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CRIMINALIDADE ECONÔMICA E ORGANIZADA W JU R 03 19 _v 1. 0 2 Renee do Ó Souza Londrina Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2020 CRIMINALIDADE ECONÔMICA E ORGANIZADA 1ª edição 3 2020 Editora e Distribuidora Educacional S.A. Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza CEP: 86041-100 — Londrina — PR e-mail: editora.educacional@kroton.com.br Homepage: http://www.kroton.com.br/ Presidente Rodrigo Galindo Vice-Presidente de Pós-Graduação e Educação Continuada Paulo de Tarso Pires de Moraes Conselho Acadêmico Carlos Roberto Pagani Junior Camila Braga de Oliveira Higa Carolina Yaly Giani Vendramel de Oliveira Henrique Salustiano Silva Juliana Caramigo Gennarini Mariana Gerardi Mello Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Tayra Carolina Nascimento Aleixo Coordenador Camila Braga de Oliveira Higa Revisor João Paulo Manfré Editorial Alessandra Cristina Fahl Beatriz Meloni Montefusco Gilvânia Honório dos Santos Mariana de Campos Barroso Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) __________________________________________________________________________________________ Guidotti, Flávio Junior G948p Posturologia e imaginologia aplicadas ao sistema musculoesquelético/ Flávio Junior Guidotti, Thiago Medeiros Rodriguez – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2020. 119 p. ISBN 978-85-522-1527-1 1. Posturologia. 2. Fisioterapia. I. Guidotti, Flávio Junior. II. Rodriguez, Thiago Medeiros. Título. CDD 610 ____________________________________________________________________________________________ Jorge Eduardo de Almeida CRB: 8/8753 © 2020 por Editora e Distribuidora Educacional S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. 4 SUMÁRIO Crime organizado ___________________________________________________ 05 Lavagem de dinheiro _______________________________________________ 23 Execução Penal _____________________________________________________ 43 Tutela ao sigilo e interceptação telefônica __________________________ 62 CRIMINALIDADE ECONÔMICA E ORGANIZADA 5 Crime organizado Autoria: Renee do Ó Souza Leitura crítica: Juliana Caramigo Gennarini Objetivos • Noções introdutórias sobre a criminalidade organizada. • Entender a tipificação penal do crime organizado no Brasil. • Analisar o instituto da colaboração premiada. 6 1. Introdução: novas formas de criminalidade A criminalidade organizada é um traço característico do direito penal moderno, em que os delitos deixaram de ser praticados de forma artesanal, por uma só pessoa, motivado por vantagens imediatas e temporárias. A atuação orquestrada e em rede de vários agentes, com uma atuação profissionalizada e motivada pela obtenção de latas cifras lucrativas, caracterizam o crime organizado dos dias atuais. De uma forma geral, a constituição de uma organização criminosa pode servir à prática de inúmeros crimes previstos na legislação, mas, inegavelmente, existe um nicho central de crime por elas praticados, todos caracterizados, predominantemente, pelos altos ganhos econômicos que proporcionam, em razão disso, o estudo desde fenômeno está umbilicalmente ligado ao chamado ramo do direito criminal econômico. A partir dessas características – crimes praticados, expertise da organização criminosa para praticá-los e alta rentabilidade dessas atividades – podemos identificar a seguinte classificação das organizações criminosas: 1. Máfia: caracterizadas pela atuação bem hierarquizada, alto poder de intimidação, domínio territorial das atividades ilícitas desenvolvidas, ritual de inicial, código de silêncio, bem como a prática de clientelismo. Esse é o tipo mais conhecido e retratado por produções literárias ou cinematográficas, estando espalhada por vários países do mundo. 7 Figura 1–Famiglia Fonte: Maica/iStock.com. 2. Em rede: não agem de forma hierarquizada porque seus membros contam com pessoas substituíveis na operação das atividades ilícitas. Além disso, agem de forma conectada com outras organizações criminosas, o que proporciona aumento dos lucros. Por exemplo: os novos cartéis colombianos de drogas. 3. Empresarial: são organizações criminosas que se constituem na forma de empresas com propósitos ilícitos, como no caso de empresa fantasma. Nesse caso, deve-se ter o cuidado de não confundir com as situações em que uma empresa regular, eventualmente, praticar crimes. 4. Endógena: são as organizações instaladas no âmbito da administração pública, em que os agentes públicos agem para saquear os cofres públicos mediante à prática de crimes funcionais. As principais infrações penais praticadas por organizações criminosas, notabilizadas pelos elevados rendimentos econômicos que proporcionam, são: tráfico de drogas, crimes patrimoniais, tráfico de armas, crimes contra a administração (corrupção), tráfico de pessoas, 8 cybercrimes, terrorismo e lavagem de dinheiro. Observe que se tratam de crimes que não encontram respeito aos limites geopolíticos, o que ensejou a necessidade de enfrentamento ao crime organizado por todo o mundo de forma mais ou menos semelhante. 2. Panorama internacional de enfrentamento ao crime organizado Na busca de enfrentar de forma homogênea em todo o mundo que foi editada a chamada Convenção de Palermo, que se insere em uma tendência de internacionalização do direito penal, movimento francamente desenvolvido após a Segunda Guerra Mundial, capitaneado pela Organização das Nações Unidas, destinado ao enfrentamento de determinadas condutas reprováveis em todo o mundo. Além disso, a temática do crime organizado passou a reclamar um tratamento mais uniforme em todo mundo por causa da globalização da economia, prática impulsionada com o desenvolvimento da rede mundial de computadores. A convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional foi aprovada no ano de 2000, mas passou a vigorar no Brasil após a edição do Decreto nº 5.015, de 2014. Já aderiram ao documento mais de 190 países, visando, principalmente, promover a cooperação entre todos eles de modo a prevenir e enfrentar de forma eficaz a criminalidade organizada transnacional. Para tanto, a convenção determina que os países prevejam e tipifiquem crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção e obstrução da justiça, além de medidas de facilitação de extradição, cooperação internacional e capacitação dos órgãos destinados ao combate ao crime organizado. Portanto, trata-se de um mandado de criminalização convencional. 9 Figura 2–Discussão ao redor do mundo Fonte: Rawpixel/iStock.com. No entanto, para o eficaz combate ao crime organizado transnacional, complementou-se a Convenção de Palermo com 3 protocolos que tratam de temas específicos a essa modalidade criminosa, sendo eles: a) Protocolo relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças; b) Protocolo relativo ao combate ao tráfico de migrantes por via terrestre, marítima e aérea; c) Protocolo contra a fabricação e o tráfico ilícito de armas de fogo, suas peças e componentes e munições. Nesse sentido, nos chama a atenção que a convenção tem uma definição de organização criminosa que, em razão da anomia da legislação penal brasileira, foi usada para fins de extradição. Porém, em 2013, o STF refutou o uso deste conceito ao alegar tratar-se de norma sem conteúdo penal. Em razão disso, o Brasil aprovou em um primeiro momento a Lei nº 12.694, de 2012, que possuía um conceito de organização criminosa, mas que foi revogada pelo conceito da Lei nº 12.850, de2013. 10 3. A lei brasileira contra as organizações criminosas A primeira lei brasileira de enfretamento a criminalidade organizada foi a Lei nº 9.034, de 1990, e que se notabilizou porque não possuía conceito de organização criminosa, principal motivo de suas severas críticas. O conceito organização criminosa adotado pela Lei nº 12.850, de 2013, destoa significativamente da convenção e daquele previsto na Lei revogada (Lei 12.694, de 2012). Nesse sentido, a referida lei dispõe, no art. 1°, § 1°, que é organização criminosa é formada pela associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores à 4 anos, ou que sejam de caráter transnacional (BRASIL, 2013). Já no parágrafo seguinte, o legislador brasileiro também estabeleceu que a lei se aplica aos casos de: i) infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; ii) às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos (BRASIL, 2013). Quadro 1–Comparativo sobre organização criminosa Convenção de Palermo Lei nº 12.694/12 Lei nº 12.850/13 Grupo estruturado de 3 (três) ou mais pessoas. Associação de 3 (três) ou mais pessoas. Associação de 4 (quatro) ou mais pessoas. 11 Existente há algum tempo, atuando concertadamente. Estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente. Estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente. Com intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. Com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza. Com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza. Com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção. Mediante a prática de crimes cujas penas máximas sejam iguais ou superiores à 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. Mediante a prática de infrações penais cujas máximas sejam superiores à 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional. Fonte: elaborado pelo autor. O conceito contido na lei é criminalizado pela figura típica autônoma do art. 2º da referida lei, que tem a seguinte redação: Art. 2º. Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena–reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. (BRASIL, 2013, art. 2º) 12 Portanto, trata-se de crime autônomo, de perigo abstrato; bem jurídico: paz pública; exige a estabilidade e permanência, com estrutura ordenada e divisão de tarefas; trata-se de crime permanente. Além disso, destaque-se que a Convenção de Palermo, atenta a escalada da criminalidade econômica por meio de pessoas jurídicas, prevê, no art. 10, a necessidade de responsabilização de pessoas jurídicas, dispositivo não implementado no país, em razão da Constituição Federal do Brasil prever que esses entes só respondem criminalmente por crimes ambientais, de forma que somente respondem por outras infrações na esfera administrativa e cível. No art. 3° da Lei 12.850 foram definidos os meios de obtenção de prova, a saber: a. Colaboração premiada. b. Captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos. c. Ação controlada: que consiste em retirar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenções de informações (prevista nos arts. 8° e 9°). d. Acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais: nos termos dos arts. 15 a 17 da Lei. e. Interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica. f. Afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica. g. Infiltração, por policiais, em atividade de investigação: previstas nos artigos 10 a 14 desta Lei, sendo que o pacote Anticrime (Lei 13 13.964/2019) incluiu os arts. 10-A (que trata da infiltração virtual), 10-B (procedimento judicial), 10-C (causa de exclusão da tipicidade, na hipótese do policial ocultar sua identidade para, por meio da internet, colher indícios de autoria e materialidade dos crimes de organização criminosa) e 10-D (preservação dos atos eletrônicos praticados, o que está em consonância com a cadeia de custódia da prova). h. Cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal. Esses meios de obtenção de prova são esculpidos na Lei nº 12.850, de 2013, dada a maior eficácia que operam junto ao enfrentamento da criminalidade organizada, pelo que o destaque desse rol é a colaboração premiada, melhor estudada a seguir: 4. Colaboração premiada Os meios especiais de obtenção de prova listados pela Lei nº 12.850, de 2013, mantém um nexo de utilidade com as peculiaridades deste nicho de crimes, os quais não podem contar com o desvendamento tradicional. Como apontava Hassemer (1994, p. 55): Em se tratando da criminalidade organizada, o Estado não sabe ao certo no que consiste e, dessa forma, não sabe como combatê-la. Sabe-se apenas que é algo altamente ‘explosivo’, representada, em regra, por uma gama de infrações penais sem vítimas imediatas ou com vítimas difusas, de forma que não há como chegar a ocorrência do delito ao conhecimento da autoridade pelo particular. Ademais, quando existem vítimas, nota- se a intimidação destas para que os delitos também não cheguem ao conhe¬cimento da autoridade. Também dispõe de múltiplos meios de disfarce e simulação. Por outro lado, em se tratando da criminalidade 14 de massa, embora o Estado tente combatê-la, não consegue de forma adequada. Assim, podemos observar que a colaboração premiada está conceituada no novo art. 3º-A da Lei 12.850, de 2013 (com redação dada pela Lei 13.964, de 2019-Lei Anticrime), como “negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos”, definição legal que destaca a natureza mista do instituto que além de configurar-se como uma espécie de solução consensual de litígio, é uma técnica de investigação e um importante instrumento de defesa. Nesse sentido, essa disposição legal afasta a entendimento de que a colaboração premiada é direito público subjetivo do réu e sepulta a chamada delação unilateral: [...] esse entendimento se apoia em um raciocínio demasiado simplista de que os prêmios decorrem da lei. A tese se arvora também em aspectos que restaram sobejamente superados pelas alterações promovidas pela Lei 13.964/2019 que procedimentalizou, pormenorizadamente, a fase pré e negocial do acordo, inserindo-as como parte importante para a celebração do negócio. Assim, como já sustentamos antes, a consagração, no texto da Lei, de que a colaboração premiada é um negócio jurídico, implica na obrigatoriedade dela ser celebrada em meio um ajuste bilateral de cláusulas, condições, prestações e contraprestações recíprocas, todas devidamente autorreferenciadas pelas partes, em um ambiente de negociação claro e transparente, capaz de assegurar-lhe confiança e segurança jurídica. (SOUZA; CUNHA, 2020, p. 22) Observe que outras leis penais já previam a chamada delaçãopremiada, vinculando-a, todavia, aos nichos de crimes específicos (exceto pela previsão generalista da Lei nº 9.807/1999 – Lei de proteção de vítimas e testemunhas). De todo modo, dada a acurada técnica redacional da Lei nº 12.850, de 2013, entende-se que somente com a edição dessa Lei é que o instituto está procedimentalizado, inclusive com suas balizas mínimas e máximas. 15 A grande finalidade da colaboração premiada é quebrar a lei do silêncio comum às organizações criminosas, mediante a entrega de alguma premiação a um de seus antigos integrantes, acaso revele alguns resultados socialmente úteis à persecução penal. Por isso, verifica-se uma manifestação do chamado direito premial, em que o Estado estimula determinadas condutas por ele desejadas por meio de vantagens ou prêmios estatais. Figura 3 - Colaboração Fonte: SusanneB/iStock.com. E quais são os prêmios decorrentes de uma Colaboração premiada? Conforme prevê o art. 4°, caput, da Lei n° 12.850, de 2013, ao colaborador que tenha “colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal” (direito processual penal), desde que dessa colaboração advenham um ou mais dos resultados, os benefícios ao colaborador são: a) conceder o perdão judicial (extinção da punibilidade); b) redução da pena privativa de liberdade em até 2/3; c) substituição por pena restritiva de direitos. 16 Além disso, quais são os resultados pretendidos pela lei, isto é, o que o colaborador deverá entregar para beneficiar-se da lei? a) a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; b) a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; c) a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; d) a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; e) a localização de eventual vítima com sua integridade física preservada. Observe que os resultados vão muito além de simplesmente descobrir os demais membros da organização criminosa (coautores ou partícipes). A legitimidade para celebrar o acordo de colaboração premiada é, sem sombra de dúvidas, do Ministério Público, dominus litis e titular privativo da ação penal. A legitimidade do delegado de polícia, mesmo prevista no texto da lei, é permeada por questionamento doutrinários, porque faltaria a ele competência para realizar postulações junto ao Poder Judiciário, atribuição dada unicamente ao parquet. Todavia, o Supremo Tribunal Federal admitiu na ADI 5.508-DF a legitimidade para os delegados de polícia celebrarem colaborações premiadas. Quanto ao colaborador, trata-se do investigado (ou réu ou mesmo condenado) sempre devidamente acompanhado por seu defensor, integrante de organização criminosa que tenha, à juízo das autoridades públicas, informações relevantes para a persecução penal. Nesse sentido, deve-se ter em mente que uma regra de ouro da colaboração premiada é assegurar que o colaborador, por meio de suas declarações, permita a desbaratamento de crimes cometidos por outras pessoas situadas em patamar superior da linha hierárquica da organização criminosa, de modo a neutralizá-la definitivamente. Todavia, a lei prevê a possibilidade de o líder da organização criminosa celebrar colaboração, caso em que fica vedada a premiação de imunidade processual (não oferecimento da denúncia) e desde que o Ministério Público não tivesse prévio conhecimento e colaborador não for o líder da organização 17 criminosa (neste caso a resposta seria negativa) e tenha sido o primeiro a prestar efetiva colaboração, atingindo os resultados. Logo, trata-se de uma novidade que objetiva trazer ao Estado o conhecimento de crime praticado, de que não tinha ciência (cifra negra), permitindo o exercício do jus puniendi. E o que se entende por prévio conhecimento? Quando o MP ou autoridade policial tenha instaurado procedimento investigatório ou inquérito policial sobre os fatos apresentados (então, se o fato foi conhecido por estas instituições, mas não foi objeto de investigação, ainda pode ser realizada a colaboração nos termos do § 4°, deixando de ser intentada a ação penal contra o colaborador). A fim de resguardar a neutralidade do acordo, a Lei prevê a imperiosa necessidade de o juiz não participar das negociações do acordo, embora exija decisão homologatória (após ouvir sigilosamente o colaborador, na presença de seu defensor), destinada a verificar a regularidade, legalidade, adequação dos benefícios e resultados e voluntariedade, sendo-lhe vedado emitir qualquer juízo de valor sobre as declarações (BRASIL, 2013, §§ 6° e 7°, art. 4°). A eficácia do acordo, isto é, sua utilidade para a persecução penal deve ser aferida pelo magistrado por ocasião da sentença judicial (BRASIL, 2013, § 11, art. 4º). Portanto, a lei prevê como obrigação permanente o dever de o colaborador renunciar ao direito ao silêncio (BRASIL, 2013, § 14, art. 4º), mantendo-se sob o compromisso de dizer a verdade, devendo ser sempre assistido pelo seu defensor. Ademais, mesmo que beneficiado pelo perdão judicial, o colaborador poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial. Desse modo, prevalece que a renúncia ao direito ao silêncio este dever é constitucional, porque é voluntariamente assentido pelo colaborador e produz vantagens ao direito fundamental à liberdade. Por sua vez, o art. 5° prevê os direitos do colaborador, a saber: usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica; ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados; ser 18 conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes; participar das audiências sem contato visual com os outros acusados; não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito; cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados (BRASIL, 2013). Já o art. 6° estabelece que os requisitos formais do termo de acordo da colaboração premiada, enquanto o art. 7° traz as regras procedimentais de distribuição e tramitação do acordo de colaboração premiada (obrigatoriedade do sigilo do acordo e dos depoimentos prestados pelo colaborador até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime) (BRASIL, 2013). Por fim, por se tratar de negócio jurídico personalíssimo, o acordo de colaboração premiada não pode ser impugnado por coautores ou partícipes do colaborador na organização criminosa e nas infrações penais por ela praticadas, sendo que conforme o Informativo STF nº 958: O delatado pode insurgir-se contra o conteúdo probatório resultante do acordo de colaboração, mas não contra o ato de colaborar em si, que, por integrar o catálogo de meios inerentes ao exercício do direito de defesa, constitui direito subjetivo dos acusados em geral. (BRASIL, 2019, [s.p.]) 5. Alterações na colaboração premiada promovida pela Lei Anticrime (Lei n° 13.964, de 2019): a. O juiz ou o tribunal, antes de conceder os benefícios pactuados, deve proceder a análise do mérito da denúncia, do perdão judicial e das primeiras etapas de aplicação da pena, salvo quando for de previsão de não oferecimento de denúncia. 19 b. São nulas a previsões de renúncia ao direito de impugnar a decisão homologatória. c. O juiz pode recusar a homologação que não preencher os requisitos legais, devolvendo às partes para adequações necessárias. d. Em todas as fases do processo ao “réu delatado” deve ser garantido o direito de se manifestar posteriormente ao colaborador, o que preserva as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório. e. Registro das tratativas e atos de colaboração (gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual), as quais poderão ser disponibilizadas ao colaborador.f. Não se permite o deferimento de medidas cautelares reais ou pessoais ou o recebimento da denúncia ou queixa-crime ou prolação de sentença condenatória com base apenas nas palavras do réu colaborador, devendo ser corroborada por outras provas. g. Rescisão do acordo homologado em hipóteses de omissão dolosa sobre fatos objeto da colaboração. h. Sob pena de rescisão do acordo, o colaborador deve cessar a participação ou envolvimento na conduta ilícita em questão. 6. Alteração da Lei 12.850, de 2013, referente ao requisito especial para progressão de regime A Lei Anticrime (Lei 13.964, de 2019) promoveu algumas alterações penais destinadas ao enfrentamento das organizações criminosas que se encrustaram no sistema penitenciário brasileiro. Além das alterações junto a Lei de Execuções Penais que recrudesceram o Regime Disciplinar Diferenciado, está previsto a necessidade do cumprimento 50% de pena para líderes de organizações criminosas condenados para progredirem no regime de cumprimento de suas penas, bem como necessidade de a cumprirem em estabelecimento federal. 20 Por fim, o § 9º, art. 2º da Lei 12.850, de 2013, foi acrescido pela Lei Anticrime e prevê que o condenado por integrar organização criminosa não poderá progredir de regime de cumprimento de pena se houver indícios de que ainda mantêm os vínculos associativos. O objetivo é desestimular o condenado, mesmo depois de preso, a manter-se ligado às facções criminosas, impedindo-o de progredir de regime de cumprimento de pena caso o faça. Essa situação, infelizmente comum ao cárcere brasileiro, representa um reproche desonroso ao sistema penitenciário, além de, dada a natureza permanente do crime de organização criminosa, ferir os propósitos preventivos da sanção penal. Logo, se trata de uma condição legal especial para o condenado obter a progressão de regime e que reclama indícios suficientes que demonstrem a manutenção dos vínculos associativos. Devido a relação entre a condenação original e a hipótese normativa que impede a progressão não se vislumbra inconstitucionalidade por violação ao princípio da individualização da pena afinal essas circunstâncias devem ser aferidas em casos peculiares e de forma própria. O crime organizado, por sua vez, se notabilizou por uma variedade de métodos profissionais para a prática de crimes altamente rentáveis, que não era eficazmente investigado pelos sistemas investigatórios tradicionais. Além disso, em razão do movimento de internacionalização do crime, desconhecedor de fronteiras geopolíticas e a inevitável constatação de que seu enfrentamento reclamava uma atuação homogênea em todo o mundo, compromissos internacionais passaram a moldar o modo de atuação. A Lei nº 12.850, de 2013, tem essa origem e essa característica. Suas previsões penais encontram especificidade nestas pretensões, sendo a colaboração premiada o instrumento que a notabiliza, principalmente devido ao desbaratamento e de grandes esquemas de corrupção recentemente processados no Brasil. 21 Referências Bibliográficas BRASIL. Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Brasília, DF: Presidência da República, [2004]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2004/decreto/d5015.htm. Acesso em: 1 jul. 2020. BRASIL. Lei nº 12.694, de 24 de julho de 2012. Dispõe sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal [...]. Brasília, DF: Presidência da República, [2012]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12694.htm. Acesso em: 1 jul. 2020. BRASIL. Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2013]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm. Acesso em: 1 jul. 2020. BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm. Acesso em: 1 jul. 2020. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.508- DF. Relator: Min. Marco Aurélio. Requerente: Procurador Geral da República. Brasília, DF: Supremo Tribunal Federal, [2013]. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo STF nº 958. Brasília, DF: Supremo Tribunal Federal, [2019]. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/ documento/informativo958.htm. Acesso em: 1 jul. 2020. CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista; SOUZA, Renee do Ó. Crime Organizado. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2020. HASSEMER, Winfried. Segurança pública no Estado de Direito. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 2, n. 5, p. 55-69, jan./mar. 1994. IANHEZ, Caroline. Primeiras impressões do regime disciplinar diferenciado e lei dos crimes hediondos sob a ótica do pacote anticrime. In: SOUZA, Renee do Ó (org.). Lei anticrime: comentários à Lei nº 13.964/2019. Belo Horizonte: D’Plácido, 2020. MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinícius. Crime organizado. 4. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018. MENDRONI, Marcelo Batlouni. Comentários à Lei de combate ao crime organizado: lei n° 12.850/13. São Paulo: Atlas, 2015. 22 SUXBERGER, Antonio Henrique Graciano; DE MELLO, Gabriela Starling Jorge Vieira. A voluntariedade da colaboração premiada e sua relação com a prisão processual do colaborador. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, v. 3, n. 1, p. 189-224, 2017. 23 Lavagem de dinheiro Autoria: Renee do Ó Souza Leitura crítica: Juliana Caramigo Gennarini Objetivos • Noções introdutórias sobre a lei de lavagem de dinheiro. • Entender a evolução legislativa envolvendo o tema referente à lavagem de dinheiro. • Analisar as principais características penais da Lei nº 9.613, de 1998. 24 1. Introdução Embora a percepção de que várias condutas criminosas eram desempenhadas em busca dos lucros que essa atividade pudesse produzir, a legislação penal somente contemplou essa percepção depois de algum tempo. Desse modo, somente depois que a punição dos responsáveis por crimes altamente lucrativos passou a ganhar a atenção do legislador, aumentou a necessidade de se apreender todas as vantagens econômicas decorrentes deles, mudança que resultou na necessidade de edição de leis mais adequadas a tanto. Assim, seguindo a nova tradição de internacionalização do direito penal, segundo o qual, devido a transnacionalidade de determinadas condutas consideradas criminosas, as Nações Unidas estimularam a edição de leis em todo o mundo para o enfrentamento da criminalidade, foi editada a Lei de Lavagem de Capitais. Nesse sentido, a lei surgiu do compromisso assumido pelo Brasil na Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico de Drogas e Substâncias Psicotrópicas – conhecida como Convenção de Viena, celebrada no ano de 1988 e ratificada pelo Decreto nº 154, de 1991. Nesse diploma é que está a origem da ideia de criminalizar o procedimento utilizado para mascarar a origem ilícita de valores, o que foi denominado de lavagem ou branqueamento de capitais. O projeto de Lei foi elaborado por comissão presidida pelo Ex-Ministro Nelson Jobim e contou com a participação de juristas brasileiros, como Vicente Greco Filho, Rene Ariel Dotti, Francisco de Assis Toledo e Miguel Reale Júnior. Além disso, deve-se atentar que a Lei nº 9.613, de 1998, devido à pouca efetividade e supostas falhas redacionais, sofreu em 2012 umareforma significativa por meio da Lei nº 12.683, de 2012, e que proporcionou correções e avanços no enfrentamento à lavagem de dinheiro no Brasil. 25 A necessidade de reforma da lei foi apontada pelo Grupo de Controle de Atividades Financeiras (GAF), que concluiu que a legislação brasileira era obsoleta, o que serve de reforço a atuação internacional do direito penal atual. 2. Alterações e reforma pela Lei 12.683, de 2012 As mudanças na referida lei ocorrem a respeito da extinção do rol de infrações antecedentes, aprimoramento das medidas assecuratórias, ampliação dos agentes obrigados a fazer comunicações de operações suspeitas. 2.1 Extinção do rol de crimes antecedentes No afã de definir os crimes que produziam grandes vantagens financeiras e econômicas, de modo a chamar a atenção para este tipo de racionalidade criminológica, o legislador acabou prevendo, inadvertidamente, um rol que infrações que antecediam a prática da lavagem de dinheiro. Essa lista produziu um efeito seletivo e obstacularizante à configuração da lavagem de dinheiros no Brasil, isso porque não haveria infração no caso de cometimento de outros crimes antecedentes não previsto no rol, ainda que resultassem em vantagens patrimoniais significativas e, ainda que houvesse ocultação ou dissimulação desses bens ou vantagens. No quadro a seguir, podemos verificar a disposição original da Lei nº 9.613, de 1998. Quadro 1–Prática do crime de lavagem Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: 26 I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; II – de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003) III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; IV – de extorsão mediante sequestro; V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; VI – contra o sistema financeiro nacional; VII – praticado por organização criminosa; VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal). (Inciso incluído pela Lei nº 10.467, de 11.6.2002) Pena: reclusão de três a dez anos e multa. Fonte: adaptado de Brasil (1998). A alteração promovida pela Lei nº 12.683, de 2012, revogou o rol de crimes antecedentes, retirando a suposta e eventual taxatividade e, ainda, de forma adequada, a lei substituiu a expressão “crime” por “infração penal”, a fim de contemplar as contravenções penais como infração antecedente da lavagem de dinheiro. Contudo, a doutrina aponta a necessidade de que o crime antecedente tenha natureza produtora de bens, direitos ou valores capazes de serem 27 ocultados. Se a infração não produzir esse tipo de efeito, não haverá como incluí-la como antecedente ao crime de lavagem. 2.2 Aprimoramento das medidas assecuratórias Nesse ponto, a reforma penal atende aos reclamos da criminologia econômica, em que o encarceramento de acusados nesta espécie de delitos pouco colabora para o enfrentamento dessas infrações. Nesses casos, a eficácia do direito penal deve ser robustecida por medidas que buscam a recuperação dos valores ilícitos desviados, naquilo que é denominado de despatrimonialização do criminoso. Logo no art. 4º, a Lei nº 12.683, de 2012, aborda sobre a alienação antecipada que implica em diligência por meio do qual são alienados todos os bens que se encontram constritos, quando verificado que decurso do tempo pode causar risco de danos, perecimento ou depreciação de seus valores. Observe que a norma abrange não somente os bens que sejam instrumentos, produto ou proveito de crime previstos na lei de lavagem, mas também das infrações antecedentes. Isso significa que o judiciário poderá vender antecipadamente bens como carros, iates, aeronaves e outros, desde que mantê-los em depósito produza algum daqueles efeitos. 2.3 Ampliação dos sujeitos obrigados Uma das grandes inovações da Lei de Lavagem de dinheiro foi investir agentes privados em deveres de comunicar às autoridades públicas acerca de clientes que realizam as chamadas operações suspeitas. Desse modo, trata-se de uma política ousada em que o Estado compartilha o dever de detecção de atos suspeitos para a iniciativa privada, obrigando- os a realizar reportes para autoridades públicas (BRASIL, 2012). 28 Dada a sofisticação e poder econômico dos agentes que realizam lavagem de dinheiro, a legislação cria essas obrigações de comunicação como inerentes ao sistema financeiro de modo que seus integrantes agem como “gatekeepers”. A reforma de 2012, portanto, amplia o rol de agentes obrigados a realizar essas comunicações, de modo a ampliar o raio de alcance de atuação sobre essas operações suspeitas, conforme se verifica do art. 9º, 10 e 11 da Lei nº 9.613, de 1998. 3. Definição de lavagem de capitais Em sentido vulgar, podemos entender a expressão lavagem como uma metáfora que traduz a ideia de que o dinheiro sujo, porque proveniente de uma infração penal antecedente, é lavado, limpo, quando passa a ter aparência de lícito. Em outros países, como Espanha e Portugal, é utilizada a expressão branqueamento de capitais, terminologia evitada no Brasil pelo legislador porque poderia sugerir uma referência racista ao vocábulo. A lavagem de capitais deve ser entendida como um conjunto de atos praticados para ocultação da natureza, localização e propriedade de bens, direitos ou valores de origem delituosa, com o objetivo de reintroduzi-los à economia formal com aparência lícita. Esses atos são enganosos e visam a adulteração da origem destas vantagens. Nesse sentido, predomina o entendimento de que é necessário alguma operação financeira para tanto, ainda que razoavelmente simples. Assim, por exemplo, o depósito de dinheiro obtido por meio de crime em conta corrente de um parente para mascarar a origem ilícita já é suficiente para caracterização do delito (BRASIL, 2001). 29 4. Fases da lavagem de capitais As fases da lavagem de capitais são atribuídas ao GAF (Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro), formado pelos sete países mais ricos do mundo, e que tem como objetivo coordenar o combate à lavagem de capitais em todo o mundo. Embora controvertido, entende-se que a lavagem de capitais é praticada em três etapas sucessivas: a. 1ª fase: colocação (placement): é a etapa em que o dinheiro ilícito é introduzido no sistema financeiro, visando ocultar sua origem e infração antecedente. Ele pode ser praticado mediante várias técnicas, como a smurfing, que consistente na pulverização de uma grande quantia em pequenos depósitos, expediente que visa não levantar suspeitas na operação. b. 2ª fase: dissimulação/mascaramento (layering – colocar camadas): é a fase em que o agente realiza diversas operações financeiras que visam dificultar e ocultar o rastreamento da origem ilícita dos valores forte, na crença de que quanto maior a movimentação, maior a distância dos valores de sua origem ilícita. c. 3ª fase: integração (integration): os numerários são formalmente incorporados ao sistema financeiro. Ela pode ocorrer de dois modos: no próprio mercado (mobiliário ou imobiliário) ou no refinanciamento de atividade ilícita originária. Sobre as fases apresentadas anteriormente, com percuciência, ensina Cardoso (2020 apud CUNHA; PINTO; SOUZA, 2020, p. 1310): No estudo doutrinário da lavagem de dinheiro, é na fase da ocultação (dissimulação) que efetivamente a lavagem ocorre. Assim, a fase da ocultação pode ser considerada a “fase-chave” da lavagem. Seria o core business da lavagem. Se olharmos para o processo de lavagem de dinheiro como uma linha de produção, teríamos na fase dacolocação o momento 30 inicial, no qual a matéria-prima é inserida na linha de produção para a obtenção do objeto a ser produzido. A fase da integração, por sua vez, seria a etapa final de produção; aquela em que o produto, já finalizado e pronto para o consumo, deixa a linha de produção e se encontra preparado para o envio ao destinatário final. E entre essas duas fases se encontra justamente a ocultação, no momento em que ocorre a transformação da matéria-prima; quando são realizados os diversos procedimentos necessários para que aquele insumo inicialmente inserido possa se transformar no produto final desejado. Portanto, para a consumação do crime não é absolutamente necessária a ocorrência das três fases citadas, mas simplesmente para um estudo didático do crime. 5. Bem jurídico tutelado Uma questão controvertida é sobre o bem jurídico tutelado pela Lei nº 9.613, de 1998. Nesse sentido, há pelos menos quatro correntes: a. A lei de lavagem tutela o mesmo bem jurídico tutelado no crime antecedente, não sendo bem aceita porque não é adequado conceber que um crime tutele bens jurídicos diferentes a depender do crime antecedente cometido. b. Semelhante ao que ocorre com o crime de favorecimento real (BRASIL, 1940, art. 349), em que o agente oculta para tornar seguro o proveito do crime, o bem jurídico protegido é a administração da justiça. c. A lei protege a ordem-econômico-financeira, pois a lavagem de capitais provoca desequilíbrio no mercado, nas relações de consumo, na livre concorrência e no sistema financeiro sem si. d. A lei defende mais de um bem jurídico – tanto a administração da justiça, como a ordem econômico-financeira, como o bem 31 protegido pelo crime antecedente. Desse modo, trata-se de crime pluriofensivo. 6. Acessoriedade da lavagem de capitais Assim, considerando que a caracterização da Lavagem de Capitais depende da prática de uma infração penal antecedente (vide art. 1º), pode-se afirmar tratar-se de crime acessório ou parasitário (aquele em que sua tipificação está atrelada a outro, como: receptação, peculato mediante erro). Isso significa que sem a infração penal antecedente, não há que se falar em Lavagem de Capitais. Todavia, isso não deve resultar na necessidade de comprovação cabal do crime antecedente. Assim, deve-se considerar a previsão do inciso II do art. 2º da Lei, que dispõe que: O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei: [...] II–independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento. [...] § 1º do art. 2º: § 1º A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente. (BRASIL, 1998, [s.p.] Essas disposições legais implicam que a condenação pela infração antecedente não é condição para a caracterização da Lavagem de Capitais, porque podem ser essas pretensões tramitarem em processos distintos, independentes e autônomos. 32 Assim, observe-se que há entre esses processos uma inegável conexão instrumental ou probatória (BRASIL, 1941, art. 76, III). Porém, por força da disposição especial do art. 2º, II, cabe ao juiz que processa os crimes de Lavagem decidir sobre reunião desses processos. A acessoriedade, por sua vez, é limitada (teoria da acessoriedade limitada), pois a absolvição pela infração antecedente poderá ou não influenciar na condenação do crime de lavagem de capitais, dependendo do seu fundamento: • Se houver absolvição porque reconhecida a atipicidade da infração antecedente, obrigatoriamente, não haverá Lavagem. • Se houver absolvição por causa da excludente de ilicitude na infração antecedente, também, não será possível sua condenação na lavagem. • Se houver absolvição por causa excludente de culpabilidade pode ocorrer condenação na Lavagem, visto que a infração antecedente permanece como típica e antijurídica. • Se houver extinção da punibilidade das infrações antecedentes, é possível condenação pela Lavagem. Há duas exceções, porém: caso haja anistia e abolitio criminis, porque, nesses casos, a infração antecedente deixa de existir. 7. Sujeito ativo da lavagem de capitais O sujeito ativo de capitais se trata de crime comum, porque pode ser praticado por qualquer pessoa, sem necessidade de qualquer qualidade especial. A lei penal brasileira só pune as pessoas físicas pelo crime de lavagem. As pessoas jurídicas, quando muito, podem ser responsabilizadas 33 administrativamente, tese apontada pelo Brasil como suficiente para afastar eventual inadimplência internacional. 8. Sujeito passivo A depender da teoria do bem jurídico tutelado, pode-se identificar como sujeito passivo a coletividade, o Estado etc. 9. Autolavagem (self laudering) Por sua vez, ocorre autolavagem quando o mesmo indivíduo que responde pela infração penal antecedente é criminalmente processado pelo delito de lavagem de capitais. Sobre o tema, portanto, há duas correntes: a. A autolavagem não é possível, pois, semelhante ao que ocorre com o crime de favorecimento real, o agente que oculta os produtos e proveitos de sua ação criminosa está simplesmente dando sequência à ação criminosa anterior. Ele está na fase de exaurimento do delito e é conduta que de certo modo está acobertada pela vedação a autoincriminação. b. A autolavagem é possível e é crime, pois a estrutura típica da Lei 9.613, de 1998, se comparada à do art. 349 do CP é bastante diferente. Os atos caracterizadores da lavagem são mais sofisticados e constituem etapa autônoma no trabalho de ocultação do proveito do crime, razão pela qual viola bens jurídicos diversos e não pode ser entendido como mero exaurimento da infração antecedente. É a posição majoritária. Neste sentido: 34 [...] A lavagem de dinheiro pressupõe a ocorrência de delito anterior, sendo próprio do delito que esteja consubstanciado em atos que garantam ou levem ao proveito do resultado do crime anterior, mas recebam punição autônoma. Conforme a opção do legislador brasileiro, pode o autor do crime (leia-se infração penal) antecedente responder por lavagem de dinheiro, dada à diversidade dos bens jurídicos atingidos e à autonomia deste delito. (BRASIL, 2011, [s.p.]). Além disso, prevalece o entendimento firme que o sujeito ativo da Lavagem de Capitais não necessariamente deve ter concorrido para a prática da infração antecedente. Logo, basta que tenha ciência da origem ilícita dos bens ocultados. 10. Advogado como sujeito ativo de lavagem de capitais Considerando que são crimes comuns, cometidos por quaisquer pessoas, os advogados podem ser sujeitos ativos do crime de lavagem de capitais. A questão que se coloca neste tema é se o advogado tem obrigação de comunicar operações suspeitas ao COAF, como os gatekeepers? Para responder à pergunta, você precisa verificar o rol de pessoas obrigadas a fazer essas comunicações previstas no art. 9º da Lei, mais especificamente o inciso XIV do parágrafo único do art. 9º (BRASIL, 1998). A compreensão do tema parte da necessidade de compreender a função do advogado em dois grandes grupos: aqueles que atuam na representação contenciosa, quando então não teria o dever de comunicação de operação suspeita e aqueles que especializados em consultoria não processual, quando sua atuação se dá independentemente de estar relacionada a algum processo judicial ou 35 administrativo, quando, para alguns, lhe seria obrigatório o dever de comunicação. Porém, atualmente, prevalece que essa distinção é considerada irrelevante, de modo que tanto o COAF como a OAB entendem inexistir o dever de comunicação por advogados de operações suspeitas. No entanto, a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro, nofinal de 2019, recomendou ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil que edite regulamentação aos advogados para o cumprimento das obrigações previstas na Lei n° 9.613, de 1998, observado o regime de inviolabilidade e o sigilo nas relações entre o advogado e o cliente nos termos da Lei nº 8.906, de 1994 (Estatuto da OAB), o que deve trazer o tema de volta à baila. 11. Análise do tipo objetivo O art. 1º, caput, da Lei nº 9.613, de 1998, tem dois núcleos verbais, a saber: ocultar (esconder algo) e dissimular (encobrir/disfarçar algo). Logo, trata-se de tipo misto alternativo ou de conteúdo variado em que a prática de apenas um dos verbos já suficiente para caracterização do delito. Caso o ativo seja empregado na compra de um bem imóvel ou, simplesmente, depositado em uma conta corrente, porque não há nesses casos ocultação ou dissimulação, não há lavagem de capitais. 36 12. Limites entre a infração antecedente e início da Lavagem de capitais A fim de compreender a autonomia do crime de lavagem de capitais, devemos entender o momento em que a infração antecedente já se consumou e os novos atos praticados pelo agente caracterizam atos executórios do crime de lavagem. Assim, majoritariamente, entende-se que a lavagem só tem início quando o agente pratica atos que visem atribuir aparência lícita aos valores obtidos da infração antecedente. Isso implica em reconhecer que atos desvestidos deste propósito não configuram lavagem de capitais, como: esconder dinheiro no colchão ou armário de casa ou, até mesmo, adquirir bens imóveis em registrá-lo em nome do próprio acusado. Há, portanto, duas posições sobre o momento consumativo do crime de lavagem de capitais: a. Consuma-se quando realizados os atos destinados a mascarar a origem ilícita dos bens. Trata-se de crime instantâneo. A manutenção dos bens ocultados ou dissimulados é desdobramento ordinário e decorre dos atos iniciais. b. A ocultação e a dissimulação são mantidas, em razão de uma conduta permanente do agente de mantê-los desta forma, o que caracteriza a o crime como permanente. Deste modo, a consumação se prolonga no tempo e perdura enquanto os bens permanecem ocultados e dissimulados. Desse modo, note que o famoso caso contido na Ação Penal nº 863, a 1ª Turma do STF condenou Paulo Maluf por Lavagem de Capitais praticados na década de 1990, e considerou tratar-se de crime permanente vez que o réu manteve os valores ocultos no exterior. 37 13. Análise do tipo subjetivo: dolo e cegueira deliberada O crime é essencialmente doloso, não havendo previsão de modalidade culposa. Logo, admite-se tanto o dolo direito como o eventual. Por sua vez, a possibilidade de caracterização pelo dolo eventual desembocou em casos em que este elemento subjetivo foi aferido por meio da chamada teoria da cegueira deliberada (willful blindeness). De acordo com Badaró e Bottini (2016, p. 143): [...] são casos nos quais o agente tem por possível a prática de ilícitos no Âmbuto em que atua, e cria mecanismo que o impedem de obter ou aperfeiçoar o conhecimento dos fatos. É o caso do doleiro que suspeita que alguns de seus clientes podem lhe entregar dinheiro sujo para operações de câmbio e, por isso, toma medidas para não receber qualquer informação mais precisa sobre sua procedência. A intencionalidade do agente em se colocar deliberadamente em situação de ignorância afastaria o erro de tipo e legitimaria o reconhecimento do dolo. Figura 1 – A cegueira do avestruz . Fonte: Ceneri/iStock.com. 38 O emblemático caso referente à compra de inúmeros carros importados em uma concessionária pelos criminosos que cometeram um dos maiores assaltos do Brasil, em que onze veículos foram comprados, num sábado, num total de R$ 980.000,00, pagos em notas de R$ 50,00 transportadas em sacos de nylon, circunstâncias suficientes para indicar condutas suspeitas, que, por sua vez, deviam ser comunicadas às autoridades. Ao não fazer a comunicação, aqueles empresários assumiram o risco de produzir o resultado motivo pelo qual foram condenados pelo juiz de 1ª instância. No âmbito da Lavagem de capitais, a teoria da cegueira deliberada encontra fartas possibilidades, pois os operadores do sistema financeiro têm obrigações inerentes à sua função – como conhecer seus clientes e a procedência do dinheiro deles -, que suas omissões deliberadas não podem servir-lhes de escudo protetivo porque esta conduta não é legalmente admitida. 14. Objeto material do crime: produto ou proveito da infração penal A lei afirma que o objeto material dos crimes de lavagem de capitais são os bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal, abarcando, desse modo, os produtos diretos e os indiretos da operação delinquencial (BRASIL, 1998). Mas cuidado, pois não integram o objeto material da lavagem de dinheiro: a) os instrumentos do crime e b) os bens cuja posse ou detenção constitui fato ilícito, como drogas ou armas, puníveis como delitos autônomos. 39 15. Lavagem de capitais e organização criminosa Não raro, a lavagem de capitais é praticada em meio a uma organização criminosa sofisticada, que opera em meio uma atividade empresarial que atua no sistema financeiro, o que indubitavelmente enseja uma sofisticação operacional que dificulta a atuação repressiva e persecutória estatal. Em razão disso, a lei prevê que a pena do crime de lavagem pode ser aumentada de um a dois terços. 16. Competência do crime de lavagem de capitais Embora haja alguma controvérsia, prevalece que o crime de lavagem de capitais é ordinariamente de competência estadual e somente será da justiça federal quando presentes alguma das situações previstas no art. 2º, III, da Lei nº 9.613, de 1998. Portanto, cumpre anotar ainda a possibilidade de o poder judiciário estruturar varas especializadas destinadas ao processamento e julgamento de crimes de lavagem de capitais, medida recomendável ante as peculiaridades que o tema possui e que reclama expertise própria. 17. Ação controlada e agente infiltrado no enfrentamento à lavagem de dinheiro Por sua vez, a lei anticrime fez uma única alteração na Lei de Lavagem e acrescentou o § 6º ao art. 1º que a passou a prever que: “Para a apuração do crime de que trata este artigo, admite-se a utilização da 40 ação controlada e da infiltração de agentes” (BRASIL, 2012). Assim, trata-se de disposição que torna claro que essas técnicas especiais de investigação não são exclusivas de investigações de crimes previstos na lei de drogas ou ligados à organização criminosa. A complexidade e sofisticação na realização da lavagem de dinheiro reclama o emprego dessas técnicas de investigação, sendo esse o mérito da alteração legislativa acima. Neste sentido, Isso significa, portanto, que a investigação do delito de branqueamento de ativos, com a novel inserção do § 6º no art. 1º da Lei nº 9.613/98, já não dependerá da existência de uma organização criminosa para que se faça uso de tais técnicas. No crime organizado, a investigação criminal termina exposta a uma esforçada descaracterização dos elementos informadores da organização criminosa a cada vez que tais medidas são utilizadas, e, ante a redação dos dispositivos legais, essa é uma questão de técnica jurídica, não uma ‘tecnicalidade’, sendo que, no que diz respeito ao delito de lavagem, já não será mais necessário descer a tais meandros. Com a Lei nº 13.964/2019, por igual a lavagem de bens e ativos praticada fora do ambiente normativo próprio das organizações criminosas poderá dar ensejo à ação controlada e à infiltração de agentes. (TEIXEIRA, [s.d.] apud SOUZA, 2020, p. 272-273) A lei de lavagem de capitais, Lei 9.613, de 1998, ocupa papel central nos dias de hoje no enfrentamento da criminalidade econômica, visto que destinada essencialmente a despatrimonialização de criminosos que agem em determinados nichos altamente lucrativos. A evolução da lei no Brasil é exemplo claro de comoo aperfeiçoamento legislativo penal é necessário para acompanhar as novas formas e espécies de criminalidade. Nesse ponto, destaca-se a política criminal de tendência gerencialista e colaborativa, em que a atividade estatal repressiva conta com a participação de agentes privados – os gatekeepers, de modo a proteger melhor determinados bens jurídicos, o que acontece também na política whistleblowing e de compliance. 41 Referências Bibliográficas BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaollo Cruz. Lavagem de dinheiro: Aspectos penais e processuais penais. 3. ed. São Paulo: RT, 2016. BRASIL. Decreto nº 154 de 26 de junho de 1991. Promulga a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas. Brasília, DF: Presidência da República, [1991]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto/1990-1994/D0154.htm. Acesso em: 1 jul. 2020. BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, DF: Presidência da República, [1940]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 1 jul. 2020. BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília, DF: Presidência da República, [1941]. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em: 1 jul. 2020. BRASIL. Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras–COAF, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [1998]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9613. htm. Acesso em: 1 jul. 2020. BRASIL. Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012. Altera a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro. Brasília, DF: Presidência da República, [1998]. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12683.htm. Acesso em: 1 jul. 2020. BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm. Acesso em: 1 jul. 2020. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC 80.816. Lavagem de dinheiro: L. 9.613/98: caracterização. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Diário da Justiça [eletrônico], Brasília, 11 jun. 2001. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (5ª Turma). Recurso Especial 1.234.097/PR. Relator: Min. Gilson Dipp, Recorrente: EAD, Recorrido: Ministério Público Federal, Julgado: 03/11/2011. Diário da Justiça [eletrônico], Brasília, 17 nov. 2011. CARDOSO, Francisco de Assis. Lei 9.613/1998. In: CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista; SOUZA, Renee do Ó (org.). Leis penais especiais comentadas. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2020. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0154.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0154.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9613.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9613.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12683.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12683.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm 42 TEIXEIRA, Bruno Cezar da Cunha. Ação controlada e infiltração de agentes na lavagem de bens e ativos. In: SOUZA, Renee do Ó (org.). Lei anticrime: comentários à Lei 13.964/2019. Belo Horizonte: D’Plácido, 2020. 43 Execução Penal Autoria: Renee do Ó Souza Leitura crítica: Juliana Caramigo Gennarini Objetivos • Noções introdutórias sobre execução penal. • Entender o sistema de direitos, deveres e infrações prevista na Lei de Execução Penal. • Analisar o sistema progressivo de penas da lei brasileira. 44 1. Introdução A correta compreensão da natureza jurídica da execução penal como de caráter jurisdicional serve para resolução de questões relacionadas ao desenvolvimento de suas atividades, muito embora seja correta a ideia da teoria geral do processo, em que essa etapa é destinada a realização ou efetivação do título executivo constituído no processo de conhecimento. Mas, inegavelmente, a finalidade do processo de execução penal vai muito além de dar cumprimento à sentença penal condenatória. Há muito que às finalidades preventivas e retributivas da pena criminal se agregaram a uma finalidade ressocializante do delinquente, que busca reeducá-lo para reinseri-lo ao convívio social, proporcionando- lhe condições para uma harmônica integração social. Isso se trata da finalidade expressa na Lei de Execuções Penais, em seu art. 1º (BRASIL, 1984). A natureza jurisdicional do processo de execução de pena é constatada diante da necessidade de ser deflagrado e encerrado por meio de decisões judiciais, além das inúmeras decisões proferidas ao longo do processo de execução relativas aos incidentes de execução. Logo, as poucas decisões proferidas pelas autoridades administrativas que gerenciam os estabelecimentos prisionais não são suficientes para caracterizar esta fase como eminentemente administrativa, pois é relacionada, na maioria das vezes, às questões laterais. Além disso, mesmo nesses casos, são decisões anuláveis/revogáveis pelo juiz da execução. A competência do juiz da execução é iniciada após a expedição da guia de execução, documento formal que deve conter as informações necessárias para o processo execucional, como o nome do condenado, sua qualificação civil e o número do registro geral no órgão oficial de 45 identificação, inteiro teor da denúncia e da sentença condenatória, bem como certidão do trânsito em julgado, informação sobre os antecedentes e o grau de instrução, data da terminação da pena e peças do processo reputadas indispensáveis ao adequado tratamento penitenciário. Assim, trata-se de regra de competência funcional, pois está relacionada à uma fase da jurisdição, em que o juiz deve ser definido pelas normas de organização judiciária. Desse modo, prevalece o entendimento de que o Juízo da execução é aquele sob cuja jurisdição se encontra o estabelecimento penal em que o executado cumpre a pena privativa de liberdade. Isso significa que a transferência do preso de um estabelecimento para outro implica em modificação de competência e no encaminhamento dos autos de execução. Nesse sentido, deve-se destacar, ainda, as regras contidas no art. 2º, que é competência do juízo de execução o processo em face de o preso provisório e o condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária (BRASIL, 1984). O preso provisório, por sua vez, é aquele que ainda não foi condenado definitivamente, seja porque responde ao processo em primeira instância ou nas demais. Portanto, você deve compreender que a LEP permite que seja iniciada a execução provisória da pena do preso com o objetivo de adiantar o acesso à alguns benefícios penais, o que em última análise prestigia o princípio da isonomia. A LEP assegura-lhe os mesmos direitos e deveres conferidos ao preso definitivo, guardadas algumas diferenças de tratamento que decorrem dessa condição especial, como a facultatividade no trabalho prisional que só poderá ser executado no interior do estabelecimento (BRASIL, 1984, art. 31, parágrafo único). Desse modo, a LEP prevê que o preso provisório deve cumprir sua pena em separado do condenado (BRASIL, 1984, art. 84). Todavia, a referida leia prevê a possibilidade de ser aplicado o RDD, em facede pessoa presa provisoriamente (BRASIL, 1984, art. 52). 46 2. Princípios aplicáveis A aplicação prática dos princípios e direitos fundamentais na execução penal é um tema que nem sempre é bem assimilado, fruto de uma confusão decorrente da fase executiva em que se encontra a persecução penal, mas que não deve impedir que produzam efeitos na concretização das sanções penais pelo Estado. Isso porque a disciplina da execução das penas costuma ser estudada de modo autônomo em relação ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal. Porém, ainda que a execução penal tenha as suas especificidades, não há como compreendê-la de modo totalmente afastado desses ramos. Assim, é inquestionável que devem ser observados os postulados gerais da ciência jurídica criminal. Em especial, deve-se sempre fazer incidir sobre a execução das penas as balizas dos direitos fundamentais de primeira geração, já que o regime jurídico da execução penal deve servir como limitador do poder punitivo do Estado. De acordo com grande parte dos doutrinadores, concebem-se como princípios informadores do Direito da Execução Penal os seguintes: I–princípio da humanidade das penas; II–princípio da legalidade; III– princípio da personalização da pena; IV–princípio da proporcionalidade da pena; V–princípio da isonomia; VI–princípio da jurisdicionalidade; VII–princípio da vedação ao excesso de execução; e, VIII–princípio da ressocialização. Deste relevante princípio, por sua vez, deriva o princípio da humanidade das penas, responsável por afastar da execução punição que fira a dignidade humana, como as penas de morte, de caráter perpétuo e cruéis. Pela leitura do art. 5º, incisos III e XLVII, da Constituição Federal de 1988, já se obtém o sentido do princípio, a se relevar como garantia intrínseca ao condenado contra atos desumanos e degradantes na execução da pena que lhe é imposta. 47 Já o princípio da legalidade, a incidir sobre a execução penal, aparece insculpido no art. 3º da LEP, o qual estabelece que “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei” (BRASIL, 1984). O princípio da personalização da pena, por sua vez, se refere à imposição da pena ao acusado em função de sua culpabilidade, de modo que ela seja executada segundo sua personalidade e seus antecedentes (BRASIL, 1984, art. 5º). Ou seja, o preso deverá ser submetido a uma classificação, a ser feita pela Comissão Técnica de Classificação (CTC), para que seja avaliada sua personalidade e adequar o cumprimento da sanção às suas características – permitindo, por via de consequência, uma melhor aplicação da pena. O princípio da proporcionalidade da pena, que consiste em estabelecer a efetiva correspondência entre a classificação do preso e o modo pelo qual a pena será executada, de acordo com o art. 5º, da Lei nº 7.210, de 1984. Além do mencionado dispositivo, o item 26 da Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal disciplina que o princípio em evidência é atendido na medida em que se classificam os condenados, “de modo que a cada sentenciado, conhecida a sua personalidade e analisado o fato cometido, corresponda o tratamento penitenciário adequado” (BRASIL, 1984). Outro importante princípio da execução penal é o da isonomia, dispondo que não haverá qualquer distinção entre os presos de cunho racial, social ou político (BRASIL, 1984, art. 3º, parágrafo único, item 23 da Exposição de Motivos). Portanto, sobre o princípio da jurisdicionalidade, convém reiterar a questão da natureza complexa da execução penal, compreendendo-se que ela é predominantemente jurisdicional. Dessa maneira, não foge das características do Direito da Execução Penal a jurisdicionalidade, a figurar através da intervenção da autoridade judiciária em diversos 48 casos, como no livramento condicional e na progressão ou regressão de regimes. No âmbito da execução penal, há, também, o princípio da vedação ao excesso de execução, que é reflexo da regra do respeito à formação da coisa julgada, insculpida no brilhante art. 5º da Constituição Federal (1988), mais especificamente em seu inciso XXXVI. Ora, se a própria Lei nº 7.210, de 1984, coloca como objetivo da execução penal efetivar as disposições da decisão criminal/sentença (BRASIL, 1984, art. 1º), não há como conceber qualquer ato que seja realizado no bojo da execução fora dos limites fixados na sentença, por exemplo, estabelecendo o regime de cumprimento de pena ou a quantidade de penas diferentes daquele que já está estabelecido no título executivo. Além disso, deve ser cumprido o princípio da ampla defesa e contraditório. Neste sentido, Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar, no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado. (BRASIL, 2020) Por fim, cabe destacar o relevante princípio da ressocialização (reintegração social) do condenado, visto que é por meio deste postulado que se embasa qualquer interpretação que se possa ter das normas contidas na lei aqui em relevo. Já menciona o primeiro dispositivo da LEP que a execução tem por objetivo proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado, além do item 14 da Exposição de Motivos estabelecer que a tendência é de que a pena deva realizar a reincorporação do autor à comunidade. Logo, destaca-se que a prática de fato definido como crime doloso no curso da execução penal caracteriza falta grave, independentemente do trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória (BRASIL, 2020). 49 Assim, podemos notar que muitos destes princípios apresentam íntima ligação com os chamados Direitos Humanos, os quais são aqueles direitos fundamentais inerentes a toda pessoa, pelo próprio fato de ser humano. Diz-se, assim, que os direitos humanos não são concedidos, mas devidos a todo homem pela sociedade política. O que se pretende alcançar é a efetiva proteção destes direitos, sendo necessário, para tanto, estabelecer mecanismos eficientes como forma de garantir os direitos fundamentais reconhecidos. Entre aqueles princípios erigidos como fundamentos do Estado Democrático de Direito pela Constituição Federal de 1988, destaca-se o princípio da dignidade da pessoa humana, disposto no art. 1º, inciso III (BRASIL, 1988). 3. Direitos do preso O processo histórico de humanização do cumprimento das penas caracterizou-se pela atuação estatal capaz de assegurar aos presos uma condição mínima e com dignidade humana. A obrigação de suportar o ônus com o sustento e necessidades básicas do preso durante sua custódia sofreu ao longo do tempo um alargamento, a ponto de serem previstas na legislação um rol de direitos assistenciais mais amplos. A assistência a ser prestada, conforme elenca o art. 11 da LEP, será: I – material; II – à saúde; III – jurídica; IV – educacional; V – social; VI – religiosa (BRASIL, 1984). A LEP tem dispositivo que enuncia vários direitos do preso, no art. 41, bem como um rol de deveres, no art. 39, do qual você deve estudar com mais destaque o trabalho (BRASIL, 1984). Logo, ainda de acordo com a LEP, trata-se de um direito do preso (art. 41, II) e um dever social do condenado (arts. 28 e 39, V). O dever de o preso condenado de trabalhar não pode ser confundido com trabalhado forçado (BRASIL, 1988, art. 5º XLVII, C), que é caracterizado pela gratuidade e ausência de 50 contraprestação. Além disso, o trabalho deve ser moldado na medida de suas aptidões e capacidade. Figura 1 – Trabalho interno Fonte: chrisjo/iStock.com. Figura 2 – Trabalho externo Fonte: ftwitty/iStock.com. 51 O complemento sancionatório ao dever de trabalhar está descrito no art. 50 da LEP, que dispõe que comete falta grave o condenado à PPL que não observar os deveres previstos nos incisos II e V do art. 39 da LEP(BRASIL, 1984). Já para o preso provisório, o trabalho é facultativo e, mesmo assim, só poderá ser executado no interior do estabelecimento. O trabalho do preso serve para sua instrução e a formação profissional, além de manter uma finalidade educativa, produtiva, profissionalizante, disciplinadora e desenvolvedora do senso de responsabilidade, bases indispensáveis para uma valorosa vida em sociedade. 4. Disciplina e deveres do preso Se você examinar sistematicamente, perceberá que a LEP investe o condenado como sujeito de direitos por meio do tripé direitos-deveres- disciplina, todos temas regulamentados no título II da Lei (BRASIL, 1984). A partir destes três valores, várias categorias da execução penal são estruturadas, razão pela qual eles exigem uma boa compreensão. A disciplina deve ser entendida como um conjunto de normas que tendem a manter o respeito e a ordem entre os condenados e os agentes estatais, destinados ao bom andamento da atividade executória (BRASIL, 1984, art. 44). Observe que a estruturação dos deveres legais contidos na LEP, de um modo ou de outro, possui uma finalidade intrínseca sempre relacionada à disciplina. As regras disciplinares estão previstas em regulamentos ou outras normas infralegais, cuja transgressão enseja as sanções disciplinares. Dada a especificação episódica e variável feita por meio desta espécie de normas, seu conhecimento e ciência deve ser feito de maneira expressa, 52 por meio de assunção ao dever de submissão informado, já que não são presumidamente conhecidos de todos, conforme o art. 46 da LEP (BRASIL, 1984). A caracterização das faltas disciplinares obedece à alguns princípios norteadores do direito sancionador, como legalidade, anterioridade, proporcionalidade, humanidade, juiz (autoridade) natural, intranscendência, responsabilidade subjetiva, devido ao processo legal, individualização das penas etc. As sanções disciplinares estão previstas no art. 53 e variam desde a advertência verbal, repreensão, suspensão ou restrição de direitos (art. 41, parágrafo único), isolamento na própria cela ou em local adequado, nos estabelecimentos que possuam alojamento coletivo, observado o disposto no art. 88 da referida lei e a inclusão no regime disciplinar diferenciado (BRASIL, 1984). A aplicação destas sanções deve levar em conta a proporcionalidade do caso, bem como a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão (BRASIL, 1984, art. 57). A sanção disciplinar mais grave é o regime disciplinar diferenciado que enseja restrições a direitos aos presos, voltadas às situações específicas previstas no art. 52 da LEP (BRASIL, 1984). Nesse sentido, destaca-se as regras contidas na LEP referentes à individualização do cumprimento da pena, a começar pela contida no art. 5º, que dispõe que: “os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal” (BRASIL, 1984). Outras normas também ressaltam a individualização, por isso, confira a os arts. 82, parágrafo 1 e 84, caput, parágrafos e incisos da LEP (BRASIL, 1984). Assim, você poderá notar que a LEP é estruturada com um sistema progressivo de pena, em que o condenado cumpre sua pena seguindo 53 regras que paulatinamente lhe proporcionam restrições ao direito de liberdade cada vez menos rigorosas. O avanço para as sucessivas etapas é feito mediante cumprimento de condições objetivas e subjetivas, o que permite uma motivação comportamental ao condenado ao cumprimento das normas disciplinares. O sistema progressivo de cumprimento de pena, por sua vez, é estruturado em três níveis: fechado, semiaberto e aberto, cada qual cumprido em estabelecimentos penais específicos, a saber: penitenciária, colônia agrícola ou industrial e, por fim, casa do albergado. 5. A ressocialização e progressão de regime de cumprimento de pena A Lei de execução penal afirma sobre a ressocialização do condenado, entendida como medidas que buscam integrá-lo ao convívio social. Nesse sentido, observe-se que é a pretensão de ressocializar que deve orientar alguns aspectos da execução da pena, razão pela qual se confere especial atenção à boa conduta carcerária e o exame criminológico, como instrumentos de individualização da pena na fase da execução penal. Em outras palavras, em vistas da ressocialização, deve-se construir prognósticos acerca da periculosidade e recuperabilidade do condenado. As disposições programáticas do art. 26 da LEP instituem ao preso um sistema de assistência material, saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, todas estendidas ao egresso, que busca sua reintegração social (BRASIL, 1984). Desse modo, ainda, destaca-se o disposto no art. 19, que estabelece a facultatividade de ensino profissional (BRASIL, 1984). Além disso, é importante observar o disposto no art. 4º da LEP, que procura integrar a comunidade na execução da sanção penal, o que é devidamente engendrado pelos órgãos do Patronato e Conselho da 54 Comunidade. Logo, o próprio sistema progressivo de cumprimento de penas (e vários outros benefícios previstos na execução penal) tem uma estimulante finalidade comportamental direcionada à ressocialização, pois pressupõe um afrouxamento paulatino na restrição da liberdade do condenado até sua completa libertação, mediante o cumprimento de etapas que servem para medir a evolução de sua reintegração social, conferida pelo sistema executivo. De forma a conciliar a progressão de regime de cumprimento de pena com mecanismos eficazes que evitem o descumprimento das medidas remanescentes ao condenado, que tem deferido pedido de saída temporária ou cumprimento da pena em regime domiciliar, a LEP foi alterada em 2010, passando a prever a possibilidade da fiscalização dar-se por meio de monitoramento eletrônico. O instrumento está regulamentado pelos arts. 146-B à 146-D, caracterizado pela vigilância à distância do condenado por meio de instrumento móvel, cujo uso permite sua saída do cárcere e um aumento significativo no seu senso de autodisciplina. Por isso, que lei prevê os seguintes deveres para o condenado adotar o uso do equipamento: I–receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações; II–abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça (BRASIL, 1984). No entanto, diverge a doutrina se o juiz das execuções autorizar o monitoramento eletrônico para outras situações diferentes às prevista na LEP. Caso o faça, inegavelmente, haverá desvio de execução que é entendido como ato praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentos (BRASIL, 1984, art. 185). Embora esse também seja o conceito de excesso de execução, as figuras se distinguem porque, neste último, há um conteúdo quantitativo, enquanto no desvio existe um conteúdo qualitativo. No excesso, portanto, há violação de direito do sentenciado, enquanto no desvio pode haver benefícios. 55 O excesso de execução mais deletério é o cumprimento de pena por tempo superior ao devido, violação que enseja direito a uma indenização proclamada pelo art. 5º, LXXV, da CF (1988), que dispõe: o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença. Como podemos verificar, o excesso ou desvio de execução tem como pressuposto a instauração de um incidente próprio, que correrá em apenso ao processo de execução e que pode ser suscitado pelos legitimados do art. 186 da LEP, além do defensor do condenado (BRASIL, 1984). Portanto, constatada a violação a direito do condenado, exsurge o dever do estado de indenizar. 6. Direito de indenização do preso No entanto, destacamos o direito à indenização do condenado que, eventualmente, cumpre excesso ou desvio
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