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Livro Didático literatura brasileira

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LITERATURA BRASILEIRA
André Gardel
Edgar Roberto Kirchof
Maria Márcia Matos Pinto
João Amálio Pinheiro Ribas 
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O presente livro propõe um panorama de alguns dos principais temas ligados à 
história da literatura brasileira, abrangendo desde o período colonial até a produ-
ção contemporânea. Por se tratar de um livro didático, está organizado de acordo 
com a periodização tradicionalmente aceita nos âmbitos da história da literatura 
e da crítica literária, sendo inicialmente discutido o próprio estatuto literário dos 
primeiros textos produzidos no contexto da conquista do continente americano.
Em ordem cronológica, são apresentados os períodos abordados: o período 
colonial, o Barroco, o Arcadismo, o Romantismo, o Realismo, o Naturalismo, o 
Parnasianismo, o Simbolismo, o Pré-modernismo, o Modernismo e a literatura con-
temporânea. Acrescenta-se, ainda, um capítulo sobre o afro-brasileiro e o indígena 
na literatura brasileira.
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André Gardel
Edgar Roberto Kirchof
Maria Márcia Matos Pinto
João Amálio Pinheiro Ribas
IESDE BRASIL S/A
Curitiba
2016
Literatura Brasileira
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
K65L Kirchof, Edgar Roberto
Literatura brasileira / Edgar Roberto Kirchof. - 1. ed. - Curitiba, PR 
: IESDE Brasil, 2016.
340 p. : il. ; 21 cm.
ISBN 978-85-387-6279-9
1. Literatura brasileira - Estudo e ensino. I. Título.
16-37263 CDD: 809
CDU: 82.09
Direitos desta edição reservados à Fael.
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.
© 2016 – IESDE Brasil S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer 
processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.
Todos os direitos reservados.
IESDE BRASIL S/A. 
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 
Batel – Curitiba – PR 
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Produção
FAEL
Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo
Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz
Revisão IESDE
Projeto Gráfico Sandro Niemicz
Capa Evelyn Caroline dos Santos Betim
Imagem Capa Shutterstock.com/Galyna Motizova
Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim
Sumário
Carta ao Aluno | 5
1. Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares | 7
2. Literatura de informação e literatura jesuítica | 25
3. O Barroco e a Literatura Brasileira | 41
4. O Arcadismo brasileiro | 61
5. O Romantismo brasileiro | 79
6. O Realismo | 103
7. Naturalismo | 123
8. Parnasianismo | 141
9. Simbolismo | 167
10. O momento pré-moderno no Brasil | 185
11. A fase heroica: a Semana e os principais manifestos | 197
12. A prosa dos anos 30 | 215 
13. Literatura contemporânea brasileira: | 231
Modernismo e diversidade cultural
14. Rumos da poesia brasileira contemporânea | 247
15. O romance contemporâneo: introspecção e contestação | 263
16. O afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira | 277
Gabarito | 301
Referências | 313
Carta ao aluno
O presente livro propõe, ao leitor, um panorama de alguns 
dos principais temas ligados à história da literatura brasileira, abran-
gendo desde o período colonial até a produção contemporânea. Por 
se tratar de um livro didático, está organizado de acordo com a 
periodização tradicionalmente aceita nos âmbitos da história da lite-
ratura e da crítica literária, sendo inicialmente discutido o próprio 
estatuto literário dos primeiros textos produzidos no contexto da 
conquista do continente americano.
O ponto de vista que permeia os textos aqui apresentados é 
marcado pela convicção de que a literatura não é um mero discurso 
estético, ou um código a ser decifrado de modo unívoco, como se 
fosse destituído de valores e princípios ideológicos. Antes, a litera-
tura brasileira, assim como qualquer outro universo de nossa cul-
tura, deve ser compreendida como um campo discursivo que foi 
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Literatura Brasileira
sendo construído historicamente e, portanto, não está isento de todos os confli-
tos e contradições inerentes a qualquer atividade realizada no âmbito da cultura.
Por outro lado, por seu caráter conciso e abrangente, este livro não apre-
senta discussões profundas a respeito das disputas que emergem das posições 
ocupadas pelos vários agentes que atuaram – e continuam atuando – na pro-
dução do campo da literatura brasileira. Antes, procura apenas apresentar 
alguns de seus principais protagonistas, limitando-se, em alguns casos, a men-
cionar algumas das problemáticas e sugerindo bibliografia de apoio.
Em ordem cronológica, são apresentados os períodos abordados: o 
período colonial, o Barroco, o Arcadismo, o Romantismo, o Realismo, 
o Naturalismo, o Parnasianismo o Simbolismo, o Pré-modernismo, o 
Modernismo e a literatura contemporânea. Acrescenta-se, ainda, um capítulo 
sobre o afro-brasileiro e o indígena na literatura brasileira.
Literatura no Brasil 
Colônia: questões 
preliminares
1.1 Breve contextualização histórico-
-filosófica: o Renascimento
Antes de abordarmos os textos ligados à literatura no 
período colonial, é necessário compreender um pouco do contexto 
sociocultural em que tais textos emergiram a fim de obtermos uma 
compreensão mais crítica e profunda de seus fundamentos ideológi-
cos, bem como de suas principais intenções.
Durante o século XVI, com a fundação da Universidade de 
Paris, ocorreu um reavivamento da teologia medieval realista, um 
retorno aos grandes mestres, principalmente a Agostinho e aos neo-
platônicos. Na Alemanha e nos Países Baixos, com Reuchlin1 se valo-
rizavam os gregos e com Erasmo2, o estoicismo, sendo que a França 
passava por uma redescoberta do humanismo cristão, principalmente 
1 Johann Reuchlin (1455-1522): humanista alemão, professor de grego e de hebraico.
2 Erasmo de Roterdã (1466-1536): humanista holandês, autor de O Elogio da 
Loucura (1511).
1
Literatura Brasileira
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por meio de Jacques Lefèvre (1455). Em poucos termos, intelectualmente, os 
ideais teológicos medievais – principalmente a filosofia escolástica, de Tomás de 
Aquino – foram perdendo terreno para ideais mais humanistas e menos teocên-
tricos, baseados principalmente em um retorno à cultura greco-romana, anterior 
à cultura cristã instaurada a partir da Idade Média.
Todas essas mudanças relativas à vida política, econômica e sobretudo 
intelectual no continente europeu formaram a base daquilo que se conven-
cionou chamar de Renascimento ou Renascença, cujo principal espaço de 
irradiação foi a Itália. Foi uma espécie de retorno à visão de mundo huma-
nista e antropocêntrica que predominava na cultura greco-romana, em con-
traposição à visão teocêntrica e cristã da Idade Média. Grandes artistas, como 
Leonardo da Vinci, Michelangelo, Brunelleschi, Bramante, entre numerosos 
outros, passaram a se inspirar em modelos gregos e romanos para produzir 
suas obras, não mais utilizando preceitos cristãos.
Se, de modo genérico, a arte medieval estava mais interessada nas cono-
tações religiosas que poderiam emanar dos signos pictóricos e literários, a 
arte renascentista, por sua vez, passou a valorizar sobremaneira a cópia ou a 
imitação da própria realidade, em um apelo sensualista que foi suspendendo, 
de forma quase imperceptível, a cosmovisão predominantemente religiosa 
da Idade Média. Daí uma busca constante pelo aperfeiçoamento da técnica, 
inspirada nos novos conhecimentos angariados no bojo dos campos de saber 
que se transformariam naquilo que hoje denominamos de ciências, como a 
Matemática e a Anatomia,
por exemplo.
Quanto à literatura, as influências greco-romanas já se fizeram sen-
tir, pelo menos desde o século XIV, na Itália, com autores como Petrarca 
e Boccaccio, que privilegiaram temas profanos e humanistas em suas obras 
– como o amor mundano, a ironia, com críticas e sarcasmo em relação à 
instituição eclesiástica. A literatura influenciada pelos novos ideais buscou 
inspiração em clássicos como Ovídio, Horácio, Virgílio e em outros autores 
da Antiguidade Clássica, construindo efeitos estéticos rebuscados, baseados 
em um conjunto de preceitos teóricos herdados de obras como as poéticas e 
retóricas de Aristóteles, Horácio, Longuino e Quintiliano, entre outros.
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Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares
Figura 2 – A Pietá de Michelangelo.
Figura 1 – Uma pietá Medieval.
Fonte: José M. Azcona.
1.2 Portugal permanece na Idade Média
Essa nova visão de mundo encontrou enorme resistência na Península 
Ibérica, de modo geral, e em Portugal, especificamente – em grande parte por 
causa da fortíssima atuação da ordem fundada por Inácio de Loyola, em 1534, 
a Companhia de Jesus (cujos membros são denominados jesuítas até os dias 
de hoje) com o objetivo explícito de servir como um obstáculo para as refor-
mas protestantes. No intuito de barrar a eclosão de movimentos reformatórios 
que levavam invariavelmente a cismas e novos movimentos, acreditava-se ser 
necessário realizar reformas no interior da própria Igreja Católica.
Em Portugal, desde que D. João III entregara aos jesuítas o Colégio das 
Artes, em 1555, a influência dessa ordem religiosa sobre a cultura lusitana 
passou a ser tão forte que chegou mesmo a, senão impedir, pelo menos frear 
de forma surpreendentemente eficaz a chegada da maior parte dos valores 
e concepções renascentistas, que atingiam, a passos largos, os demais países 
Literatura Brasileira
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europeus. Dessa maneira, enquanto a Europa se modernizava a partir dos 
novos ventos trazidos pelo Renascimento, os jesuítas se encarregavam de 
manter a cultura portuguesa mais atrelada à visão de mundo e às tradições da 
Idade Média.
Talvez não seja demasiado exagero afirmar que, cultural e intelectual-
mente, Portugal permaneceu sob o domínio do pensamento jesuítico desde 
1555 até 1759, quando o Marquês de Pombal, influenciado pelos ideais do 
Iluminismo, expulsou-os tanto de Portugal quanto das colônias portuguesas.
Os jesuítas possuíam uma consciência muito forte da importância da 
educação, especialmente a educação das crianças, para a manutenção da fé 
cristã, razão pela qual se dedicavam de forma intensa à fundação e ao cuidado 
de numerosos colégios, muitos dos quais se transformariam posteriormente 
em universidades. Nos colégios jesuíticos eram aceitos tanto alunos com 
intenções de se tornarem religiosos (padres jesuítas), quanto alunos interessa-
dos apenas em obter uma formação acadêmica consistente.
No entanto, a filosofia dos jesuítas era de fundamento medieval, nota-
damente teológica, o que os tornava muito avessos aos novos conhecimen-
tos científicos que se desenvolviam principalmente na Itália e se espalhavam 
pelos demais países da Europa. Em vez de privilegiar a observação, o cálculo 
e a descoberta do novo, os jesuítas prezavam a manutenção da fé por meio do 
conhecimento da tradição, principalmente a tradição teológica cristã, o que 
os levou a promoverem uma cultura (embora erudita) livresca, gramaticista e, 
na maior parte das vezes, maniqueísta3 e moralizante.
No que diz respeito especificamente às artes e à literatura, os jesuítas se 
mantiveram medievais e, posteriormente, barrocos. Na verdade, o Barroco 
pode ser visto como uma tentativa de conciliação entre o pensamento reli-
gioso medieval, de um lado, e o apelo sensualista renascentista, de outro, 
tendo sido promovido amplamente pela ordem de Inácio de Loyola. Massaud 
Moisés acredita que os jesuítas, em decorrência do seu fundamento intelec-
tual escolástico – que combatia as inovações renascentistas –, contribuíram 
sobremaneira para a manutenção do obscurantismo intelectual tanto em 
3 O Maniqueísmo tem sua origem na filosofia do persa Mani, que pregava um dualismo in-
transponível entre o bem e o mal: para ele, tudo que está ligado à matéria é mal por essência, 
ao passo que o espírito representa o bem.
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Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares
Portugal quanto no Brasil. Sua aversão aos clássicos (a maioria deles consi-
derados pagãos e, portanto, nocivos para a conservação da fé cristã) era tão 
grande que eles chegaram a proibir a recitação de sonetos e de coplas4 em fes-
tas religiosas, além de colocarem vários dos principais autores latinos em um 
index5, proibindo, dessa maneira, a leitura de grandes autores como Plauto, 
Terêncio, Horácio, Ovídio e Marcial (MOISÉS, 2000, p. 26).
Em vez de explorar as novas formas literárias e artísticas, como era a prática 
dos autores influenciados pelo Renascimento, em Portugal e no Brasil os jesuítas 
mantiveram a tradição medieval cristã. Os dois principais gêneros literários por 
eles cultivados foram, de um lado, a poesia lírica de fundo religioso e, de outro, 
o teatro cristão, cujas principais formas são os autos e os mistérios medievais. O 
primeiro gênero prevaleceu no caso da edificação da espiritualidade, ao passo 
que o teatro foi utilizado de forma intencional para catequizar os índios.
1.3 Os textos fundadores
Ao lançarmos um olhar panorâmico sobre o conjunto dos textos conside-
rados como os fundadores da tradição literária no Brasil, de imediato salta aos 
olhos que, em sua grande maioria, não se trata de textos propriamente estéticos 
ou literários, no sentido restrito desses conceitos, e isso tanto no que diz res-
peito aos gêneros predominantes quanto à própria qualidade da composição.
Embora muito se tenha discutido até os dias de hoje nos campos da 
teoria da literatura e da crítica literária, sobre o que efetivamente deva ser 
considerado um texto literário – e as literaturas moderna e contemporânea 
têm sido pródigas em criar formas cada vez mais surpreendentes –, o fato é 
que o cânone tradicional comporta, em sua grande maioria, textos em que 
predomina, de um lado, a ficcionalidade e, de outro, um arranjo linguístico 
dotado de alto grau de literariedade6.
4 A copla é uma forma poética muito popular, originada na Espanha, sendo utilizada na 
composição de canções com temas geralmente cômicos, mas também eróticos e escatológicos.
5 Index librorum proibitorum: lista de livros proibidos criada em 1559 pela Igreja Católica.
6 Literariedade: conceito criado pelos teóricos do Formalismo Russo para dar conta de todos 
os elementos linguísticos e estruturais inerentes a um texto literário. Tais elementos permitiri-
am distinguir a especificidade da literatura em relação a outros tipos de texto.
Literatura Brasileira
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Entretanto, na produção literária ligada ao contexto dos séculos XVI e 
XVII, no Brasil, predominaram, de um lado, textos de ordem documental – 
que abrangem desde meros textos informativos até crônicas, testemunhos de 
viagem e textos considerados históricos – e, de outro, textos de cunho reli-
gioso, marcadamente produzidos pelos padres jesuítas enviados ao Brasil jun-
tamente com os colonos e os representantes da elite governante portuguesa. 
Seu principal intuito era cristianizar os nativos e cuidar da manutenção da fé 
dos colonos e da classe dirigente.
Os principais textos de origem portuguesa que merecem destaque, de 
acordo com o historiador da literatura brasileira Alfredo Bosi (1994, p. 13), são:
 2 a Carta a el-rei D. Manuel, de Pero Vaz de Caminha, referindo 
o descobrimento de uma nova terra e as primeiras impressões da 
natureza e do aborígene ou nativo;
 2 o Diário de Navegação, de Pero Lopes e Sousa, escrivão do primeiro 
grupo colonizador – o de Martim Afonso de Sousa (1530);
 2 o Tratado da Terra do Brasil e a História da Província de Santa Cruz a que 
Vulgarmente Chamamos Brasil,
de Pero Magalhães Gândavo (1576);
 2 a Narrativa Epistolar e os Tratados da Terra e da Gente do Brasil, do 
jesuíta Fernão Cardim (a primeira certamente de 1583);
 2 o Tratado Descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa (1587);
 2 os Diálogos das Grandezas do Brasil, de Ambrósio Fernandes 
Brandão (1618);
 2 as cartas dos missionários jesuítas escritas nos dois primeiros sécu-
los de catequese;
 2 o Diálogo sobre a Conversão dos Gentios, do padre Manuel da Nóbrega;
 2 a História do Brasil, de frei Vicente do Salvador (1627).
Embora menos influentes em relação à formação do cânone literário bra-
sileiro, também merecem destaque alguns textos de origem não portuguesa:
 2 Viagem à Terra do Brasil, do calvinista francês Jean de Léry (1578);
 2 As Singularidades da França Antártida, do frade André Thévet (1558);
 2 Viagem ao Brasil, do alemão Hans Staden (1557).
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Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares
1.4 Uma questão preliminar: 
o estatuto da literatura no Brasil Colônia
Antes de abordarmos alguns desses textos fundadores, é necessário 
enfrentar algumas questões importantes para que se possa discutir, com coe-
rência, o tema das manifestações literárias no Brasil Colônia, entre as quais 
destacamos as seguintes:
 2 Por que tratar dos textos ligados à colonização enquanto literatura?
 2 Trata-se realmente de literatura?
 2 Uma vez que tais textos foram escritos por portugueses e outros 
europeus, pode-se dizer que se trata realmente de literatura brasileira?
 2 Nesse caso, quais seriam as suas marcas de brasilidade?
 2 Afinal, como definir uma literatura genuinamente brasileira a par-
tir do período colonial?
Seria muita pretensão tentar fornecer respostas realmente consistentes 
para esses problemas, mesmo que de forma resumida, em um livro introdu-
tório à literatura brasileira. Por esse motivo, nesta seção apenas apontamos 
para alguns dos principais argumentos em favor de se incluir tanto a literatura 
de informação quanto a literatura jesuítica dos séculos XVI e XVII, nota-
damente europeia (pois incluem-se textos de espanhóis, franceses e mesmo 
alemães), naquilo que se pode denominar de cânone da literatura brasileira.
Em primeiro lugar, não devemos esquecer que o Brasil iniciou sua 
existência para o mundo ocidental e europeu enquanto colônia. Nesse sen-
tido, por uma questão histórica, não é aconselhável desconsiderar a visão de 
mundo do colonizador. A colonização deu início a um processo irreversível 
de hibridação cultural, uma mescla da cultura do colonizador tanto com as 
culturas aqui preexistentes quanto com aquelas para cá transportadas, princi-
palmente da África.
Essa confluência de culturas acarretou, no caso brasileiro, o surgimento 
de uma cultura nacional complexa e heterogênea à medida que o Brasil deixou 
de ser colônia para se transformar no sujeito de sua própria história – embora, 
Literatura Brasileira
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de um ponto de vista crítico, tal afirmação deva sempre ser vista com cautela. 
Como afirmou Alfredo Bosi (1994, p. 11), “essa passagem fez-se no Brasil por 
um lento processo de aculturação do português e do negro à terra e às raças 
nativas; e fez-se com naturais crises e desequilíbrios”.
Nesse contexto histórico da formação da cultura e da literatura brasi-
leira não é possível, portanto, desconsiderar os textos deixados pelos coloni-
zadores, pois esses textos não constituem apenas meros testemunhos de uma 
época. Ao longo da história da literatura brasileira, tais textos se transforma-
ram em uma espécie de fundamento pré-literário, tanto em termos temáticos 
quanto em termos formais. Como breve exemplo, pode-se citar o interesse 
pelo indianismo no caso de José de Alencar, que retomou e reinterpretou a 
literatura de informação do século XVI. Mas também os modernistas Oswald 
e Mário de Andrade que, entre outros, recorreram à literatura quinhentista 
e seiscentista quando procuraram pelos fundamentos da brasilidade literária, 
mesmo que seu intuito, muitas vezes, tenha sido descontruir os mitos criados 
a partir dessa literatura.
Assim sendo, a despeito de sua relativa baixa qualidade literária, a litera-
tura de informação, juntamente com a literatura jesuítica dos séculos XVI e 
XVII, devem ser consideradas – em uma ousada e muito acertada formulação 
de Alfredo Bosi – como a pré-história das nossas letras.
1.4.1 Literatura colonial e valor estético-literário
Apesar de muito revelar sobre a mentalidade, os objetivos e os precon-
ceitos do colonizador, a literatura de cunho documental não possui objetivos 
artísticos e estéticos, mas pragmáticos: o que se considerava essencial, naquele 
contexto específico, era descrever as novas terras, sua gente, sua riqueza – enfim, 
sua potencialidade enquanto um novo mundo a ser explorado e cristianizado. 
Apesar de ser possível destacar aspectos de qualidade estética, por exemplo, 
na composição da Carta a el-rei Dom Manuel, de Pero Vaz de Caminha, ou 
mesmo na História da Província de Santa Cruz, de Gândavo, tratá-los como 
textos propriamente literários seria um exagero.
No que tange à literatura religiosa, seu caráter marcadamente catequético 
e doutrinário, fundamentado na visão de mundo escolástica que dominava o 
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Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares
universo jesuíta no século XVI, constituiu um empecilho quase intransponí-
vel para que atingisse um grau verdadeiramente literário. Talvez uma possível, 
porém controvertida exceção, seja a poesia lírico-mística de José de Anchieta, 
à qual já foram atribuídos muitos elogios, desde comparações com Ovídio e 
Virgílio até afirmações de que se trata de uma espécie de precursora do estilo 
barroco, que despontaria, mais tarde, em padre Vieira e, principalmente, em 
Gregório de Matos (COUTINHO, 2004a).
Entretanto, uma análise atenta da obra anchietana permite perceber que 
o padre jesuíta utiliza a rima e esquemas rítmicos como mero ornamento 
formal, pois o conteúdo de sua produção está por demais preso à sua visão 
doutrinária marcada pela catequese (PIZZARRO, 1993, p. 197), no caso do 
teatro, e por um forte misticismo medieval, no caso da lírica. Observe, por 
exemplo, como a atmosfera lírica é utilizada, nos primeiros versos do “Poema 
da Virgem”, de Anchieta (2008c), com o fim de comover o leitor a partir dos 
sofrimentos da Virgem Maria ao enxergar Jesus crucificado:
Por que ao profundo sono, alma, tu te abandonas,
e em pesado dormir, tão fundo assim ressonas?
Não te move a aflição dessa mãe toda em pranto,
que a morte tão cruel do filho chora tanto?
O seio que de dor amargado esmorece,
ao ver, ali presente, as chagas que padece?
Onde a vista pousar, tudo o que é de Jesus,
ocorre ao teu olhar vertendo sangue a flux.
Olha como, prostrado ante a face do Pai,
todo o sangue em suor do corpo se lhe esvai.
A despeito de julgamentos críticos sobre a qualidade estética da poesia 
anchietana, o fato é que textos marcadamente literários, no contexto jesuí-
tico, constituem exceção, se é que existem. A maior parte dos textos produzi-
dos pelos numerosos padres jesuítas para cá enviados – Manuel da Nóbrega, 
João de Aspilcueta Navarro, Luis da Grã, Francisco Pires, Fernão Cardim, 
Literatura Brasileira
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para citar apenas alguns – entra no rol dos textos informativos ou caem na 
vala comum dos textos catequéticos e maniqueístas, com evidente intenção 
de edificação espiritual e conversão do indígena para a fé cristã, embora seja 
possível perceber intentos literários ou estéticos em alguns textos, como o 
Diálogo sobre a Conversão do Gentio, de Manuel de Nóbrega, alguns poemas 
de Anchieta ou alguns manuscritos de Fernão Cardim, entre outros.
Por outro lado, se os textos fundadores não primam pelo seu valor pro-
priamente artístico – no sentido restrito desse conceito –, é possível afirmar 
que os primeiros escritos sobre o Brasil, produzidos tanto por autores não ibé-
ricos quanto por autores ibéricos, adquirem
um grande valor historiográfico, 
mesmo para a história da literatura, pelo fato de nos terem legado alguns dos 
mais fortes mitos sobre a nossa terra e seu povo nativo. Vários deles ressurgirão 
constantemente, ao longo da história posterior da literatura brasileira, e isso de 
forma consciente ou inconsciente por parte dos autores que deles lançam mão.
1.4.2 O mito do paraíso perdido
Nesse sentido, um dos mais significativos mitos é o do Brasil enquanto 
um eldorado ou uma terra da qual emanam leite e mel, criado nos primeiros 
relatos de viagem e perpetuado, ao longo da história da literatura, por todos 
os autores e períodos literários em que houve a exploração de ideais ufanistas, 
como o nacionalismo romântico de Alencar, por exemplo.
Apesar de o primeiro documento realmente escrito sobre o Brasil ter 
sido a Carta de Pero Vaz de Caminha, esta permaneceu praticamente des-
conhecida até 1773, guardada nos arquivos portugueses. Por essa razão, os 
primeiros documentos sobre as terras americanas a se tornarem realmente 
conhecidos e populares na Europa foram as cartas de Américo Vespúcio, nas 
quais já se encontram alguns dos principais mitos criados e reforçados a res-
peito do Novo Mundo e de sua gente nativa: uma terra da qual emana leite e 
mel e cujos habitantes são dóceis, inocentes e destituídos de religião. Observe 
o modo paradisíaco como Vespúcio descreve as suas primeiras impressões, 
no fragmento de sua carta de 18 de julho de 1500, destinada a Lorenzo di 
Pierfrancesco de Medici:
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Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares
O que aqui vi foi uma infinitíssima quantidade de pássaros de diversas 
formas e cores, e tantos papagaios e de tão diversas formas que eram 
uma maravilha: alguns coloridos como grama, outros verdes e colori-
dos e de cor limão, e outros todos verdes e outros negros e encarnados. 
E o canto dos outros pássaros que estavam nas árvores era uma coisa 
tão suave e de tanta melodia que se nos ocorreu muitas vezes ficar 
parados por sua doçura. As árvores são de tanta beleza e de tanta sua-
vidade que pensávamos estar no Paraíso Terreno. E nenhuma daque-
las árvores nem suas frutas se pareciam com as nossas. (VESPÚCIO, 
2008, tradução nossa)
Essa mesma visão sobre as novas terras descobertas pode ser percebida 
em numerosos outros documentos da época. Como esclarece Pizzarro (1993, 
p. 154), essa perspectiva idealizada deve muito aos escritos de Marco Polo7, 
de Mandeville8 e do Preste João9, em que terras estranhas são descritas como 
paraísos dotados de povos exóticos e tesouros incalculáveis, como as amazo-
nas. Como você verá adiante, a Carta de Caminha também reforça essa visão 
de mundo, que mais revela sobre o imaginário europeu da Idade Média do 
que sobre a própria terra que passava a ser explorada.
1.4.3 O índio sem fé, sem lei e sem rei
Entre os principais mitos criados e reforçados pelos primeiros documen-
tos produzidos na era colonial também merece destaque a ideia do nativo 
como o bom selvagem, destituído de sentimento de cobiça, de propriedade, 
de hierarquia e, mesmo, de religião. Essa ideia está muito presente na Carta 
de Pero Vaz de Caminha, mas também pode ser encontrada nos escritos de 
7 Marco Polo (1254-1324), viajante veneziano. Foi um dos primeiros ocidentais a percorrerem 
a China e a Mongólia no final da Idade Média, tendo deixado um fantasioso livro de crônicas 
sobre essas viagens.
8 Jean de Mandeville (1357-1371) – suposto cavalheiro inglês ou francês que também deixou 
um fantasioso livro de crônicas sobre as viagens que realizou por países como Turquia, Armê-
nia, Pérsia e Egito, entre vários outros.
9 Preste João – lendário monarca cristão no Oriente, na verdade, Etiópia. Segundo a tradição 
mítica, ele seria descendente de Baltasar, um dos três reis magos, e seu reino seria repleto de 
monstros, tesouros e paisagens idílicas.
Literatura Brasileira
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Léry, entre vários outros. Observe, na passagem a seguir, como Pero Vaz de 
Caminha se deixa imbuir desse mito:
Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala 
e eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem 
crença alguma, segundo as aparências. E portanto se os degredados 
que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não 
duvido que eles, segundo a santa tenção de Vossa Alteza, se farão cris-
tãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que 
os traga, porque certamente esta gente é boa e de bela simplicidade. E 
imprimir-se-á facilmente neles qualquer cunho que lhe quiserem dar, 
uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como 
a homens bons. E o Ele nos para aqui trazer creio que não foi sem 
causa. E portanto Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar a santa 
fé católica, deve cuidar da salvação deles. E prazerá a Deus que com 
pouco trabalho seja assim! (CAMINHA, 2008)
Essa ideia de que os índios não teriam qualquer religião, lei ou autori-
dade, já presente na Carta, também está presente nas descrições de Pero de 
Magalhães Gândavo, por exemplo, no sétimo capítulo de seu Tratado da Terra 
do Brasil (aproximadamente 1570), conforme a citação a seguir:
Não há como digo entre eles nenhum Rei, nem Justiça, somente em 
cada aldeia tem um principal que é como capitão, ao qual obedecem 
por vontade e não por força; morrendo este principal fica seu filho no 
mesmo lugar; não serve de outra coisa se não de ir com eles à guerra, 
e aconselha-os como se hão de haver na peleja, mas não castiga seus 
erros nem manda sobre eles coisa alguma contra sua vontade. Este 
principal tem três, quatro mulheres, a primeira tem em mais conta, 
e faz dela mais caso que das outras. Isto tem por estado é por honra. 
Não adoram coisa alguma nem têm para si que há na outra vida glória 
para os bons, e pena para os maus, tudo cuidam que se acaba nesta e 
que as almas fenecem com os corpos, e assim vivem bestialmente sem 
ter conta, nem peso, nem medida. (GÂNDAVO, 2008)
Essas formulações de Gândavo e de Caminha forneceram o fundamento 
para a criação do famoso mito “Sem F, sem L e sem R”, segundo o qual os 
nativos não possuiriam fé (F), lei (L) e tampouco rei (R). Esse mito seria con-
sagrado por Gabriel Soares de Souza, uma década mais tarde.
– 19 –
Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares
1.4.4 Canibalismo e antropofagia
Se no início da colonização prevalece uma visão idealizada do índio, 
segundo a qual ele é uma espécie de “bom selvagem” que habita um paraíso 
natural, sem cobiça, sem governo e sem religião, aos poucos, na medida em 
que o colonizador passa a enxergar o índio um pouco mais de perto, descobre 
alguns de seus rituais religiosos, sendo que o ritual que mais lhe chama aten-
ção é a antropofagia, ligada ao culto que realizavam aos seus antepassados. A 
partir de então vai surgindo um mito oposto ao do bom selvagem, a saber: 
surge a imagem do índio enquanto canibal.
O mito do canibalismo é já iniciado por Vespúcio, que logo percebe a 
existência da prática antropofágica entre os nativos:
E percebemos que eram de um povo que se diz canibais e que quase a 
maior parte desse povo, senão todos, vivem de carne humana. E isto, 
tenha-o por certo, Vossa Magnificência! Não se comem entre eles, 
mas viajam em embarcações que se chamam canoas e vão trazer presas 
das ilhas ou terras vizinhas, de um povo inimigo deles ou de um outro 
povo que não o seu. (VESPÚCIO, 2008, tradução nossa)
No livro de Hans Staden, esse mito recebe uma configuração quase 
romanesca, o que contribuiu para a sua rápida popularização na Europa. 
Thévet, por sua vez, introduziu um elemento novo nessa questão, uma vez 
que distinguiu canibal e antropófago: ao passo que o primeiro realmente se 
alimentaria da espécie humana, o segundo comeria a carne de seus inimigos 
apenas como uma forma de vingança. Com Manuel de Nóbrega, que chega a 
realizar comparações entre o canibal indígena brasileiro e os canibais africanos 
citados por Rabelais
no quarto livro de Pantagruel10, o mito do indígena ame-
ricano como um canibal acaba se consagrando e entrando definitivamente 
para o imaginário do europeu.
Um século mais tarde, um frade agostiniano influenciado pelo 
Arcadismo, Frei de Santa Rita Durão, tornaria esse mito ainda mais concreto 
10 François Rabelais (1493-1553): escritor francês da Renascença. Sua obra inspira-se no fol-
clore popular e Pantagruel é um de seus livros cômicos. O título faz referência ao protagonista, 
monstro grotesco, ao mesmo tempo cômico e assustador.
Literatura Brasileira
– 20 –
no corpo do cânone literário luso-brasileiro, porquanto realizou uma sepa-
ração dicotômica entre o índio, selvagem canibal, de um lado, e o europeu, 
civilizado e cristão, de outro.
Para finalizar, podemos chamar a atenção para o fato de que os primeiros 
escritos acerca do Brasil não entraram na história da literatura nacional por 
seu valor propriamente estético, mas sim por terem criado – sobre os nossos 
nativos, sobre o próprio colonizador e sobre a terra brasileira – uma série 
de representações míticas que se perpetuariam no imaginário dos europeus 
acerca de nosso país, mas também no imaginário de nosso próprio povo. 
Os numerosos mitos criados por Caminha, Gândavo, Nóbrega, Vespúcio, 
Anchieta e todos os demais escritores do Brasil Colônia surgem e ressurgem 
ao longo de nossa trajetória histórica e literária, muitas vezes imbricados em 
outros mitos, que passam a ser questionados e desconstruídos a partir do 
Modernismo. Em poucos termos, não é possível estudar nossa identidade 
nacional sem recorrer à literatura colonial.
Ampliando seus conhecimentos
Os viajantes que aludem ao Paraíso
(HOLANDA, 1992 p. 158-159)
Os viajantes que aludem ao Paraíso materialmente presente 
em alguma parte da Terra, e que tentaram chegar a ele, não 
teriam melhor sorte do que Alexandre. “De paradis ter-
restrene vous saroie ie proprement parler car ie ny fui onc-
ques”: assim se expressa, com efeito, o autor ou compilador 
das viagens de Mandeville, que não obstante refere o que 
outros lhe teriam narrado a respeito, como quem diz que 
a interdição não era irrevogável. De qualquer modo, deixa 
claro que a possibilidade de vencê-la não está unicamente 
no arbítrio dos homens. Outras grandes personagens, antes 
e depois, teriam procurado muitas vezes, e com o maior 
– 21 –
Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares
empenho, par moult grande volonté, avançar sobre os rios 
que correm do Paraíso. Assim, a fabulosa narrativa das viagens 
“nas quatro partidas do mundo” de D. Pedro, o Infante de 
Portugal, consta que, tendo esse príncipe alcançado licença 
do Preste João para ir até onde não houvesse mais geração de 
homens, venceu 17 jornadas de dromedário (os dromedários 
que lhe deu o Preste), que valem por 680 léguas, sobre um 
deserto onde não há caminho por mar ou terra, e chegou à 
vista de umas montanhas, de onde não quiseram ir além os 
homens mandados a acompanhá-lo, e avistou então o Tigre 
e o Eufrates e o Gion e o Fison, que são os rios do Paraíso 
terreal, e mais não viu. O mesmo aconteceu com quantos 
tentaram igual demanda, porque ou não lograram vencer os 
ínvios desertos, ou não puderam seguir viagem as naus onde 
navegavam; ou morreram cansados de remar contra a corrente; 
alguns ficaram cegos, outros surdos, do estrondo que ali fazem 
as águas, insuportáveis a ouvidos mortais; muitos naufragaram, 
ou se perderam, de sorte, escreve Mandeville, que nenhum 
homem conseguiu chegar lá pelo próprio capricho se ce nes-
toit par especial grace de Dieu.
Por especial graça de Deus: isso mesmo dará a entender 
Cristóvão Colombo, quando, chegado à altura da “província” 
do Pária, se imagina à porta do Paraíso Terreal. “Já disse”, 
escreve, “aquilo que achava deste hemisfério e de sua feiúra, 
e creio, se passasse por debaixo da linha equinocial, que ali 
chegando, neste lugar mais alto, acharia maior temperança e 
diversidade nas estrelas e nas águas, não porque acredite que 
onde se acha a altura extrema seja possível navegar-se ou seja 
possível subir até lá, pois creio que lá está o Paraíso terrestre, 
onde ninguém pode chegar, salvo por vontade divina [...]”. 
A graça de Deus, a vontade divina, é todavia caprichosa, ou 
assim parecerão suas razões, superiores aos nossos limites 
humanos e terrenos.
Literatura Brasileira
– 22 –
A história das Ilhas Afortunadas e do horto das Hespérides, 
como tosca imagem do Éden, tão tosca, em verdade, quanto 
seria dado concebê-la aos que não conhecem a luz da verda-
deira fé, só era imperfeitamente válida para quem procurasse 
uma representação material do sítio onde Deus pusera os nossos 
primeiros pais. Não pelo fato de se achar literalmente no lugar 
onde para seu curso o carro do Sol, ao passo que o sítio do 
verdadeiro Éden ficava da banda do Oriente: assim o dizem 
as traduções correntes e mais acreditadas entre os doutores. 
Pois dado que a Terra tem forma esférica, e essa era a noção 
conhecida já entre os antigos gregos, o Oriente poderia ficar em 
qualquer de suas partes, como dirá o Bispo de Chiapa.
A razão mais poderosa e verdadeiramente decisiva contra 
a assimilação da verdade revelada às diabólicas mentiras do 
paganismo está em que palavras humanas não bastam para 
reproduzir ou comunicar aquilo que naturalmente transcende 
a mente humana, quanto mais o saber dos que ignoraram a 
palavra de Deus. Na melhor hipótese caberia acreditar que 
aqueles homens se apropriaram de relatos verídicos e inspira-
dos em palavras dos que obedeceram à lei divina, como sude-
cera a Homero, segundo São Justino Mártir, o qual, no pintar 
em sua Odisseia o jardim de Alcino, se teria limitado a copiar 
Moisés. Ainda assim seria forçoso admitir que tais cópias, 
como sempre sucede, ficavam muito aquém do original.
 
Atividades
1. Marque (R) se a afirmativa se refere à Renascença e (IM) se ela se 
refere à Idade Média.
( ) Tendência a uma concepção filosófica humanista e estoica.
( ) A arte possui um caráter simbólico e religioso.
– 23 –
Literatura no Brasil Colônia: questões preliminares
( ) Literatura marcada por temas profanos, como o amor mundano 
e a sátira.
( ) A arte passa a incorporar conhecimentos provindos de áreas como 
a Matemática e a Anatomia.
2. Assinale apenas as afirmativas corretas.
a. Os primeiros textos produzidos no Brasil Colônia se destacam por um 
alto valor literário, especialmente a Carta de Pero Vaz de Caminha.
b. Segundo vários críticos, a poesia religiosa de Anchieta possui um 
alto valor literário.
c. Durante os primeiros séculos da colonização do Brasil, os textos 
produzidos pelos europeus fizeram emergir vários mitos acerca de 
nossa identidade nacional.
d. Um dos mitos mais recorrentes na literatura colonial diz respeito 
à representação do Brasil como um lugar idílico.
3. Quais os principais mitos sobre a identidade do Brasil surgidos a par-
tir da literatura colonial? Por que eles são importantes para a história 
da literatura?
Literatura de informação 
e literatura jesuítica
2
2.1 A literatura de informação
De forma simplificada e didática, seguindo uma sugestão de 
Pizzaro (1993, p. 157), é possível dividir a Literatura de informa-
ção por um critério histórico (1500-1550 e 1550 em diante). Os 
primeiros documentos (principalmente a Carta de Caminha e os 
escritos de Vespúcio) estão por demais influenciados pelos mitos 
de Marco Pollo e de Mandeville, o que faz com que ressaltem, de 
forma quase caricata, aspectos marcados pela inocência paradisíaca 
dos habitantes nativos, ligada principalmente ao modo “ingênuo” 
como apresentavam a sua nudez.
Para esses autores, os índios eram como que uma tabula 
rasa, destituídos de vários vícios europeus e, por isso mesmo, aptos 
para receberem a fé cristã. Por outro lado, foi Vespúcio o primeiro 
autor a mencionar o fato de que os nativos eram antropófagos, o 
que, contudo, não chegou a abalar sua crença na inocência e na
ingenuidade do nativo. Observe como, apesar de descrever a prática 
Literatura Brasileira
– 26 –
antropofágica, Vespúcio não chega a realizar um julgamento negativo do índio, 
muito pelo contrário, conforme se pode perceber a partir do excerto destacado 
em itálico a seguir:
Não comem mulher alguma, salvo aquelas que têm como escravas, 
e disso tivemos a certeza em muitos lugares onde encontramos tais 
pessoas, porque nos ocorreu muitas vezes ver os ossos e as cabeças de 
alguns que foram comidos. E eles não o negam; ademais, o afirmam 
os seus inimigos, que estão continuamente atemorizados por eles. São 
gente de gentil disposição e de boa estatura: andam de todo desnudos 
(VESPÚCIO, 2008, tradução nossa).
2.1.1 Um alemão e dois franceses
A partir de 1550, foram surgindo informações menos imprecisas, em 
parte, produzidas por autores ibéricos diretamente vinculados à colonização, 
como missionários, administradores e moradores; em parte, por autores não 
ibéricos que aqui vieram com o fim de obter lucros e vantagens comerciais 
ligadas ao escambo. Alguns dos nomes que podem ser citados são Ulrich 
Schmidel, Peter Carder, Robert Withrington, James Lancaster, entre vários 
outros. Destacaremos aqui apenas um alemão e dois franceses pela repercussão 
que suas obras obtiveram ainda em sua própria época.
O alemão Hans Staden permaneceu prisioneiro dos tupinambás e sua 
obra, Viagem ao Brasil (1557), conheceu prestígio e popularidade imediatos, 
pois sua crônica de aventuras foi reeditada quatro vezes em apenas um ano, o 
que se deve mais ao estilo vivo e arrebatador que o autor utiliza para narrar suas 
peripécias do que à veracidade ou confiabilidade das informações que apresenta.
Certamente, as várias reedições da obra de Staden muito contribuíram 
para a disseminação do mito do “índio canibal” entre os europeus, já no 
século XVI. Observe a passagem a seguir:
Em seguida, as mulheres, sobretudo as velhas, que são mais gulosas 
de carne humana e anseiam pela morte dos prisioneiros, chegam com 
água fervendo, esfregam e escaldam o corpo a fim de arrancar-lhe a 
epiderme; e o tornam tão branco como na mão dos cozinheiros os 
leitões que vão para o forno. Logo depois o dono da vítima e alguns 
ajudantes abrem o corpo e o esquartejam com tal rapidez que não 
faria melhor um açougueiro ao esquartejar um carneiro.
– 27 –
Literatura de informação e literatura jesuítica
E então – incrível crueldade – assim como os nossos caçadores jogam 
a carniça aos cães para torná-los mais ferozes, esses selvagens pegam os 
filhos, uns após outros, e lhes esfregam o corpo, os braços e as pernas 
com o sangue inimigo, a fim de torná-los mais valentes.
Em seguida, todas as partes do corpo, inclusive as tripas depois de 
bem lavadas, são colocadas no moquém, em torno do qual as mulhe-
res, principalmente as velhas gulosas, se reúnem para recolher a gor-
dura que escorre pelas varas dessas grandes e altas grelhas de madeira. 
Em seguida exortam os homens a procederem de modo que elas 
tenham sempre tais petiscos e lambem os dedos e dizem iguatu, o que 
quer dizer “está muito bom!” (STADEN, 2006).
Durante a ocupação francesa no Brasil por Villegaignon (1555), dois 
cronistas franceses deixaram, por escrito, suas impressões sobre a terra e o 
povo nativo. Ao passo que o calvinista Jean de Léry, em sua Viagem à terra 
do Brasil (Histoire d´un voyage facit en la terre du Brésil, autremment dite 
Amérique, 1578), apresenta uma visão simpática ao índio brasileiro, chegando 
mesmo, em algumas partes, a elevar elementos da cultura indígena acima da 
própria cultura europeia, por sua vez o franciscano André Thévet, em suas 
Singularidades da França Antártica (Les singularitez de la France Antartique, 
autremment nommée Amérique, et de plusieurs terres et isles, 1558), retrata o 
índio de forma francamente preconceituosa e deformada, a ponto de Léry 
tê-lo criticado severamente como “mentiroso e caluniador”.
Figura 1: Um “monstro” de Thévet.
Fonte: André Thévet.
Literatura Brasileira
– 28 –
Na ilustração anterior (uma réplica dos “monstros de Thévet”), você 
pôde observar como o franciscano contribuiu para aumentar o mito do exo-
tismo selvagem e quase sobrenatural acerca do Novo Mundo, na medida em 
que descreve as criaturas monstruosas que teria visto em terras brasileiras.
Já o calvinista Léry se mostra mais comedido em suas descrições, che-
gando mesmo a relativizar a pretendida superioridade da cultura europeia em 
relação à cultura do índio americano. Observe, na passagem a seguir, como a 
simpatia que Léry nutre pelo nativo faz com que atenue o horror que a prática 
antropofágica suscitava na mente do europeu. Em vez de criticar o ritual do 
nativo, Léry critica, em uma surpreendente analogia, uma prática europeia 
que seria tão nociva quanto o canibalismo – a saber, a usura:
É útil, entretanto, que ao ler sobre semelhantes barbaridades os 
leitores não se esqueçam do que se pratica entre nós. Em boa e sã 
consciência acho que excedem em crueldade aos selvagens os nos-
sos usurários [agiotas], que, sugando o sangue e o tutano, comem 
vivos órfãos, viúvas e outras criaturas miseráveis, que prefeririam sem 
dúvida morrer de uma vez a definhar assim, lentamente (LÉRY, s/d).
2.1.2 A Carta de Pero Vaz de Caminha
A Carta a el-rei dom Manuel, de Pero Vaz de Caminha, pode ser conside-
rada uma espécie de certidão oficial de batismo do Brasil para o mundo europeu, 
pois é dela que procede a famosa data do descobrimento, 21 de abril de 1500:
E assim seguimos nosso caminho, por este mar de longo, até que 
terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, topa-
mos alguns sinais de terra, estando da dita Ilha – segundo os pilotos 
diziam, obra de 660 ou 670 léguas (CAMINHA, 2008).
A carta foi escrita a pedido de D. Manuel I, rei de Portugal, para dar 
conta da empreitada realizada pela frota de Pedro Álvares Cabral em direção 
ao Novo Mundo. Datada de Porto Seguro, ela constitui uma espécie de diá-
rio de bordo. No estilo vivo de uma crônica de viagem, relata os principais 
acontecimentos ligados à viagem, desde a data de partida, 9 de março, até a 
chegada ao que naquele momento se chamou de Ilha da Vera Cruz, quando 
foi datada: 1.º de maio de 1500.
– 29 –
Literatura de informação e literatura jesuítica
Embora seu principal valor resida no fato de constituir um documento 
vivo das primeiras impressões do europeu acerca da terra e do povo do cha-
mado Novo Continente ou Novo Mundo, tratando-se, portanto, de um 
documento informativo, muito se tem elogiado o estilo literário ou quase 
literário de Caminha, em que se percebe uma crônica viva, bem articulada, 
além de, inclusive, certos arroubos estético-formais, como trocadilhos e figu-
ras de construção. Por exemplo, no trecho a seguir, para descrever a nudez das 
índias, Caminha utiliza, além do polissíndeto “tão... tão... tão”, o trocadilho 
entrementes já antológico entre “vergonhas” e “envergonhavam”:
Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, 
com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, 
tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós 
muito bem olharmos, não se envergonhavam (CAMINHA, 2008).
Tanto na descrição do índio quanto na descrição da terra, Pero Vaz se 
revela, como não poderia deixar de ser, um homem medieval, fruto de seu 
tempo, imbuído do espírito da conquista, de um lado, e do espírito da difu-
são da cristandade, de outro, ambos mesclados a uma ingenuidade motivada, 
talvez, não só pelo ideário medieval de que está imbuído, mas também pelo 
próprio êxtase do inédito. Por essa razão, o escrivão escolhe pormenorizar o 
que lhe parece exótico, as plantas, as aves, as cores, a exuberância da natureza, 
os ornamentos e a nudez do índio, fornecendo elementos para alimentar o 
mito do eldorado brasileiro, de um lado, e da ingenuidade e inocência do 
nativo, de outro.
O espírito da conquista se manifesta principalmente
na descrição da 
terra, que é apresentada naquilo que possui de potência para ser conquistado 
e transformado em riqueza, seu tamanho e a abundância das águas:
Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul 
vimos, até à outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste 
porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou 
vinte e cinco léguas de costa. [...] Águas são muitas; infinitas. Em tal 
maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por 
causa das águas que tem! (CAMINHA, 2008).
Literatura Brasileira
– 30 –
A intenção de exploração de metais preciosos também permanece evi-
dente, por exemplo, na seguinte passagem:
Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra 
coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de 
muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-
Minho, porque neste tempo d’agora assim os achávamos como os de 
lá (CAMINHA, 2008).
Na descrição do índio, prevalece, como já se afirmou, a ideia de um povo 
dócil e ao mesmo tempo exótico. Caminha se demora nos detalhes visuais do 
exótico, aquilo que diferencia o índio do europeu, principalmente a cor da 
tez, os adornos e adereços corporais, o fato de andarem nus:
A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos 
e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem 
fazem mais caso de encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas do 
que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos 
traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, 
de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de 
algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de 
dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita 
a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que 
não os magoa, nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber.
Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta 
antes do que sobre-pente, de boa grandeza, rapados todavia por cima 
das orelhas (CAMINHA, 2008).
O espírito da catequese é explicitado com todas as letras ao final da carta:
Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será 
salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza 
em ela deve lançar. E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza 
aqui esta pousada para essa navegação de Calicute bastava. Quanto 
mais, disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto 
deseja, a saber, acrescentamento da nossa fé! (CAMINHA, 2008).
A visão de mundo medieval de Caminha se revela, da forma mais evi-
dente, na maneira como trata a cultura do outro. A crença maniqueísta na 
divisão do mundo entre o bem e o mal, sendo que a cristandade europeia 
constituiria o único bem possível e aceitável, leva o cronista não apenas a 
idealizar o índio como um “um ser facilmente passível de conversão à fé 
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Literatura de informação e literatura jesuítica
cristã”, mas, o que é pior, a nem sequer procurar compreender o outro no que 
efetivamente possui de diferente. Por essa razão, Caminha chega à conclusão, 
evidentemente equivocada, de que o índio não possui qualquer religião:
Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala 
e eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem 
crença alguma, segundo as aparências. [...] E imprimir-se-á facilmente 
neles qualquer cunho que lhe quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor 
lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons. E o Ele nos 
para aqui trazer creio que não foi sem causa (CAMINHA, 2008).
2.2 A literatura jesuítica
Os jesuítas chegaram ao Brasil em 1549, juntamente com Tomé de 
Souza, primeiro governador geral das principais regiões do Brasil (Rio de 
Janeiro, Bahia e Pará). Aqui, assim como em Portugal, fundaram colégios 
parecidos com o Colégio das Artes, em que ensinavam Filosofia, Teologia e 
Humanidades, a fim de preparar neófitos para a ordem inaciana. Os jesuí-
tas foram os responsáveis pela manutenção de uma certa vida intelectual na 
Colônia, sendo que suas reflexões e produções escritas norteavam-se por obje-
tivos muito pragmáticos: catequizar os índios e promover ou fortalecer a fé e 
a moral cristã entre os colonos.
Os jesuítas acreditavam que era necessário manter os colonos sob o 
domínio da fé e da moral cristã na medida em que a Colônia era vista como 
um local repleto de tentações, em que rondava o que eles entendiam como 
o perigo da libertinagem moral. Quanto aos índios, acreditavam os jesuítas, 
pelo menos em seus primeiros escritos, no mito do bom selvagem que estaria 
à espera da doutrina cristã para se tornar um ser humano completo. Nesse 
sentido, os padres jesuítas aqui aportados produziram um material escrito 
relativamente amplo, composto de epístolas, relatórios, cartas ânuas, crônicas 
de viagem, gramática, poesia (lírica e épica) e teatro. Essa produção pode ser 
dividida em dois grandes blocos:
 2 literatura de edificação e educação; e
 2 literatura de informação.
Literatura Brasileira
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Ao passo que a gramática, a poesia e o teatro eram utilizadas para cate-
quizar o índio e para educar o colono, constituindo, portanto, uma literatura 
de edificação, as epístolas, os relatórios e as crônicas serviam como documen-
tação informativa sobre a terra que estava sendo explorada, cujo principal des-
tino era informar os superiores, na metrópole, a respeito das possibilidades de 
outros projetos missionários. Nesse sentido, formam a literatura de informação.
Apesar de seus autores serem relativamente numerosos, pela importância 
política na Colônia e também pela relativa superioridade do material produ-
zido, podem ser destacados Manuel da Nóbrega, Fernão Cardim e José de 
Anchieta, sendo que, desses três, Anchieta é indubitavelmente o mais significa-
tivo. Por essa razão, ele será tratado com mais profundidade na próxima seção.
Manuel de Nóbrega chegou ao Brasil em 1549, juntamente com Tomé 
de Sousa, sendo nomeado como o primeiro provincial da ordem inaciana 
no Brasil. Suas atividades eram dirigidas à conversão dos índios e à educa-
ção moral dos colonos. Entre suas principais obras, destacam-se as Cartas 
do Brasil, em que, além de fornecer numerosas informações sobre a terra e 
a gente da Colônia, coloca uma grande ênfase naquilo que considerou uma 
degenerescência moral tanto da parte dos índios quanto dos colonos, o que, 
segundo ele, contribuía para a propagação da promiscuidade sexual. Entre 
as muitas informações que deixou nas Cartas, podem ser destacadas aquelas 
sobre rituais antropofágicos não apenas entre os índios, mas também entre 
alguns portugueses que teriam aderido a essa prática.
Outro padre jesuíta a deixar uma obra relevante sobre a colonização 
do Brasil foi o português Fernão Cardim. Em 1582, ele foi designado para 
acompanhar o primeiro governador geral nomeado sob domínio espanhol, 
Manuel Teles Barreto. Seus principais manuscritos lhe foram roubados por 
piratas em 1601, quando regressava a Lisboa, e acabaram caindo nas mãos 
de Samuel Purchas, um colecionador. Por essa razão, tornou-se conhecido 
apenas tardiamente para a historiografia do Brasil colonial. Em suas obras, 
o Brasil é descrito como um Éden, igual e muitas vezes superior à Europa, 
sendo que essa idealização também se estende ao próprio indígena. Contudo, 
sua empolgação pelo Brasil o levou a um excesso de imaginação em alguns 
casos – por exemplo, quando fala de homens marinhos e monstros do mar, ou 
quando descreve o uru como um pássaro que coloca tantos ovos e tão brancos 
que os campos pareciam cobertos de neve.
– 33 –
Literatura de informação e literatura jesuítica
2.2.1 José de Anchieta
José de Anchieta nasceu no dia 19 de março de 1534, em São Cristóvão 
de la Laguna, capital de Tenerife, nas Ilhas Canárias. No entanto, ainda criança 
foi enviado para estudar em Coimbra. Lá, cursou filosofia e, aos
17 anos de 
idade, ingressa na ordem de Inácio de Loyola, a Companhia de Jesus, tornan-
do-se, dessa forma, um jesuíta. Em 1553, veio para o Brasil, incorporado à 
missão jesuítica chefiada pelo padre Luís da Grã, que acompanhava Duarte 
da Costa, o segundo governador geral do Brasil. De sua biografia podem ser 
ressaltados, entre outros fatos, a fundação do colégio de Piratininga, em São 
Paulo, juntamente com Manuel da Nóbrega, e a sua permanência, também 
junto com Nóbrega, como refém dos tamoios em Iperoig. Falece em 1597, na 
cidade de Reritiba, hoje Anchieta, no Espírito Santo.
O gênio de Anchieta o torna, sem dúvida, o escritor mais relevante no 
que tange à literatura jesuítica de seu período. A obra de Anchieta é muito 
vasta e abrange gêneros variados, desde obras líricas, épicas e dramáticas, até 
cartas, sermões, crônicas e até uma Arte de gramática. Além disso, foi redigida 
em quatro idiomas diferentes (português, espanhol, tupi e latim), o que torna 
seu estudo um projeto complexo. A distribuição dos seus textos quanto ao 
idioma é a que segue:
 2 12 em português;
 2 35 em castelhano;
 2 2 em latim (além de dois poemas sobre Mem de Sá e Nossa 
Senhora);
 2 18 em tupi;
 2 6 plurilíngues.
Neste livro introdutório, serão apenas apresentadas, de forma breve e 
panorâmica, algumas das questões mais relevantes da obra anchietana para a 
crítica contemporânea.
Chama a atenção a predominância de obras em espanhol, o que pode ser 
explicado, em parte, pelo fato de ser essa a sua língua materna. No entanto, 
Literatura Brasileira
– 34 –
uma análise um pouco mais atenta dos gêneros que predominam em cada 
idioma nos ajuda a compreender o sistema literário de José de Anchieta.
Em sua língua materna, predominam poemas líricos, sendo que alguns 
também foram escritos em português e uns poucos em latim.
O tupi, por sua vez, predomina de forma absoluta no que diz respeito 
às obras de teatro. Percebe-se, portanto, que o espanhol e o português lhe 
servem para expressão de uma espiritualidade mais subjetiva, resultado de 
uma experiência mística pessoal, ao passo que o tupi é a língua utilizada para 
produzir obras com o intuito explícito de catequese do índio.
Assim sendo, existe uma divisão clara, diria-se mesmo dualista, na obra 
de Anchieta: ao passo que sua lírica possui aspectos literários dotados de 
intensa personalização, manifestando, em versos bem construídos, questões 
relativas tanto à intimidade quanto à tensão entre o eu terreno e a divindade 
cristã, o teatro anchietano possui uma intenção explícita de cristianizar o 
índio por meio de várias estratégias de aculturação, o que o torna didático, 
rígido, estereotipado e autoritário.
No que tange à lírica, Alfredo Bosi (1994, p. 82) sugeriu existirem duas 
linhas de formação poética:
 2 uma voltada à criação de símbolos tomados da vida cotidiana; e
 2 outra mais afeita a uma linguagem místico-efusiva.
No primeiro caso, Anchieta (2008a) utiliza símbolos retirados princi-
palmente do campo semântico da alimentação e das relações de parentesco 
para exprimir o êxtase da ligação com Deus; por exemplo, no poema “Ao 
Santíssimo Sacramento”:
[...] 
enquanto a presença tarda 
do vosso divino rosto 
o saboroso e doce gosto 
deste pão 
 
seja minha refeição. 
[...]
– 35 –
Literatura de informação e literatura jesuítica
No segundo caso, Anchieta (apud MOISÉS, 2000) lança mão de vários 
recursos imagéticos e sensórios, apelando para uma ligação mais direta e efu-
siva com a divindade, com a extrapolação de pulsões afetivas, como nos versos 
de “O Menino Nascido ao Pecador”:
Yo nací porque tu mueras, 
porque vivas moriré, 
porque rías lloraré, 
y espero porque esperes, 
porque ganes perderé. 
É no teatro anchietano, contudo, que se encontram as questões mais 
relevantes e controversas para uma discussão sobre a influência da literatura 
jesuítica sobre a formação da literatura e da identidade brasileira, pois se trata 
de um projeto claramente orientado por uma subjugação cultural. Se, nos 
primeiros relatos de viagem, havia a impressão de que o índio não possuía 
religião, aos poucos os portugueses foram percebendo que existia sim uma 
religiosidade indígena, marcadamente centrada no culto dos mortos. A partir 
desse núcleo, organizavam-se vários rituais comandados pelos pajés, como 
cerimônias de canto e dança em que se praticava o fumo (ou o ato de fumar) 
e as cauinagens (em que se consumia bebida alcoólica), o que levava os parti-
cipantes a uma espécie de transe. Ligado ao culto dos mortos, também estava 
o ritual da antropofagia.
A estratégia de Anchieta foi utilizar as peças teatrais – de influência 
medieval, principalmente os autos de Gil Vicente – como meio de cristianizar 
e suplantar a religiosidade original. Suas principais estratégias foram:
 2 inserir a teologia cristã a partir do imaginário indígena;
 2 demonizar os heróis indígenas;
 2 demonizar e animalizar os costumes nativos.
O teatro de José de Anchieta ataca e demoniza não apenas os heróis, 
mas também os rituais indígenas. Imbuído de uma visão de mundo absolu-
tamente maniqueísta, em suas peças Anchieta divide o mundo entre o bem 
e o mal, sendo que o primeiro está figurativizado por todas as personagens 
cristãs e europeias, ao passo que o segundo é construído a partir do imagi-
nário religioso do indígena. Por exemplo, no Auto de São Lourenço o mal 
Literatura Brasileira
– 36 –
é representado pela personagem principal, o herói tamoio Guaixará, que 
havia atacado os portugueses duas vezes, e pelo chefe indígena Aimbiré. São 
Sebastião e São Lourenço, por outro lado, são os representantes do bem. 
Note, na passagem a seguir, como o ritual da cauinagem, da maneira como é 
exaltado por Guaixirá, acaba ridicularizado e representado como uma bebe-
ragem imoral, o que deprecia seu teor religioso original:
Boa medida é beber 
cauim até vomitar. 
Isto é jeito de gozar 
a vida, e se recomenda 
a quem queira aproveitar. 
A moçada beberrona 
trago bem conceituada. 
Valente é quem se embriaga 
e todo o cauim entorna, 
e à luta então se consagra (ANCHIETA, 2008b). 
Pode-se concluir que o teatro jesuítico dos séculos XVI e XVII, prin-
cipalmente sob a pena de Anchieta, serviu como o suporte de uma política 
colonizadora que reduz o outro a si mesmo e, paralelamente, cria um dua-
lismo de códigos. Como afirmou Alfredo Bosi, o caso de Anchieta é exemplar 
porque revela a postura do colonizador de construir um código válido para 
si mesmo e seus pares, de um lado, e outro código, válido para o povo, de 
outro: “Lá o símbolo e a efusão da subjetividade; aqui, o didatismo alegórico 
rígido, autoritário. Lá a mística da devotio moderna; aqui a moral do terror das 
missões” (BOSI, 1994, p. 93).
Ampliando seus conhecimentos
Reatando os fios
(BOSI, 2005, p. 92-93)
O missionário que se volta para o índio, prega-lhe em tupi e 
compõe autos devotos (e, por vezes, circenses) com o fim de 
convertê-lo, é um difusor do salvacionismo ibérico para quem 
– 37 –
Literatura de informação e literatura jesuítica
a vida do selvagem estava imersa na barbárie e as suas práticas 
se inspiravam diretamente no demônio.
As cerimônias indígenas resumiam-se, em última instância, ao 
fenômeno da tentação vitoriosa. O mal se abatia, como uma 
cobra, sobre os participantes dos cantos, das danças, da caui-
nagem, do rito antropofágico. O fora dominando o dentro, a 
pura exterioridade, a mais brutal reificação: essa a imagem que 
os jesuítas conceberam e nos legaram das festas tupis. Não 
admira, portanto, que as mensagens fundadoras e originais 
do cristianismo, como a igualdade de todos os homens e o 
mandamento do amor universal, tenham sofrido, no processo 
de catequese, um alto grau de entropia. A pedagogia da con-
versão apagava os traços progressistas virtuais do Evangelho 
fazendo-os regredir a um substituto para a magia dos tupis. 
No entanto, a poesia do Anchieta que escreve líricas sacras 
já
estava entrando em outro tempo histórico e psicológico, o 
tempo da pessoa que escolhe aceitar ou recusar o amor de um 
Deus pessoal e entranhadamente humano.
Estamos tão resignados a pensar com “realismo” (se assim 
foi, é porque não poderia deixar de ter sido), que não nos 
perguntamos se, na verdade, o que aconteceu não terá sig-
nificado uma franca regressão da consciência culta europeia 
absorvida pela práxis da conquista e da colonização. Como 
nas cruzadas e nas guerras santas, a religião e a moral cole-
tiva degradam-se rápida e violentamente a pura ferramenta do 
poder; e o que se ganha em eficiência tática perde-se em 
qualidade no processo de humanização.
O caso de Anchieta parece exemplar porque se trata do 
nosso primeiro intelectual militante. O fato de ter vivido inspi-
rado pela sua inegável boa-fé de apóstolo apenas torna mais 
dramática a constatação desta quase-fatalidade que divide o 
letrado colonizador em código para uso próprio (ou de seus 
pares) e um código para uso dos povos. Lá o símbolo e a 
efusão da subjetividade; aqui, o didatismo alegórico rígido, 
Literatura Brasileira
– 38 –
autoritário. Lá a mística da devotio moderna; aqui, a moral do 
terror das missões. E depois virá o Iluminismo que se combi-
nará com a ditadura recolonizadora; e o liberalismo que se 
casará com a escravidão...
Anchieta fala não só várias línguas, mas linguagens distintas con-
forme o seu auditório. O universalismo cristão, peculiar à men-
sagem evangélica dos primeiros séculos, precisa de condições 
históricas especiais para manter sua coerência e pureza. No pro-
cesso de transplante cultural a aliança do cristianismo com estra-
tos sociais e políticos dominantes é letal para sua integridade.
A cisão, que este ensaio aponta, entre um teatro de catequese 
como exterioridade e uma lírica do sentimento religioso, talvez 
sirva de estímulo para repensar os contrastes internos do inte-
lectual “que vive em colônias”.
 
Atividades
1. Entre as alternativas a seguir, assinale quais são verdadeiras (V) e quais 
são falsas (F).
( ) Os escritos de Jean de Léry sobre o índio brasileiro demonstram 
uma grande aversão por parte desse autor em relação ao nativo, 
o que se deve provavelmente à sua ideologia calvinista.
( ) Na Carta de Pero Vaz de Caminha, já há indícios de que o índio 
pratica rituais antropofágicos.
( ) Um dos principais objetivos dos jesuítas que acompanharam 
Tomé de Souza ao Brasil era a conversão do nativo ao cristianismo.
( ) Entre os vários autores do período da Colonização, destaca-se, 
pela importância, a obra de José de Anchieta.
2. Relacione a primeira coluna com a segunda.
a. Léry.
b. Anchieta.
c. Gândavo.
d. Vespúcio.
e. Caminha.
– 39 –
Literatura de informação e literatura jesuítica
( ) Foi um dos primeiros autores a destacar a prática da antropofa-
gia entre os índios.
( ) É o primeiro autor a afirmar que os nativos não possuíam nem 
fé, nem lei, nem rei.
( ) É responsável pela escrita do primeiro documento a respeito 
do Brasil.
( ) Representa o índio de forma humanizada.
( ) Possui uma vasta obra dramática destinada à catequização 
do nativo.
3. Explique as principais estratégias discursivas que Anchieta utilizou 
em sua obra dramática para convencer o nativo a abandonar sua cul-
tura e aceitar a religião cristã.
O Barroco e a 
Literatura Brasileira
3
3.1 Barroco no Brasil: 
questões preliminares
Quando se fala na influência da estética barroca sobre a 
cultura brasileira, não é demasiado repetir que, nos séculos XVI e 
XVII, especificamente, esse sistema estético e ideológico não chegou 
realmente a motivar o surgimento de uma escola barroca brasileira, 
de forma geral, e muito menos o surgimento de uma escola brasi-
leira de literatura barroca, de forma específica. Isso porque:
[...] praticamente não houve tipografia entre nós ao 
longo dos séculos coloniais, ipso faco, não se publicaram 
livros no Brasil nesse lapso de tempo. Nem jornais: o pri-
meiro periódico, a Gazeta do Rio de Janeiro, apareceu a 
10 de setembro de 1808, por consequência da Impressão 
Régia. E como os livros que pudessem vir da Metrópole 
eram submetidos à censura e se destinavam precipuamente 
ao ensino religioso, segue-se que de um modo geral, afora 
uns quatro compêndios escolares de Latim e de Lógica, 
Literatura Brasileira
– 42 –
catecismos e vidas de santos, uns raros romances inocentes de cavala-
ria e um outro ripanço de leis, não havia o que ler na Colônia. Mesmo 
a circulação manuscrita, supletiva do inexistente comércio livresco, 
tornava-a inexequível a carestia do papel (MOISÉS, 2000, p. 75).
No Brasil colonial, portanto, os meios de comunicação eram escassos 
e precários, sendo que os poucos existentes estavam concentrados nas mãos 
das ordens religiosas, o que fez com que o obscurantismo que grassava já em 
Portugal pela resistência em absorver os ideais da Renascença predominasse 
de modo ainda mais intenso entre nós. Por essa razão, não é adequado pensar 
na literatura barroca brasileira como se efetivamente houvesse difundido no 
Brasil um espírito barroco já nos séculos XVI e XVII. Talvez se possa falar de 
um embrião desse estilo ou dessa ideologia, que lograria se impor – sobretudo 
na arquitetura e nas artes plásticas – apenas no século XVIII, quando a litera-
tura já havia abandonado os excessos da estética barroca.
Por outro lado, devem ser destacadas três dimensões importantes sobre 
o Barroco brasileiro.
Em primeiro lugar, se o espírito barroco não se impôs na colônia como 
uma visão de mundo generalizada, na medida em que iam a Portugal para lá 
viverem um tempo ou apenas para estudarem, alguns brasileiros ou mesmo 
portugueses aqui radicados, acabavam se impregnando desse novo ideário. 
Foi o caso evidente de Gregório de Matos, cuja família era abastada e, por isso 
mesmo, enviou-o, com 16 anos de idade, para estudar em Coimbra, sendo 
que o poeta retornou ao Brasil apenas aos 46 anos de idade: sua formação 
barroca certamente se deve à sua estadia em Portugal.
Outra dimensão do barroco brasileiro está indissociavelmente ligada à 
influência jesuítica entre nós, pois, apesar de não se tratar de um estilo religioso 
em primeira instância, o fato é que a ordem de Inácio de Loyola acabou incor-
porando a estética barroca – em muitos casos, contribuindo com seu estilo e 
mesmo ampliando suas temáticas – como uma estratégia para combater os vários 
movimentos de reforma religiosa que se alastravam a passos largos pela Europa. 
No entanto, da forma como geralmente se manifesta no contexto jesuítico, o 
Barroco adquire algumas singularidades que devem ser tratadas em específico.
Por fim, não se deve esquecer que, apesar de o Barroco não ter sido um sistema 
ideológico e estético generalizado no Brasil dos séculos XVI e XVII, sua influência 
– 43 –
O Barroco e a Literatura Brasileira
para a formação da identidade brasileira não deve ser subestimada, notadamente 
pela importância de autores como o padre Antônio Vieira e, sobretudo, Gregório 
de Matos, que acabaram influenciando movimentos literários posteriores, o que 
levou o crítico Afrânio Coutinho, por exemplo, a afirmar que “a civilização desen-
volvida no Brasil colônia é uma civilização barroca, e [...] o Barroco ficou sempre 
congenial ao espírito brasileiro” (COUTINHO, 2004a, p. 34).
3.2 Cultismo e conceitismo no Brasil?
Massaud Moisés (2000, p. 72) nos fornece uma relação dos principais 
autores do período barroco no Brasil a partir de um critério cronológico, que 
pode ser útil, à guisa de introdução, para chegar a uma visão panorâmica:
 2 nos 50 anos iniciais do século XVII, Pernambuco é o centro, sendo 
que o principal autor, frequentemente considerado o primeiro 
autor barroco no Brasil, é Bento Teixeira, com sua Prosopopeia;
 2 a segunda metade do século XVII caracteriza-se como o apogeu 
do Barroco na Bahia, tendo como principais autores Gregório de 
Matos Guerra e o padre Vieira;
 2 o final do
século XVII e o século XVIII caracterizam-se como o 
declínio e o final do Barroco na literatura brasileira, cujo marco 
geralmente é reconhecido a partir das Obras (1768), de Cláudio 
Manuel da Costa.
No conjunto das obras produzidas no Brasil durante esse período, des-
tacam-se apenas dois autores por uma certa qualidade literária e pela impor-
tância ideológica e estética que angariaram ao longo da história de nossa 
literatura: o baiano Gregório de Matos e o português Antônio Vieira, que 
aqui passou a maior parte sua vida. Muitos críticos e historiadores da lite-
ratura brasileira costumam afirmar que esses dois autores representam duas 
faces dicotômicas do Barroco, especialmente do Barroco Espanhol, e chegam 
a explicar tal fenômeno pelo fato histórico de Portugal ter sido anexado à 
Espanha entre 1580 e 1640, permanecendo, durante 60 anos, sob o domínio 
político de Felipe II e seus sucessores, o que teve consequências no âmbito 
cultural e literário de Portugal e de suas colônias.
Literatura Brasileira
– 44 –
Afrânio Coutinho (2004a, p. 34) acredita que justamente por causa 
desse fato político o Barroco não se impôs em Portugal, pois teria anga-
riado uma certa aura de “ideologia do opressor”, ao passo que, no Brasil, 
teria se imposto pelo motivo inverso. A despeito desse tipo de especulação, 
certos críticos afirmam que Gregório de Matos e o padre Vieira seriam os 
nossos representantes do Cultismo e do Conceitismo, respectivamente. 
Nessa visão, Gregório de Matos estaria mais para o maneirismo acentuado 
de Gôngora (cuja escola ficou conhecida como cultismo ou culteranismo), 
enquanto Antônio Vieira representaria o estilo de Quevedo, que ficou 
conhecido como conceptismo.
É comum afirmar que o estilo de Gôngora é mais marcado pelo precio-
sismo exagerado advindo de um uso extensivo de figuras retóricas e poéticas, 
especialmente metáforas sensoriais, figuras de oposição e de sintaxe, e o estilo 
de Quevedo, por sua vez estaria mais marcado pela retórica escolástica, o que 
explicaria sua predileção por figuras de raciocínio lógico, como silogismos.
Note como nos últimos versos do soneto “La dulce boca que a gustar 
convida”, Gôngora (2008) utiliza as metáforas visuais – “manzanas” (maçãs) 
e “rosas” – para expressar o amor como algo paradoxal: perfumado e vene-
noso ao mesmo tempo. Além do forte apelo sensorial (visual, olfativo e gusta-
tivo), o poema apresenta jogos de inversão sintática – por exemplo, no último 
verso, cuja ordem direta seria “Y solo el veneno queda del amor” (E só o veneno 
do amor permanece).
Manzanas son de Tántalo, y no rosas, 
Que después huyen del que incitan ahora, 
Y sólo del Amor queda el veneno.
Por outro lado, já o primeiro verso do poema“¡Ah de la vida!” ... Nadie 
me responde?, de Quevedo, em vez de privilegiar imagens visuais sensórias, 
apresenta um raciocínio lógico destinado a criar uma espécie de paradoxo: 
“Represéntase la brevedad de lo que se vive y cuán nada parece lo que se vivió” 
(Representa-se a brevidade do que se vive, quando nada parece com aquilo 
que se viveu). Em vez de metáforas ou alegorias, há dois enunciados em opo-
sição lógica: no primeiro, uma asserção; no segundo, outra asserção, que se 
– 45 –
O Barroco e a Literatura Brasileira
opõe à primeira. Assim, o paradoxo não surge de imagens, mas da oposição 
entre o conteúdo lógico dos enunciados.
As aproximações entre Gregório e Gôngora, assim como entre Vieira e 
Quevedo, são justificáveis. No entanto, classificar o primeiro como cultista e o 
segundo como conceptista pode conduzir a simplificações exageradas. No caso 
de Gregório, já se demonstrou que seus poemas são tributários de influências 
tanto de Gôngora quanto de Quevedo (COUTINHO, 2004a, p. 122).
No caso de Vieira, por sua vez, muito de sua tendência para um raciocí-
nio mais lógico e menos afetado se deve ao próprio gênero que predomina em 
sua produção: o sermão, um discurso retórico por excelência. E, mesmo assim, 
também em seu discurso há um uso extensivo de imagens sensórias, analogias 
(a maior parte delas provindas de textos bíblicos e biografias de santos) e outras 
figuras de retórica, inclusive antíteses, embora seu uso excessivo tenha sido 
condenado pelo próprio autor em seu famoso “Sermão da Sexagésima”.
Em poucos termos, se é possível elencar elementos cultistas e conceptis-
tas nas obras de Gregório de Matos e do padre Antônio Vieira, classificá-los 
a partir desses dois movimentos ibéricos pode conduzir ao risco da simplifi-
cação excessiva e da consequente negligência quanto a aspectos específicos 
estilística e ideologicamente importantes nesses dois autores.
3.2.1 Gregório de Matos
Gregório de Matos Guerra nasceu em 1633, na Bahia. Sua família era 
rica e tinha fortes laços com Portugal. Por isso mesmo, Gregório de Matos foi 
enviado ainda muito jovem para estudar direito na Universidade de Coimbra. 
Enquanto menino, contudo, estudara no colégio jesuítico baiano. Em 1663, 
tornou-se juiz e foi trabalhar em um pequeno lugarejo no interior de Portugal, 
sendo que, logo em seguida, foi nomeado para trabalhar em Lisboa, onde se 
casou com a filha de um magistrado. Em 1678, enviuvou. Quando tinha 46 
anos, retornou ao Brasil como clérigo, mas dois anos depois foi destituído 
pela Igreja em decorrência de seu estilo de vida, considerado “pouco cris-
tão”. Em 1680, casou-se com Maria de Póvoas. Logo em seguida, por causa 
de seu comportamento irreverente e sobretudo por suas sátiras contra auto-
ridades e outros membros da sociedade bahiana, foi denunciado ao tribu-
nal da Inquisição (que foi criado pela Igreja Católica para investigar e julgar 
Literatura Brasileira
– 46 –
sumariamente pretensos hereges e feiticeiros, acusados de crimes contra a fé 
católica), sendo absolvido por conta da influência de sua família. No entanto, 
como não parou de escrever sátiras e poemas sempre mais ferinos, irreverentes 
e, muitos deles, obscenos, em 1694 sofreu um desterro para Angola. Foi-lhe 
permitido voltar ao Brasil um ano depois, desde que fosse morar no Recife. 
Lá faleceu, em 1695, vítima de uma malária contraída na África.
O primeiro e principal problema em relação à literatura de Gregório 
de Matos diz respeito à edição de seus poemas. Como inexistia imprensa no 
Brasil daquela época, a maior parte de sua produção foi realizada em manus-
critos, vários dos quais estão perdidos irremediavelmente. Além disso, por 
circularem de forma pouco organizada e visto não ter sido realizada uma 
coletânea confiável na sua época, não é possível ter certeza de que todos os 
poemas que hoje possuímos com a rubrica de Gregório de Matos realmente 
são de sua autoria.
Outra questão preliminar relevante é o fato de que alguns de seus poe-
mas são praticamente idênticos a poemas de Gôngora, o que levou alguns 
críticos literários não só a depreciarem a obra de Gregório como também a 
considerá-lo um poeta menor, incapaz de produzir criativamente. Apesar de 
continuar gerando controvérsias, esse assunto foi tratado com muito cuidado 
por Afrânio Coutinho, que foi capaz de demonstrar, de forma convincente, 
que a imitação era a norma estética daquele período, sendo praticada por 
todos os grandes autores – não apenas do Barroco, mas de todos os perío-
dos literários anteriores ao Romantismo. É apenas a partir do Romantismo 
que a criatividade individual do artista passa a adquirir importância central 
como critério de avaliação estética: “Naquele tempo era motivo de superiori-
dade e não de inferioridade artística [...] um escritor mostrar que imitava um 
modelo da Antiguidade” (COUTINHO, 2004a, p. 10).
A poesia de Gregório de Matos é de capital importância para compreen-
der a formação da identidade cultural e literária brasileira, pois certamente ele 
foi o primeiro escritor a realizar uma “manifestação eloquente da mestiçagem 
cultural que se implantou no Brasil” (COUTINHO, 2004a, p. 31). Nesse 
sentido, estudar a obra de Gregório é fundamental para compreender vários

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