões e convicções daqueles cuja posição pessoal é diferente e a autoridade conjunta das pessoas instruídas. Por conseguinte, quando se consegue trazer os instruídos em geral a reconhecerem certo arranjo social, ou instituição política ou outra qualquer, como boa e outra como má, uma desejável, outra condenável, já se fez muito para proporcionar a uma ou retirar à outra a preponderância de força social que lhe permite subsistir. E a máxima que reza ser o governo de um país o que as forças sociais em existência o levam a ser mostra-se apenas verdadeira no sentido em que favorece, ao invés de desanimar, a tentativa de proceder à escolha racional entre todas as formas de governo praticáveis nas condições existentes da sociedade. 
II 
CRITÉRIO PARA BOA FORMA DE GOVERNO 
PODENDO TRAZER-SE Á ESCOLHA a forma de governo de qualquer país dado (dentro de certas condições definidas), devemos passar agora a considerar qual o exame que deve presidir à escolha: quais as características distintivas da forma de governo que melhor convém para a promoção dos interesses de uma sociedade qualquer. 
Antes de atacar esta investigação, parecerá necessário determinar quais as funções próprias ao governo; visto como, sendo o governo apenas um meio, a escolha dos meios deve depender da sua adaptação ao fim. Esta maneira, porém, de enunciar o problema facilita menos a investigação do que seria dado supor, não chegando mesmo a descortinar a questão em toda a sua amplitude. Porque, em primeiro lugar, as funções peculiares ao governo não são fixas, mas diversas em diferentes estados da sociedade - muito mais extensas em estado atrasado do que em um desenvolvido. E, em segundo lugar, não é possível avaliar suficientemente o caráter de um governo ou de um grupo de instituições políticas se limitarmos a nossa atenção à esfera legítima das funções governamentais. Porque embora a excelência de um governo se circunscreva a essa esfera, a sua nocividade, infelizmente, não o está. Toda espécie e grau de malefícios suscetíveis de acabrunharem o homem podem infligir-lhe os maus governos; e nenhum dos bens de que é capaz a existência social pode levar-se avante se a constituição do governo não for compatível com a sua realização ou lhe permita o campo necessário. Sem falar dos efeitos indiretos, a intromissão direta das autoridades públicas só tem como limites necessários os da existência humana; e pode considerar-se ou avaliar-se a influência do governo sobre o bem-estar da sociedade referindo-a a nada menos do que o conjunto dos interesses da humanidade. 
Vendo-nos assim forçados a colocar diante de nós como estalão do governo bom ou mau objeto tão complexo como os interesses conjugados da sociedade, de bom grado tentaríamos alguma espécie de classificação dos interesses, a qual, apresentando-os ao espírito em grupos definidos, fornecesse indicações das qualidades por meio das quais certa forma de governo convém à promoção desses vários interesses respectivamente. Seria muito vantajoso se pudéssemos dizer que o
bem da sociedade consiste em tais ou quais elementos; um desses elementos exige tais condições, outro outras diferentes; deverá então ser o melhor possível o governo que reúna, em maior grau, todas essas condições. Construir-se-ia assim a teoria do governo mediante os teoremas distintos relativos aos elementos que entram na composição de bom estado da sociedade. 
Infelizmente não é tarefa fácil enumerar e classificar os elementos do bem-estar social de sorte a chegar-se à formulação desses teoremas. A maior parte dos que, na geração atual ou na anterior, se dedicaram à filosofia da política com espírito amplo, sentiram a importância de tal classificação, mas as tentativas levadas a efeito estão ainda limitadas, pelo que sei, a um único passo. A classificação começa e termina com a divisão das exigências da sociedade entre as duas categorias de Ordem e Progresso (conforme a expressão de Augusto Comte); e Permanência e Progressão, nas palavras de Coleridge. Esta divisão é plausível e sedutora por causa da oposição aparentemente nítida entre os dois membros e a notável diferença entre os sentimentos para os quais apelam. Mas receio que (embora admissível para fins de exposição popular) a distinção entre Ordem ou Permanência e Progresso, empregada para definir as qualidades necessárias a um governo, não seja científica nem correta. 
Por que, em primeiro lugar, o que é Ordem, o que é Progresso? Quanto ao Progresso não há dificuldade, ou nenhuma aparente à primeira vista. Quando se fala de Progresso como uma das necessidades da sociedade humana, pode supor-se que signifique Melhoramento. Apresenta-se como ideia toleravelmente distinta. Mas o que é Ordem? Às vezes significa mais, outras, menos, mas dificilmente o conjunto de tudo quanto a sociedade humana tem necessidade exceto o melhoramento. 
Na acepção mais restrita, Ordem quer dizer obediência. Diz-se que um governo mantém a ordem se consegue ver-se obedecido. Existem, porém, vários graus de obediência, nem todos eles sendo recomendáveis. Somente despotismo absoluto exige do cidadão obediência incondicional a todas as ordens emanadas das pessoas que detêm o poder. Devemos pelo menos restringir a definição às ordens gerais, promulgadas sob a forma intencional de leis. A ordem assim entendida exprime, sem dúvida, atributo indispensável do governo. Os que não forem capazes de ver obedecidas as suas ordens não se pode dizer que governem. Mas, embora seja condição necessária, não constitui objetivo do governo. O fazer-se obedecido é requisito para que realize algum outro objetivo. Temos ainda de procurar qual este outro objetivo que o governo tem de realizar, abstratamente em separado da ideia de progresso, e que tem de cumprir-se em qualquer sociedade, seja estacionária, seja progressista. 
Em sentido um tanto mais extenso, a Ordem significa a manutenção da paz pela abolição da violência privada. Diz-se existir Ordem quando a gente de um país deixou de levar avante as controvérsias empregando a força privada, tendo adquirido o hábito de reportar a decisão de controvérsias ou o desagravo de ofensas às autoridades públicas. Todavia, neste emprego mais lato do termo, tanto como no anterior mais limitado, a Ordem exprime mais uma das condições do governo do que o objetivo ou o critério de sua excelência. Porquanto pode estar bem estabelecido o hábito de submissão ao governo e de reportar-lhe todos os assuntos controversos, e, contudo, a maneira por que o governo deles se ocupa e de outros ainda que lhe interessam, pode diferir pelo intervalo inteiro que separa o melhor do pior possível. 
Se pretendemos compreender na ideia de Ordem tudo quanto a sociedade exige do governo que não esteja incluído na ideia de Progresso, devemos definir a Ordem como a conservação de todas as espécies e quantidades de bens já existentes, e o Progresso como consistindo em aumentá-los. Tal distinção não compreende em uma ou outra seção tudo quanto é de exigir-se promova o governo. Mas, assim encarado, não oferece qualquer fundamento para uma filosofia de governo. Não podemos dizer que, constituindo-se certa forma de governo, certas medidas devem tomar-se para a Ordem e outras para o Progresso; visto como as condições de Ordem, no sentido ora indicado, e as do Progresso não são opostas, mas as mesmas. As forças que tendem a preservar o bem social já existente são as mesmas que lhe promovem o incremento, e vice-versa, a única diferença consistindo em que este último objetivo exige maior intensidade dessas forças do que o primeiro. 
Quais são, por exemplo, as qualidades dos cidadãos individualmente que levam em maior grau à conservação da soma total da boa conduta, da boa administração, do sucesso e da prosperidade já existentes na sociedade? Todos concordarão em que tais qualidades são diligência, integridade, justiça e prudência. Não são essas, contudo, dentre todas as qualidades, as que melhor conduzem ao melhoramento e não será em si o maior dos melhoramentos o desenvolvimento de qualquer dessas virtudes na comunidade? Se assim for, quaisquer qualidades no governo capazes de promoverem diligência, integridade, justiça e prudência conduzem igualmente à permanência e à progressão; somente será necessário maior volume dessas qualidades para que a sociedade se torne decisivamente progressiva ao invés de conservá-la tão-só permanente. 
Ainda mais, quais os atributos particulares dos seres humanos que parece referirem-se mais especialmente ao Progresso, sem sugerirem tão diretamente as ideias de Ordem e Preservação? São principalmente as qualidades de atividade mental, iniciativa e coragem. Não são, porém, todas essas qualidades tão inteiramente exigidas para a conservação dos bens que possuímos tanto quanto para aumentá-los? Se algo de certo existe nos negócios humanos é que as aquisições valiosas só se podem preservar por meio da continuidade das mesmas energias que as originaram. Tudo quanto se deixa entregue a si mesmo entra inevitavelmente em decadência. Aqueles a quem o êxito leva a abandonar os hábitos de solicitude e ponderação, e a disposição de enfrentar incômodos, raramente conservam por muito tempo a boa sorte no ponto culminante. O atributo mental que parece exclusivamente dedicado ao Progresso, sendo o auge das tendências nesse sentido, é a originalidade ou a invenção. Entretanto, esse elemento não mais é necessário à Permanência, visto como, nas mudanças inevitáveis dos negócios humanos, surgem continuamente novos inconvenientes e perigos, aos quais se tem de fazer frente por meio de novos recursos e artifícios a fim de que tudo marche pelo menos tão bem como anteriormente. Em consequência, quaisquer qualidades que tendem em um governo a animar a atividade, a energia, a coragem e a originalidade constituem condições tanto de Permanência quanto de Progresso; com a circunstância de que o primeiro objetivo as exigirá em menor grau do que o último. 
Passando agora dos requisitos mentais às necessidades exteriores e objetivas, é impossível assinalar qualquer dispositivo em política ou arranjo dos negócios sociais, que conduza somente à Ordem ou somente ao Progresso; o que tender a qualquer dos dois, a ambos promoverá. Tome-se, por exemplo, a instituição comum da polícia. A ordem é o objetivo que parece mais imediatamente visado pela eficiência desta parte da organização social. Entretanto, se é eficaz promover a Ordem, isto é, se reprime o crime e faz com que qualquer um sinta garantidas a pessoa e a propriedade, poderá qualquer situação conduzir melhor ao Progresso? A maior segurança para a propriedade é uma das principais condições e causas de produção maior, que constitui o Progresso sob o aspecto mais familiar e mais vulgar. A maior repressão ao crime limita as tendências que levam ao crime, e aí está o Progresso em sentido um tanto mais elevado. Se o indivíduo se sentir livre dos cuidados e ansiedades de um estado de proteção imperfeita, as suas faculdades ficarão em condições de se aplicarem a qualquer novo esforço em prol da melhoria do próprio estado e do de
terceiros, enquanto a mesma causa, vinculando-o à existência social e fazendo com que não mais veja inimigos presente ou prováveis nos seus semelhantes, promove todos os sentimentos de bondade e de solidariedade para com o próximo e. interesse pelo bem-estar geral da sociedade, que formam parte de tão grande importância no melhoramento social. 
Considere-se, ainda mais, um caso familiar como um bom sistema de impostos e finanças. Em geral ter-se-ia de classificá-lo como pertencendo à província da Ordem. Entretanto, o que poderia melhor conduzir ao Progresso? O sistema financeiro que promova aquela conduz, pelas suas próprias vantagens, a este. A economia, por exemplo, conserva igualmente as reservas existentes da riqueza nacional e favorece a criação de mais riquezas. Justa distribuição de encargos, exibindo a todos os cidadãos exemplo de moralidade e boa consciência aplicadas a acomodações difíceis, bem como a prova do valor que as mais altas autoridades lhes atribuem, tende grandemente à educação dos sentimentos morais da comunidade não só quanto à força, mas também quanto à discriminação. Se se lançam impostos de tal maneira que se não criem dificuldades à diligência nem tão pouco se interfira desnecessariamente com a liberdade dos cidadãos, promove-se não só a conservação, mas o aumento da riqueza nacional, animando utilização mais ativa das faculdades individuais. E vice-versa, todos os erros em finanças e impostos que criam obstáculos ao melhoramento do povo em riqueza e moral tendem também, se em teor suficientemente sério, a empobrecê-lo e desmoralizá-lo positivamente. Em resumo, é de garantir-se universalmente que, quando se compreendem a Ordem e a Permanência no sentido mais geral, para a estabilidade das vantagens existentes, os requisitos do Progresso coincidem com os da Ordem em maior grau; os da Permanência são simplesmente os do Progresso em medida um tanto mais limitada. 
Em apoio da afirmativa que a Ordem é intrinsecamente diversa do Progresso, e que a conservação do bem existente e a aquisição de bens adicionais são suficientemente distintos para fornecerem base de classificação fundamental, talvez alguém nos lembre que o Progresso possivelmente exista a expensas da Ordem - enquanto estamos adquirindo ou esforçando-nos por adquirir bem de uma espécie, perdemos terreno em relação a outros; assim pode haver progresso em riqueza, enquanto se verifica deterioração em virtude. Concedendo-o, resulta não que o Progresso seja genericamente diverso da Permanência, mas que a riqueza difere da virtude. O Progresso é Permanência mais algo mais; e a isso não se responde dizendo que ele por um lado não implica em Permanência em tudo. Nem o Progresso em parte implica em Progresso em tudo. O Progresso de qualquer espécie compreende a Permanência nessa mesma espécie; sempre que se sacrifica a Permanência a certa espécie particular de Progresso, outro Progresso ainda fica mais sacrificado; e se não valer à pena o sacrifício, não somente ter-se-á abandonado o interesse da Permanência, mas ter-se-á mal interpretado o interesse geral do Progresso. 
Se estas ideias impropriamente contrastadas fossem suscetíveis de qualquer aplicação com o fito de proporcionarem um primeiro começo de precisão científica à noção de bom governo, seria mais correto filosoficamente abandonar a definição da palavra "Ordem", dizendo ser melhor o governo que mais conduz ao Progresso. Porque este compreende a Ordem, mas esta não inclui aquele. O Progresso é maior grau daquilo de que a Ordem é menor grau. A Ordem em qualquer outro sentido significa tão-só parte dos requisitos preliminares do bom governo, mas não a ideia ou a essência. A Ordem encontrará lugar mais conveniente entre as condições do Progresso, desde que, se quisermos aumentar o que temos de bom, nada mais indispensável do que cuidar devidamente do que temos já em mão. Se visamos a maiores riquezas, a primeira regra deverá ser não desperdiçar inutilmente os meios de que dispomos. A Ordem, assim considerada, não constitui objetivo adicional a reconciliar-se com o Progresso, mas parte e meio dele mesmo. Se o ganho em um sentido for adquirido por perda mais que equivalente no mesmo sentido ou em outro qualquer, não haverá Progresso. A capacidade de conduzir ao Progresso, assim compreendida, inclui a completa excelência de um governo. 
Todavia, embora defensável metafisicamente, tal definição do critério de um bom governo não se mostra adequada porque, embora encerre a verdade por inteiro, lembra apenas parte. O termo "Progresso" sugere movimento para a frente, enquanto neste caso a sua significação corresponde quase a impedir a volta para trás. Exatamente as mesmas causas sociais - crenças, sentimentos, instituições, e práticas - são tão necessárias para impedir que a sociedade retrograde como para produzir novo avanço. Mesmo que não fosse de esperar qualquer melhoramento, nem por isso a vida deixaria de ser luta incessante contra motivos de deterioração; conforme mesmo agora o é. A Política, segundo os antigos a concebiam, nisto consistia totalmente. A tendência natural dos homens e de suas obras era degenerar, a qual, contudo, por meio de boas instituições virtuosamente administradas, seria possível neutralizar por prazo indefinido. Embora não mais se sustente essa opinião, embora a maior parte dos homens professe, na época atual, credo contrário, acreditando que a tendência geral, em conjunto, é no sentido do melhoramento, é preciso não esquecer que existe fluxo incessante e contínuo nos negócios humanos para o pior, o qual consiste das loucuras, vícios, negligências, indolências e indiferenças dos homens; fluxo esse que se consegue controlar e impedir que tudo arraste tão-só por meio dos esforços que algumas pessoas fazem constantemente e outras, por intervalos, na direção de objetivos bons e dignos. Adquire-se ideia muito insuficiente da importância da luta que se trava para melhorar e elevar a natureza humana e a vida supondo que o principal valor dessa luta consiste no volume de melhoramento real que assim se consegue, devendo ser a consequência da cessação desses esforços apenas ficarmos como estamos. Diminuição mui pequena desses esforços não só poria termo ao melhoramento, mas faria voltar a tendência geral para deterioração que, uma vez começa da, continuaria com rapidez crescente tornando-se cada vez mais difícil de obstar-se, até alcançar estádio muita vez verificado na história, e no qual se arrastam porções muito grandes dos homens - quando dificilmente algo menos que poder sobre-humano parece suficiente para inverter a direção dos acontecimentos, iniciando novo movimento ascendente. 
Tais razões tornam a palavra Progresso tão imprópria quanto os termos Ordem e Permanência para se tornarem fundamento da classificação dos requisitos de forma de governo. A antítese básica expressa por essas palavras não está propriamente no significado, mas nos tipos do caráter humano que lhes correspondem. Sabemos que há certos espíritos em que predomina a precaução enquanto em outros se observa a ousadia: em alguns, o desejo de evitar comprometer o que se possui já patenteia sentimento mais forte do que o que leva a melhorar o antigo e adquirir vantagens novas; enquanto outros existem que se inclinam em sentido contrário, mostrando-se mais ansiosos pelo bem futuro do que cuidadosos com o atual. A estrada para um e outro fim é a mesma, mas uns e outros são capazes de se afastarem dela em direções opostas. Esta consideração reveste-se de importância quando se compõe o pessoal de qualquer corpo político: preciso se torna nele incluir pessoas de um e de outro tipo, a fim de moderar as tendências de cada um, no que tiverem de excessivo, pela proporção conveniente do outro. Não há necessidade de provisão expressa para assegurar este objetivo, contanto que se tome o cuidado de nada admitir que lhe seja contrário. A mistura natural e espontânea da mocidade com a velhice, daqueles cuja reputação está formada e dós que ainda estão para formá-la, em geral responderá suficientemente
a este propósito, se não se perturbar este equilíbrio natural por meio de regulação artificial. 
Desde que a distinção mais comumente adotada para a classificação das exigências sociais não possui as propriedades necessárias a tal fim, somos forçados a procurar qualquer outra distinção orientadora que melhor se adapte a tal objetivo. Semelhante direção parece poder resultar das considerações que passo agora a formular. 
Se a nós mesmos perguntarmos de que causas e condições depende o bom governo em todos os sentidos, desde o mais humilde até o mais elevado, verificaremos que a principal dentre todas, a que transcende a todas as demais, consiste nas qualidades dos seres humanos que compõem a sociedade sobre a qual se exerce o governo. 
Podemos considerar, como primeiro exemplo, a administração da justiça; com tanta maior conveniência, visto como não existe parte alguma dos negócios públicos na qual o simples mecanismo, as regras e dispositivos para a condução dos detalhes da operação sejam de importância tão transcendente. Entretanto, até mesmo estas cedem em importância às qualidades dos agentes humanos empregados. Qual será a eficácia das regras de processo em assegurarem os objetivos da justiça se as condições morais do povo forem tais que as testemunhas mintam em geral e os juízes recebam propinas? Ainda mais, como podem as instituições proporcionar boa administração municipal se se verificar tal indiferença para a questão que os mais capazes de administrar com honestidade e proficiência não se possam induzir a servir, abandonando-se tais deveres aos que se encarreguem deles por terem algum interesse privado a promover? De que valerá o sistema representativo mais amplamente popular se os eleitores não se preocuparem em escolher o melhor membro para o parlamento, mas votem no que gastar mais dinheiro para eleger-se? Como pode uma assembleia representativa trabalhar proveitosamente se for possível comprar-lhe os membros, ou se a irritabilidade do temperamento, não corrigida pela disciplina pública ou pelo próprio controle privado, torná-los incapazes de deliberar calmamente, lançando mão da violência em pleno recinto ou atirando uns nos outros com fuzis? Ainda mais, como pode o governo ou qualquer reunião prosseguir de maneira tolerável com pessoas tão invejosas que, se um deles parece capaz de ser bem-sucedido seja no que for, os que com ele deviam cooperar formam combinação tácita para que fracasse? Sempre que a disposição geral do povo é tal que cada indivíduo só considera como interesses seus os egoístas, não insistindo na parte que lhe cabe no interesse geral nem com ela se preocupando, torna-se impossível, em semelhante situação, qualquer bom governo. Não será preciso dar exemplos da influência das deficiências de inteligência na obstrução de todos os elementos de bom governo. O governo consiste em atos levados a efeito por seres humanos; e se os agentes, ou os que os escolhem, ou aqueles perante os quais os agentes são responsáveis, ou os espectadores cuja opinião deve influir sobre todos eles e controlá-los, são simples massas de ignorância, estupidez, e preconceito pernicioso, qualquer operação do governo será malsucedida, enquanto que, na proporção em que os homens se elevam acima desses padrões, assim também o governo melhorará em qualidade, até o ponto da excelência atingível, mas que se não pode alcançar em qualquer parte em que os funcionários do governo, embora indivíduos de virtude e intelecto superiores, não estejam envolvidos em atmosfera de opinião pública virtuosa e iluminada. 
O primeiro elemento de bom governo sendo, portanto, a virtude e a inteligência dos seres humanos que compõem a comunidade, o ponto mais importante de excelência que qualquer forma de governo pode possuir consiste na promoção da virtude e da inteligência do próprio povo. A primeira indagação com relação a qualquer instituição política consiste em averiguar até onde tende a despertar nos membros da comunidade as diversas qualidades desejáveis, morais e intelectuais; ou antes (seguindo a classificação mais completa de Bentham) morais, intelectuais e ativas. O governo que melhor o conseguir mui provavelmente será o melhor em todos os outros respeitos, desde que é destas qualidades que depende, na extensão em que existem no povo, toda possibilidade de excelência nas operações práticas do governo. 
Pode considerar-se, portanto, como um dos critérios da excelência do governo, o grau em que tende a aumentar a soma de boas qualidades dos governados, coletiva ou individualmente; visto como, além de ser o bem-estar de todos o objeto único do governo, as boas qualidades do povo suprem a força motriz que faz funcionar o mecanismo. Desse modo fica como outro elemento componente do mérito do governo a qualidade da própria máquina; isto é, o grau em que se mostra capaz de tirar vantagem da soma de boas qualidades que existam em qualquer ocasião, fazendo-as contribuir para os objetivos adequados. Voltemos ainda uma vez à questão do poder judiciário como exemplo. Sendo dado um sistema judiciário, a excelência de administração da justiça está na razão composta da dignidade dos homens que formam os tribunais e do valor da opinião pública que os controla e sobre eles influi. Contudo, toda diferença entre um sistema judiciário bom e outro mau está nos meios adotados para fazer com que os valores morais e intelectuais existentes na comunidade exerçam influência sobre a administração da justiça, tornando-a devidamente eficaz nos resultados. As combinações para conseguir que a escolha dos juízes obedeça aos mais altos padrões de virtude e inteligência; as formas salutares de processo; a publicidade que permite observação e crítica de tudo quanto estiver errado; a liberdade de discussão e censura através da imprensa; a maneira de ouvir as testemunhas, conforme for bem ou mal adaptada à revelação da verdade; as facilidades, seja qual for o volume, de obter-se acesso aos tribunais; os dispositivos destinados a descobrir os crimes e prender os criminosos - tudo isto não constitui o poder, mas o mecanismo que traz o poder em contato com o obstáculo; e o mecanismo por si só não tem ação, mas sem ele o poder, por mais amplo que seja, ficaria desperdiçado e sem efeito algum. Distinção semelhante existe quanto à constituição dos departamentos executivos da administração. O mecanismo é bom quando se prescrevem os exames convenientes para a habilitação dos funcionários, as regras apropriadas à sua promoção; quando se distribuem os assuntos de maneira adequada entre os que devem tratar deles, quando se estabelece ordem conveniente e metódica para a operação, quando se conserva registro correto e inteligível depois de terminado o processo; quando cada indivíduo sabe pelo que é responsável, sendo conhecido aos demais como responsável; quando se provêm os controles mais bem imaginados contra a negligência, o favoritismo ou corrupção em qualquer dos atos de um departamento qualquer. Os controles políticos, contudo, não agirão por si mais do que uma rédea será capaz de dirigir um cavalo sem o cavaleiro. Se os funcionários fiscalizadores forem tão corruptos ou tão negligentes como os que eles devem fiscalizar, e se o público, mola principal de toda a máquina fiscalizadora, for demasiado ignorante, passivo, descuidado ou desatento ao papel que tem de desempenhar, pouco benefício derivar-se-á do melhor aparelho administrativo. Entretanto, um bom aparelho é sempre preferível ao mau. Permite ao poder que se move ou fiscaliza insuficientemente, conforme existir, agir com a maior vantagem; e sem ele não seria suficiente qualquer soma de poder de movimento ou de fiscalização. Por exemplo, a publicidade não impede o mal nem estimula o bem se o público não prestar atenção ao que se faz; mas sem publicidade, como poderia impedir ou animar o que não lhe permitem ver? A constituição idealmente perfeita de uma repartição pública é aquela em que o interesse do funcionário coincide inteiramente com a sua obrigação. Não existe sistema que o consiga, mas
ainda menos poder-se-á consegui-lo sem sistema, convenientemente imaginado para o fim em vista. 
O que dissemos com respeito aos arranjos para a administração detalhada do governo ainda se torna mais evidentemente verdadeiro quanto à sua constituição geral. Qualquer governo que tenha em mira ser bom consiste de certa porção das boas qualidades existentes nos membros individuais da comunidade para a conduta dos negócios coletivos. Uma constituição representativa destina-se a trazer o padrão geral de inteligência e honestidade existente na comunidade, bem como a inteligência e a honestidade individuais dos seus membros mais sensatos, a interessar-se mais diretamente pelo governo, investindo-os de maior influência do que teriam em geral sob qualquer outro modo de organização, embora sob a influência qualquer que possam ter esteja a fonte de todo o bem que se encontre no governo, como também o obstáculo a qualquer mal que não se encontre nele. Quanto maior a soma dessas boas qualidades que as instituições de um país conseguem organizar, tanto melhor a maneira da organização e tanto melhor será o governo. 
Em consequência, obtivemos agora a base para dupla divisão do mérito que possa caber a qualquer grupo de instituições políticas. Consiste em parte no grau em que promovem o adiantamento mental geral da comunidade, incluindo-se nesta expressão o adiantamento em intelecto, em virtude e em atividade prática e eficiência; em parte no grau de perfeição com que organizam os valores já existentes, morais, intelectuais e ativos, de sorte a influírem com a maior eficácia sobre os negócios públicos. Julga-se de qualquer governo pela ação sobre os homens, e pela ação sobre os acontecimentos; pelo que faz dos cidadãos, e o que faz com eles; pela tendência de melhorar ou deteriorar o próprio povo, e pela excelência ou malefício da obra que faz para ele e por meio dele. O governo é, simultaneamente, grande influência atuando sobre o espírito humano e uma série de arranjos organizados para o negócio público: sob o primeiro aspecto a sua ação benéfica é principalmente indireta, mas nem por isso menos essencial, enquanto a ação maléfica pode ser direta. 
A diferença entre essas duas funções do governo não é, como se dá entre Ordem e Progresso, meramente de grau, mas de espécie. Contudo, não devemos supor não tenham íntima conexão. As instituições que asseguram a melhor administração dos negócios públicos praticável no estádio existente de cultura tende, tão-só por isso mesmo, a melhorá-lo ainda mais. Um povo que tivesse as leis mais justas, o poder judiciário mais puro e mais eficiente, a administração mais iluminada, o sistema de finanças mais equitativo e menos oneroso, compatíveis com o estádio por ele atingido em adiantamento moral e intelectual, estaria em condições de passar rapidamente a estádio mais elevado. Nem existe qualquer outro modo por meio do qual as instituições políticas contribuam mais eficazmente para o melhoramento do povo do que executando bem o trabalho mais direto que lhes cabe. E, inversamente, se o mecanismo foi tão mal montado que executa mal o trabalho particular que lhe cabe, sente-se lhe o efeito em milhares de maneiras pelo rebaixamento da moral idade e embotamento da inteligência e atividade do povo. A distinção é, apesar disso, real, porquanto é este apenas um dos meios de que dispõem as instituições políticas para melhorarem ou deteriorarem o espírito humano, e as causas e maneiras dessa influência benéfica ou maléfica constituem motivo de estudo distinto e muito mais amplo. 
Das duas maneiras de atuar pelas quais uma forma de governo ou grupo de instituições políticas afeta o bem-estar da comunidade - atuação como agência de educação nacional e arranjos para conduzir os negócios coletivos da comunidade no estádio de educação que já atingiu, este último evidentemente varia muito menos, por diferenças de país e estado de civilização, do que o primeiro. Tem também muito menos que ver com a constituição fundamental do governo. A maneira de conduzir o negócio prático do governo que mais se coaduna com uma constituição livre seria também o melhor, em geral, em monarquia absoluta: somente esta provavelmente não será capaz de pô-lo em execução. Por exemplo, as leis que regem a propriedade, os princípios relativos à prova e ao processo judicial, o sistema de impostos e de administração financeira, não precisam necessariamente ser diferentes em formas diferentes de governo. Cada um desses assuntos possui princípios e regras peculiares, que constituem estudo distinto. A jurisprudência geral, a legislação civil e penal, a política financeira e comercial, são ciências em si, ou antes, membros distintos da ciência compreensiva ou arte de governar; e as doutrinas mais iluminadas sobre todos esses assuntos, embora não sendo provável que sejam compreendidas ou sirvam de norma sob todas as formas de governo, contudo, se compreendidas e adota das, seriam igualmente benéficas sob todos eles. Verdade é que essas doutrinas não seriam suscetíveis de aplicação, sem algumas modificações, a todos os estados da sociedade e do espírito humano; apesar disso, em sua grande maioria somente exigiriam modificações de detalhes a fim de se adaptarem a qualquer estádio da sociedade, suficientemente adiantado para ter governantes capazes de compreendê-las. Governo a que fossem inteiramente inconvenientes deveria ser tão ruim em si ou tão contrário ao sentimento público, que fosse incapaz de manter-se em existência por meios honestos. 
Assim não se dá com a parte dos interesses da comunidade que atenta para o melhor ou pior treinamento do próprio povo. Consideradas como essenciais para esse fim, as instituições precisam ser radicalmente diferentes, de acordo com o estádio de adiantamento já atingido. Pode considerar-se o reconhecimento desta verdade, embora na maior parte mais empírica do que filosoficamente, como o ponto principal de superioridade das teorias políticas da época atual em comparação às da época anterior; nesta, era costume reivindicar a democracia representativa para a Inglaterra ou a França mediante argumentos que se prestariam igualmente para provar que tal forma de governo seria a única apropriada a Beduínos ou Malaios. O estado de diversas comunidades, quanto à cultura e ao desenvolvimento, desce a condições muito pouco acima do estado mais adiantado dos animais. O alcance superior é igualmente considerável, e a possível extensão futura amplamente maior. Uma comunidade qualquer somente se pode desenvolver saindo de um destes estádios para outro mais elevado por meio de um concurso de influências, entre as quais uma das principais é o governo a que está submetida. Em todos os estádios de aperfeiçoamento humano até agora atingidos, a natureza e o grau de autoridade exercido sobre os indivíduos, a distribuição do poder e as condições do mando e de obediência constituem as influências mais poderosas, se excetuarmos a crença religiosa, que os faz o que são, e permite se tornem o que podem ser. Ê possível que os detenha em qualquer ponto da progressão para diante adaptação defeituosa do governo a esse estádio particular de adiantamento. E o mérito único indispensável de um governo, a favor do qual pode esquecer-se quase qualquer soma de outros deméritos compatíveis com o progresso, consiste em que a sua atuação sobre o povo seja ou não favorável ao passo seguinte, que lhe impõe dar com o fito de elevar-se a nível mais alto. 
Assim (repetindo exemplo anterior) um povo que se encontre em estado de independência selvagem, no qual cada um viva para si, livre, salvo espasmodicamente, de qualquer controle externo, é praticamente incapaz de realizar qualquer progresso em civilização até ter aprendido a obedecer. Por conseguinte, a virtude indispensável em um governo que se estabeleça sobre povo dessa espécie é fazer-se obedecido. Para permitir-lhe que o consiga, a constituição do governo deve ser aproximadamente ou mesmo completamente despótica. Constituição popular em qualquer grau, que dependa da renúncia
voluntária por parte dos diversos membros da comunidade à liberdade individual de ação, não será capaz de levar a efeito a primeira lição de que necessitam os discípulos, nesse primeiro estádio do progresso. Assim sendo, a civilização de tais tribos, quando não resultem da justaposição a outras já civilizadas, é quase obra de algum governante absoluto, que deriva o poder ou da religião ou da bravura militar; mui comumente de armas estrangeiras. 
Ainda mais, raças não civilizadas, e as mais bravas e mais enérgicas, mais ainda que quaisquer outras, não se submetem a labor contínuo de natureza pouco excitante. Todavia, tal o preço de toda civilização real; sem semelhante labor não se pode disciplinar o espírito para os hábitos exigidos pela sociedade civilizada, nem preparar o mundo material para recebê-la. Há necessidade de raro concurso de circunstâncias e, por esse motivo, muita vez, de longo período de tempo, para que tal povo se reconcilie com a diligência, a menos que a isso o obriguem por certo prazo. Por isso, a escravidão pessoal, dando começo à vida industrial e tornando-a obrigatória como ocupação exclusiva da porção mais numerosa da comunidade, vem acelerar a transição para melhor liberdade do que a de combater e saquear. Ê quase desnecessário dizer que esta desculpa da escravidão somente se aplica a estádio muito primitivo da sociedade. Um povo civilizado dispõe de muitos outros meios para levar a civilização aos que estão sob sua influência; e a escravidão, em todos os seus detalhes, é- tão repugnante ao governo da lei que constitui o fundamento de toda a vida moderna, e tão corruptor para a classe dominante quando chega a ficar sob influências civilizadas, que a sua adoção sob quaisquer circunstâncias, sejam quais forem, na sociedade moderna, importa em recaída em estado pior que a barbárie. 
Contudo, em certo período da história, quase todos os povos, ora civilizados, consistiram, em maioria, de escravos. Povo nessas condições exige, para que se eleve acima de tal estado, forma de governo mui diversa do que se deva aplicar a uma nação de selvagens. Se forem enérgicos por natureza, e particularmente se existir a eles associada, na mesma comunidade, uma classe industriosa que não seja formada nem de escravos nem de senhores de escravos (como se dava na Grécia), de nada mais precisarão provavelmente para assegurar-lhes o aperfeiçoamento senão que se lhes conceda a liberdade; quando livres, serão frequentemente capazes, como os libertos romanos, de serem para logo admitidos a todos os direitos de cidadania. Tal, contudo, não é a condição normal da escravidão, sendo sinal de que se está tornando obsoleta. Escravo, assim chamado propriamente, é um ser que não aprendeu a ser útil a si mesmo. Sem dúvida, está um passo à frente do selvagem. Não tem de adquirir ainda a primeira lição da sociedade política. Já aprendeu a obedecer. Obedece unicamente, contudo, a ordens diretas. Os que nascem escravos caracterizam-se pela incapacidade de conformarem a conduta a qualquer regra ou lei. São capazes de fazer somente o que lhes ordenam e somente quando o ordenam. Se alguém, a quem temem, está perto a ameaçá-los de castigo, obedecem; mas se lhe vira as costas, interrompe-se o trabalho. O motivo que os determina não tem de apelar-lhes para os interesses, mas para os instintos; esperança imediata ou imediato terror. O despotismo, capaz de domesticar o selvagem, somente confirma, no que tem de despotismo, os escravos na incapacidade que lhes é peculiar. Contudo, se lhes fosse dado controlar um governo, de maneira alguma seriam capazes de geri-lo. Deles não pode provir o próprio aperfeiçoamento, que terá de ser introduzido de fora. O passo que têm de dar e o caminho único no sentido do aperfeiçoamento consistirá em se elevarem de governo da vontade a governo de lei. Será preciso ensinar-lhes o autogoverno, e isto, no estádio inicial, significa capacidade para agir conforme a instruções gerais. O de que precisam não é governo de força, mas de orientação. Encontrando-se, contudo, em estado por demais baixo para cederem à orientação de alguém senão daqueles que consideram como senhores da força, a espécie de governo que lhes é mais apropriada será a que possuir força mas raramente a empregue: despotismo paternal ou aristocracia parecida com a forma de socialismo de Saint-Simon: (Neste trecho Mill refere-se ao plano de Saint-Simon de uma sociedade controlada pelos chefes industriais e homens de ciência, na qual cada membro tivesse emprego conforme a própria capacidade e compensação na proporção do que realizasse) que mantenha superintendência geral sobre todas as operações da sociedade de sorte li conservar diante de cada um a impressão de força presente suficiente para compeli-lo à obediência à regra estabelecida, a qual, porém, devido à impossibilidade de descer à regulação de todas as minúcias da indústria e da vida, deixa necessariamente aos indivíduos grande parte, induzindo-os mesmo a realizá-las. Esta espécie de governo, que se poderá denominar de cordéis-guias, parece o mais apropriado a conduzir tal povo o mais rapidamente possível a dar o próximo passo necessário no progresso social. Tal parece ter sido a ideia do governo dos Incas no Peru, e tal foi o que fizeram os Jesuítas no Paraguai. Não será preciso observar que só se admitiriam cordéis-guias, como meio de ensinar o povo a andar sozinho. 
Seria inoportuno levar por diante a exemplificação. Tentar investigar que espécie de governo convém a qualquer estado conhecido da sociedade seria compor um tratado, não só com respeito ao governo representativo, mas sobre ciência política em geral. Para o nosso objetivo mais limitado tomamos da filosofia política apenas os princípios gerais. Para determinar a forma de governo mais conveniente a qualquer povo particular, será necessário distinguir, entre os defeitos e deficiências que lhe sejam peculiares, os que constituem obstáculo imediato ao progresso, descobrir o que é que (por assim dizer) lhe obstrui o caminho. Será para ele o melhor governo aquele que melhor tender a proporcionar-lhe o que lhe está faltando para que vá para frente, ou que lhe evite ir para a frente por maneira desajeitada e claudicante. Contudo, será preciso não esquecer a ressalva necessária em tudo quanto tem por objetivo o melhoramento ou o Progresso - isto é, ao procurar o bem necessário, não se venha a causar qualquer dano ou pelo menos se cause o menor possível ao que se possui. Deve ensinar-se um povo de selvagens a obedecer, mas não de tal maneira que venha a converter-se em povo de escravos. E (para emprestar à observação maior generalidade) a forma de governo mais eficaz para conduzir um povo ao próximo estádio de progresso ainda se revelará muito imprópria se o fizer de maneira tal que impeça ou positivamente os torne incapazes, do passo seguinte à frente. Tais casos são frequentes e contam-se entre os mais melancólicos da história. A hierarquia egípcia, o despotismo paternal chinês eram instrumentos adequados para levar esses povos ao ponto de civilização que atingiram. Todavia, tendo-o atingido, viram-se reduzidos a pausa permanente por falta de liberdade mental e individualidade - condições de aperfeiçoamento cuja ausência lhes impedia inteiramente de adquirir as instituições que até esse ponto os tinham feito chegar; e como essas instituições não se desmoronaram para ceder lugar a outras, cessou todo adiantamento. Em contraste com estas nações, consideremos o exemplo de caráter oposto que nos fornece outro povo oriental, comparativamente insignificante, - os judeus. Esses tinham igualmente monarquia absoluta e hierarquia, e as instituições organizadas eram evidentemente de origem sacerdotal, como as dos hindus. Estas fizeram para eles o que também fizeram para outros povos orientais as instituições respectivas - submeteram-nos à ordem e à diligência e patentearam-lhes a vida nacional. Mas nem os reis nem os sacerdotes jamais conseguiram, como-naqueles outros países, modelar-lhes o caráter com exclusividade. A religião,
que permitia a indivíduos de gênio e elevado grau religioso fossem considerados como inspirados pelo céu, deu origem à instituição não-organizada inestimavelmente preciosa - a Ordem (se assim se pode chamar) dos Profetas. Sob a proteção, geralmente embora nem sempre eficaz, do caráter sagrado de que se revestiam, os Profetas constituíam um poder na nação, muita vez antagonista à altura de reis e sacerdotes, e que conservavam, nesse cantinho da Terra, a oposição de influência, garantia única em condições de assegurar o progresso continuado. Em consequência, a religião não era aí o que tem sido em tantos outros lugares - consagração de tudo quanto uma vez se instituiu, e barreira a qualquer melhoramento ulterior. A observação de distinto israelita, M. Salvador, que os profetas eram, na Igreja e no Estado, o equivalente da moderna liberdade de imprensa, nos proporciona concepção justa mas não adequada do papel representado na história nacional e universal por esse elemento importante da vida judaica; por meio do qual, não se completando nunca o cânone da inspiração, as pessoas mais eminentes em gênio e sentimentos morais não só denunciavam e reprovavam, com a autoridade direta do Todo-poderoso, tudo quanto lhes parecia merecer semelhante tratamento, mas ofereciam interpretações melhores e mais elevadas da religião nacional, que daí por diante passavam a fazer parte da religião. Assim sendo, quem quer que se desfaça do hábito de ler a Bíblia como se fosse um único livro, hábito esse inveterado igualmente até bem pouco entre cristãos e infiéis, contempla com admiração o vasto intervalo entre a moralidade e a religião do Pentateuco ou mesmo dos livros históricos (obra inconfundível dos Conservadores hebraicos da ordem sacerdotal) e a moralidade e a religião das Profecias - distância tão grande como a que medeia entre estas e os Evangelhos. Condições mais favoráveis ao progresso não poderiam existir facilmente: assim sendo os judeus, ao invés de ficarem estacionários como outros asiáticos, foram, em seguida aos gregos, o povo mais progressista da antiguidade, e juntamente com estes formaram o ponto de partida e principal agente propulsor da civilização moderna. 
Impossível, portanto, compreender-se a questão da adaptação das formas de governo a estádios da sociedade sem levar em conta não só o passo seguinte, mas todos os passos que a sociedade terá ainda de dar - tanto os que se podem prever, quanto a série indefinida muito mais ampla presentemente fora de vista. De concluir-se que, para julgar do mérito das formas de governo, forçoso é construir ideal da forma de governo aceitável em si, isto é, que, se existissem as condições necessárias à realização dos seus benéficos resultados, favorecesse e promovesse, mais do que qualquer outra, não somente certo melhoramento, mas todas as suas formas e graus. Tendo-o feito, devemos considerar quais as condições mentais de qualquer espécie necessárias a facilitar a esse governo a realização das tendências próprias, e quais são, portanto, os vários defeitos que tornem um povo incapaz de colher-lhe os benefícios. Seria então possível construir um teorema das circunstâncias em que seja possível introduzir-se essa forma de governo; bem como julgar, nos casos em que fosse preferível não a introduzir, quais as formas inferiores de governo que melhor levem essas comunidades através dos estádios intermediários que terão de atravessar antes de se tornarem capazes da melhor forma de governo. 
Destas indagações, só nos ocuparemos aqui da última; mas a primeira constitui parte essencial do assunto, porque estamos em condições, sem precipitação, de enunciar de imediato certa proposição cujas provas e exemplos se apresentarão nas páginas seguintes - isto é, que essa forma de governo idealmente melhor deve encontrar-se em uma ou outra forma qualquer de sistema representativo. 
III 
DE COMO A FORMA IDEALMENTE MELHOR DE GOVERNO É A REPRESENTATIVA 
FAZ MUITO TEMPO SE DIZ comumente (talvez por toda a duração da liberdade britânica) que, se fosse possível assegurar-se de um bom déspota, a monarquia despótica seria a forma de governo. Encaro esta sentença como conceito falso e dos mais perniciosos do que seja bom governo; e enquanto dela não nos pudermos livrar, todas as nossas investigações relativamente ao governo ficarão viciadas. 
A suposição consiste em que o poder absoluto, em mãos de indivíduo eminente, asseguraria execução virtuosa e inteligente de todos os deveres do governo. Estabelecer-se-iam boas leis que passariam a vigorar, reformar-se-iam as leis más; colocar-se-iam os melhores homens em todas as posições de confiança; a justiça seria tão bem administrada, os ônus públicos tão leves e tão judiciosamente impostos, todos os ramos da administração conduzidos tão pura e inteligentemente quanto as circunstâncias do país e o seu grau de cultura intelectual e moral o permitissem. Inclino-me, de boa vontade, a conceder tudo isso, no interesse da argumentação; devo, porém, assinalar quão ampla é a concessão, de quanto mais se precisa para conseguir até mesmo certa aproximação de tais resultados, do que se exprime pelas simples palavras "bom déspota". Obtê-los importaria, de fato, em ter-se não simplesmente bom monarca, mas um que tudo visse. Teria de ser informado, em todas as ocasiões, corretamente, com detalhe considerável, da conduta e do funcionamento de cada ramo da administração, em todos os distritos do país, e teria de ser capaz, nas vinte e quatro horas por dia que são tudo quanto se concede tanto a um rei quanto ao mais modesto dos trabalhadores, para que dispense parte efetiva de atenção e supervisão a todos os elementos desse vasto campo; ou pelo menos terá de ser capaz de distinguir e escolher, dentre a massa dos súditos, não somente grande abundância de homens honestos e capazes, em condições de conduzirem todos os ramos da administração pública sob supervisão e controle, mas também o menor número de homens de virtudes e talentos eminentes merecedores de confiança não só para agirem independentemente de supervisão, mas para exercê-las sobre terceiros. Tão extraordinárias são as faculdades e energias exigidas para a execução dessa incumbência de qualquer maneira suportável que o bom déspota, que estamos supondo, dificilmente se poderia imaginar como consentindo em encarregar-se dela, a menos que fosse para evitar males intoleráveis e como preparo intermediário para algo por vir. Mas o argumento vale mesmo sem esta imensa relação no cômputo. Suponha-se desaparecida a dificuldade. Que teríamos então? Um homem de atividade mental super-humana gerindo todos os negócios de um povo mentalmente passivo. A própria ideia de poder absoluto importa em semelhante passividade. A nação como um todo e todos os indivíduos que a compõem ficam privados de qualquer voz potencial no próprio destino. Não exercem qualquer vontade com respeito aos seus interesses coletivos. Uma vontade que não a deles tudo decide, sendo legalmente crime desobedecer-lhe. Que espécie de seres humanos se formariam sob semelhante regime? Que desenvolvimento atingiriam o pensamento ou as faculdades ativas dês se povo? Talvez lhes permitissem investigar assuntos de pura teoria, enquanto as investigações não se aproximassem da política ou não mostrassem a conexão mais remota com a prática do governo. Sobre assuntos práticos mal lhe permitiriam tão-só alguma sugestão; e mesmo sob o mais moderado dos déspotas, apenas pessoas de superioridade já admitida ou reputada alimentariam a esperança de ver as próprias sugestões conhecidas daquelas que administram os negócios e muito menos por elas levadas em consideração. Deve ter gosto mui estranho pelo exercício intelectual em si e para si quem se der ao trabalho de pensar se o pensamento não tiver qualquer resultado exterior, ou quem se preparar para funções que não tenha qualquer possibilidade de vir a exercer. O único estímulo suficiente ao esforço mental, em qualquer espírito que não uns poucos em cada geração, cifra-se à perspectiva de algum uso prático

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