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2012 Artes CêniCAs Prof. Jean Carlos Gonçalves Prof.ª Michela Rejane Breda Copyright © UNIASSELVI 2012 Elaboração: Prof. Jean Carlos Gonçalves Prof.ª Michela Rejane Breda Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 790 G635a Gonçalves, Jean Carlos Artes cênicas / Jean Carlos Gonçalves e Michela Rejane Breda. Indaial : Uniasselvi, 2012. 203 p. : il ISBN 978-85-7830-555-0 1. Artes cênicas. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título Impresso por: III ApresentAção Caro acadêmico! Apresentamos o Caderno de Estudos em Artes Cênicas. Essa disciplina tem o objetivo de proporcionar conhecimentos referentes à área artística, em um processo que vai desde a relação entre teatro e educação, até a relação entre teatro e visualidade. As Artes Cênicas têm uma ampla possibilidade de aplicação em sala de aula e outros espaços de educação. Nesse caderno, veremos algumas delas, como conteúdos que abrangem as técnicas de treinamento para a interpretação, a improvisação, o lúdico, a criatividade, o funcionamento do discurso, o jogo teatral, as percepções do espaço cênico e a cenografia. Os textos estão dispostos em uma ordem que não pretende ser cronológica e nem está distribuída em ordem de importância de temáticas. A ideia é provocar um diálogo, para que ao fim da disciplina você se sinta apto a conversar, teorizar e vivenciar o teatro. Obviamente a área das Artes Cênicas tem conteúdo, história e metodologias que podem ser estudadas em muito tempo. Lembre-se de que esta disciplina tem um caráter básico e introdutório, cabendo a você buscar informações e se aprofundar nas temáticas que mais lhe chamarem a atenção. Esperamos que a partir das leituras e atividades propostas, você consiga apreender e aplicar seus novos conhecimentos, aliando-os às necessidades e anseios da sua formação. Entregue seu ingresso, desligue o aparelho celular! Bem-vindo ao teatro e bom espetáculo! Prof. Jean Carlos Gonçalves Prof.ª Michela Rejane Breda IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI V VI VII UNIDADE 1 – TEATRO E EDUCAÇÃO ............................................................................................. 1 TÓPICO 1 – TEATRO E ESCOLA......................................................................................................... 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 TEATRO COMO COMPONENTE CURRICULAR ....................................................................... 3 3 PEDAGOGIA TEATRAL ..................................................................................................................... 6 3.1 JEAN-PIAGET E O ENSINO DO TEATRO .................................................................................. 6 3.2 MORENO E O PSICODRAMA ...................................................................................................... 7 3.3 O TEATRO DE BRECHT ................................................................................................................. 8 3.4 BOAL E O TEATRO DO OPRIMIDO............................................................................................ 10 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 12 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 14 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 15 TÓPICO 2 – ASPECTOS PEDAGÓGICOS NO TEATRO ............................................................... 17 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 17 2 A CONDUÇÃO PEDAGÓGICA ....................................................................................................... 17 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 22 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 23 TÓPICO 3 – A DANÇA NO TEATRO ................................................................................................. 25 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 25 2 O SISTEMA LABAN ............................................................................................................................ 26 2.1 CORPO .............................................................................................................................................. 28 2.2 ESPAÇO ............................................................................................................................................. 28 2.3 FORMA ............................................................................................................................................. 28 2.4 ESFORÇO .......................................................................................................................................... 28 3 PINA BAUSCH E A DANÇA-TEATRO ........................................................................................... 29 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 32 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................33 TÓPICO 4 – DANÇA-TEATRO NA ESCOLA ................................................................................... 35 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 35 2 CAMINHOS PEDAGÓGICOS PARA A DANÇA - TEATRO .................................................... 35 3 COMPARTILHANDO IDEIAS .......................................................................................................... 36 3.1 OPOSTOS CORPORAIS ................................................................................................................. 36 3.1.1 Reconstrução corporal coreográfica ..................................................................................... 37 3.2 DANÇANDO E TEATRALIZANDO COM OS MESTRES DA PINTURA ............................. 37 3.3 TEMÁTICA MUSICAL NA DANÇA-TEATRO .......................................................................... 41 3.4 PINTURA E POEMA DRAMÁTICO ............................................................................................ 41 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 46 RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 50 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 51 sumário VIII TÓPICO 5 – TREINAMENTO DO ATOR ........................................................................................53 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................53 2 STANISLÁVSKI..................................................................................................................................53 3 GROTOWSKI ......................................................................................................................................56 4 ANTROPOLOGIA TEATRAL ..........................................................................................................59 RESUMO DO TÓPICO 5......................................................................................................................63 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................64 UNIDADE 2 – JOGO TEATRAL E IMPROVISAÇÃO ...................................................................65 TÓPICO 1 – TEORIAS E TÉCNICAS ................................................................................................67 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................67 2 TEORIAS E TÉCNICAS ....................................................................................................................67 2.1 O SISTEMA DE VIOLA SPOLIN .................................................................................................69 2.2 KEITH JOHNSTONE ....................................................................................................................73 2.2.1 Bloqueio criativo ...................................................................................................................75 2.2.2 Status .......................................................................................................................................76 2.2.3 Espontaneidade e criatividade ...........................................................................................77 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................79 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................80 TÓPICO 2 – IMPROVISAÇÃO E DISCURSO ...............................................................................81 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................81 2 TEORIA DA ENUNCIAÇÃO ...........................................................................................................81 3 FOUCAULT E AS RELAÇÕES DE PODER ...................................................................................85 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................89 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................90 TÓPICO 3 – PRÁTICAS E VIVÊNCIAS ...........................................................................................91 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................91 2 PLANOS DE AULA E PROTOCOLOS DE SESSÃO ...................................................................91 2.1 PLANOS DE AULA .......................................................................................................................92 2.2 PROTOCOLOS DE SESSÃO ........................................................................................................95 3 ALGUNS JOGOS ................................................................................................................................97 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................100 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................102 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................103 TÓPICO 4 – TEXTO E ADAPTAÇÃO TEATRAL NA ESCOLA ..................................................105 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................105 2 A ARTE DA ADAPTAÇÃO TEXTUAL .........................................................................................105 3 TEXTO TEATRAL ADAPTADO E LEITURA DRAMÁTICA ....................................................107 4 COMPARTILHANDO EXPERIÊNCIA ..........................................................................................108 5 CONVERSAS SOBRE AVALIAÇÃO NA PRODUÇÃO TEATRAL ESCOLAR .....................110 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................113 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................115 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................116 IX UNIDADE 3 – TEATRO E VISUALIDADE ......................................................................................117 TÓPICO 1 – CENOGRAFIA COMO LINGUAGEM ......................................................................119 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................119 2 ASPECTOS HISTÓRICOS................................................................................................................119 2.1 CENOGRAFIA GREGA ................................................................................................................120 2.2 CENOGRAFIA ROMANA ...........................................................................................................122 2.3 CENOGRAFIA MEDIEVAL .........................................................................................................1242.4 CENOGRAFIA ELISABETANA ..................................................................................................126 2.5 CENOGRAFIA RENASCENTISTA .............................................................................................129 2.6 O PALCO ITALIANO ....................................................................................................................130 3 REVOLUÇÃO CENOGRÁFICA ......................................................................................................131 3.1 ADOLPHE APPIA (1862-1928) ....................................................................................................131 3.2 EDWARD GORDON CRAIG (1872 – 1966) ...............................................................................133 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................135 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................136 TÓPICO 2 – TEORIA DO ESPAÇO CÊNICO ..................................................................................137 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................137 2 DIFERENTES ACEPÇÕES DO ESPAÇO CÊNICO .....................................................................137 2.1 ESPAÇO E LUGAR ........................................................................................................................138 2.2 ESPAÇO E CORPO ........................................................................................................................139 2.3 ESPAÇO E TEXTO .........................................................................................................................141 2.4 ESPAÇO E ESPECTADOR ............................................................................................................142 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................144 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................145 TÓPICO 3 – ELEMENTOS CENOGRÁFICOS ................................................................................147 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................147 2 LUZ ........................................................................................................................................................147 3 COR .......................................................................................................................................................149 4 SOM .......................................................................................................................................................151 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................154 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................158 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................159 TÓPICO 4 – CENOGRAFIA E PRÁTICA NA ESCOLA ................................................................161 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................161 2 ESPAÇOS CENOGRÁFICOS ...........................................................................................................161 3 COMPARTILHANDO IDEIAS ........................................................................................................162 3.1 CRIANDO CENÁRIOS NOS ESPAÇOS DA ESCOLA ............................................................162 3.2 MINICENÁRIOS ............................................................................................................................163 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................168 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................169 X TÓPICO 5 – O TEATRO DE BONECOS ...........................................................................................171 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................171 2 ALGUNS DETALHES HISTÓRICOS .............................................................................................171 3 TEATRO DE BONECOS E SUAS LINGUAGENS .......................................................................173 3.1 BONECOS ARTICULADOS .........................................................................................................173 3.2 BONECOS DE LUVA ....................................................................................................................174 3.3 BONECOS DE VARA ....................................................................................................................176 4 TEATRO DE SOMBRAS UMA LINGUAGEM PARTICULAR .................................................177 4.1 TEORIA E TÉCNICA ....................................................................................................................177 RESUMO DO TÓPICO 5......................................................................................................................181 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................182 TÓPICO 6 – O TEATRO DE MÁSCARAS........................................................................................183 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................183 2 BREVE HISTÓRIA DA MÁSCARA ...............................................................................................183 3 O USO DA MÁSCARA E SUA CRIAÇÃO NAS PRODUÇÕES ESCOLARES .....................186 4 CRIANDO MÁSCARA PARA TEATRO NA ESCOLA...............................................................187 4.1 MÁSCARA DE CAMADAS: (KRAFT/JORNAL) ......................................................................188 4.2 MÁSCARA DE SACO DE PÃO ...................................................................................................190 4.3 MÁSCARA DE PAPEL MACHÊ .................................................................................................191 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................195 RESUMO DO TÓPICO 6......................................................................................................................199 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................200 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................201 1 UNIDADE 1 TEATRO E EDUCAÇÃO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS Ao final dessa unidade, você estará apto a: • conhecer os processos pedagógicos em Artes Cênicas e suas interfaces com o ambiente escolar; • relacionar os principais aspectos da relação entre as Artes Cênicas e a edu- cação do corpo; • identificar teorias de treinamento do ator contemporâneo. Esta unidade está dividida em cinco tópicos. Ao final de cada um deles, você terá a oportunidade de fixar seus conhecimentos realizando asatividades propostas. TÓPICO 1 – TEATRO E ESCOLA TÓPICO 2 – ASPECTOS PEDAGÓGICOS NO TEATRO TÓPICO 3 – A DANÇA NO TEATRO TÓPICO 4 – DANÇA - TEATRO NA ESCOLA TÓPICO 5 – TREINAMENTO DO ATOR 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 TEATRO E ESCOLA 1 INTRODUÇÃO Nesse tópico, estudaremos os princípios pedagógicos das Artes Cênicas. Partiremos das relações entre teatro e educação, abordando conceitos que se fazem necessários à compreensão de como as Artes Cênicas ganham espaço no currículo escolar. Veremos algumas propostas metodológicas para o ensino do teatro e suas possibilidades de aplicação no ambiente escolar. Ao final do tópico, teremos acesso a um artigo da professora-doutora Ingrid Koudela, principal nome do ensino de teatro brasileiro na atualidade. Bom estudo a todos! Quem sabe, ao final desse tópico, você não se arrisca a uma aventura teatral com seus colegas! 2 TEATRO COMO COMPONENTE CURRICULAR As Artes Cênicas na educação escolar brasileira ainda encontram inúmeros obstáculos, quando perguntas que há décadas já deviam ter sido respondidas, insistem em voltar aos centros de formação de professores, universidades, reuniões de pais e planejamentos curriculares: Para que serve o teatro na escola? Qual o objetivo do estudo da cena num ambiente educacional? O que a criança fará com os conhecimentos apreendidos na aula de artes cênicas? Na Antiguidade Clássica, Aristóteles e Platão já elaboravam escritos que traziam uma dimensão conflituosa da relação entre o teatro e a educação. Porém é só a partir da metade do século XIX que a expressão Teatro-educação começa a ser utilizada em bibliografias especializadas da área. No Brasil, é a partir do início do século XX, pelo movimento da Escola Nova, fortemente difundido pelo conhecido educador Anísio Teixeira, que começaram as lutas por uma educação ativa, que passa a considerar as artes e as humanidades como fundamentais para o processo educacional do ser. UNIDADE 1 | TEATRO E EDUCAÇÃO 4 O teatro passou a fazer parte do componente curricular na educação formal durante o processo de educação em massa, advindo da democratização do ensino laico no Ocidente. O final do século XIX e início do XX foram responsáveis por uma ampla discussão no terreno pedagógico, referente à importância da criatividade para o desenvolvimento da tecnologia, das indústrias e dos novos materiais e utensílios que estavam surgindo no mercado. A psicologia também começava a se firmar como ciência e a ganhar espaço nas frentes de discussão sobre educação. Assim, era postulada, no âmbito de um pensamento educacional liberal progressivista, uma nova proposta de ensino, que pretendia atender aos ideais de “liberdade de expressão” e “livre-iniciativa” do novo cidadão que estava surgindo. Dessa maneira, a presença da arte e do teatro na escola era justificada como estímulo ao desenvolvimento da criatividade do aluno. FONTE: Disponível em: <www.divirta-se.correioweb.com.br>. Acesso em: 20 fev. 2010. FIGURA 1 – ESPETÁCULO – OS TRÊS PORQUINHOS – CIA NÉIA E NANDO ATENCAO Não devemos pensar que é só a partir desse momento histórico que o teatro apareceu na educação, pois há registros escritos de dramatizações e leituras de peças teatrais já na Idade Média em escolas e universidades da Europa. No Brasil, ainda existiam os jesuítas na época da colonização, que usavam o teatro como instrumento educacional religioso. TÓPICO 1 | TEATRO E ESCOLA 5 O desafio a partir da segunda metade do século XX, período em que se fortalecia a ideia de uma educação através da arte, foi o de pensar o ensino de teatro para além de um instrumento, ferramenta ou método para auxiliar no ensino de outras disciplinas. Era muito frequente, nessa época, e ainda hoje temos resquícios disso, a presença do teatro na escola como meio de facilitar o aprendizado de línguas, ou para ajudar o aluno a se expressar na hora de uma leitura de Língua Portuguesa. Até mesmo em aulas de Matemática e Ciências Naturais, o teatro surgia (surge) como projeto de professores, desprovidos de qualquer conhecimento técnico e artístico. Uma nova perspectiva, chamada de estética ou essencialista, começou a dar ênfase às especificidades da linguagem teatral, trazendo para a escola uma compreensão das artes cênicas como uma forma de expressão artística acessível e disponível para todo ser humano, e não apenas para uma pequena elite que pudesse frequentar teatros, cursos e oficinas que na sua maioria precisam de tempo e dinheiro para sua manutenção. Surgem assim, novas bases e diretrizes para o ensino de teatro, calcadas na comunicação e expressão do sentimento humano, visto que a principal característica que distingue o ser humano de outras espécies animais é o uso de uma linguagem comunicativa, organizada, capacidade de controle e domínio de comportamento. O teatro, então, passa a ser concebido e difundido como forma de conhecimento, necessária a todo sujeito da educação e capaz de elaborar conexões com a visualidade, a música, o jogo e todos os outros mecanismos integrantes de um espetáculo. Hoje, o ensino do teatro encontra espaço na escola, em instituições governamentais, organizações para o desenvolvimento social, comunidades de todas as faixas etárias e classes econômicas. Sua importância já não deve ser mais questionada, pois a arte justifica-se a si mesma. Inúmeras pesquisas em teatro-educação vêm sendo realizadas com diferentes abordagens: pesquisa de campo, etnográfica, etnocenológica, e de observação. Todas trazem importantes contribuições para o avanço da área e amplas reflexões sobre os caminhos do teatro contemporâneo. Hoje, principalmente como fortalecimento dos cursos de Licenciatura em Artes Cênicas, que têm como foco a formação de professores na área específica de teatro, a realidade do ensino das artes vai encontrando alguns caminhos de mudança. Uma mudança lenta, sofrida, carente de maior estrutura (tanto física, como intelectual), mas que tem conseguido, mesmo a passos lentos, inserir a cultura teatral na escola. A seguir, vamos estudar algumas abordagens em pedagogia teatral no Brasil. UNIDADE 1 | TEATRO E EDUCAÇÃO 6 3 PEDAGOGIA TEATRAL Como vimos, ainda hoje, o ensino de teatro na escola é pensado como meio de aprendizagem para outros conteúdos e disciplinas curriculares, ou ainda como fator de desenvolvimento criativo. Uma vertente desse modelo instrumental é chamada de play way ou método dramático. (COURTNEY,1980) Esse método é um recurso didático para apreensão de conteúdos trabalhados por diferentes disciplinas do currículo por meio de encenações. Dramatiza-se um fato histórico, uma situação estudada, um evento, e não se tem o mínimo compromisso estético com a cena. O forte desenvolvimento dessa corrente instrumental acabou por gerar discussões acerca de mudanças necessárias no ensino de teatro. A partir do momento em que o teatro e as artes passam a ser concebidos como linguagens, essa corrente vai perdendo lugar, apesar de ainda existir na atualidade, um novo procedimento chamado essencialista ou estético. Nessa nova abordagem, o objetivo do ensino das artes não é a formação de artistas, e sim, a compreensão estética das formas de expressão humanas. Essas duas abordagens, instrumentalista e estética, foram concebidas e ocuparam lugar na história em virtude de políticas educacionais. A maioria delas está fundamentada nas teorias psicológicas de Jean-Piaget. 3.1 JEAN-PIAGET E O ENSINO DO TEATRO Piaget (1896-1980) foi um estudioso dos mecanismos de representação simbólica na criança. Sua teoria do desenvolvimento cognitivo, sobre a qual refletiu em torno de meio século, traz contribuições para a compreensão da função simbólica no desenvolvimento intelectual do ser humano. Sua teoria se baseia basicamente em três etapas: imitação, jogo simbólico e representação cognitiva. Através da análise de protocolos em que registrava a vida de seus filhos desde os primeiros dias até a adolescência, Piaget teorizouquestões como o simbolismo primário (como por exemplo, a facilidade com que uma criança faz de uma tampinha de garrafa uma nave que paira no universo). A esse conceito ele atribui à capacidade de jogo consciente. Já o simbolismo secundário (ou inconsciente) consiste em assimilar conteúdos de acordo com desejos ou impressões (como no caso de uma criança, que ao ser impedida de sair de casa, resolve brincar num jogo imaginário, como se suas bonecas estivessem passeando na rua). TÓPICO 1 | TEATRO E ESCOLA 7 FONTE: Disponível em: <www.portalsaofrancisco.com.br>. Acesso em: 22 fev. 2010. FIGURA 2 – JEAN PIAGET O símbolo, para Piaget, fazia parte dos procedimentos de vivência do sujeito, como meio de assimilação da realidade. Daí vem suas primeiras contribuições para o campo do jogo dramático (faz de conta) na área teatral, indo além, embasando teorias a respeito do uso da linguagem teatral com crianças e do uso da psicoterapia infantil. As contribuições de Piaget para os estudos teatrais estão expostas de uma forma interessante no livro Jogo, Teatro e Pensamento, de Richard Courtney, publicado em 1980 pela editora Perspectiva. 3.2 MORENO E O PSICODRAMA Outra importante vertente utilizada no ensino do teatro é o Psicodrama Pedagógico, idealizado por J. L. Moreno (1890-1974). Seus estudos tinham como fundamento um teatro que pudesse ser utilizado em empresas, escolas e outras instituições, com fins extrateatrais. Ao desenvolver o seu teatro da espontaneidade, Moreno pretendia instigar o público a participar dos espetáculos propostos a partir de uma atuação improvisada, sem roteiros ou textos prévios. Moreno começou a perceber nessa prática teatral possibilidades terapêuticas para a cura de distúrbios comportamentais. Ele criou, então, a terapia psicodramática, que tinha como premissa a utilização de duas aplicações possíveis de suas técnicas: o sociodrama – que investiga as relações de grupo e do contexto social e cultural do paciente; e o psicodrama – que tem seu foco na vida privada e nas relações interpessoais do paciente. Ambas constituem importantes modalidades de teatro improvisacional. UNIDADE 1 | TEATRO E EDUCAÇÃO 8 FONTE: Disponível em: <www.irpsicodrama.blogspot.com.br>. Acesso em: 23 fev. 2010. FIGURA 3 – JACOB LEVI MORENO Moreno aplicou algumas de suas descobertas no ambiente educacional e contribuiu decisivamente para o desenvolvimento do teatro na educação. Entre as principais contribuições estão o trabalho coletivo – premissa de qualquer trabalho teatral, que o teatro só se desenvolve num contexto de grupo; a autoavaliação – que consiste no direito que o sujeito tem de pensar sobre si, de ter posições críticas sobre seu trabalho, e os protocolos de sessão – diários escritos pelos participantes das aulas, que pretendem relatar as situações vivenciadas em cada sessão de ensino. Ambas as contribuições são utilizadas no ensino de teatro de forma exaustiva até hoje. Resumindo, o trabalho de grupo é fator intrínseco ao processo teatral, a autoavaliação oportuniza ao aluno a autonomia e a reflexão sobre si, tão cara ao contexto escolar na atualidade. Os protocolos de sessão sugerem um registro em que os participantes da atividade teatral possam escrever, desenhar, manifestar suas opiniões e expressar-se sobre os jogos e cenas vivenciadas. 3.3 O TEATRO DE BRECHT Bertold Brecht (1898-1956), encenador alemão, desenvolveu um teatro avesso ao de J. L. Moreno. Seus ideais tinham como motivação lutas de interesse político-social, especialmente por sua posição marcadamente comunista. De uma maneira utópica, com objetivos de transformação do mundo por meio do teatro, Brecht fundou o teatro épico. Nesse tipo de encenação, procura-se um não envolvimento do público com a cena, um distanciamento do fenômeno teatral que pudesse possibilitar uma reflexão, uma análise crítica da vida por meio do jogo cênico. TÓPICO 1 | TEATRO E ESCOLA 9 Brecht acreditava que o público devia refletir conscientemente sobre as histórias, os textos, as personagens e os acontecimentos teatrais dos quais participava. Seu estúdio teatral, o Berliner Ensemble, tinha como proposta realizar encenações que apresentassem ao espectador somente os traços sociais das personagens, sem deixar que o público se envolvesse emocionalmente com as psicologias das situações encenadas. Uma das preocupações de Brecht em seu teatro épico era conscientizar o público das lutas entre classes sociais no sistema capitalista. Ele escreveu então, as peças didáticas, que consistiam em pequenos espetáculos que eram experimentados publicamente, numa vertente pedagógica. Essas peças didáticas não eram realizadas a partir de ensaios, nem objetivavam uma montagem espetacular. Elas tinham como princípio o fato de proporcionar aos atuantes, uma forma de agir, de falar, de resignificar textos, que pudesse levá-los à reflexão sobre seus conflitos. Mais informações sobre as peças didáticas de Brecht e sua aplicação no ensino de teatro brasileiro, podem ser lidas nos livros da professora-doutora Ingrid Koudela, estudiosa de Brecht no Brasil: Brecht: Um jogo de aprendizagem, Um vôo brechtiano e Texto e Jogo, ambos publicados pela editora Perspectiva. NOTA FONTE: Disponível em: <www.jornalpequeno.com.br>. Acesso em: 23 fev. 2010. FIGURA 4 – BERTOLD BRECHT UNIDADE 1 | TEATRO E EDUCAÇÃO 10 3.4 BOAL E O TEATRO DO OPRIMIDO Augusto Boal (1931-2009) foi responsável pela fundação da estética teatral brasileira mais difundida ao redor do mundo: o Teatro do Oprimido. Na década de 60, o encenador, dramaturgo e político, à frente do Teatro de Arena em São Paulo, criou um tipo de teatro que passeava entre o teatro épico de Brecht e os ensinamentos da pedagogia libertadora do educador brasileiro Paulo Freire. O Teatro do Oprimido consiste em uma atuação de base improvisada que pudesse mexer com as estruturas do pensamento capitalista, a partir de discussões e reflexões de cunho político e de conscientização do público através do teatro. Uma importante contribuição de Augusto Boal para a educação em teatro é a transformação do espectador em ator, a sua crença de que qualquer pessoa pode fazer teatro. Essa ideia rompe com o pensamento de que somente atores podem pisar no palco. FONTE: Disponível em: <www.es.gov.br>. Acesso em: 21 fev. 2010. FIGURA 5 – AUGUSTO BOAL Entre as principais teorias de Boal, é necessário compreender que seus estudos enfocavam: a) O Conhecimento do Corpo – Série de exercícios que possibilitem ao aluno maior liberdade corporal, conscientizando-o de sua condição limitada e indicando- lhe caminhos de descoberta do uso do corpo na linguagem teatral e na vida; b) Tornar o corpo expressivo – Exercícios que abusam da livre improvisação para que os alunos possam se expressar a partir de suas intuições e intenções; TÓPICO 1 | TEATRO E ESCOLA 11 c) Teatro como linguagem – Prática teatral totalmente improvisada. Ela se desenvolve a partir da Dramaturgia Simultânea, em que os atores encenam até que haja um ponto de conflito a ser resolvido na cena por meio de opiniões do espectador; o Teatro-Imagem, onde os espectadores “dominam” o corpo dos atores, compondo imagens-estátuas para representar conflitos resoluções e mecanismos de transformações da cena; e o Teatro-Fórum, que permite que o espectador vá até a área de atuação e resolva os conflitos da cena, atuando, improvisando. d) Teatro como discurso – Formas de atuação teatral, formuladas por Boal, com fins de atuação reflexiva. Entre elas, as mais conhecidas são o Teatro Jornal, que sugere que matérias jornalísticas sejam levadas para discussão por meio de cenas teatrais; o Teatro Invisível, que é feito em locais públicos, sem que o público saiba que a cena é de cunho teatral; e o Teatro-fotonovela, que acontece por meio de improvisações a partir de roteiros originalmente escritos para a televisão. Após a apresentação, o público é informado que se trata de um texto novelístico, e é instigadoa fazer as comparações entre o sentido social da cena original e da cena improvisada, criada pelos atores diante do espectador. Segundo as expectativas de Augusto Boal para o seu teatro do oprimido, o espectador deveria se converter em espectATOR. Essa nomenclatura seria responsável por libertá-lo da condição social de repressão que lhe foi imposta por séculos de tradição teatral do Ocidente, que coloca o espectador num lugar passivo e de privação da participação na cena. ESTUDOS FU TUROS Há ainda uma importante proposta metodológica utilizada no ensino de teatro, desenvolvida pela norte-americana Viola Spolin. Esta proposta será estudada na segunda unidade, quando daremos ênfase especial aos estudos de improvisação. UNIDADE 1 | TEATRO E EDUCAÇÃO 12 A NOVA PROPOSTA DE ENSINO DO TEATRO Ingrid Dormien Koudela A atual legislação educacional brasileira reconhece a importância da arte na formação e desenvolvimento de crianças e jovens, incluindo-a como componente curricular obrigatório da educação básica. No Ensino Fundamental, a Arte passa a vigorar a partir da implantação dos PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) enquanto área de conhecimento no currículo da escola brasileira, através de quatro linguagens artísticas: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro. Os PCN foram elaborados procurando, de um lado, respeitar as diversidades regionais, culturais e políticas existentes no país, considerando de outro a necessidade de construir referências nacionais comuns ao processo educativo em todas as regiões brasileiras. Sem dúvida, o contexto educacional brasileiro é perpassado por questões de diferentes naturezas, entre as quais encontramos os dilemas do desenho curricular a ser proposto na contemporaneidade em um país de proporções continentais e os impasses em vista da escolha dos encaminhamentos metodológicos mais adequados às diferentes regiões do país. Os documentos apresentados pelos PCN são resultado de um longo trabalho que contou com a participação de muitos educadores brasileiros e têm a marca de seus estudos e de suas experiências. Inicialmente foram elaboradas versões preliminares, analisadas e debatidas por professores e especialistas. As críticas e sugestões apresentadas contribuíram para o processo de concretização deste documento. A versão atual, de acordo com o MEC, deverá ser revista periodicamente, com base no acompanhamento e na avaliação de sua implementação. Os conteúdos de Arte buscam acolher a diversidade do repertório cultural que o aluno traz para a escola e trabalhar os produtos da comunidade em que a escola está inserida. A apreciação e o estudo da Arte devem contribuir tanto para o processo de criação dos alunos como para a experiência estética e conhecimento da arte como cultura. Os conteúdos de Arte são articulados com vistas ao processo de ensino e aprendizagem na escola e foram explicitados por intermédio de ações em três eixos norteadores: produzir, apreciar e contextualizar. O Teatro é abordado nos PCN - Arte a partir de sua gênese em rituais de diferentes culturas e tempos e o jogo é conceituado a partir das fases da evolução genética do ser humano e entendido como instrumento de aprendizagem, promovendo o desenvolvimento da criatividade, em direção à educação estética e práxis artística. Nesse sentido, o jogo teatral é um jogo de construção em que a consciência do “como se” é gradativamente trabalhada, em direção à articulação da linguagem artística do teatro. No processo de construção dessa linguagem, a criança e o jovem estabelecem com seus pares uma relação de trabalho, combinando a imaginação dramática com a prática e a consciência na observação das regras do jogo teatral. LEITURA COMPLEMENTAR TÓPICO 1 | TEATRO E ESCOLA 13 Um fator ressaltado no documento sobre a linguagem do Teatro é a tematização de textos poéticos que podem ser objeto de imitação crítica por crianças e jovens. O texto poético pode constituir-se em princípio unificador do processo pedagógico com o jogo teatral, permitindo liberdade e diversidade de construções. Nessa perspectiva, os Temas Transversais incorporam as questões da Ética, da Pluralidade Cultural, do Meio Ambiente, da Saúde, da Orientação Sexual, do Trabalho e Consumo. Amplos o bastante para traduzir preocupações da sociedade brasileira de hoje, os Temas Transversais correspondem a questões importantes, urgentes e presentes sob várias formas na vida cotidiana. Os PCN são hoje objeto de ações educacionais em todo o país, promovido através do MEC e das secretarias de educação em vários estados e municípios brasileiros. É preciso ressaltar que para a área de Arte o documento significou um grande avanço, ao incorporar como eixos de aprendizagem a apreciação estética e a contextualização que se somam à expressividade/produção de arte pela criança e pelo jovem. Essa proposta vem promovendo o potencial do Teatro como exercício de cidadania e o crescimento da competência cultural dos alunos. [...] Considerando a reflexão brasileira sobre as propostas pedagógicas dos cursos de formação de professores de Teatro, ressalta-se a necessidade de uma composição interdisciplinar envolvendo a formação geral, através de conhecimentos que ultrapassam os domínios da especialidade e uma formação específica, voltada para os conteúdos epistemológicos que dimensionam o saber teatro, a prática teatral e o saber ensinar essa disciplina. Esses conhecimentos devem estar articulados com todas as outras dimensões do ato educativo, desenvolvendo a competência cultural da criança e do jovem. Do ponto de vista epistemológico, se num primeiro momento os fundamentos do teatro na educação foram construídos a partir de questões dirigidas ou formuladas pela psicologia e educação como áreas capazes de fornecer os indicadores de caminho, hoje o vínculo com a área de formação fornece conteúdos e metodologias norteadoras para a teoria e prática educacional. Podemos dizer que a situação se inverteu, sendo que especialistas de várias áreas e em vários níveis de ensino (desde a educação infantil) buscam a contribuição única que as linguagens artísticas podem trazer para a educação. Ainda que possa ser considerada em grande parte utópica, diante da miséria da educação brasileira, o caminho afigura-se como talvez uma das últimas possibilidades de resgate do ser humano e de sua historicidade diante do processo social conturbado que atravessamos na contemporaneidade. FONTE: KOUDELA, I. A nova proposta de ensino do teatro. Disponível em: <www.eca.usp.br/prof/ ingrid/site>. Acesso em: 10 fev. 2010. 14 Nesse tópico, refletimos sobre: l Teatro no componente curricular: o desenvolvimento e surgimento do ensino de teatro na escola, estabelecendo diálogos com diferentes períodos, estéticas e perspectivas que contribuíram para a atual configuração educacional em artes no Brasil. l Pedagogia Teatral: algumas abordagens pedagógico-teatrais, por meio do conhecimento de importantes nomes que fizeram diferença na área de teatro- educação, com suas propostas e metodologias. RESUMO DO TÓPICO 1 15 O filme norte-americano Dogville, lançado em 2003 e dirigido por Lars Von Trier, propõe uma estética narrativa muito próxima da proposta brechtinana. Não podemos compará-lo com o teatro de Brecht, pois isso seria um erro. Mas podemos perceber as influências do teatro épico na ausência de cenários, nos diálogos reflexivos e nas artimanhas do diretor para que o público não se esqueça de que está assistindo a uma peça de ficção, por meio da valorização do trabalho dos atores e da narrativa posta em partes separadas, mas que se complementam como se fossem atos teatrais. Vale a pena assistir a ele e tirar suas conclusões! Aproveitem para pesquisar na internet ou em outras fontes, textos sobre o teatro brechtiano e tente relacionar o filme à linguagem teatral que ele apresenta. AUTOATIVIDADE 16 17 TÓPICO 2 ASPECTOS PEDAGÓGICOS NO TEATRO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Otópico aborda um comparativo sucinto entre os aspectos pedagógicos e os procedimentos teatrais do diretor inglês Peter Brook, fundador do Centro Internacional de Pesquisa Teatral, e do diretor alemão Bertold Brecht, fundador do Berliner Ensemble. Você já leu algo sobre ele no Tópico 1 desta mesma unidade. Seus processos de criação (e sua condução pedagógica) são analisados buscando estabelecer comparativos entre as semelhanças e as diferenças nas abordagens dos encenadores e sua contribuição para os educadores que pretendem adentrar no universo da encenação teatral principalmente na escola. Tomando como exemplo, criações teatrais de Peter Brook e Bertold Brecht você vai perceber que fazer teatro na escola é uma tarefa prazerosa e significativa. 2 A CONDUÇÃO PEDAGÓGICA É bastante comum ao iniciar um trabalho ou mesmo uma experiência teatral na escola nos perguntarmos como começar. Por onde? Com o quê? De que forma? Há sempre uma maneira que não parece estar disponível naquele momento. Esse tipo de situação tem até nome na linguagem teatral. Isso mesmo, aquela ideia sem forma definida, que está presente, intuitivamente viva, e ao mesmo tempo ausente, pois não tomou corpo, forma, volume, de onde muitas vezes nascem grandes descobertas, tem nome, foi chamada de “intuição amorfa”. O diretor Inglês, de quem vamos falar, tentava seguir uma ideia, sem ao menos saber por onde começar. Acabou por modificar toda a forma estrutural no que se refere ao início dos ensaios de uma peça teatral e principalmente no que se refere a sua função de diretor. Suas ideias se destacaram por uma razão bastante conhecida, aprendeu pesquisando, tentando, comparando, e principalmente tomando consciência de que: “[...] o espetáculo está no mundo, e todos os presentes sofrem a influência do que é representado” (BROOK, 1944, p. 23) comprovando que para se fazer teatro, quem o faz, deve estar consciente do rumo a seguir com seu trabalho, pois de uma forma ou de outra, está assumindo um compromisso, moral cultural e político, consigo e com o seu trabalho, com seu público, com seus educandos. Alias, é através da escolha de uma peça, conto ou narrativa e do caminho a percorrer com os ensaios, que se define o sentido que se pretende dar ao trabalho. Repare, digo sentido, não estilo, tal equívoco não pode se sobressair. UNIDADE 1 | TEATRO E EDUCAÇÃO 18 As contribuições deste diretor foram muitas dentro do universo da peça teatral, conseguiu conferir aos seus espetáculos um caráter crítico e polêmico, tirando o público de sua passividade habitual. Inovou no teatro permitindo aos seus atores que fossem ensaiando de forma descontraída, “livres” para criar, trazer sugestões e ideias a serem compartilhadas. Evidentemente que essa metodologia de trabalho não o isentava de tomar decisões, assumir o controle, eliminar o desnecessário, mantendo o sentido das coisas, dos detalhes, saber para onde está rumando. Existe algo nesse modo de trabalho que detém a atenção em relação a compor a personagem, na verdade dentro desta ideia não se constrói uma personagem, muito pelo contrário, é eliminando, “desconstruindo” ações corporais e atitudes, que se conseguem em cena, não repetir, como na vida, detalhes desnecessários, digamos que se consegue assim eliminar os excessos e os supérfluos nas apresentações. Há também uma tomada de consciência que por mais ou menos elaborado que seja um espetáculo vai existir a necessidade de improvisação, que dependendo da receptividade se é mais ou menos acalorada ou até mesmo da relação que se pretende estabelecer com o público em um “momento único”, ela pode se tornar positiva ou negativa. Pois bem, se o ator ou aluno/ator não possuir em si, de dentro para fora ou de fora para dentro, algo de orgânico em seu personagem o espetáculo perde, o público perde, e ele não se sentirá mais do que um repetidor de ações e frases sem “alma”, correndo o risco de falhar, quando na tentativa de amenizar os enganos, que por ventura possa cometer durante um espetáculo, seja ele de que proporção for. Peter Brook possui uma trajetória de vida que chama atenção pelo fato de ter estado, no início de sua carreira, voltado para o cinema; em função do fato de não possuir nenhum tipo de experiência no teatro e assumir o cargo de diretor logo de início, e mais por perceber quase imediatamente que o caminho, o rumo que estava tomando não lhe cabia, era insensato. Isso pode ser dito, pois ele descreve seu primeiro trabalho na função de diretor, como sendo voltado para a imagem, para o cenário, para o figurino e não para o ator. Não tardou para perceber que havia algo mais significativo que os cenários complicados, figurinos superelaborados, cores contrastantes e inúmeros refletores. Todos esses elementos juntos não substituem o ator. Existe algo no trabalho de Brook que não pode ser esquecido, em se tratando dos movimentos, das ações das personagens, ele deixa claro que realizou alguns experimentos envolvendo o não movimento, quero dizer, um ator absolutamente sem fazer nada, e que se ateve ao que isso provocaria no público, ou seja, a intrigante necessidade de se tentar descobrir o efeito que se causa ao realizar movimentos minúsculos, contidos, quase imperceptíveis que se tornaram fonte de inúmeras cenas com resultados satisfatórios. É importante ressaltar que esta minimização e ou contenção do movimento não deve ser confundida com a técnica do Butoh, teatro japonês em forma de dança. TÓPICO 2 | ASPECTOS PEDAGÓGICOS NO TEATRO 19 FIGURA 6 – PETER BROOK FONTE: Disponível em: <www.norway.sk>. Acesso em: 3 fev. 2012. Como você já conhece um pouco de Peter Brook e conheceu um pouco de Bertolt Brecht é importante reconhecer alguns elementos comuns entre eles e sobre o que ambos pensaram sobre teatro. Brook afirma que “na verdade o teatro tem o potencial – inexistente em outras formas de arte, de substituir um ponto de vista único por uma pluralidade de visões diferentes”. (BROOK, 1994, p. 34). Brecht diz algo semelhante, só que em relação ao ator, “o ator deve aprender com todas as artes, pois o teatro invade todas elas”. (BRECHT, 1979, p. 6). Na realidade todas as áreas estão no teatro e o teatro tem possibilidade em todas elas, o ator é um múltiplo, que constrói no seu local de trabalho, toda uma vida, ele pode ser quem quiser, quem desejar ser, como puder, pode realizar os sonhos das pessoas ou simplesmente como propõem os diretores aqui citados, assumir seu compromisso com a verdade social, com a realidade do nosso tempo, tornando as pessoas, cidadãos conscientes. Quanto a Brecht é importante frisar que trouxe para o teatro inúmeras inovações, teóricas e práticas e que também combateu a redução da capacidade crítica do espectador, ou seja, não aceitava que o teatro conduzisse o espectador a uma ilusão da realidade, valorizava a ideologia do texto e não admitia um teatro sem engajamento político. Em relação ao trabalho atoral, dizia algo que Brook descobriria mais tarde, “na vida real, as pessoas se mexem bem pouco, [...] e conservam seu lugar num grupo até que a situação se modifique. Ora, no teatro não é preciso mais que isso, mas até menos mudanças de posição que na vida real”. (BRECHT, 1979, p. 12) isso reforça a ideia de que a economia de gestos, dá à cena maior significado, pois não é pelo excesso que se transmite a personalidade da personagem, mas pela forma com que trata os movimentos e ações dela. UNIDADE 1 | TEATRO E EDUCAÇÃO 20 Brecht dava muita atenção aos detalhes de cada cena, como se cada uma delas fosse a peça em seu todo. Talvez por essa razão tenha conseguido, com tanto êxito, o efeito do distanciamento. Como diretor costumava mostrar o caminho para o ator, saía do lugar da plateia, subindo ao palco para melhor exemplificar, porém, não dava nada acabado. Quanto às discussões sobre detalhes das cenas, costumava dizer: “não falem sobre isso, façam”. (BRECHT, 1979, p. 19). Esses talvez sejam também exemplos aserem seguidos pelo professor diretor ao realizar em sala de aula com sua turma atividades envolvendo a linguagem teatral. Outras sugestões a serem seguidas na hora de realizar uma montagem de peça ou mesmo de cenas para serem apresentadas e buscando evitar insatisfações, comuns nas relações de sala de aula, é se conscientizar de que o aluno/ator não se pode conhecer em uma peça somente seu personagem e seu texto. O que pode ajudar em termos práticos é não determinar papéis antes de permitir através de improvisações que todos os participantes experimentem todas as personagens. Esta é uma boa maneira de descobrir novos talentos e também de permitir que o participante descubra por meio de vivência, múltiplas formas de atuar. E a exemplo do trabalho de Peter Brook fazer uso do gramelô ajuda muito, além de ser muito prazeroso. Gramelô é uma conversação improvisada sem sentido definido. A técnica teria sido desenvolvida pelos atores italianos por uma questão de necessidade no final do século XVI, quando foram banidos dos teatros parisienses para abrigos estrangeiros. Como os diálogos falados tinham sido proibidos fora do teatro oficial, os atores dell´arte acabaram desenvolvendo pela força da necessidade, o artifício do gramelô. FONTE: Disponível em: <http://artistaemconstrucao.blogspot.com/2010/05/um-poucomais -sobre-commedia-dellarte.html>. Acesso em: 22 mar. 2012. UNI Uma infinidade de outras coisas poderia ser dita sobre Peter Brook e Bertolt Brecht, como proposta de compreensão ou observação mais severa das diferenças e semelhanças entre ambos, porém seriam necessários mais tempo de estudos e pesquisas mais aprofundadas. Por outro lado, o que não se pode deixar de dizer é que, com o trabalho destes homens, o público ganhou espaço no teatro, deixou de ser um mero espectador. Peter Brook (1925) nasceu 27 anos depois de Brecht e isso não é uma lacuna grandiosa e quando Brecht partiu (1956), ele, Brook, havia iniciado seu trabalho como diretor há apenas seis anos. TÓPICO 2 | ASPECTOS PEDAGÓGICOS NO TEATRO 21 Estes dois homens magníficos propuseram uma revolução no teatro, entendendo as mudanças de seu tempo, mudanças estas, necessárias para que nós encontremos hoje, no espaço teatral, nos apontaram muitos caminhos, mas o maior deles é o de que a arte teatral deve servir aos interesses do nosso próprio tempo. ATENCAO Lembre, por mais simples que seja uma apresentação teatral, ela não deve conter elementos vivenciais do cotidiano, exemplo disso é evitar A utilização do nome real do aluno/ator em atividades de sala de aula, até mesmo nas de improvisações. DICAS Um bom recurso quando se trabalha com alunos em sala de aula é fazer com que cada um deles escolha um objeto ou elemento que não seja de uso diário para compor uma personagem. Por exemplo, uma faixa no braço indicando quando estou representando, sem a faixa sou eu mesmo. Esse detalhe no que se refere ao teatro na escola se torna legítimo, pois evita situações de constrangimento e até mesmo bullying. Vale ressaltar que se torna imprescindível nos casos de adoção dos temas transversais em sala, proposta esta cada vez mais presente nas unidades de todo o país. A exemplo de Bertold Brecht, pequenos cartazes com uma ou duas palavras ou informações podem percorrer o palco de uma ponta a outra em dado momento. Não precisa necessariamente buscar o efeito do distanciamento, mas fazendo uso da ideia para enriquecimento das ações e talvez como recurso para fazer participar aquele aluno mais tímido, que não deseja falar. 22 RESUMO DO TÓPICO 2 Nesse tópico, você viu que: • A intuição amorfa de Peter Brook impulsionou a modificação da forma estrutural do início dos ensaios de uma peça teatral. • Quem faz teatro deve estar consciente do rumo que pretende dar ao seu trabalho e que assume um compromisso moral, cultural e político nessa ótica. • Aquele que dirige uma produção teatral deve tomar decisões e assumir o controle ao mesmo tempo em que deve dar liberdade e abrir espaço para a criação. • Tanto Peter Brook como Bertold Brecht tinham em mente que o teatro transita pelas demais linguagens das artes ou pode se fazer presente em todas elas. • Ambos trouxeram ao universo do teatro inovações teóricas e práticas de grande relevância. 23 Esta é mais uma proposta de estudos. No Tópico 1 foram apresentados alguns dados sobre a vida e obra de Bertold Brecht, que tal agora conhecer um pouco mais sobre a vida e obra de Peter Brook. Elabore uma pesquisa sobre sua biografia, faça anotações sobre pontos relevantes de sua contribuição para o teatro. Converse com seus colegas e dê sugestões de como introduzir este assunto em uma sala de aula com adolescentes. AUTOATIVIDADE 24 25 TÓPICO 3 A DANÇA NO TEATRO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Esse tópico pretende abrir caminhos para os estudos em dança, por meio de dois importantes nomes da dança no mundo: Rudolf Laban e Pina Bausch. Atualmente, ensinar teatro implica necessariamente estudar possíveis usos da linguagem corporal. Não há como propor uma prática teatral sem que os alunos se mexam, saiam de suas cadeiras, experimentem novas possibilidades de comunicação por meio da expressão do corpo. Por isso, o teatro contemporâneo tem encontrado na dança maneiras interessantes de propor a experiência gestual e vivência corporal. Mas como um professor, que não é dançarino, e, às vezes, nem ator, pode se aventurar nos caminhos da descoberta das disponibilidades do corpo na sala de aula? Esse, certamente, é um desafio. Não traremos aqui uma receita, nem uma solução, mas uma proposta de compreensão de conceitos e práticas, vividas por Rudolf Laban e Pina Bausch, cujas metodologias tinham em comum o fato de pôr em evidência o cotidiano e retirar do dia a dia os motivos para dançar e para se expressar por meio do movimento. Vamos aos estudos, e não fique tímido se der vontade de dançar a dança mais maluca de todas! 26 UNIDADE 1 | TEATRO E EDUCAÇÃO FONTE: Disponível em: <www.sortimentos.com>. Acesso em: 25 fev. 2010. FIGURA 7 – ESPETÁCULO AUTORRETRATO, APRESENTADO NO TEATRO ÁLVARO DE CARVALHO EM FLORIANÓPOLIS, EM 2009 2 O SISTEMA LABAN Rudolf Laban (1879-1958) foi o dançarino/coreógrafo aclamado como o maior teórico da dança do século XX. Seus estudos empenharam-se numa sistematização da linguagem do movimento em seus diversos aspectos: criação, notação, apreciação e educação. Após estudar arquitetura na Escola de Belas Artes de Paris, onde desenvolveu teorias sobre a relação do movimento com o espaço, começou a dedicar-se integralmente às reflexões sobre a arte do movimento. Em 1915, Laban criou o Instituto coreográfico de Zurique, que teve outras sedes na Itália, na França e na Europa Central. Um dos seus principais sistemas de notação do movimento foi o Labanotation, que é utilizado até hoje por profissionais da dança, do teatro e de outros ambientes que têm o corpo como instrumento de trabalho. Esse método é um sistema de análise que tenta descrever não somente o que o corpo está fazendo, mas como ele está fazendo, por meio da descrição da estrutura e do significado do movimento. Essa notação foi desenvolvida como se fosse possível um alfabeto, ou uma partitura do movimento do corpo, capaz de transcrever qualquer alteração, mudança, velocidade de ação, hesitações, ênfases e motivações. Laban chegou a realizar estudos sobre o tempo e a energia que os trabalhadores usavam para realizar as tarefas no ambiente de trabalho das indústrias. Ele tentou desenvolver métodos que pudessem auxiliar os operários a se concentrar nos movimentos construtivos necessários ao trabalho. Sua luta foi em prol de um tipo de movimento artístico que estivesse mais conectado com a vida cotidiana, empenhando-se por um registro/análise do movimento que pudesse ser realizado por várias pessoas, de diversas origens, contextos e tempos. TÓPICO 3 | A DANÇA NO TEATRO 27 Até os dias atuais as teorias de Laban são ensinadas no mundointeiro, em Centros de estudos do corpo e Universidades. As instituições com mais renome e mais conhecidas são o LABAN, em Londres e o Laban/Bartenieff Institute of Movement Studies, em Nova York. Essas instituições constituem centros de excelência no estudo do movimento humano e contribuem para diversas áreas do conhecimento, como arte, educação, psicologia, arquitetura e antropologia. A perspectiva do movimento sob a ótica das discussões labanianas, possibilitam que o artista e outros profissionais compreendam, desconstruam e transformem a arte do movimento nas suas vertentes coreográficas, de ordem técnica e nas questões de fruição e percepção do corpo. Obviamente, hoje o Sistema Laban é reinventado, recodificado e moldado aos dias atuais, por meio de uma perspectiva contemporânea. Mas os princípios continuam os mesmos, e é sobre eles que vamos refletir um pouco a partir desse momento. Laban queria que seus atores/dançarinos fossem expostos a exercícios e práticas que unissem interioridade e exterioridade em prol da criação de condições para um “pensar por movimentos” (LABAN, 1978, p. 42). Em seus procedimentos com atores, Laban conscientizava-os do sentido de espaço e tempo, das habilidades de observação e de estarem sensíveis às possibilidades de dinâmica do movimento. A partir de estudos de dança, Laban aplicava metodologias que propunham que os atores usassem no teatro um corpo tridimensional, expressivo em suas potencialidades e que desse ao fenômeno teatral maior plasticidade. Essas práticas são responsáveis, portanto, por uma transformação na maneira de conceber a criação teatral da personagem, que até então só encontrava caminhos possíveis nas construções de fundo psicológico e emocional. Laban propôs que o corpo seja o ponto de partida para a criação cênica, transpondo para a cena ações psicofísicas ao invés de atitudes emotivas, lançando novos olhares e teorias para a função da interpretação contemporânea. FONTE: Disponível em: <www.teatrofigurinoecena.com.br>. Acesso em: 27 fev. 2010. FIGURA 8 – RUDOLF LABAN A organização do Sistema Laban de Análise do Movimento é dividida em quatro categorias: Corpo, Espaço, Forma e Esforço. 28 UNIDADE 1 | TEATRO E EDUCAÇÃO 2.1 CORPO Todas as notações relacionadas à categoria corpo dizem respeito às ações físicas: andar, torcer, engatinhar, saltar, girar etc.; que estão relacionadas ao próprio movimento e as conexões entre partes do corpo e deste com o espaço; são ações físicas a gestualidade, postura; e o uso da própria tridimensionalidade do corpo; as formas de iniciar os movimentos (onde eles começam e como acabam) e as posturas assumidas no processo de construção de uma personagem. 2.2 ESPAÇO Quando falamos em espaço, estamos nos referindo ao que no Sistema Laban é conhecido como kinesfera. A kinesfera está relacionada ao espaço individual, em suas três possibilidades de alcance: o que está muito próximo de mim, o que está muito longe a aquilo que me parece intermediário. Também é o estudo da kinesfera que permite a conscientização do ator sobre os planos de movimentação corporal vertical, horizontal, sagital; os níveis espaciais são alto, médio e baixo. Laban também sugere que o corpo explore como referenciais para a criação as formas das figuras geométricas. 2.3 FORMA Os estudos da forma têm a ver com o modo como o corpo se relaciona com o espaço, como se pudessem desenhar traçados, que ao serem repetidos, cruzados, modificados, servem como impulso para a criação. É como se o corpo pudesse riscar e rabiscar o espaço e aproveitar os rabiscos mais interessantes para a construção de matrizes teatrais. 2.4 ESFORÇO A categoria esforço está relacionada com o explorar todas as possibilidades de dinâmica do movimento. Diz respeito aos impulsos interiores que levam o corpo a realizar tal ação, e como essa ação se configura em um mecanismo corporal artístico. O estado de espírito de uma pessoa, por exemplo, afeta sua postura corporal, seu peso, sua relação com o espaço e a fluência de seus movimentos. É essa consciência corporal que Laban pretendia que os atores tivessem para desempenhar um bom trabalho teatral. Laban contribui, assim, significativamente para os estudos de uma educação do corpo nas artes. Ao pensar que o ator contemporâneo é capaz de refletir sobre sua própria corporeidade a favor da cena, ele traz um novo significado para o sentido das ações físicas no processo criativo, principalmente se trouxermos para a discussão as novas noções e conceitos referentes à dramaturgia do corpo. TÓPICO 3 | A DANÇA NO TEATRO 29 ATENCAO Quando falamos em ações físicas, devemos compreender esse conceito sempre dentro de seu contexto. Por exemplo, Laban não utiliza esse termo no mesmo sentido que Stanislávski o utiliza em seu método das ações físicas, que estudaremos no próximo tópico. Existe ainda uma corrente teatral chamada Teatro Físico, que nada tem a ver, ou pelo menos muito pouco, com as teorias de Laban. Portanto, fiquemos atentos à contextualização dos termos vistos, pois os estudos teatrais dão muito valor ao uso do termo como conceito específico de determinado autor ou proposta metodológica. 3 PINA BAUSCH E A DANÇA-TEATRO A alemã Pina Bausch (1940 – 2009) foi coreógrafa, dançarina, pedagoga de dança e diretora de balé. Sua estética propunha o cotidiano, as histórias da vida, por meio da dança, especificamente por meio da dança-teatro. Suas coreografias tinham como base para a construção as experiências de vida dos bailarinos, e eram criadas em conjunto. Várias delas têm relação com cidades ao redor do mundo, pois Pina Bausch via suas turnês como possibilidades de inspiração e criação. Um espetáculo da companhia de Pina Bausch pode trazer ao público a colaboração entre diferentes formas de arte, numa estética que coloca o cotidiano em foco e presta atenção especial ao jogo das relações humanas. A cenografia de seus espetáculos possui forte impacto visual, assim como seus figurinos e o uso do espaço cênico. O uso do corpo, portanto, é a ferramenta principal do seu trabalho, unindo, num corpo que dança e interpreta, técnicas de balé clássico aos movimentos que presenciamos no dia a dia. A estética bauschiana une num mesmo espaço, dança e teatralidade, técnica corporal e técnica interpretativa. 30 UNIDADE 1 | TEATRO E EDUCAÇÃO FONTE: Disponível em: <www.dospassosdabailarina.wordpress.com>. Acesso em: 20 fev. 2010. FIGURA 9 – PINA BAUSCH EM CAFÉ MÜLLER Suas repetições de partituras corporais, colagens e jogos, têm em comum o objetivo de trazer ao palco a representação cênica da vida. No seu repertório de espetáculos, os bailarinos caminham, dançam, conversam entre si e com o público, agem de maneira a quebrar expectativas e surpreender o espectador ao mesmo tempo. Repetir os movimentos é usual na dança teatro de Pina Bausch. Através da repetição de movimentos, ela tenta questionar os fundamentos e a psicologia da própria arte da cena. Tanto movimentos quanto palavras confirmam e alteram os caminhos que no palco surgem como dança-teatro. Os gestos, repetidos várias vezes no palco, deixam de ser apenas um ato espontâneo, improvisado e passam a ser reconhecidos como um ato estético a ser reiterado, dito e feito como tal. As repetições, portanto, trabalhadas dessa maneira, provocam no ator e na plateia reações adversas e traduzem significados múltiplos. Assim, o sentido do que está sendo dançado e teatralizado é transformado ganhando novas dimensões. Pina Bausch também instigava o uso das repetições de palavras, que se configuravam e se completavam no corpo dos atores. Por meio da relação corpo- palavra, a dança-teatro possibilitou, assim, novas leituras de mundo e apontou caminhos para novas formas de compreensão da arte. TÓPICO 3 | A DANÇA NO TEATRO 31 Para maior apreensão da proposta de dança-teatro de Pina Bausch, sugerimos o livro: Pina Bausch e o Wuppertall Dança-Teatro: Repetição e Transformação, da autora Ciane Fernandes,publicado pela editora Hucitec em 2000. NOTA Bailarinos que trabalharam com Pina Bausch, como a brasileira Ruth Amarante, que ficou na companhia por 19 anos, contam que o trabalho com a coreógrafa era exaustivo e de busca extrema pela perfeição do movimento. O processo criativo era realizado através de perguntas. Pina falava, por exemplo, ÁGUA, e os bailarinos tinham que responder às perguntas relacionadas ao tema, com seus corpos. Ela fazia inúmeras perguntas, em processos que duravam cerca de uma hora e meia por dia, só para iniciar os trabalhos. Essa metodologia nos permite pensar que Pina trazia para os atores, provocações que os fizessem refletir, e assim, expressar com seus corpos o fruto dessas reflexões em forma de arte. ATENCAO As semelhanças entre as nomenclaturas Dança-teatro, Teatro-dança, Dança do Ator, Teatro Físico, Teatro Corporal e outra, são um sinal de que há muitos pesquisadores buscando a essência dos termos e seus significados. Mas o que esses termos têm em comum é o fato de que o corpo é o instrumento de arte mais utilizado na cena contemporânea, como resposta aos anseios por um caminho de uma produção cênica que aconteça nos entremeios do gesto e do pensamento. 32 RESUMO DO TÓPICO 3 Nesse tópico, você viu que: l Rudolf Laban foi um importante coreógrafo com influências em todo o mundo. Sua técnica se caracterizava por acreditar que o estudo do movimento é importante e necessário em todos os lugares: empresas, escolas, institutos de dança, enfim, onde houver gente se movimentando, utilizando o corpo. Sua proposta de análise do movimento humano se fundamenta basicamente em quatro categorias: Corpo, Espaço, Forma e Esforço. l Pina Bausch, dançarina e coreógrafa alemã, trouxe contribuições para as artes cênicas, principalmente ao perceber no cotidiano sua fonte de inspirações para o que seria mostrado e experienciado no palco. Suas criações tinham como pano de fundo situações corriqueiras da vida, e seus bailarinos, em meio a gestos e palavras, se movimentavam por meio da Dança-teatro, linguagem cênica que une elementos da expressividade corporal, aliados à interpretação e à representação de personagens. l O próximo tópico compreende estudos sobre os mais conhecidos modelos de treinamento do ator. 33 Agora que você já compreendeu que na simplicidade e nos pequenos rituais do cotidiano, que muitas vezes passam sem que percebamos, está um rico material expressivo que pode dar em dança, experimente o seguinte exercício: Tente repetir por várias vezes uma ação, um movimento, como por exemplo, escovar os dentes, tomar uma xícara de café, abrir uma porta. Cada vez que fizer a ação, faça-a com intensidades diferentes, algumas vezes mais lentamente, outras de forma veloz, aplicando força, peso corporal, experimentando o desequilíbrio. Depois, escolha os movimentos que mais lhe agradaram esteticamente, e coloque a música de sua preferência. Aventure-se, dance e perceba a fluência e o ritmo do corpo. Se quiser, repita o exercício no encontro presencial com seus colegas! BONNE DANSE! AUTOATIVIDADE 34 35 TÓPICO 4 DANÇA-TEATRO NA ESCOLA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Os caminhos de aprendizagem já foram abertos no Tópico 2, portanto, neste novo tópico você vai perceber que a dança na sala de aula pode, sem dúvida, auxiliar no desenvolvimento de um processo criativo através da experimentação dos movimentos corporais, do reconhecimento e identificação das possibilidades, do contato com o imprevisto, o indeterminado. Vai descobrir ao experimentar com seus alunos, que desafiando as regras impostas pelo equilíbrio das ações corporais cotidianas, estará rompendo pré- concepções. E mais do que tudo, testemunhara que dançar e atuar para uma criança ou adolescente é muito mais do que mostrar virtuosismo e domínio de técnica, significa desenvolver conhecimento de forma espontânea e prazerosa. É encontrar-se livre, para perceber-se dentro de um contexto que não é o seu, mas o da sua própria linguagem é a descoberta e o domínio sobre a expressão e a comunicação. A dança na escola é parte das experiências artísticas que abrem possibilidades de estabelecimento de relações com conteúdos e saberes das outras áreas; a dança na escola possibilita o trabalho específico da Arte em suas diferentes linguagens. 2 CAMINHOS PEDAGÓGICOS PARA A DANÇA - TEATRO “A criança humana não vive dentro do corpo como uma lesma em sua concha. O ser humano vive no mundo com seu corpo.” (Langeveld) Centrada nos estudos do corpo, a história da dança vem de longa data tentando abrir caminhos para mostrar que não se pode condenar o ser humano à imobilidade. Ele tem o direito nato de se expressar através de gestos, de pulos, de saltos, de movimento. Portanto, dançar na escola significa ir além, se sobrepor, não apenas executar mecanicamente uma série de gestos e movimentos ensaiados exaustivamente. A dança na escola é mais do que isso, é contextualização, é 36 UNIDADE 1 | TEATRO E EDUCAÇÃO abertura de possibilidades. Portanto, o educador jamais pode esquecer que o ensino da dança na escola vai além das apresentações, deve estar ciente de que é a oportunidade para o autoconhecimento e sua construção. De modo algum deve estabelecer uma relação autoritária, tão pouco utilizar termos como vocês fazem, eu observo. O educador não necessariamente deve ser bailarino, mas deve ao menos se dispor a construir junto. O que se vai ensinar não deve estar ligado às tradições populares de passos marcados, tão pouco a manifestações expressivas de um conjunto de passos idênticos, onde se repetem mecanicamente as ações, em uma sequência interminável e enfadonha. Lembre-se, a dança deve respeitar as individualidades, valorizar a interpretação pessoal. Em sala de aula, todos podem dançar, não importando o que irão dançar, nem de que maneira, a oportunidade é para todos. O ponto de partida para a dança em sala de aula pode ser dado pela improvisação individualizada e evoluir para uma forma compartilhada que engloba experiências múltiplas enriquecidas de sentido para quem está participando. 3 COMPARTILHANDO IDEIAS Existem listas intermináveis de ideias, dinâmicas e improvisações para serem aplicadas em sala de aula com alunos. Muitas vezes, o método mais simples torna-se eficaz. Com o passar do tempo e com aprofundamento, você vai descobrir que uma ideia leva a outra e que a pesquisa aliada à prática soma a cada dia como experiência e eleva os resultados. 3.1 OPOSTOS CORPORAIS Prepare um CD contendo uma série de músicas de ritmos e melodias distintas – vale dizer que as músicas podem ser bem atuais e também antigas, dessas bem conhecidas em tempos idos, distintas da idade deles; afaste a mobília, reúna a turma no espaço disponível e para aquecer, peça que se movimentem, ocupando a maior parte possível do espaço, lembre-os de que devem evitar conversas – é incrível, mas ao mexer o corpo quando estamos na escola e principalmente em sala de aula gera uma necessidade imensa de se falar, isso desaparece com o tempo, conforme a turma vai se habituando aos exercícios – e seguir corporalmente as mudanças que ocorrem nas músicas. Estabeleça planos altos e baixos, movimentos amplos e contidos, trabalhe TÓPICO 4 | DANÇA-TEATRO NA ESCOLA 37 3.1.1 Reconstrução corporal coreográfica Retome a aula do ponto em que ela encerrou, ou seja, solicitando que os alunos observem seus desenhos e reconstruam corporalmente sua descoberta. Divida a turma em duas, um grupo dos que querem um ritmo mais lento e o outro do ritmo mais acelerado. Os grupos devem, a partir dos movimentos individuais, determinar a sequência a ser repetida entre eles, primeiro o aluno A, depois o C, em seguida o G. Feito isso, escolhem a música e realizam repetições de seus movimentos individuais adequando ao ritmo escolhido. A partir daqui é só explorar os detalhes e quem sabe montar uma coreografia. 3.2 DANÇANDO E TEATRALIZANDO COM OS MESTRES DA PINTURA O objetivo aqui
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