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Execucao Penal e Criminologia 2021

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Prévia do material em texto

Av. Paulista, 901, 3º andar Bela Vista – São Paulo – SP – CEP: 01311-100
 
SAC sac.sets@saraivaeducacao.com.br
 
Direção executiva Flávia Alves Bravin
Direção editorial Renata Pascual Müller
Gerência de projetos e produção editorial Fernando Penteado
Planejamento Josiane de Araujo Rodrigues
Novos projetos Sérgio Lopes de Carvalho
Dalila Costa de Oliveira
Edição Isabella Sánchez de Souza (coord.)
Liana Ganiko Brito
Produção editorial Daniele Debora de Souza (coord.)
Daniela Nogueira Secondo
Rosana Peroni Fazolari
Arte e digital Mônica Landi (coord.)
Camilla Felix Cianelli Chaves
Claudirene de Moura Santos Silva
Deborah Mattos
Guilherme H. M. Salvador
Tiago Dela Rosa
Projetos e serviços editoriais Daniela Maria Chaves Carvalho
Kelli Priscila Pinto
Laura Paraíso Buldrini Filogônio
Marília Cordeiro
Nicoly Wasconcelos Razuk
Diagramação Know-How Editorial
Revisão Know-How Editorial
Capa Tiago Dela Rosa
Produção do E-pub Guilherme Henrique Martins Salvador
ISBN 9786555598476
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
ANGÉLICA ILACQUA CRB-8/7057
M217e Maia, Erick de Figueiredo
Execução penal e criminologia / Erick de Figueiredo Maia ; coordenado por Marcos
Vinícius Manso Lopes Gomes. - São Paulo : Saraiva Educação, 2021. (Defensoria pública –
ponto a ponto).
e-book 1. Direito. 2. Direito penal. 3. Execução penal. 4. Criminologia.
I. Gomes, Marcos Vinícius Manso Lopes. II. Título.
III. Série.
 
2021-919
CDD 345
CDU 343
Índices para catálogo sistemático:
1. Direito penal 345 
2. Direito penal 343
 
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia
autorização da Saraiva Educação. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n.
9.610/98 e punido pelo art. 184 do Código Penal.
Data de fechamento da edição: 30-3-2021
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS
NOTA DO COORDENADOR (COLEÇÃO DEFENSORIA
PÚBLICA – PONTO A PONTO)
PREFÁCIO DA COLEÇÃO
APRESENTAÇÃO
Parte I - EXECUÇÃO PENAL
1. SÃO PAULO Execução penal: evolução histórica, crise
e alternativas
Evolução histórica
Crise e alternativas
Crise
Alternativas
2. RIO DE JANEIRO Princípios do direito de execução
penal. Objetivos da execução penal. Sistemas de execução
penal. Natureza da execução penal. Fontes positivas do
direito de execução penal. Maranhão Princípios
constitucionais que regem a execução penal. Objeto e
aplicação da Lei de Execução Penal. São Paulo Lei de
Execução Penal (Lei n. 7.210/84)
Natureza da execução penal e sistemas de
execução penal
Fontes positivas do direito de execução penal
Princípios do direito de execução penal
Princípio da humanidade
Princípio da legalidade
Princípio da não marginalização (ou
não discriminação)
Princípio da individualização da pena
Princípio da intervenção mínima (ou da
menor onerosidade)
Princípio da culpabilidade
Princípio da lesividade
Princípio da transcendência mínima
Princípio do estado de inocência
Princípio da proporcionalidade
Princípio da celeridade (ou razoável
duração) do processo de execução
penal
Princípio do numerus clausus (número
fechado)
Do objeto e da aplicação da Lei de Execução
Penal. Objetivos da execução penal
3. XXVII RIO DE JANEIRO Destinatários da Lei de
Execução Penal. O condenado e o internado. Classificação.
Preso estrangeiro. Exame criminológico. VI MARANHÃO
Do exame de classificação e criminológico
4. XXVI Rio de Janeiro Deveres, direitos e disciplina.
Sistema disciplinar. Trabalho do preso. Assistência.
Anistia, graça, indulto e comutação de pena. VI
MARANHÃO Direitos e deveres dos presos. Trabalho
penitenciário. Faltas disciplinares. Sanções e recompensas.
Aplicação das sanções. Procedimento disciplinar. Decretos
Presidenciais que preveem indulto e comutação das penas.
Monitoração eletrônica. VIII SÃO PAULO Indulto e
comutação (Decreto n. 8.380/14)
Da assistência e dos direitos
Anistia, graça, indulto e comutação de pena
Anistia
Graça, indulto, comutação
Dos deveres e da disciplina. Sistema disciplinar.
Trabalho do preso
Dos deveres
Da disciplina
Do sistema disciplinar (faltas graves)
Incitar ou participar de
movimento para subverter a
ordem ou a disciplina
Fugir
Possuir, indevidamente,
instrumento capaz de ofender a
integridade física de outrem
Provocar acidente de trabalho
Descumprir, no regime aberto,
as condições impostas
Inobservar os deveres
previstos nos incisos II e V do
art. 39 da LEP
Tiver em sua posse, utilizar ou
fornecer aparelho telefônico,
de rádio ou similar, que
permita a comunicação com
outros presos ou com o
ambiente externo
Prática de fato previsto como
crime doloso
Da aplicação das sanções e do
procedimento disciplinar
Jurisprudência em Teses do STJ
Regime disciplinar diferenciado
Monitoração eletrônica
5. XXVI RIO DE JANEIRO Execução da pena privativa
de liberdade. Execução da medida de segurança. Lei n.
10.216/01. Execução da pena de multa. Execução da pena
restritiva de direitos. Suspensão condicional da pena. VIII
SÃO PAULO Direito penal e saúde mental. Medidas de
segurança: evolução histórica, conceito, espécies,
execução. Lei n. 10.216/01. Reforma psiquiátrica. A
antipsiquiatria. VI MARANHÃO Execução das penas.
Penas privativas de liberdade. Penas restritivas de direito.
“Sursis”. Multa. Conversões das penas privativas de
liberdade. Medida de segurança. Regimes e aplicação do
art. 111. Autorizações de saída. Remição. Livramento
condicional
Execução da pena privativa de liberdade
Guia de recolhimento
Regimes prisionais
Estabelecimentos penais
Progressão e regressão de regime
Progressão
Regressão de regime
Soma e unificação de penas
Remição
Autorizações de saída (permissão de
saída e saída temporária)
Da permissão de saída
Da saída temporária
Detração
Livramento condicional
Requisitos
Condições impostas ao
apenado
Suspensão
Revogação
Execução da pena restritiva de direitos
Execução da medida de segurança. Direito penal
e saúde mental. Medidas de segurança: evolução
histórica, conceito, espécies, execução. Lei n.
10.216/2001. Reforma psiquiátrica. A
antipsiquiatria
Execução da pena de multa
Suspensão condicional da pena
6. XXVI Rio de Janeiro Procedimento judicial. Recursos.
Ações autônomas de impugnação. Tutela coletiva na
execução penal. Incidentes. Excesso e desvio de execução.
Conversões. Reabilitação. Lei n. 11.671/08 e Decreto n.
6.877/09 (Transferência de presos para estabelecimentos
penais federais). VI Maranhão Agravo em execução.
Habeas corpus. Excesso e desvio da execução penal
Das conversões
Conversão positiva
Conversão negativa
Conversão da pena privativa de
liberdade em medida de segurança
Conversão do tratamento ambulatorial
em medida de internação
Excesso ou desvio
Procedimento judicial e recursos
Ações autônomas de impugnação. Tutela
coletiva na execução penal
“Habeas corpus”
Mandado de segurança
Tutela coletiva
Reabilitação
Lei n. 11.671/2008 e Decreto n. 6.877/2009
(transferência de presos para estabelecimentos
penais federais)
7. XXVI RIO DE JANEIRO Órgãos da execução penal. A
Defensoria Pública e a Lei n. 12.313/10. Estabelecimentos
penais. VI MARANHÃO Órgãos da execução penal. Do
juízo da execução penal. Defensoria Pública. Ministério
Público. Conselho penitenciário
Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária
Juízo da execução
Ministério Público
Conselho Penitenciário
Departamentos Penitenciários
Patronato
Conselho da Comunidade
Defensoria Pública
PARTE II - CRIMINOLOGIA
1. XXVI Rio de Janeiro Conceito, objeto e método da
criminologia. Interdisciplinaridade. VI Maranhão A ciência
conjunta do direito penal: dogmática penal, política
criminal e criminologia. VIII São Paulo Vitimologia
2. XXVI Rio de Janeiro Escola Clássica e Escola Positiva.
Escola de Chicago e Teoria da Anomia. Teorias da
associação diferencial e subculturas delinquentes. Teoria
do etiquetamento. Criminologia Crítica. Pensamento
criminológico contemporâneo. Criminologia feminista.
Criminologia cultural. Criminologia Queer, Criminologia
verde. Política criminal atuarial.VI Maranhão As escolas
criminológicas. VIII São Paulo As escolas criminológicas.
Modernas tendências do pensamento criminológico e de
política criminal
Vertentes da criminologia: microssociologia e
macrossociologia (teorias do consenso x teorias
do conflito)
Escola Clássica
Escola Positiva
Fase antropológica ou antropobiológica
(Lombroso)
Fase sociológica (Ferri)
Fase jurídica (Garofalo)
Expoente do positivismo no Brasil:
Raimundo Nina Rodrigues
Escola de Chicago (teoria ecológica)
Teoria da anomia (estrutura social funcionalista)
Teoria da associação diferencial
Teoria das subculturas delinquentes
Teoria do etiquetamento
Criminologia crítica (nova criminologia,
criminologia radical)
Criminologia feminista
Criminologia queer
Criminologia verde
Política criminal atuarial
Criminologia cultural
Realismo marginal. Realismo de esquerda
Realismo marginal
Neorrealismo de esquerda
REFERÊNCIAS
 
 
AGRADECIMENTOS
Dedico este livro à minha filha, Maria Flor, minha maior incentivadora,
uma pessoa que me ensina muito por meio de sua sensibilidade e amor. Que
o fruto deste trabalho possa compensar, ao menos um pouco, os momentos
que deixamos de compartilhar.
Aos meus pais, Ekner e Márcia, e ao meu irmão, Lucas, por todo o
suporte, pelo amor incondicional e, sobretudo, pelos valores transmitidos.
Vocês são a minha base. Não seria ninguém sem vocês.
À Roberta, pelo companheirismo. Minha vida é bem mais feliz desde que
você chegou.
Ao meu amigo Marcos Gomes, por ter confiado a mim este importante
projeto.
Por fim, a todos os que são afetados, direta ou indiretamente, por um
sistema de justiça falho e cruel. Saibam que têm em mim um companheiro
de luta.
NOTA DO COORDENADOR (COLEÇÃO
DEFENSORIA PÚBLICA – PONTO A PONTO)
Esta coleção é inovadora! Um magnífico avanço em matéria de
concursos públicos, principalmente para o concurso da Defensoria Pública.
Sem dúvida, estaremos diante de obras que se tornarão livros de cabeceira
de qualquer concurseiro dessa nobilíssima carreira.
O objetivo da Coleção Defensoria Pública Ponto a Ponto é facilitar e
sistematizar os estudos dos candidatos que se dedicam ao concurso da
Defensoria Pública. Para abordar cada matéria, foram selecionados pontos
de editais referentes a um ou mais estados, os quais, muitas vezes, servem
de base para a elaboração de outros editais.
Assim, separaram-se os editais por matérias. Após, busca-se abordá-las,
ponto a ponto, ajudando o candidato a encontrar o conteúdo de cada tópico
do edital, bem como a bibliografia para cada assunto.
Sem medo de errar, a organização e a otimização do tempo de estudo é
surpreendente! Nesse sentido, em cada tópico se destaca, objetivamente,
aquilo que se considera importante em determinado ponto do edital, sem ter
a pretensão de esgotar o assunto, o que seria de todo modo impossível!
A coleção é escrita por ex-concurseiros aprovados, todos Defensores
Públicos, muitos deles com anos de experiência! Por isso, de forma
pragmática, demonstram-se conceitos básicos, questões controvertidas, o
entendimento de doutrinadores, bem como a posição de diversos Tribunais,
inclusive do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
Ao longo do texto, procuramos demonstrar situações concretas de provas,
relacionando-as com os assuntos abordados em cada ponto do edital.
Assim, o candidato pode vislumbrar como, de fato, são abordados
determinados assuntos em prova. Seja nas provas objetivas ou nas provas
dissertativas e orais, o candidato economiza tempo e otimiza o
conhecimento, pois todo o conteúdo é elaborado em formato de dissertação.
Nesta coleção o nosso escopo não é esgotar a matéria dos pontos, até
porque seria uma intenção utópica, diante do vasto conteúdo jurídico
suscitado pelos temas. O que se pretende é elaborar diretrizes para as
respostas, considerando que os examinadores, inclusive, podem ter visões e
posições diferentes das expostas pelos autores. Por isso, temos o cuidado de
alertar o leitor para o fato de que estamos diante de diretrizes jurídicas, de
acordo com o entendimento de cada autor.
Até mesmo as DICAS DOS AUTORES , presentes em alguns volumes,
têm o objetivo de oferecer uma sugestão/diretriz para a resposta. Busca-se
aproximar o concurseiro da realidade das provas e eventuais correções.
Entrementes, conforme alertado há pouco, não necessariamente o
posicionamento sugerido pelo autor poderá ser aquele adotado pelo
examinador.
Procuramos direcionar o concurseiro para a prova, com temas
específicos da carreira e do cotidiano do Defensor Público. Esperamos que,
a partir da presente leitura, o estudioso passe a ter conhecimento sobre o
detalhe que faltava para a aprovação.
Agora, é momento de chegar à prova com segurança e conhecimento
sobre os pontos do edital. Bons estudos!
Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes
(Coordenador) E-mail:
marcosdefensoriagomes@hotmail.com
Instagram: @marcoslopesgomes Telegram:
t.me/marcoslopesgomes
PREFÁCIO DA COLEÇÃO
Honrou-me o nobre Defensor Público Dr. Marcos Vinícius Manso Lopes
Gomes, integrante da colenda Defensoria Pública do Estado de São Paulo,
com o amável convite para prefaciar a Coleção Defensoria Pública –
Ponto a Ponto, trabalho de índole coletiva submetido ao encargo de sua
preclara coordenação.
A publicação em epígrafe, de inestimável valor científico, reúne trabalhos
de apreciável conteúdo, subscritos por especialistas em cada um dos temas
propostos, o que lhe empresta autoridade e foros de excelência.
O objetivo a ser atingido pela Coleção sob comento, consoante enunciado
alhures pela sua ilustrada coordenação, é o de facilitar, sobremaneira, a
sistematização dos estudos por parte daqueles que se preparam para
certames da Defensoria Pública.
Exitosos em concursos públicos, a participação dos autores está crismada,
o que se mostra evidente, com o timbre prestigioso de experiência bem-
sucedida.
A obra é erudita, sendo o assunto de importância transcendental na
tessitura do Estado de opção democrática – Assistência Jurídica, Defensoria
Pública e Justiça Gratuita.
Os textos articulados, ainda que de forma acadêmica, são de fácil
entendimento e compreensão.
A linguagem é clara, fluente e encadeada no seu desenvolvimento.
A dinâmica expositiva está acompanhada de parte prática, o que agrega
valor incomum ao trabalho.
O exame das controvérsias de variados matizes, nelas incluídas as de
cunho doutrinário e jurisprudencial, não fluiu ao largo das preocupações
dos autores.
Estou convencido, por tudo que foi estadeado, de que a Coleção em
referência constituirá marco importante de êxito editorial.
A produção nasce, induvidosamente, sob os signos da utilidade e do
sucesso.
O tempo em sua inquietude revelará esta premonição.
Niterói-RJ, julho de 2015.
Humberto Peña de Moraes1
APRESENTAÇÃO
Esta obra pretende analisar os pontos exigidos em execução penal e
criminologia nos últimos editais dos concursos para as Defensorias Públicas
dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Maranhão. Os dois primeiros
foram escolhidos por terem provas historicamente com abordagem mais
crítica nessas matérias, enquanto o terceiro foi o último concurso elaborado
pela Fundação Carlos Chagas, responsável pela organização de diversas
provas de Defensoria.
Sem o desejo utópico de tentar esgotar toda a matéria, nosso objetivo
principal foi subsidiar com conteúdo sistematizado os estudantes que
almejam a tão sonhada carreira de Defensora ou Defensor Público. Para
isso, sempre que possível, buscamos trazer os principais enunciados
normativos da Constituição, de lei, dos diplomas internacionais e dos
diplomas infralegais. Preocupamo-nos também em colacionar os
posicionamentos dos Tribunais, os entendimentos e teses institucionais das
Defensorias, bem como nos amparar na melhor doutrina sobre o tema, para
enfrentar as principais controvérsias.
O desafio foi conciliar uma abordagem objetiva, que facilite o estudo dos
concursandos, com uma abordagem crítica, exigida na maioria dos
concursos defensoriais. Ao longo do livro,trouxemos ainda questões de
provas anteriores, para ilustrar a forma como os temas são cobrados. E,
nesse ponto, importante alertar que – cada vez mais – as bancas
examinadoras têm exigido um conteúdo interdisciplinar, que envolve, além
da própria execução penal e da criminologia, disciplinas como direitos
humanos, direito constitucional, sociologia, filosofia, entre outros.
Por fim, apesar de nosso público-alvo ser quem se prepara para os
certames das Defensorias, por tentarmos expor os principais
posicionamentos (contrários ou favoráveis), esta obra pode ser útil também
para quem atua na área criminal e para concursandos das demais carreiras
jurídicas.
Esperamos, humildemente e de coração, ajudar na aprovação de futuros
colegas e operadores do direito, para que construamos – juntos – um
sistema de justiça mais humano.
Boa leitura!
PARTE I
EXECUÇÃO PENAL
1. SÃO PAULO Execução penal: evolução histórica, crise e
alternativas
EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Este tópico mantém íntima relação com a história e com a criminologia.
Serão destacados os principais eventos históricos na evolução da execução
penal na tradição ocidental. Depois, com base em uma visão crítica
criminológica, faremos uma análise da crise e das possíveis alternativas ao
atual sistema penal.
Esse ponto costuma ser cobrado nas provas orais dos concursos para
Defensoria, quando – mais do que uma resposta exata – os examinadores
avaliam o raciocínio jurídico e a capacidade de problematização da
candidata ou candidato.
Como ensina Luís Carlos Valois, falar da história da punição sempre será
importante porque traz a ideia de que a pena que temos hoje é resultado de
um processo cultural e não um item dogmático que pode ser traçado em
esquemas precisos e intocáveis2.
Essa observação é relevante, pois, na maior parte do mundo, é tido como
evidente que uma pessoa condenada por um crime seja mandada para a
prisão. A prisão é encarada como um aspecto inevitável e permanente de
nossa vida social. É como se ela fosse um fato inevitável da vida, como o
nascimento e a morte3. Mas não é. E estudar a própria história das penas nos
mostra isso.
Uma classificação possível é de a de que a punição passou pelo (i)
período da vingança privada; (ii) período da vingança divina; (iii) período
da vingança pública e (iv) período contemporâneo.
O período da vingança privada foi marcado pela autotutela, pela lei do
mais forte. Nesse período, o Código de Hamurabi e sua lei de talião podem
ser vistos como avanços, pois trouxeram a ideia de proporcionalidade. Esse
ponto foi objeto de cobrança na prova oral do VIII concurso da Defensoria
Pública do Estado de São Paulo, no final de 2019.
O período da vingança divina foi marcado pela punição aplicada pelos
sacerdotes. A religião era a principal forma de controle social, e a classe
eclesiástica era tida como representante da divindade. Nesse momento
histórico vigorava o sistema do éprouve4.
O período da vingança pública foi marcado pela punição aplicada pelo
soberano, dito representante divino na Terra. A punição era uma
demonstração da força do monarca. Como demonstra Foucault: “o suplício
deve ser ostentoso, deve ser constatado por todos, um pouco como seu
triunfo. O próprio excesso das violências cometidas é uma das peças de sua
glória, não é algo de acessório ou vergonhoso, mas é o próprio cerimonial
da justiça que se manifesta em sua força. O suplício penal não corresponde
a qualquer punição corporal: é uma produção diferenciada de sofrimentos,
um ritual organizado para a marcação das vítimas e a manifestação do poder
que pune: não é absolutamente a exasperação de uma justiça que,
esquecendo seus princípios, perdesse todo o controle. Nos ‘excessos’ dos
suplícios se investe toda a economia do poder”5.
O período contemporâneo é marcado, como defende Foucault, por uma
“sociedade disciplinar”. A formação da sociedade disciplinar remete ao
final do século XVIII e início do século XIX. A prisão não pertence ao
projeto teórico da reforma da penalidade do século XVIII. Surge no início
do século XIX, como uma instituição de fato, quase sem justificação
teórica. Toda a penalidade do século XIX passa a ser um controle. Emergiu
a noção de periculosidade, o indivíduo considerado pelo nível de suas
virtualidades e não pelo nível de seus atos. Essa espécie de controle penal
punitivo não é efetuada exclusivamente pela Justiça, mas por uma série de
outros poderes laterais, como a polícia e uma rede de instituições de
vigilância e correção. A função não é mais punir, mas corrigir. É a era da
ortopedia social. A idade do controle social6.
Outra classificação é trazida por Rusche e Kirchheimer, que
estabeleceram a relação entre os vários regimes punitivos e os sistemas
de produção em que se efetuam: assim, em uma economia servil, os
mecanismos punitivos teriam como papel trazer mão de obra suplementar
– e constituir uma “escravidão civil” ao lado da que é fornecida pelas
guerras ou pelo comércio; com o feudalismo, e em uma época em que a
moeda e a produção estão pouco desenvolvidas, assistiríamos a um brusco
crescimento dos castigos corporais – sendo o corpo na maior parte dos
casos o único bem acessível; a casa de correção, o trabalho obrigatório, a
manufatura penal apareceriam com o desenvolvimento da economia de
comércio. Mas, como o sistema industrial exigia um mercado de mão de
obra livre, a parte do trabalho obrigatório diminuiria no século XIX nos
mecanismos de punição, e seria substituída por uma detenção com fim
corretivo7.
CRISE E ALTERNATIVAS
Crise
Parafraseando Darcy Ribeiro: a crise da prisão no Brasil (e no mundo)
não é uma crise; é um projeto.
É evidente que a prisão não cumpre suas funções declaradas: não
ressocializa, assim como o encarceramento em massa não reduz as
estatísticas oficiais de criminalidade. E, a partir dessas “evidências”, a
dita crise se revela: a prisão é vista como algo inevitável, e ao mesmo
tempo é vista como algo que não funciona.
Essa crise é agravada em virtude do período neoliberal e de modernidade
líquida no qual nos encontramos. No tópico anterior enumeramos as
principais fases históricas da execução penal em nosso contexto ocidental.
Como visto, o último estágio, conforme Foucault, seria a sociedade
disciplinar, baseada no modelo panóptico de Bentham, um modelo de
ortopedia social, para moldar o indivíduo como um ser útil à sociedade.
A explicação que Rusche e Kirchheimer deram era a necessidade de
qualificar a mão de obra do preso. Isso se explica em um contexto de
sociedade industrial (revolução industrial), em que Leis de Cercamento
(Enclosure Acts) foram sendo editadas por sucessivos monarcas ingleses. A
população foi expulsa do campo para as cidades, mas sem qualificação para
trabalhar nas indústrias. Era preciso um mecanismo para formar essa mão
de obra. A prisão servia a esse propósito.
Por outro lado, nos países em que a mão de obra escrava era a base
produtiva da sociedade, as prisões serviram para perpetuar a exploração.
Tanto nos EUA como no Brasil, por exemplo, a vadiagem era codificada
como um crime de negros, punível com o encarceramento ou o trabalho
forçado, às vezes nas mesmas plantations que antes exploravam o trabalho
escravo.
E, por muito tempo, a prisão serviu para isso: formar ou manter mão de
obra, de preferência barata, para a sociedade industrial, do capitalismo
sólido. Hoje não mais.
Como nos alertava Bauman8, o que quer que a história da modernidade
seja no estágio presente, ela é também, e talvez acima de tudo, pós-
panóptica. Não que essa “nova era” tenha acabado com a prisão; apenas
retirou qualquer finalidade relacionada à formação de mão de obra útil ao
capital. No atual estágio, a antiga mútua dependência entre o capital e o
trabalho não mais existe ou, ao menos, está atenuada. O trabalho continua
dependente do capital, mas a recíproca não é verdadeira.
Angela Davis9 também identifica esse fenômeno. Para a autora, vivemos
em uma era de corporações migrantes. A fim de escapar da mão de obra
sindicalizada, as corporações corremo mundo em busca de países que
forneçam mão de obra barata. Essa migração deixa comunidades inteiras
mergulhadas no caos. Um grande número de pessoas perde o emprego e a
perspectiva de empregos futuros. Como a base econômica dessas
comunidades é destruída, a educação e outros serviços sociais básicos são
profundamente afetados. Esse processo torna os homens, mulheres e
crianças que vivem nessas comunidades destruídas candidatos perfeitos ao
encarceramento. A prisão se tornou um buraco negro no qual são
depositados os detritos do capitalismo contemporâneo.
Entendido o contexto no qual estamos inseridos, cientes também de que
não se trata de uma crise, mas sim de um projeto, nos cabe questionar que
projeto é esse e quem é seu mentor.
Diversos estudos criminológicos nos mostram que é impossível entender
verdadeiramente o sistema penal sem entender as opressões estruturais e
estruturantes de nossa sociedade, marcadamente racista e sexista.
Estudo inédito da Defensoria Pública do Rio10 mostra que o fator racial
ainda tem impacto significativo nas prisões em flagrante. Dos 23.497
homens e mulheres conduzidos a audiências de custódia de setembro de
2017 a setembro de 2019 ouvidos pela instituição, cerca de 80%
declararam-se pretos ou pardos. O grupo também tem mais dificuldade para
obter liberdade provisória (27,4% contra 30,8% de brancos) e sofre mais
agressões (40% ante 34,5% de brancos).
A pesquisa revela ainda que apenas uma em cada três pessoas consegue
liberdade provisória ou relaxamento da prisão. Mais de 80% dos casos
analisados foram presos sob acusação de furto, roubo ou com base na Lei
de Drogas.
Segundo Caroline Tassara, coordenadora do Núcleo de Audiências de
Custódia da Defensoria: “a pesquisa traz dados riquíssimos que permitem
identificar, a partir da análise de mais de 23 mil casos, quem são as pessoas
presas em flagrante no estado do Rio de Janeiro e denunciar a inegável
seletividade do sistema penal”.
Nesse sentido as valiosas lições de Juliana Borges11: o debate sobre
justiça criminal no Brasil não pode jamais prescindir da questão racial como
elemento pilar, inclusive para a instalação dessa instituição no país. A
sociedade é compelida a acreditar que o sistema de justiça criminal surge
para garantir normas e leis que assegurarão segurança para seus indivíduos.
Mas, na verdade, trata-se de um sistema que surge já com uma repressão
que cria o alvo que intenta reprimir. O Estado no Brasil é o que formula,
corrobora e aplica um discurso e políticas segundo os quais os negros são
indivíduos em relação aos quais deve se nutrir medo e, portanto, sujeitos à
repressão. A sociedade, imbuída de medo por esse discurso e pano de fundo
ideológico, corrobora e incentiva a violência, a tortura, as prisões e o
genocídio.
É o populismo penal midiático12 e o populismo penal legislativo13, bem
trabalhados pelo saudoso professor Luiz Flávio Gomes, como táticas desse
grande projeto (estratégia), traçando uma analogia com o jogo de xadrez.
Nas palavras do professor Luiz Flávio Gomes, a única verdade na
Criminologia é a realidade. E a realidade dos cadáveres é incontestável
(Zaffaroni). A política do populismo penal vem se revelando inteiramente
ineficaz em termos preventivos. Sua promessa de que resolve o problema é
uma mentira. Contra essa mentira se antepõe a verdade dos cadáveres, que
revela nossa genocidiocracia (que consiste na biopolítica brasileira –
Foucault –, de cunho nitidamente tanatológico, que está voltada não para a
preservação de vidas, e sim para o gerenciamento de mortes). São “mortes
antecipadas”, como diz Zaffaroni. As guerras nunca acabam. A violência,
sobretudo contra os mais fracos, não arrefece. Por força da seletividade, a
prisão aloprada se centra nos pobres (daí o caráter classista e racista do
populismo penal conservador clássico).
O professor expõe diversos dados empíricos e enfatiza: não há como
deixar de concluir, diante dos números mostrados, que o produto final
gerado pela equivocada política do populismo penal (o direito penal
autoritário e prepotente produzido pelo Estado policialesco e propagado
pela manipuladora mídia expressiva) é atécnico, irracional, desproporcional
(excessivo), desarrazoado, demagógico, antigarantista, hiperpunitivo,
neoconservador, reacionário, simbólico (em termos de prevenção de crime),
apenas sedativo, propagandístico, desigual, discriminatório,
fundamentalista, racista, nada empírico, muito intuitivo, falso, tendencioso,
manipulador, paranoico, enganoso, ineficiente e vingativo.
Sobre tática e estratégia, atribui-se a Sun Tzu14 a seguinte frase: “Todos
os homens podem ver as táticas pelas quais eu conquisto, mas o que
ninguém consegue ver é a estratégia a partir da qual grandes vitórias são
obtidas”.
Pois bem. No Brasil, no âmbito jurídico (quase como uma cortina de
fumaça para a verdadeira estratégia), a Lei de Execução Penal afirma que
“ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não
atingidos pela sentença ou pela lei”. Nesse sentido também o Código Penal,
ao afirmar que “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda
da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade
física e moral”.
Essas regras são extraídas dos próprios princípios da legalidade, do ne
bis in idem e da dignidade da pessoa humana. O art. 41 da LEP traz um
rol (exemplificativo) de direitos dos presos, sem prejuízo de outros
garantidos pela própria Constituição, por Tratados e Resoluções
Internacionais de Direitos Humanos e de outros previstos no ordenamento
jurídico.
No entanto, é fato notório que diariamente esses direitos são
desrespeitados no âmbito penitenciário. Além disso, as ditas
funções/finalidades da pena se mostram ineficazes na prática.
E também por isso a professora Vera Andrade15 nos alerta e nos ensina
que a deslegitimação explicitada na teoria e na empiria constitui antes de
mais nada a radical demonstração de que o poder do sistema penal está
nu, pelo desvelamento de suas múltiplas incapacidades e violências; ela
explicita a inteira nudez do sistema penal e particularmente da prisão,
reduzida que está a espaço de neutralização e de extermínio indireto.
Entender a deslegitimação é entender que o sistema penal está nu, que todas
as máscaras caíram e que ele agora exerce abertamente a sua função real; é
entender também que, pela via da nudez, uma nova e mais perigosa
relegitimação está em curso e se apropria de outros espaços (mercado e
finanças) e tecnologias da sociedade de comunicação (mídia e controles
eletrônicos) e consumo, em detrimento do discurso pretensamente científico
que operava sua legitimação histórica.
Isso nos mostra que, diferentemente do que afirmava Sun Tzu, já é
possível ver de maneira cristalina a estratégia usada por todo o sistema
criminal. O sistema penal está nu. E sua seletividade, escancarada. Como
dito há pouco, o superencarceramento não é um acidente, não é uma crise; é
um projeto.
E a realidade nos mostra que a tática mais potente usada nessa estratégia
tem sido a dita “guerra às drogas”. Em uma guerra, somos “nós” contra
“eles”, os “outros”. Os outros que ameaçam nossa existência, nossa
segurança, nosso patrimônio, nosso bem-estar. E é esse discurso construído
de guerra que legitima a necropolítica16, o estado de exceção17, a zona
cinzenta18 e o superencarceramento a que está sujeita parcela vulnerável e
estigmatizada da sociedade.
Nesse sentido, Riccardo Cappi19, interpretando uma charge de Latuff,
consegue – de maneira forte e genial – captar toda a lógica empregada: Os
discursos estatais, as visões propagadas pela imprensa, os discursos do
senso comum ou mesmo da ciência, também são sustentados por estas
grades de leitura que, como nos ensinam De Greef e Debuyst, atualizam em
maior ou menor medida o “instinto de defesa”. O mecanismo de
conhecimento é o mesmo daquele que De Greef atribuía ao delinquente
pelo qual o outro é brutalmente reduzido a sua qualidade de inimigo,
isto é uma abstração cuja característica essencial é a de carregarintenções perigosas e ameaçadoras. A apreensão do perigo parece ser de
crucial importância para a produção de conhecimento e para a produção de
respostas estatais. Do lado da percepção, o sentimento de perigo leva a
produzir uma projeção redutora: o outro só aparece em suas
características maldosas e agressivas; é reduzido a estes elementos, que
ganham interesse na perspectiva de reduzir o sentimento de perigo.
Medo e ódio que se sustentam. O perigo, as pessoas perigosas, o grupo
perigoso são vistos como dotados de grande força, incontrolável, que
toma conta do observador ao ponto de ele se sentir ameaçado de
inexistência física ou psíquica. Diante disso, só parece haver duas
respostas possíveis: a proteção que o afasta – o muro – (e aqui
podemos encarar como a prisão para os pobres e os condomínios
luxuosos para os ricos) ou a eliminação definitiva – a
metralhadora. O único resultado aceitável, segundo esta perspectiva, é
aquele que deve corresponder, com extrema certeza, à anulação da
fonte do perigo. Esta leitura da alteridade torna concebíveis
unicamente respostas extremas, vingativas e/ou eliminatórias, que não
tolerem cálculos ou hesitação.
A charge faz então alusão aos discursos viscerais que conhecemos,
atravessados pelo medo do crime; e pelo ódio frente aos jovens,
negros e pobres, entendidos de maneira geral como criminosos ou
inimigos da sociedade. Estamos além do direito penal do inimigo,
segundo a célebre fórmula atribuída a Günther Jakabs, pois o autor
alemão se refere a algumas figuras de exceção, enquanto aqui as
estratégias de segregação e eliminação massivas são direcionadas para
os grupos subalternos empobrecidos, essencialmente constituídos por
jovens negros. Nesta visão, estes chegam a ser considerados como lixo
humano, segundo a expressão de Bauman, ou ainda indivíduos
tornados supérfluos pelo triunfo global do capitalismo.
Para entendermos a agressividade dessa tática de guerra às drogas, a Lei
de Drogas (Lei n. 11.343, de agosto de 2006) é uma das principais
responsáveis pelo encarceramento em massa no país. De 2006 a 2016, o
número de encarcerados aumentou em mais de 300 mil pessoas. Tendo
como base a variação da taxa de aprisionamento de 1995 a 2010, o Brasil só
fica atrás da Indonésia, país com regime marcadamente repressor em
relação à política de drogas, inclusive com penalização por morte20.
Nesse contexto em que não se pode mais negar a realidade, fora ajuizada
a Arguição de Preceito Fundamental (ADPF 347) para que seja declarada
pelo STF a violação de inúmeros direitos fundamentais dos presos,
requerendo, ainda, o reconhecimento do “Estado de Coisas
Inconstitucional” do sistema prisional brasileiro.
Em caráter liminar, o STF decidiu da seguinte forma:
CUSTODIADO – INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL – SISTEMA
PENITENCIÁRIO – ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE
PRECEITO FUNDAMENTAL – ADEQUAÇÃO.
Cabível é a arguição de descumprimento de preceito fundamental
considerada a situação degradante das penitenciárias no Brasil.
SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO
CARCERÁRIA – CONDIÇÕES DESUMANAS DE CUSTÓDIA –
VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS –
FALHAS ESTRUTURAIS – ESTADO DE COISAS
INCONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO.
Presente quadro de violação massiva e persistente de direitos
fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de
políticas públicas e cuja modificação depende de medidas
abrangentes de natureza normativa, administrativa e
orçamentária, deve o sistema penitenciário nacional ser
caraterizado como “estado de coisas inconstitucional”.
FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL – VERBAS –
CONTINGENCIAMENTO. Ante a situação precária das
penitenciárias, o interesse público direciona à liberação das verbas do
Fundo Penitenciário Nacional.
AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA.
Estão obrigados juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do
Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção
Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa
dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do
preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24
horas, contado do momento da prisão (STF, ADPF 347 MC, Rel.
Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 09/09/2015).
O tema é interdisciplinar, passando por transconstitucionalismo, diálogo
de cortes, controle de constitucionalidade e de convencionalidade, processo
coletivo e processo estruturante, separação das funções de poder e controle
da efetividade do mínimo existencial.
O Poder Judiciário pode e deve exercer o controle de políticas públicas
e de ações e omissões inconstitucionais dos demais Poderes, principalmente
quando tais condutas atentem contra o mínimo existencial. A solução para
problemas complexos, por vezes, virá por meio de processos
estruturantes, e as referências podem ser encontradas ou construídas pelo
diálogo entre Cortes e pelo transconstitucionalismo.
Como nos ensina Pedro Lenza21, Marcelo Neves demonstra a tendência
mundial de superação do constitucionalismo provinciano ou paroquial
pelo transconstitucionalismo, mais adequado para a solução dos
problemas de direitos fundamentais ou humanos e de organização legítima
de poder. Para Marcelo Neves, transconstitucionalismo é o entrelaçamento
de ordens jurídicas diversas, tanto estatais como transnacionais,
internacionais e supranacionais, em torno dos mesmos problemas de
natureza constitucional. Ou seja, problemas de direitos fundamentais e de
limitação de poder que são discutidos ao mesmo tempo por tribunais de
ordens diversas.
E não poderia ser diferente. A crise da prisão não é exclusividade
brasileira, mas um problema enfrentado no mundo inteiro, ante a própria
irracionalidade desse modelo de punição. Dessa forma, importante que haja
um efetivo diálogo entre as Cortes Constitucionais e Supraconstitucionais
para que sejam encontradas soluções para os problemas que se apresentam
em nível supranacional.
O STF, na medida cautelar, realizou não só um controle de
constitucionalidade como também um controle de convencionalidade22,
ou seja, um exame de compatibilidade entre a situação fática e os direitos
previstos em Tratados Internacionais de Direitos Humanos (CADH e
PIDCP).
Nesse ponto, cabe mencionar a decisão da Corte IDH que concedeu
medida provisória em 22 de novembro de 2018 em face do Estado
brasileiro no que se refere ao Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho e à
superlotação carcerária.
Sistematizam Caio Paiva e Thimotie Aragon Heemann23: a
superpopulação carcerária sem dúvida é um dos principais fatores
criminógenos no ambiente prisional, contribuindo diretamente para o
embrutecimento e para a desumanização da pessoa presa, assim como
fornecendo as condições necessárias para a criação e a expansão de
organizações criminosas. Não há como discordar de Baratta, portanto,
quando ele afirmava que “O cárcere é um lugar privilegiado para a
violação de direitos humanos”24.
Em seu voto no julgamento do Caso Tibi vs. Equador, o juiz García
Ramirez também fez a seguinte advertência: “[...] as prisões têm sido, são e
talvez serão – oxalá que não fosse assim – cenários das mais reiteradas,
graves e notórias violações dos direitos humanos. É hora de que se volte a
olhar para esses cenários, constantemente denunciados e insuficientemente
reformados, para modificar-lhes radicalmente”.
Em suas resoluções sobre medidas provisórias aplicadas ao Brasil no
contexto de violações de direitos humanos no interior de estabelecimentos
prisionais, a Corte IDH vinha coibindo a superpopulação carcerária
mediante determinações mais genéricas, como a adotada em sua Resolução
de 4 de julho de 2006, na qual ordenou ao Estado brasileiro que reduzisse
substancialmente a superlotação no Complexo do Tatuapé da FEBEM.
No entanto, com a Resolução adotada em 22 de novembro de 2018,
referente às medidas provisórias adotadas sobre o Instituto Penal Plácido de
Sá Carvalho (IPPSC), a Corte IDH, observando que as medidas
anteriormente determinadas não melhoraram concretamente as condições de
privação de liberdade no IPPSC, e,ainda, levando em conta que a
superpopulação carcerária no referido estabelecimento prisional estava em
torno de 200% – quando os parâmetros internacionais, por exemplo, o do
Conselho da Europa, indicam que ultrapassar 120% implica superpopulação
crítica –, resolveu adotar uma medida provisória mais “audaciosa”: levando
em conta que a densidade da superpopulação penal é de 200%, o tempo de
pena ou de prisão preventiva realmente sofrido deve ser computado à razão
de 2 dias de pena lícita por dia de efetiva privação de liberdade em
condições degradantes.
Caio Paiva critica a decisão por resultar em uma espécie de “remição por
tortura”. Com o que concordamos parcialmente. A decisão da Corte, a
medida cautelar na ADPF 347, a Súmula Vinculante 56 e a Resolução n.
5/2016 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, por
exemplo, são apenas medidas paliativas, em uma ótica de redução de
danos, que não resolvem o verdadeiro problema, que é a própria prisão.
O Estado de Coisas Inconstitucional só tende a aumentar, pois
frequentemente são editadas novas normas penais simbólicas, amparadas
em um discurso de que mais direito penal e mais prisão seriam as soluções
para os problemas sociais. Não são.
Outra decisão importantíssima se deu no bojo da ADPF 63525.
Liminarmente, suspenderam-se operações policiais em comunidades
durante a pandemia do novo coronavírus. A Defensoria Pública do Rio de
Janeiro, junto a outras entidades, atua como amicus curiae nessa ação26.
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF),
determinou a suspensão de operações policiais em comunidades do Rio
de Janeiro durante a pandemia do novo coronavírus, salvo em casos
absolutamente excepcionais, que devem ser devidamente justificadas
por escrito pela autoridade competente e comunicadas ao Ministério
Público estadual, órgão responsável pelo controle externo da atividade
policial. De acordo com o ministro, nesses casos, deverão ser adotados
cuidados para não colocar em risco ainda maior a população, a
prestação de serviços públicos sanitários e o desempenho de atividades
de ajuda humanitária.
A decisão foi tomada na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 635, em que o Partido Socialista Brasileiro
(PSB) questiona a política de segurança pública do governador Wilson
Witzel, que, segundo a legenda, estimula o conflito armado e “expõe os
moradores de áreas conflagradas a profundas violações de seus direitos
fundamentais”.
Em sua decisão, o ministro Fachin afirma que o uso da força só é
legítimo se for comprovadamente necessário para a proteção de um
bem relevante, como a vida e o patrimônio de outras pessoas. Segundo
ele, se os protocolos de emprego da força já eram precários, em uma
situação de pandemia, com as pessoas passando a maior parte do tempo
em suas casas, eles se tornam de utilidade questionável e de grande
risco.
Para o ministro, os fatos recentes tornam ainda mais preocupantes as
notícias sobre a atuação armada do Estado nas comunidades do Rio de
Janeiro. Ele se referiu ao caso do menino João Pedro, morto a tiros
dentro de casa em operação conjunta das Polícias Federal e Civil no
Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, Região Metropolitana do
Rio de Janeiro. “Muito embora os atos narrados devam ser investigados
cabalmente, nada justifica que uma criança de 14 anos de idade seja
alvejada mais de 70 vezes. O fato é indicativo, por si só, de que,
mantido o atual quadro normativo, nada será feito para diminuir a
letalidade policial, um estado de coisas que em nada respeita a
Constituição”, concluiu.
O pedido de urgência foi protocolado em 25 de maio e foi proposto
pelo PSB em conjunto com a Defensoria Pública do Estado do Rio de
Janeiro (DPRJ), Educafro, Justiça Global, Redes da Maré, Conectas
Direitos Humanos, Movimento Negro Unificado e ISER, entidades
habilitadas como amicus curiae na ação.
Para as entidades, o quadro dramático de violação de direitos humanos
na implementação da política de segurança do Estado do Rio de Janeiro
agravou-se ainda mais com o avanço da pandemia de Covid-19 nas
favelas e periferias do estado. O ministro Fachin, no julgamento da
ADPF 635, em 17 de abril, não incluiu a medida de proibição de
operações policiais. A arguição pede que sejam reconhecidas e sanadas
as graves violações a direitos fundamentais ocasionadas pela política
de segurança em curso.
De acordo com dados da Rede de Observatórios da Segurança, a partir
de abril, as operações policiais aumentaram no Estado do Rio de
Janeiro e superaram os números de 2019, com um acréscimo de 27,9%.
Os dados apontam, ainda segundo o Observatório, que as polícias do
estado do Rio de Janeiro usaram mais a força letal durante a pandemia
do que nos meses equivalentes de 2019, quando o Rio teve o recorde
de 1.810 mortes causadas por intervenção policial.
Com o objetivo de avaliar os impactos dessa decisão, o Grupo de Estudos
Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF)
produziu relatório com base em dados das operações policiais e tiroteios
produzidos pelo aplicativo Datalab Fogo Cruzado.
O relatório demonstrou que no período de suspensão registrou-se a mais
baixa incidência de operações policiais em favelas desde 2007, e que
igualmente se observou redução da quantidade de óbitos e de feridos
decorrentes de operações policiais, e da quantidade de tiroteios.
Os dados são importantes não apenas para monitorar o cumprimento da
decisão do STF e seus efeitos, mas também porque dão subsídios para
demonstrar que a relação direta entre uma política ostensiva de maior
presença policial e o aumento de segurança pública nem sempre é
verdadeira27.
Por fim, importante que tenhamos ciência da tendência global a diminuir
a população encarcerada, como mostra o documentário A 13ª Emenda, que
aborda a situação nos EUA, baseada em uma nova política criminal atuarial,
escorada nas premissas neoliberais. Ana Luisa Zago Moraes28 sistematiza a
mensagem trazida pelo documentário: O sistema “ficou caro demais”, “saiu
do controle”, em uma nítida preocupação com os custos dessa política, o
que induz à necessidade de sua reformulação.
O documentário expõe o intenso trabalho da ALEC (American
Legislative Exchange Council), que propõe e defende projetos de lei
que beneficiam economicamente grandes corporações. Exemplos de
beneficiários são os fornecedores de alimentos e de serviços médicos
para as penitenciárias, as corporações que investem no trabalho dos
presos, os comerciantes de munições, os administradores de prisões
privatizadas, dentre outros. Para tornar esses interesses mais concretos,
veja-se o caso da CCA (Correction Corporation of America), que
atualmente tem um contrato para deter imigrantes que lhe rende mais
de 11 milhões de dólares ao mês. A CCA, aliás, tem interesse na
privatização das prisões e também está realizando um intenso lobby
para a implantação de um sistema de acompanhamento da
liberdade condicional via monitoramento por GPS.
Os interesses financeiros, antes dos exploradores da mão de obra
escrava, agora dos exploradores do “mercado da segurança pública” e,
mais especificamente, do “mercado das prisões”, demonstram que os
controles sociais vão se alterando em processos históricos longos,
guiados por vários fatores, dentre eles, a própria economia e a
manutenção de determinados status sociais no poder. Essas questões
podem trazer provocações para o Brasil, dentre elas: quais os efeitos do
aumento da criminalidade em relação à privatização da segurança?
Sobre o custo do sistema carcerário, baseado no modelo panóptico de
Bentham, Bauman já nos alertava29 de que o Panóptico apresenta também
outras desvantagens. É uma estratégia cara: a conquista do espaço e sua
manutenção, assim como a manutenção dos internos no espaço vigiado,
abarcavam ampla gama de tarefas administrativas custosas e complicadas.
Havia os edifícios a erigir e manter em bom estado, os vigias profissionais a
contratar e remunerar, a sobrevivência e a capacidade de trabalho dos
internos a ser preservada e cultivada.Finalmente, administrar significa,
ainda que a contragosto, responsabilizar-se pelo bem-estar geral do lugar,
mesmo que em nome de um interesse pessoal consciente – e a
responsabilidade, outra vez, significa estar preso ao lugar.
Contextualizando com a realidade brasileira30, estima-se que o Brasil
gaste entre 15 e 25 bilhões de reais por ano com o sistema prisional. O
déficit da previdência estava estimado em 230 bilhões para 2020. Em 10
anos, o gasto com o sistema prisional supriria o dito déficit da previdência.
De acordo com dados do TCU, o Brasil gastou R$ 15,8 bilhões para custear
os sistemas prisionais em 2017 e precisaria investir mais R$ 5,4 bilhões por
ano até 2037 para dar mais estrutura e acabar com o déficit de vagas nas
cadeias. Segundo dados divulgados pelo Ministério da Justiça, o país tinha
726 mil presos em junho de 2017, 706.619 detidos em sistemas
penitenciários e o restante detido provisoriamente em delegacias. Em 2020,
esse número ultrapassou os 820 mil presos. O levantamento do TCU
apontou que um preso no país custa, em média, R$ 23 mil por ano. Para
efeito de comparação, em 2017 o Ministério da Educação definiu para o
Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica) o custo anual
mínimo por aluno de R$ 2.875,03. O país precisaria investir R$ 97 bilhões
em 18 anos seguidos para “extinguir o déficit de vagas prisionais, reformar
unidades prisionais precárias e viabilizar seu pleno funcionamento”. De
2000 a 2016, o déficit prisional saltou de 39 mil para 322 mil – crescimento
de 720%. Para piorar, estima-se que o dito “pacote anticrime” gerará um
custo adicional com presos de R$ 44,4 bilhões anuais31.
Conclusão: o Brasil gasta fortunas com presídios que não servem para
nada a não ser produzir dor, sofrimento, humilhação, desgraça. Ao mesmo
tempo que afirma não ter dinheiro para os direitos sociais mais básicos
como educação, saúde, seguridade etc. A desigualdade só aumenta. E isso
precisa mudar.
ALTERNATIVAS
A professora Vera Regina de Andrade aponta algumas alternativas para a
atual política criminal, tais como o abolicionismo e o minimalismo32.
Segundo a professora, o abolicionismo pode ser encarado como
perspectiva teórica e como movimento social, pois, desde o início, a relação
entre teoria e prática, rompendo com os muros acadêmicos, aparece
simultaneamente como teorização e militância social e, portanto, como
práxis. Uma das características mais comuns de seus líderes é a de terem
fundado grupos de ação ou de pressão contra o sistema penal e de haverem
levado adiante movimentos ou organismos com a participação de técnicos,
presos, liberados, familiares e simpatizantes, isto é, pessoas com alguma
experiência prática no campo da criminalização.
E essa característica se compatibiliza perfeitamente com o perfil
constitucional da Defensoria Pública33, que é reforçado pelo art. 4º, II, da
Lei Complementar n. 80, ao trazer como função institucional a solução
extrajudicial dos litígios de maneira prioritária.
Acreditamos, sinceramente, que o Defensor Público, como agente de
transformação social, só alcançará resultados efetivos por meio de sua
atuação extrajudicial. No âmbito judicial, a tarefa é a de minimizar danos,
em um trabalho de Sísifo34, quase que em um modelo de produção
fordista no etiquetamento de selecionáveis pelo sistema penal.
Enxergamos a educação em direitos, assim como o abolicionismo
penal, como uma das melhores alternativas à crise da atual política
criminal. Porém, educação em direitos na perspectiva defendida por Allan
Ramalho Ferreira35, Defensor Público do Estado de São Paulo. Com
inspiração em Paulo Freire.
Ou seja, o direito não é algo conhecido/dominado apenas pelo/a
Defensor/a Público/a. E é necessário que haja um diálogo horizontal entre
a Instituição e os Movimentos da Sociedade Civil, nos moldes de uma
educação que emancipe e liberte, como defendia Paulo Freire, e em uma
sociedade aberta dos intérpretes, como defendia Haberle.
Allan pontua que, da mesma forma que o/a Defensor/a Público/a tem a
contribuir com a população, com seu saber legislativo, jusdoutrinário e
jurisprudencial acerca de determinado assunto regulado pelo direito, a
população, vivente daquela norma ou do vazio de sua eficácia social, tem a
contribuir acerca da definição da essência daquele direito e da eventual
inexpressividade da política pública correspondente. Deve-se construir com
a população vivente o significado desses direitos em uma expedição
conjunta de interpretação, que leve em consideração não apenas as técnicas
hermenêuticas, mas também a realidade social traduzida em experiências
testemunhadas. A educação em direitos deve ser um instrumento de
libertação, de direcionamento à humanização, e não de opressão e de
manutenção do status quo.
Dessa forma, firmada essa premissa de valorização dos caminhos
extrajudiciais e verdadeiramente democráticos e plurais, voltamos ao ponto
específico do abolicionismo penal. Aqui, ensina a professora Vera Andrade
que, como perspectiva teórica, existem diferentes tipos de abolicionismo,
com diferentes fundamentações metodológicas para a abolição: a) a
variante estruturalista, do filósofo e historiador francês Michael
Foucault; b) a variante materialista, de orientação marxista, do sociólogo
norueguês Thomas Mathiesen; c) a variante fenomenológica, do
criminólogo holandês Louk Hulsman; d) a variante fenomenológico-
historicista, de Nils Christie.
Segundo Vera Andrade, o objeto da abolição ou minimização não é o
direito penal (que é a programação normativa e tecnológica do exercício de
poder dos juristas), mas o sistema penal, em que se institucionaliza o poder
punitivo do Estado e sua complexa fenomenologia, a que abolicionistas
como Louk Hulsman chamam de “organização cultural do sistema de
justiça penal” e que inclui tanto a engenharia quanto a cultura punitivas,
tanto a máquina quanto sua interação com a sociedade, de modo que, se o
sistema é formal e instrumentalmente o “outro”, informal, difusos e
periféricos somos todos “nós”.
Nesse contexto, entende-se por sistema penal a totalidade das
instituições que operacionalizam o controle penal (Parlamento, Polícia,
Ministério Público, Justiça, Prisão, entre outros), a totalidade das normas,
dos saberes e categorias cognitivos que programam e legitimam
ideologicamente sua atuação e seus vínculos com a mecânica de controle
social global na construção e reprodução da cultura e do senso comum
punitivos que se enraizaram, muito fortalecidamente, dentro de cada um de
nós, na forma de microssistemas penais.
Hulsman advoga três razões fundamentais para abolir o sistema penal:
1) causa sofrimentos desnecessários distribuídos socialmente de modo
injusto;
2) não apresenta efeito positivo algum sobre as pessoas envolvidas nos
conflitos; e
3) é extremamente difícil de ser mantido sob controle.
Por outro lado, o minimalismo, de acordo com Vera Andrade, volta-se à
limitação da violência punitiva e à máxima contração do sistema penal,
mas também à construção alternativa dos problemas sociais.
Há uma vertente do minimalismo que se pauta como meio para alcançar o
abolicionismo (Zaffaroni, Baratta), e há outra corrente que busca
relegitimar o sistema penal, encarando o próprio minimalismo como um fim
em si mesmo (Ferrajoli).
Zaffaroni, falando sobre as alternativas aventadas na década de 80 do
século passado, esclarece que, no plano das diversas tendências ou linhas
que se propõem para a reforma dos sistemas penais nos países centrais e das
quais, em boa parte, se encarrega a ONU em seus congressos de prevenção
do crime e tratamento do delinquente, mencionam-se (i) a
descriminalização em relação a vários delitos;
(ii) a despenalização e toda uma gama de penas alternativas à privação
da liberdade;
(iii) a diversificação, medida que propõe que o processo seja suspenso
para que seja alcançada uma solução não punitiva; e (iv) a intervenção
mínima.
De qualquer forma, o que está em curso na era da globalização
neoliberal não é a hegemonia de práticas minimalistas e abolicionistas,mas
a mais gigantesca expansão e relegitimação do sistema penal,
orquestrada pelo eficientismo penal (ou “Lei e Ordem”) a partir de uma
leitura da crise do sistema como crise conjuntural de eficiência. Para esse
modelo, é necessário criminalizar mais, penalizar mais, aumentar os
aparatos policiais, judiciários e penitenciários, como se pode ver com o
ganho de musculatura de discursos como o da criminologia atuarial, o da
eficiência em privatizar presídios e o próprio “pacote anticrime”.
DICA DO AUTOR: No último concurso para a Defensoria Pública do
Estado de São Paulo foi cobrada a seguinte questão: Considere uma
situação hipotética em que esteja em tramitação no Congresso um projeto
de lei que preveja a inclusão de um parágrafo único no artigo 59, do CP,
com a seguinte redação: “O juiz poderá, com observância aos critérios
previstos neste artigo, fixar período mínimo de cumprimento de pena no
regime inicial fechado ou semiaberto, antes da possibilidade de
progressão”.
a. Analise, fundamentadamente, a constitucionalidade material da
norma acima transcrita.
b. Esclareça de forma justificada se essa norma está em consonância
com as medidas propostas pelos teóricos do labelling approach no
plano político-criminal, fazendo uma breve explanação sobre cada uma
dessas medidas.
O gabarito, em relação ao item b, que aqui nos interessa, passava por
apontar que a norma está em dissonância com as medidas propostas pelos
teóricos do labelling approach, pois, em vez de obstar o processo em
espiral criado pela estigmatização dos indivíduos prisonizados que gera
a desviação secundária, a norma contribuiria para o maior encarceramento,
dificultando a desinstitucionalização do apenado.
Além disso, defendia a Política dos 4 Ds: Descriminalização,
Desinstitucionalização, Diversificação e Devido Processo Legal. Trazia
ainda que a teoria da rotulação defende a descriminalização das condutas
de menor danosidade social, a adoção de medidas despenalizadoras e de
penas alternativas à prisão, a opção por meios informais de resolução de
conflitos, como a justiça restaurativa, além de políticas para
desencarceramento e auxílio ao egresso.
Ainda nessa linha, reflexão importante é trazida pela vinheta – com a voz
da professora Vera Malaguti Batista – do excelente podcast Segurança dos
direitos.
Joel Rufino dizia: “não tem que ter uma política de segurança pública,
tem que ter uma política de proteção dos direitos. É o que o Alessandro
Baratta dizia: não é direito à segurança, é segurança dos direitos”.
Nesse sentido também as lições do querido professor Luiz Flávio Gomes
e de Luís Wanderley Gazoto36: as crises são bem identificadas pelas massas
(de todas as classes sociais), que apenas não compreendem (ou não
discutem) a causa de todas as causas, que reside na violência trágica que
encerra a desigualdade enraizada na miséria. Do ponto de vista racional, a
ideia de um futuro de violência contida exigiria a superação do paradigma
de segurança pública e de segurança nacional ancoradas na lógica da
exceção fática (não declarada); em seu lugar, consoante a lógica do
constitucionalismo democrático de direitos e deveres, ingressaria a
segurança dos direitos individuais e sociais (Ferrajoli), dentro de um
contexto de vida digna e livre, que requer políticas sociais e ações
estratégicas que se orientem em sentido completamente antagônico ao
estado de exceção e ao institium.
Essas podem ser boas medidas e alternativas para combater a “crise” do
sistema penal. E é papel da Defensoria se valer dos meios judiciais e
principalmente extrajudiciais no combate a essa estratégia perversa e que já
não se mostra mais oculta. O sistema penal está nu. Mas continua forte.
Para derrubá-lo, somente com a força do coletivo. Retomando a analogia
com o xadrez, essa deve ser a estratégia: a conscientização para que todos
vejam que o sistema está nu e lutem contra seu mecanismo cruel. Enquanto
isso, a política dos 4 Ds é uma tática que minimiza os danos, bem como o
reforço contínuo de um discurso garantista em âmbito criminal.
2. RIO DE JANEIRO Princípios do direito de execução penal.
Objetivos da execução penal. Sistemas de execução penal. Natureza da
execução penal. Fontes positivas do direito de execução penal.
MARANHÃO Princípios constitucionais que regem a execução penal.
Objeto e aplicação da Lei de Execução Penal. SÃO PAULO Lei de
Execução Penal (Lei n. 7.210/84)
NATUREZA DA EXECUÇÃO PENAL E SISTEMAS DE
EXECUÇÃO PENAL
A natureza jurídica da execução penal é constantemente alvo de
cobranças nos certames para a Defensoria Pública. Três correntes disputam
a primazia na doutrina e na jurisprudência pátria e internacional: (i) caráter
administrativo; (ii) caráter jurisdicional e (iii) caráter misto.
Sobre a primeira corrente, ensina Roig (Defensor Público do Estado do
Rio de Janeiro) que se desenvolveu inicialmente a compreensão de que a
execução penal possuía caráter administrativo, ideia esta fundada na
doutrina política de Montesquieu sobre a separação dos poderes. Ao
longo do tempo, tal concepção perdeu força, sobretudo após a tendência
jurisdicionalizante após a Segunda Guerra37.
Giamberardino (Defensor Público do Estado do Paraná) afirma que
prevalece na doutrina e na jurisprudência a posição em prol da natureza
mista, híbrida ou complexa (jurisdicional e administrativa) da execução
penal. A posição que visualiza o exercício da função jurisdicional somente
no início ou no encerramento da execução da pena, ou em “incidentes”.
Essa concepção pressupõe um processo administrativo de execução
“dentro” do qual haveria procedimentos incidentais jurisdicionalizados38.
Por outro lado, em relação à corrente que defende o viés jurisdicional da
execução penal, Roig sustenta que a execução penal é atividade de
natureza jurisdicional, ou seja, significa em primeiro lugar assumir que não
pode haver prevalência do interesse estatal sobre o individual, mas
polos distintos de interesse (Estado e indivíduo), cada qual refletindo suas
próprias pretensões (retributivo-preventiva e libertária, respectivamente).
Em segundo lugar, significa reconhecer que todos os atos executivos,
mesmo aqueles administrativos de origem, sempre serão sindicáveis pela
jurisdição (ato de justiça formal e substancial, não de administração)39.
Essa concepção se baseia no art. 5º, XXXV, da Constituição e nos arts. 2º e
65 da Lei de Execução Penal.
DICA DO AUTOR: Entendemos que esta última (jurisdicional) é a
natureza jurídica da execução penal a ser defendida em provas de
Defensoria. Porém, importante conhecer a reflexão sobre esse debate feita
por Patrick Cacicedo40, Defensor Público do Estado de São Paulo e
examinador em diversas provas de Defensoria organizadas pela Fundação
Carlos Chagas: A questão do controle judicial sobre a vida prisional assume
no Brasil características peculiares. A despeito de pouco estudado, o tema
traz importantes consequências no cotidiano carcerário, além de ser
fundamental na compreensão e conhecimento da situação prisional no
Brasil. O tema pode ser estudado a partir de três formas de controle judicial
das penas.
A mais tradicional e legalmente obrigatória é a atividade judicial
exercida no sistema progressivo de cumprimento de pena, que tem
como característica principal a morosidade na análise dos pleitos
jurídicos. A forma como tal atividade judicial é exercida tem como
efeito concreto muito mais uma violação dos direitos do que a sua
garantia, que é a função oficialmente conferida ao Poder Judiciário.
A outra forma de analisar o grau de jurisdicionalização da execução
penal é pelo papel exercido pelo juiz no controle disciplinar dos presos.
Nesse aspecto, o sistema brasileiro é notadamente perverso, pois deixa
o controle disciplinar da população prisional ao arbítrio da autoridade
administrativa penitenciária. O controle da vida dos presos por meio da
disciplina prisional tem o poder de decidir o destino da execução penal
de cada um, cuja punição disciplinar pode significar uma medida pior
do que os mais graves crimes previstosna legislação. A ausência de
jurisdicionalização nesta seara permite o arbítrio e potencializa o poder
dos agentes penitenciários em detrimento da liberdade dos presos.
Por fim, a questão dos direitos relacionados às condições materiais de
aprisionamento apresenta uma peculiar atuação judicial, pois o próprio
Poder Judiciário nega sua atividade como jurisdicional. A
consequência dessa negativa de jurisdição é uma vedação do acesso à
justiça por parte da população prisional, criando-se a única exceção à
garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição, além da
manutenção do quadro de verdadeira barbárie representada pelas
abjetas condições materiais de aprisionamento no Brasil.
Assim, o controle judicial da execução penal no Brasil é
caracterizado ora pela ausência, ora por uma presença prejudicial
da atividade judicial, cujo resultado é o prejuízo à dignidade e à
liberdade da população prisional. Trata-se de uma contradição
perversa que supera o debate teórico sobre a natureza jurídica da
execução penal e remete a discussão sobre a jurisdicionalização da
execução para o plano das dinâmicas de controle social punitivo na era
do grande encarceramento.
As três formas de controle judicial sobre a execução penal analisadas
permitem, portanto, deslocar o debate sobre a jurisdicionalização da
execução penal para as formas de gestão e controle das pessoas
presas. O deslocamento do debate sobre a natureza jurídica da
execução penal para as manifestações concretas do controle judicial do
cumprimento de pena no Brasil possibilita superar o caráter meramente
jurídico e idealista da questão, elevando-a para a materialidade das
relações de poder na prisão contemporânea.
FONTES POSITIVAS DO DIREITO DE EXECUÇÃO PENAL
Para Miguel Reale, fontes do direito são os processos ou meios em
virtude dos quais as regras jurídicas se positivam com legítima força
obrigatória, isto é, com vigência e eficácia no contexto de uma estrutura
normativa41.
Nesse ponto, é preciso realizar uma releitura da conceituação dada por
Reale, uma vez que, com o pós-positivismo – defendido entre outros por
Dworkin e Alexy –, a norma jurídica é gênero que comporta não só regras
como também princípios. Humberto Ávila defende que há normas de
primeiro grau (princípios e regras) e normas de segundo grau
(postulados normativos)42.
Muitos desses princípios são extraídos diretamente da Constituição, que
não é mais vista como mero documento político, mas como verdadeiro
documento com força normativa43 e superioridade hierárquica44 perante
as demais normas do ordenamento jurídico, que não podem contrariá-la,
sob pena de declaração de inconstitucionalidade.
Dessa forma, no ordenamento jurídico brasileiro, a principal fonte da
execução penal é a própria Constituição. Nada obstante, são também fontes
da execução penal as diversas leis que disciplinam a matéria. A principal
delas é a Lei de Execução Penal, Lei n. 7.210/84 (LEP), lei federal que traz
as disposições gerais sobre a matéria.
É importante que se atente para a diferença entre Direito Penal e Direito
Processual Penal de um lado e Direito Penitenciário de outro. Isso porque
a Constituição traz como competência privativa da União legislar sobre os
primeiros (art. 22, I, da CRFB/88), enquanto estipula a competência
concorrente para legislar sobre direito penitenciário (art. 24, I, da
CRFB/88). Portanto, as leis estaduais relativas à matéria penitenciária
também são fontes positivas naquilo em que não contrariarem as
disposições gerais trazidas pelas leis federais.
Cabe ressaltar que, conforme veremos, um dos princípios que regem a
matéria é o princípio da legalidade (ou juridicidade), importante garantia
do cidadão para contenção do poder punitivo estatal.
Outra classificação sobre fontes do direito é trazida por Zaffaroni e
Pierangeli45. Os autores dividem as fontes em: (i) fontes de produção da
legislação (União e/ou Estados); (ii) fontes de cognição da legislação (a
própria legislação); (iii) fontes de conhecimento do saber jurídico
(legislação, dados históricos, jurisprudência, informação etc.) e (iv) fontes
de informação do saber jurídico (tratados, monografias etc.).
PRINCÍPIOS DO DIREITO DE EXECUÇÃO PENAL
Agora passaremos a analisar os princípios do direito de execução penal.
Sem prejuízo de outros preceitos muito importantes para a execução
penal, tais como devido processo legal, contraditório, ampla defesa, duplo
grau de jurisdição, non bis in idem, jurisdicionalidade, publicidade e
imparcialidade do juiz, a execução penal, segundo Roig, é regida, entre
outros, pelos princípios da humanidade, da legalidade, da não
marginalização (ou não discriminação) das pessoas presas ou internadas, da
individualização da pena, da intervenção mínima, da culpabilidade, da
lesividade, da transcendência mínima, do estado de inocência, da
proporcionalidade, da celeridade (ou razoável duração) do processo de
execução penal e do numerus clausus (número fechado).
Todos esses princípios são extraídos explícita ou implicitamente da
Constituição Federal. E servem de base para uma teoria redutora de danos
defendida por Roig46. Adotando o rol acima como referência, passemos a
breve explicação de cada um desses princípios.
Princípio da humanidade
A Constituição trouxe como centro axiológico do ordenamento jurídico a
dignidade da pessoa humana.
Conforme ensina Sarmento, o princípio da dignidade da pessoa
humana tem múltiplas funções na ordem jurídica brasileira, o que é
natural, haja vista sua importância capital e seu vastíssimo âmbito de
incidência: (i) fator de legitimação do Estado e do Direito, (ii) norte
para a hermenêutica jurídica, diretriz para a ponderação entre
interesses colidentes, (iii) fator de limitação de direitos fundamentais,
(iv) parâmetro para o controle de validade de atos estatais e particulares,
(v) critério para a identificação de direitos fundamentais e (vi) fonte de
direitos não enumerados47.
Dessa forma, tendo como base o imperativo categórico de Kant48, os
presos não podem ser tratados como meros objetos da execução penal, mas
sim como verdadeiros sujeitos de direitos, devendo ser rechaçadas
quaisquer argumentações utilitaristas ou organicistas49.
Dito isso, os princípios informadores da execução penal extraídos da
CRFB/88 e da própria dignidade, ante sua eficácia irradiante (dimensão
objetiva), servem de base para o legislador, e também como vetores na
atuação da autoridade judicial e da autoridade administrativa, além de
serem fundamentos da atuação diligente da defesa do preso, buscando-se a
limitação do poder punitivo estatal, bem como a restrição de direitos do
preso tão somente nos limites da sentença.
Além da base normativa constitucional, o princípio da humanidade tem
previsão em diversos documentos internacionais de direitos humanos: art.
5º, 2, da CADH (Pacto de São José da Costa Rica, Decreto n. 678/92); art.
10.1 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP)
(Decreto n. 592/92); art. 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos
(DUDH), entre outros.
Do princípio da humanidade decorre outro princípio: o da secularização.
Explica Salo de Carvalho
o termo secularização é utilizado para definir o processo de ruptura da
cultura eclesiástica com as doutrinas filosóficas e as instituições
jurídico-políticas, que ocorreu gradualmente a partir do século XV,
objetivando expurgar da esfera civil o domínio da religião, sobretudo a
colonização de ideias realizada pela Igreja Católica. A inspiração
secularizadora ganharia relevo em 1781 com a Crítica da Razão Pura,
de Kant, atingindo o apogeu com as publicações de Feuerbach (1841) e
Nietzsche (1883) – A Essência do Cristianismo e Assim falou
Zaratustra, respectivamente50.
Dessa forma, a partir da separação entre o direito e valores morais ou
religiosos, não se pode impor determinado padrão moral aos presos. Busca-
se com esse princípio evitar a atuação dos empreendedores morais51.
Porém, infelizmente, o professor LFG já denunciava que presenciamos “os
grupos de presión mediáticos,de acordo com Díez Ripollés, conseguindo,
com progressiva regularidade, desencadear legislações de âmbito penal”52.
Neste ponto, importante lembrar que nossa Constituição de 1988 é
eclética, não impondo apenas uma forma de enxergar o mundo e de viver,
sendo conciliatória das mais variadas ideologias e pensamentos.
Ensina Pedro Lenza53 que, no tocante à dogmática, Pinto Ferreira,
valendo-se do critério ideológico e lembrando as lições de Paulino Jacques,
identifica tanto a Constituição ortodoxa como a eclética. Eclética seria
aquela formada por ideologias conciliatórias, como a brasileira de 1988
ou a da Índia de 1949. Nessa linha, alguns autores aproximam a eclética da
compromissória. Nas palavras de Canotilho, em uma sociedade plural e
complexa, a Constituição é sempre um produto do pacto entre forças
políticas e sociais. Por meio de barganha e de argumentação, de
convergência e de diferenças, de cooperação na deliberação mesmo em caso
de desacordos persistentes, foi possível chegar, no procedimento
constituinte, a um compromisso constitucional ou, se preferirmos, a vários
compromissos constitucionais.
Roxin54 afirmou que há muitos argumentos a favor para que o legislador
moderno, mesmo que esteja legitimado democraticamente, não penalize
algo simplesmente porque não gosta. A crítica veemente a um governo, a
prática de convicções religiosas forâneas ou um comportamento privado
que se afaste da norma civil serão circunstâncias incômodas para uma
autoridade que põe especial interesse em cidadãos obedientes, conformistas
e facilmente dirigíveis. A história – também, inclusive, a atual – conhece
muitos exemplos de uma justiça penal que busca a repressão de um
comportamento semelhante. Entretanto, de acordo com o estândar
alcançado por nossa civilização ocidental, a penalização de um
comportamento necessita, em todo caso, de uma legitimação diferente da
simples discricionariedade do legislador.
O princípio da secularização é ainda o instrumento teórico para combater
a ortopedia social, o panoptismo e o exame, presentes em uma sociedade
disciplinar55 como a nossa muitas vezes pretende ser, que tem como um dos
objetivos declarados da pena a ressocialização do indivíduo (função
preventiva especial positiva)56.
Princípio da legalidade
O princípio da legalidade no âmbito da execução penal possui previsão
nos arts. 3º e 45 da LEP. Por esse princípio, somente condutas previstas em
lei poderão ser tipificadas como infrações disciplinares, assim como os
deveres do preso são somente aqueles previstos em lei. Além disso, a lei
posterior que de qualquer forma beneficie o preso deverá ser aplicada pelo
juízo da execução, nos termos do art. 66, I, da LEP. E não poderia ser
diferente. O princípio da legalidade possui base constitucional e
convencional (art. 5º, XXXIV e XL, da CRFB/88, art. 9º da CADH, art. 9.1
do PIDCP).
Como ensina o professor Juarez Cirino dos Santos57, o princípio da
legalidade é o mais importante instrumento constitucional de proteção
individual moderno Estado Democrático de Direito porque proíbe (a) a
retroatividade como criminalização ou agravação da pena de fato anterior,
(b) o costume como fundamento ou agravação de crimes e penas, (c) a
analogia como método de criminalização ou de punição de condutas e (d) a
indeterminação dos tipos legais e das sanções penais. O significado político
do princípio da legalidade é expresso nas fórmulas de Lex praevia, de Lex
scripta, de Lex stricta e de Lex certa. Decorre da fórmula latina do nullum
crimen, nulla poena sine lege, inaugurada por Feuerbach.
DICA DO AUTOR: A Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais
cobrou em seu último concurso o princípio da normatividade,
nomenclatura adotada pelos defensores públicos José Adaumir Arruda da
Silva e Arthur Corrêa da Silva Neto58 para abranger leis e regulamentos,
baseados no art. 49 da LEP. Cada ente deveria, por meio de lei, tipificar as
faltas leves e médias. No entanto, na prática, são normas regulamentares
que estabelecem faltas leves e médias, tanto no âmbito do Sistema
Penitenciário Federal (Decreto n. 6.049/2007) como em diversos Estados.
Há, porém, precedentes exigindo justamente observância à reserva de lei.
Nesse sentido: Habeas corpus. Execução da pena. Anotação de falta
disciplinar de natureza média. Conduta prevista apenas em manual de
procedimentos de secretaria estadual. Ilegalidade. Art. 49 da LEP.
Competência do Estado para descrever atos caracterizadores de faltas
disciplinares de natureza média e leve. Princípio da reserva legal. Ordem
concedida.
1. Para imputação do cometimento de faltas disciplinares de
natureza média ou leve, ex vi do art. 49 da Lei de Execuções Penais,
é necessária previsão legal estadual.
2. Nesse contexto, se o preso foi surpreendido com suposta bebida
alcoólica dentro da cela e essa conduta não está prevista como falta
disciplinar de natureza média ou leve pela legislação estadual, conduta
descrita como infração disciplinar apenas em regimento interno de
secretaria estadual, não há como ser reconhecida a falta (STJ, HC
176.036-SP (2010/0107699-5), Rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, DJe 13/08/2012).
No âmbito da execução penal, como bem ressalta Roig59, o brocardo da
legalidade na vertente do nullum crimen, nulla poena sine lege certa
impede a criação e aplicação de tipos penais e disciplinares com fórmulas
genéricas ou indeterminadas, que possam dar margem ao abusivo arbítrio
estatal.
Fundando-se nessa premissa, é possível questionar a própria
constitucionalidade dos incisos I e III do art. 50, que apontam como faltas
graves as condutas de incitar ou participar de movimento para subverter a
ordem ou a disciplina e de possuir indevidamente instrumento capaz de
ofender a integridade física de outrem.
Além disso, sob o prisma da legalidade em sua vertente estrita,
igualmente criticável o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça ao
afirmar que, após a vigência da Lei n. 11.466, de 28 de março de 2007,
constitui falta grave a posse de aparelho celular ou de seus componentes,
tendo em vista que a ratio essendi da norma é proibir a comunicação entre
os presos ou destes com o meio externo.
Para aprofundar e encerrar este ponto, importante abordar o conceito de
juridicidade. Explica o professor Rafael Carvalho Rezende Oliveira60 que,
com a crise da concepção liberal do princípio da legalidade e o advento do
pós-positivismo, a atuação administrativa deve ser pautada não apenas pelo
cumprimento da lei, mas também pelo respeito aos princípios
constitucionais, com o objetivo de efetivar os direitos fundamentais.
Princípio da não marginalização (ou não discriminação)
Esse princípio decorre dos objetivos fundamentais previstos no art. 3º da
CRFB/88; da própria dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da
CRFB/88); do art. 1.1 da CADH; do art. 2.1 do PIDCP; da regra n. 2 de
Mandela (Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de
Reclusos), entre outros.
É preciso ter em mente que o recluso encontra-se em posição de extrema
vulnerabilidade. O professor Nilo Batista afirma que o sistema penal é
apresentado como igualitário, atingindo igualmente as pessoas em função
de suas condutas, quando na verdade seu funcionamento é seletivo,
atingindo apenas determinadas pessoas, integrantes de determinados grupos
sociais, a pretexto de suas condutas. As exceções, além de confirmarem a
regra, são aparatosamente usadas para a reafirmação do caráter igualitário.
O sistema penal é também apresentado como justo, na medida em que
buscaria prevenir o delito, restringindo sua intervenção aos limites da
necessidade, quando de fato seu desempenho é repressivo, seja pela
frustração de suas linhas preventivas, seja pela incapacidade de regular a
intensidade das respostas penais, legais ou ilegais. Por fim, o sistema penal
se apresenta comprometido com a proteção da dignidade humana, quando
na verdade é estigmatizante, promovendo uma degradação na figura
social de sua clientela61.
Zaffaroni trabalha o conceito de culpabilidade por vulnerabilidade,
ante a constatação

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