Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Cássia Mendes Ataide - UFMS BASES NEUROBIOLÓGICAS DA DEPENDÊNCIA PSICOTRÓPICOS E DROGAS DE ABUSO Quando causa problemas individuais e sociais Fármacos, substâncias não-medicinais e plantas • Efeitos hedônicos (euforia, humor, sedação, alucinação) • Automedicação (valor etnofarmacológico) USO ABUSIVO DE SUBSTÂNCIAS: substâncias ilícitas não são a maior causa de morte (opioides) DANOS CAUSADOS PELO USO DE DROGAS “Uso nocivo”: quando o uso de uma substância causa problemas físicos ou problemas à saúde que são diretamente ou indiretamente relacionados ao consumo da substância Extensão em esferas sociais, psicológicas e físicas Alterações físicas (cirrose, necrose septal, bronquite) Sequelas neurológicas (anfetaminas, etanol) Efeitos “indiretos” (carcinogênese, tabagismo) Riscos de administração (HIV, hepatites, infecções) Susceptibilidade psiquiátrica (psicose funcional) Uso criminoso (BZDs e “boa-noite-cinderela”) Sobredosagem e morte USO ABUSIVO Associado ao uso continuado/crônico, com perda de controle Componentes psicológicos e fisiológicos Envolvimento intenso na obtenção/consumo (ritual) Uso escalonado e pesado (aumento de risco - associado a consequências físicas, sobredose, social) VIAS DE RECOMPENSA E PRAZER Via mesolímbica dopaminérgica de reforço (prazer e hábito) - Atenção para participação da área tegmentar ventral (produtora de dopamina, presente no mesencéfalo) → leva dopamina até regiões envolvidas com prazer (principalmente o núcleo accumbens) Sexo, alimentação, hidratação (sobrevivência → tende a gerar sensação de prazer) Quanto mais dopamina é depositada no núcleo accumbens, maior tende a ser a sensação de recompensa/prazer ✓ Antecipação ao uso da droga em dependentes Quanto maior o prazer que causa, maior o potencial abusivo (em geral) - aumento de dopamina no accumbens As drogas fazem um “sequestro” das vias de recompensa: conseguem ativar, de maneira artificial, a região de prazer, gerando uma sensação de prazer muito mais intensa (na maioria das vezes) do que a sensação gerada por comportamentos que são naturalmente reforçados - Alguns pacientes podem ter a ativação dessa via antes mesmo de usar a droga (ex. chegar no local de uso já gera ativação do accumbens em antecipação ao uso da droga) Neurônios produzem dopamina e mandam projeções até o núcleo accumbens (sinaliza o prazer) - mais DA liberada, maior sensação de prazer Cássia Mendes Ataide - UFMS ✓ Drogas de efeito direto: “excitação” da área tegmentar ventral (VTA) → estimulação direta do neurônio dopaminérgico (aumenta a liberação de DA no núcleo accumbens) - Cocaína, anfetamina, ecstasy, nicotina ✓ Drogas de efeito indireto: diminuição da inibição tônica GABAérgica da VTA (desinibição) - Inibem um neurônio inibitório → desinibe um neurônio dopaminérgico da VTA, levando a um aumento na liberação de DA - Costumam ser associadas com drogas que têm mecanismos inibitórios Exemplo opioides: podem atuar em receptores opioides, no interneurônio inibitório (tanto no corpo celular/terminação), inibindo a liberação de GABA → neurônio dopaminérgico da VTA é indiretamente estimulado (está sendo desinibido), levando a um aumento da liberação de DA no accumbens Exemplo canabinoides: canabinoides atuando em receptores CB1 (inibitório), reduzindo a liberação de GABA, desinibindo o neurônio dopaminérgico, o que aumenta a liberação de DA As drogas usurpam as vias fisiológicas de reforço positivo • Caracterização do potencial reforçado em animais • Impulsividade e “tomada de risco” (D1/2/3) - quanto maior a impulsividade do sujeito, maior a chance de estar sujeito ao potencial abusivo de uma substância / indivíduos com comportamentos mais impulsivos são mais suscetíveis ao uso e abuso de drogas (grande relação com receptor D2) Estudos mostram quem variações em D2 estão relacionadas a um aumento de chance de desenvolvimento de abuso a várias substâncias. Além disso, também podem predizer comportamentos de risco associado a dependência a outras coisas que não são drogas de abuso (jogos de azar, sexo...) Reforço positivo: você faz algo e isso gera a intenção de você repetir a ação → usa uma substância que gera prazer Reforço negativo: você usa uma substância e ela te gera algo ruim, dando um estímulo negativo para que você não use de novo → usar uma droga que dá muita náusea faz com que você não queira usar de novo - sempre parte da pessoa que está usando, é diferente da punição Condicionamento associado ao uso da droga → memória de associação entre as pistas (lugar, pessoas) e a recompensa (consequência do uso) DEPENDÊNCIA PSICOLÓGICA Uso positivo e efeitos negativos Necessidade de “repetir” a experiência prazerosa Memória associativa intensa (NA/DA e LTP) - tanto para obter a resposta positiva quanto para reduzir a negativa (abstinência) → envolve neurotransmissores e mudanças plásticas em vias neuronais (incluindo a potencialização de longo prazo) Efeito imediato (prazer) e rebote (“contrabalanço” - quando os efeitos prazerosos cessam) Fissura (‘craving’ - obsessão, ânsia para conseguir a droga novamente) e uso compulsivo (‘binge’) Cássia Mendes Ataide - UFMS • Após a fissura, há altas chances de consumir a droga em doses maiores (até mesmo maior do que o necessário para conseguir o efeito) Aumentam a fissura: estresse, pistas e efeito rebote (aversivo) - quanto mais a pessoa está na abstinência, maior sua fissura para usar a droga ✓ Principal causa de recaída (abstinência crônica) TOLERÂNCIA AOS EFEITOS Relação direta com a dependência física → adaptação do organismo à presença e exposição continuada Redução do efeito farmacológico da substância (cinético/dinâmico) • Farmacocinética: adaptação de enzimas, vias de eliminação, redução na absorção → redução da chegada da substância no organismo • Dinâmicos: alteração em sensibilidade de receptor • Existem drogas que podem causar sensibilização → frente ao uso inicial, pode haver aumento do efeito (agudo) Dessensibilização e sensibilização de receptores Alteração na via de transmissão afetada (abstinência - resposta direta à dependência física) Não acontece com toda droga Exemplo que causa uma sensibilização a curto prazo DEPENDÊNCIA FÍSICA Componente fisiológico da síndrome de retirada (abstinência) • Farmacocinética impacta na magnitude e duração Duração variável (dias a semanas) → drogas com depuração rápida podem ter abstinência muito severa, mas que cessa rapidamente Ocorre ao cessar o uso ou antagonizar o mecanismo geral • Exemplo: se administrar uma Naloxona (antagonista opioide) em um paciente dependente a algum opioide, o mesmo terá uma crise de abstinência → a relação também vale para dependentes de BZDs Tremor, ansiedade sudorese, insônia, convulsão - gerais Drogas sedativas tendem a causar abstinência com sintomas de excitabilidade, já as estimulantes tendem a causar sintomas depressores em abstinência Menos relevante em causar recaídas (psicológica é mais) Contrarregulação do organismo à presença da droga: adaptação de receptores e plasticidade sináptica ✓ Altera a excitabilidade neuronal (inibitório e excitatório) Ex: há um circuito fechado entre núcleo accumbens e VTA e, frente à estimulação crônica, pode haver mudança na comunicação • Ativação crônica do accumbens pode gerar produção de dinorfina (opioide endógeno) - atua em receptores kapa opioides (relação com efeito disfórico, redução de humor, alucinação) - e também aumentar a transmissão associada com alteração em vias envolvidas com humor e reduzir a sinalização da VTA Como no caso da heroína há efeitos bem transitórios, ao mesmo tempo em que o usuário tem um pico de barato, tem o mal estar do rebote poucas horas depois, sentindoa necessidade de usar novamente Metadona é um agonista opioide com perfil de eliminação mais lento → é possível substituir o uso de heroína por um agonista com eliminação mais lenta (os níveis mais estáveis reduzem a fissura e abstinência) TOLERÂNCIA, DEPENDÊNCIA E ABSTINÊNCIA Cocaína e anfetaminas Funcionam por bloqueio de recaptores de DA/NA e, no caso das anfetaminas, adicionalmente, causam liberação de neurotransmissores Cássia Mendes Ataide - UFMS Aumenta DA na fenda sináptica → ativação maior de receptores • DA: causa resposta de reforço (excitação, prazer) e ativa receptores de dopamina do tipo D2 (inibitórios - podem estar na pré-sinapse), que possuem efeito inibitório na liberação de DA e nos mecanismo de síntese da DA → pode ser na tirosina hidroxilase ou na síntese da mesma, impactando na conversão e tirosina à L-DOPA e na formação de dopamina Frente à ativação crônica de receptores: dessensibilização → número menor de receptores, ativação menor, fadiga de esforço, disforia • Aumenta número de receptores de DA (já que foram cronicamente bloqueados) → toda DA que vai para a sinapse é mais rapidamente recaptada (efeitos na sinapse tornam-se mais transitórios) • Redução na expressão da tirosina hidroxilase → reduz a produção de DA • Reajuste na fisiologia dopaminérgica visando reduzir a disponibilidade de DA A cocaína pode dar uma contrabalanceada nesses efeitos Álcool Atua como um agonista GABAA, permitindo o influxo de Cl- e hiperpolarização (efeito inibitório) Atua em canal NMDA inibindo → ativa um canal inibitório e inibe um excitatório Frente exposição crônica → dessensibilização em receptores gabaérgicos (como são ativados com frequência, há redução no número de receptores na sinapse); mudança da composição dos mesmos Os canais GABA presentes mudam de composição • Subunidade 4: torna os canais menos sensíveis ao álcool (pessoa não vai ter efeitos inibitórios tão grandes) Bloqueio crônico de NMDA → hipersensibilidade de NMDA (aumento desses receptores na sinapse) Mudança de composição dos canais NMDA • NR2B: faz com que os canais aumentem sua condutância (passam a ser ativados com uma frequência maior) e fiquem fosforilados na maior parte do tempo Ou seja, há menos GABAA na superfície, que é menos ativado pelo álcool, há aumento de NMDA, que é mais ativado com frequência e menos sensível ao álcool → aumento da excitabilidade do neurônio, causando aumento da ansiedade e da sensibilidade à convulsão Opioides Uso agudo: ativa receptor opioide, que atua em proteína G e pode ter efeito em canais de potássio (causa efluxo de K+ e hiperpolarização); reduz atividade da adenilato ciclase (AC), reduzindo a ativação de proteína quinase A e toda sua cascata (podendo reduzir a liberação de alguns neurotransmissores) • A redução da cascata da PKA pode levar aos efeitos eufóricos Uso crônico: receptores de opioides podem ser fosforilados (pela ativação frequente), sofrer endocitose e serem degradados → quantidade menor de receptores na superfície • Quando são ativados pelo opioide, a proteína G não consegue recrutar as vias de transdução na mesma intensidade de antes → efeito de efluxo de K+ e da inibição da AC são reduzidos, impactando na transdução de sinal • Mecanismo contrarregulatório: aumenta a expressão de AC e PKA, levando a um aumento da transcrição gênica, liberação de neurotransmissores e excitabilidade, causando um efeito contrário ao uso agudo Cássia Mendes Ataide - UFMS POTENCIAL ABUSIVO DE SUBSTÂNCIAS Farmacocinética influencia o potencial abusivo 1. Efeitos rápidos (“zumbido”) com chegada no SNC 2. Efeito tardio/prolongado prazeroso (“onda”) Facilidade de uso (oral, aspirado ou inalado) Biodisponibilidade e intensidade de efeito (inalado ou i.v.) Mecanismo de ação influencia → modulação direta/indireta nas vias de recompensa DEPENDÊNCIA AO USO DE DROGAS Droga vs genética (50%) vs ambiente A espiral da dependência e mudança motivacional Busca pelo prazer (reforço +) ou cessar sensações ruins (reforço -) Integração de vias (curiosidade): Frente ao uso da droga, accumbens é ativado - reforço; VTA - DA; substância negra - DA para o estriado, ajudando a formação de hábito. Estimulação cognitiva - córtex pré-frontal e orbitofrontal, cingulado Envolvimento de estruturas envolvidas com emoção e memória - hipocampo, amígdala Frente a ausência da droga e percepção de pistas ambientais que sinalizam a ausência: hiperativação de estruturas encefálicas que trazem componente emocional negativo - núcleo central da amígdala, leito da estria terminal, regiões do tronco encefálico com produção de NA, fator liberador de corticotrofina, ativação do eixo HPA - piora o padrão de ativação do accumbens (reduzindo) Cássia Mendes Ataide - UFMS RECAÍDAS - MEMÓRIA Há particularidades, dependendo da substância Exemplo Situação natural de prazer: córtex manda estímulos sensoriais que reforçam o padrão de ativação, gerando uma plasticidade, aumentando a expressão de receptores glutamatérgicos na superfície (sinaliza que o comportamento trouxe vantagem fisiológica) Ao usar uma droga de abuso, como a quantidade liberada de DA é muito grande, o reforço da sinapse é feito de maneira muito mais intensa, estabelecendo a dependência • Mesmo que o paciente fique certo tempo sem usar, as modificações demoram para sumir Frente a um evento estressante, pode haver um padrão de ação diferenciado da VTA → pode gerar um padrão pontual de liberação de DA e, assim, entende-se que a droga foi utilizada novamente e gera-se o estímulo necessário para que a droga seja usada de novo • No momento de estresse, sente a necessidade de usar a droga novamente → a mesma via que era ativada frente ao uso de droga, pode ser ativada colateralmente frente a um evento estressante Se o indivíduo é confrontado com aspectos que lembrem o uso da droga, a via que era ativada frente ao uso da droga pode ser reativada, servindo como estímulo para recaída Exposição à substância, mesmo anos em abstinência, ativa a via em proporções maiores que uma pessoa que nunca utilizou a droga ativaria TRATAMENTO E MANEJO
Compartilhar