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1 Bases constitucionais da Administração Pública Resumo nº 5 ATO ADMINISTRATIVO 1. NOÇÕES DIÓGENES GASPARINI pontua que “se observarmos a atividade administrativa, verificaremos que, para o atingimento dos fins a que se propõe, a Administração Pública, como parte e no exercício de suas prerrogativas, decorrentes da lei ou sob o seu império, pratica uma série de atos chamados atos da Administração Pública”.1 Em igual sentido, DI PIETRO afirma que “Partindo-se da ideia da divisão de funções entre os três Poderes do Estado, pode-se dizer, em sentido amplo, que todo ato praticado no exercício da função administrativa é ato da Administração.”2 A mesma autora ressalta que “Essa expressão – ato da Administração – tem sentido mais amplo do que a expressão ato administrativo, que abrange apenas determinada categoria de atos praticados no exercício da função administrativa”. Com base nestas ideias, GASPARINI propõe a seguinte classificação: I – Ajurídicos atos materiais Atos da Administração Pública II – Jurídicos 1. atos regidos pelo Direito Privado 2. atos regidos pelo Direito Público (atos administrativos) ▪ Os atos materiais (também chamados fatos administrativos) sequer são atos jurídicos, porquanto não se preordenam à produção de qualquer efeito jurídico. Não expressam uma manifestação de vontade, juízo ou conhecimento da Administração Pública sobre dada situação, mas, ao contrário, traduzem mero trabalho ou operação técnica dos agentes públicos. Eles não produzem efeito jurídico senão por via indireta, nos casos de danos. São exemplos de atos materiais: abertura de vala para a canalização de água e esgoto, a construção de vias públicas, a construção de prédios públicos, o ministério de aulas por professor de escolas públicas, o atendimento por médico de órgão público de saúde, a varrição de ruas, etc. ▪ Os atos regidos pelo direito privado são aqueles em cuja prática a Administração Pública despe-se das prerrogativas que lhe são inerentes e iguala-se, praticamente em tudo, ao 1 “Direito Administrativo”, 2008, Saraiva, p. 58. 2 “Direito Administrativo”, 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 192. 2 particular. Exemplos deles são o ato de locação de prédio para a instalação de repartição pública e o de aquisição de gêneros alimentícios para a produção de merenda em escolas públicas. ▪ Os atos administrativos são atos jurídicos por meio dos quais o Poder Público (predominantemente, o Poder Executivo) exerce a função administrativa. Neste sentido, o conceito de ato administrativo é fundamentalmente o mesmo do ato jurídico,3 do qual se diferencia por ser praticado por órgãos ou entidades da Administração Pública e, também, por ser regido pelo direito público. No entanto, para alguns autores, os “atos regidos pelo direito privado” também devem ser considerados “atos administrativos”. É o caso de Fábio Bellote Gomes, para quem “Os atos administrativos são divididos em duas espécies conforme o uso ou não dos poderes estatais pela Administração Pública na sua prática”.4 Assim, segundo o referido doutrinador, os “atos administrativos” se apresentam sob as seguintes espécies: a) Atos administrativos típicos São os atos administrativos praticados pela Administração Pública no uso de seus poderes administrativos ou estatais. A prática e a execução dos atos administrativos típicos é de competência privativa da Administração Pública, nos termos da lei aplicável, podendo se dar entre entidades estatais (por exemplo, entre União e Estado-membro) ou entre uma entidade estatal e um ou mais administrados. b) Atos administrativos atípicos São atos jurídicos praticados pela Administração Pública sob o regime de Direito Privado (e não de Direito Público, como seria usual), portanto, sem o uso, por parte da Administração Pública, de seus poderes administrativos. Disso resulta que, na eventual prática desses atos, a Administração Pública se coloca no mesmo nível dos administrados. Os atos administrativos atípicos, enquanto regidos pelo Direito Privado, são de ocorrência excepcional na dinâmica administrativa e, por conseguinte, estão fora da disciplina dos atos administrativos típicos, estes sim objeto de estudo do Direito Administrativo. 2. CONCEITO Pode-se conceituar o ato administrativo a partir de dois critérios, a saber: a) Critério subjetivo : ato administrativo é o que ditam os órgãos administrativos, ficando excluídos os atos provenientes dos órgãos legislativo e judicial, ainda que tenham a mesma natureza daqueles; por outro lado, ficam incluídos todos os atos da Administração, pelo só fato de serem emanados de órgãos administrativos (Ex. atos normativos do Executivo). 3 De acordo com o art. 81 do Código Civil de 1916, ato jurídico é “todo ato lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos”. 4 “Elementos de Direito Administrativo”. São Paulo: Manole, 2006, p. 47. 3 b) Critério objetivo : ato administrativo é somente aquele praticado no exercício concreto da função administrativa, seja ele editado pelos órgãos administrativos ou pelos órgãos judiciais e legislativos. Assim, por este critério, ficam excluídos do conceito de ato administrativo os atos práticos pelo Poder Legislativo e pelo Poder Judiciário no exercício de sua função típica (respectivamente, função legislativa e função jurisdicional), bem como pelo Poder Executivo no exercício de sua função política (de governo). No Brasil, a doutrina majoritária inclina-se pela definição a partir do critério objetivo, consoante se depreende dos seguintes conceitos: “ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administradores ou a si própria”. (HELY LOPES MEIRELLES) “ato administrativo é a declaração unilateral da Administração Pública, manifestada por agente competente, com vistas ao interesse público, criando, mantendo, modificando ou extinguindo relações jurídicas ou ainda impondo deveres ao administrado e a si própria, com força de imperatividade.” (EDIMUR FERREIRA DE FARIA) “podemos definir ato administrativo como toda manifestação expedida no exercício da função administrativa, com caráter infralegal, consistente na emissão de comandos complementares à lei, com a finalidade de produzir efeitos jurídicos.” (ALEXANDRE MAZZA) “podemos, então, conceituar o ato administrativo como sendo a exteriorização da vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público." (JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO) 3. REQUISITOS DO ATO ADMINISTRATIVO Se acordo com a doutrina clássica, para constituir-se validamente, o ato administrativo precisa revestir-se de cinco requisitos, ou elementos, ou pressupostos: a) sujeito competente b) finalidade pública c) forma prescrita em lei d) motivo e) objeto 3.1 Sujeito competente Não basta que o ato administrativo seja expressado pela Administração Pública, carecendo que o agente que atua em nome dela, declarando sua vontade, titularize competência jurídica para tanto. Competência é o conjunto de atribuições das pessoas jurídicas, órgãos e agentes, fixadas pelo direito positivo. Na lição de CAIO TÁCITO, “não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de direito.” Segundo MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, a competência: 4 decorre sempre de lei , não podendo o próprio órgão estabelecer, por si, as suas atribuições é inderrogável , seja pela vontade da Administração, seja por acordo com terceiros. Isso porquea competência é conferida em benefício do interesse público pode ser objeto de delegação ou de avocação , desde que não conferida com exclusividade 3.2 Finalidade pública Em verdade, toda atividade desenvolvida pela Administração Pública deve guiar-se para o atendimento de um único resultado ou bem jurídico, qual seja, o fim público, que nada mais é senão servir ao interesse da coletividade. Por isso, José Cretella Júnior afirma que “O fim de todo ato administrativo, discricionário ou não, é o interesse público”. (Curso de direito administrativo, 17ª ed., p. 270). Impõe-se ainda que, além dessa finalidade em sentido amplo – interesse público – cada ato administrativo destine-se a uma finalidade específica, própria do ato. Assim, por exemplo, no ato de transferência de determinado servidor de um local de trabalho para outro, a finalidade específica seria atender a necessidade de pessoal da unidade de destino. Verificada a ocorrência de desvio de finalidade – por exemplo, transferir um determinado servidor de um local de trabalho para outro apenas com o intuito de puni-lo, ou proceder à desapropriação de certo bem como forma de prejudicar o proprietário –, o ato administrativo expõe-se à invalidação. 3.3 Forma prescrita em lei Forma é o revestimento do ato. É o modo de existir do ato, de como ele se manifesta externamente. Pela forma se corporifica o ato. Enquanto a vontade dos particulares pode manifestar-se livremente, a da Administração exige procedimentos especiais e forma legal para que se expresse validamente. Tal exigência decorre da necessidade que tem o ato administrativo de ser contrastado com a lei e aferido, frequentemente, pela própria Administração e até pelo Judiciário, para verificação de sua validade. Em regra, a forma do ato administrativo é a escrita, mas se admite, excepcionalmente, a forma oral, seja em casos de urgência ou emergência, seja em situações específicas eventualmente previstas em lei, tais como: a) a advertência de servidor por prática de infração administrativa leve; b) a emissão de ordens do superior ao inferior hierárquico; c) o exercício da polícia do trânsito, que, por meio de gestos ou do apito, ordena ao motorista determinada conduta, nos termos do Código Brasileiro de Trânsito, etc. 5 Também em casos excepcionais se admite a existência de ato administrativo sem sequer um agir humano, tais como as ordens emitidas pelos semáforos e as placas regulamentares de trânsito, as quais, se descumpridas, acarretam ao transgressor as mais variadas consequências, como a apreensão do veículo, a apreensão ou a cassação da carteira de habilitação e as multas. 3.4 Motivo Na lição de EDIMUR FERREIRA DE FARIA, “O motivo é fundamental para qualquer comportamento do homem ou do Estado. Ele pode ser irrelevante ou injusto, mas terá de existir. No mundo jurídico, o motivo é fundamental para o exercício ou a prática do Direito. Ele pode vir expresso ou não na lei. Não estando previsto claramente na lei, compete ao agente público indicá- lo para decidir no caso concreto. A inexistência do motivo ou a alegação de motivo falso leva o respectivo ato a não ter validade jurídica.”5 No caso do ato administrativo, o motivo é a razão ou circunstância de fato ou de direito que autoriza ou determina a sua prática. Trata-se de situação do mundo real geradora da atuação administrativa. Por exemplo, na interdição de uma fábrica poluente, o motivo é a poluição (situação real); no ato de punição do servidor, é a infração por ele praticada; no tombamento, é o valor cultural do bem, etc. Nos atos administrativos vinculados, o motivo vem explicitado em lei. Nos discricionários, não. Veja-se, a propósito, a seguinte lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:6 “O motivo pode ser previsto em lei ou não. Quando previsto em lei, o agente só pode praticar o ato se houver ocorrido a situação prevista. Quando não há previsão legal, o agente tem liberdade de escolher a situação (motivo) em vista da qual editará o ato. Contudo, mesmo neste caso, se o agente se embasar na ocorrência de um dado motivo, a validade do ato dependerá da existência do motivo que houver sido enunciado. Isto é, se o motivo que invocou for inexistente, o ato será inválido. É esta vinculação do administrador ao motivo que houver alegado que se conhece doutrinariamente como teoria dos motivos determinantes.” Não se confunde motivo com motivação, pois esta é a exposição dos motivos, ou seja, é a demonstração, por escrito, de que os pressupostos de fato realmente existiram. Assim, para punir, a Administração deve motivar o seu ato, ou seja, demonstrar o motivo, que, no caso, é a infração a determinado dispositivo legal. Para alguns autores, a motivação somente é necessária em relação aos atos administrativos vinculados, pois, nesse caso, a Administração deve demonstrar que o ato está em conformidade com os motivos indicados na lei. Para outros, ela somente é obrigatória no caso dos atos discricionários, porque nestes é que, sem a motivação, não se teria meios de conhecer e controlar a legitimidade dos motivos que levaram a Administração a praticar o ato. Para um terceira corrente, a motivação é, em regra, necessária em relação a ambos os atos, por constituir garantia de legalidade tanto ao interessado como à própria Administração Pública. 5 “Curso de Direito Administrativo Positivo”, 5ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 179. 6 “Curso de Direito Administrativo”, 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 179. 6 3.5 Objeto (ou conteúdo) Sendo o ato administrativo espécie do gênero ato jurídico, ele só existe quando produz efeito jurídico, ou seja, quando, em decorrência dele, nasce, extingue-se, transforma-se um determinado direito. Esse efeito jurídico é o objeto do ato. Alguns autores se referem a objeto e a conteúdo do ato administrativo como duas realidades identificadas entre si mas ligeiramente distintas, como EDIMIR FERREIRA DE FARIA, que assim se pronuncia:7 “Ora, a criação ou a alteração do direito ou da situação jurídica é o objeto do ato administrativo e o conteúdo é o resultado dessa atuação administrativa. Desse modo, no ato de nomeação de servidor para o exercício de cargo público, o objeto é a nomeação. A alteração no mundo jurídico, decorrente da nomeação, ou melhor, o resultado concreto e prático obtido com a nomeação é o conteúdo.” A exemplo do que sucede no direito privado, o objeto deve ser: lícito (conforme à lei) possível (realizável no mundo dos fatos e do direito) certo (definido quanto ao destinatário, aos efeitos, ao tempo e ao lugar) moral (em consonância com os padrões comuns de comportamento, aceitos como corretos, justos, éticos) Buscando distinguir o objeto do ato administrativo com a sua finalidade, Di Pietro informa que “Enquanto o objeto é o efeito jurídico imediato que o ato produz (aquisição, transformação ou extinção de direitos), a finalidade é o efeito mediato”.8 Assim, por exemplo, na remoção de um servidor de uma seção para outra do mesmo órgão, o objeto é a modificação na lotação do servidor (efeito jurídico), enquanto a finalidade é a solução do problema de falta de pessoal na seção de destino. Quanto ao motivo , pode-se apontar a falta de pessoal na seção de destino. Ainda, alguns autores, como Alexandre Mazza, se referem ao objeto do ato administrativo como o bem ou a pessoa a que o ato faz referência, de modo que, desaparecendo ou inexistindo o objeto, o ato administrativo a que ele faz menção é tido como juridicamente inexistente. Exemplos: 1) promoção de servidor falecido; 2) alvará autorizando a “reforma de prédio” em terreno baldio.9 4. ATRIBUTOS DO ATO ADMINISTRATIVO 7 Opus cit., p. 178. 8 Opus cit., p. 216. 9 “Manual de Direito Administrativo”. São Paulo: Saraiva,2011, p. 186. 7 Atributos do ato administrativo são as características que permitem afirmar que ele se submete a um regime jurídico administrativo, ou a um regime jurídico de direito público. (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO) São os atributos dos atos administrativos que os distinguem dos atos jurídicos privados e lhes emprestam características próprias e condições peculiares de atuação. (HELY LOPES MEIRELLES) Os atributos dos atos administrativos decorrem da posição de supremacia da Administração Pública frente aos administrados. (DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR) São atributos do ato administrativo: a) a presunção de legitimidade b) a imperatividade c) a autoexecutoriedade Alguns autores acrescentam ao rol acima a “exigibilidade” e a “tipicidade”. Vejamos cada um desses atributos. 4.1 Presunção de legitimidade Também conhecido como presunção de legalidade ou presunção de veracidade, este atributo decorre da sujeição da Administração Pública à lei. Em face desse atributo, os atos administrativos, até prova em contrário (administrativa ou judicialmente), presumem-se em conformidade com o sistema normativo. Desta forma, enquanto não declarado inválido, o ato continua produzindo efeitos jurídicos. A presunção de legitimidade tem como uma de suas consequências a inversão do ônus da prova. Esta presunção, no entanto, é relativa (juris tantum), ou seja, pode ser afastada mediante prova inequívoca, a cargo do particular, da ilegalidade do ato. A sustação dos efeitos dos atos administrativos pode se dar através de recursos internos ou de ação judicial (mandado de segurança ou ação popular, por exemplo), em que se conceda a suspensão liminar, até o pronunciamento final de validade ou invalidade do ato impugnado. 4.2 Imperatividade É o atributo do ato administrativo que impõe a coercibilidade para seu cumprimento ou execução. A imperatividade decorre da só existência do ato administrativo, não dependendo da sua declaração de validade ou invalidade. Também decorre desse atributo que o ato administrativo impõe obrigações ao administrado, independentemente da concordância deste, ou seja, a Administração pode constituir o administrado unilateralmente em obrigações. “É uma capacidade de vincular terceiros a deveres jurídicos derivada do chamado poder extroverso. Ao contrário dos particulares, que só possuem 8 poder de auto-obrigação (introverso), a Administração Pública pode criar deveres para si e também para terceiros”. (ALEXANDRE MAZZA)10 4.3 Autoexecutoriedade Afirma DIÓGENES GASPARINI que: “A auto-executoriedade, ou simplesmente executoriedade, é a qualidade do ato administrativo que dá ensejo à Administração Pública de, direta e imediatamente, executá-lo. (...) Se o ato administrativo é portador desse atributo, a Administração Pública não necessita recorrer ao Poder Judiciário para garantir-lhe a execução.”11 Como se vê, a autoexecutoriedade é atributo pelo qual o ato administrativo pode ser posto em execução pela própria Administração Pública – usando a força física, se preciso for para desconstituir situação violadora da ordem jurídica –, sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário. Constitui exceção à regra da nulla executio sine titulo, que prevalece no direito privado. Justificando esse atributo, HELY LOPES MEIRELLES destaca que “realmente, não poderia a Administração bem desempenhar sua missão de autodefesa dos interesses sociais se, a todo momento, encontrando natural resistência do particular, tivesse que recorrer ao Judiciário para remover a oposição individual à atuação pública.”12 Quer dizer, a Administração pode autoexecutar as suas decisões com meios coercitivos próprios, sem necessitar de mandado judicial para tanto, tal como ocorre, por exemplo, nas seguintes situações: a) guinchamento de carro parado em local proibido, b) fechamento de restaurante pela vigilância sanitária, c) apreensão de mercadorias contrabandeadas, d) dispersão de passeata imoral, e) demolição de construção irregular, f) destruição de alimentos deteriorados expostos para venda, g) confisco de medicamentos necessários para a população em situação de calamidade pública, etc. Ressalte-se que o fato de a Administração não necessitar acionar o Judiciário não afasta o controle judicial a posteriori, que pode, assim, ser provocado pela pessoa que se sentir lesada pelo ato administrativo. De todo modo, alguns autores advertem que o reconhecimento da autoexecutoriedade tornou-se mais restrito a partir da CF/88, em cujo art. 5º, LV, é assegurado o contraditório e a ampla defesa inclusive nos procedimentos administrativos. 4.4 Exigibilidade Conforme o magistério de DIÓGENES GASPARINI, a exigibilidade “É a qualidade do ato administrativo que impende o destinatário à obediência das obrigações por ele impostas, sem necessidade de qualquer apoio judicial. Em razão disso, o Estado pode exigir e obter dos destinatários do ato administrativo o cumprimento da obrigação ou do dever imposto, sem auxílio de ordem judicial. A exigibilidade induz o destinatário à obediência do que prevê esse provimento. 10 “Manual de Direito Administrativo”, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 191 e 192. 11 Opus cit., pp. 75 e 76. 12 “Direito Administrativo Brasileiro”, 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 144. 9 As determinações para que o particular construa muro no alinhamento da rua ou pode árvores cujos galhos ameaçam a segurança da rede elétrica são atos portadores desse atributo. Com efeito, a não-execução do muro ou a não-realização da poda ensejam à Administração Pública a possibilidade de multar o administrado desobediente, sem necessitar do prévio reconhecimento desse direito (exigir o muro ou a poda de árvores) por parte do Poder Judiciário, ou mesmo da execução dessas tarefas pela própria Administração Pública e posterior cobrança do responsável por essas obrigações.”13 A diferença substancial entre a autoexecutoriedade e a exigibilidade está em que esta permite a aplicação de uma punição ao particular (exemplo: multa de trânsito) sem desconstituir materialmente a irregularidade (o carro continua parado no local proibido), enquanto a autoexecutoriedade permite, além da punição, desfazer concretamente a situação ilegal (guinchar o carro parado no local proibido). 4.5 Tipicidade Referida apenas por alguns autores, a “Tipicidade é o atributo pelo qual o ato administrativo deve corresponder a figuras definidas previamente pela lei como aptas a produzir determinados resultados. Para cada finalidade que a Administração pretende alcançar existe um ato definido em lei. Trata-se de decorrência do princípio da legalidade, que afasta a possibilidade de a Administração praticar atos inominados; estes são possíveis para os particulares, como decorrência do princípio da autonomia da vontade.” (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO)14 Por exemplo, se a regulamentação de um dispositivo legal deva ser realizada por decreto do chefe do Poder Executivo, a tipicidade impede que ela se dê por meio de portaria ministerial; ou, se o início de uma sindicância deva ser promovido por meio de portaria, a tipicidade impede que ele se dê por meio de um ofício. 5. CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS Não existe uniformidade entre os autores quanto à classificação dos atos administrativos, de modo que os subitens abaixo refletem somente um apanhado do que se encontra com alguma frequência nas obras de direito administrativo. 5.1 Quanto aos destinatários a) Atos gerais, abstratos ou impessoais São aqueles que têm por destinatários pessoas indeterminadas. Correspondem aos atos normativos expedidos pela Administração Pública (Ex. regulamentos, regimentos, instruções, resoluções, portarias, etc.). Como condição de validade para estes atos há necessidade de sua publicação, instrumento oficial de divulgação. b) Atos individuaisou concretos 13 “Direito Administrativo”, 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 75. 14 “Direito Administrativo”, 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 203. 10 Ao contrário dos anteriores, são os atos que têm por destinatários pessoas certas, determinadas e nominadas, produzindo efeitos jurídicos concretos (Ex. nomeação, demissão, autorização, licença, etc.). Podem destinar-se a mais de uma pessoa, bastando, para tanto, que estejam nominadas (Ex. nomeação de 50 pessoas aprovadas em concurso público). 5.2 Quanto ao âmbito de validade do ato a) Atos internos São os destinados a produzir efeitos no interior das repartições públicas, de modo que incidem, normalmente, sobre os órgãos e agentes da própria Administração que os expediu (Ex. nomeação, promoção ou punição de um servidor público). b) Atos externos São todos aqueles que alcançam os administrados (Ex. desapropriação de um imóvel rural, para fins de reforma agrária) 5.3 Quanto à formação do ato a) Atos simples São os resultantes da vontade expressada por um único órgão ou agente público. (Ex. nomeação ou demissão de um servidor público, autorização de uso, licença para dirigir, etc.) b) Atos complexos São os atos resultantes da conjugação de vontades autônomas de órgãos diversos. Ex. investidura de Ministro do STJ, que resulta da soma da vontade do próprio Tribunal, na formação da lista tríplice, com a vontade do Presidente da República na escolha de um nome que integra aquela lista. Também, a investidura de Ministro do STF, que resulta da soma da vontade do Presidente da República, com a vontade do Senado Federal. c) Atos compostos São formados pela manifestação de dois órgãos: um que define o conteúdo do ato e o outro que verifica a sua legitimidade. Enquanto a vontade do primeiro órgão é a responsável pela elaboração do ato, a manifestação do segundo órgão possui caráter instrumental ou complementar. Dá-se como exemplo o parecer elaborado por agente público, que depende do visto da autoridade superior para produzir efeitos. Ressalte-se que alguns autores, como CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, referem-se apenas a atos simples e atos complexos, pois inserem nesta última categoria inclusive os atos que outros doutrinadores classificam como compostos ─ isto é, não fazem a distinção aqui apresentada nos itens “b” e “c”. 5.4 Quanto ao grau de liberdade a) Atos vinculados 11 São aqueles que a Administração Pública expede sem qualquer margem de liberdade para a escolha de seus elementos ou requisitos, que já vêm definidos em lei (Ex. licença para construir, concessão de aposentadoria, etc.). A respeito desses atos, EDIMUR FERREIRA DE FARIA assim se expressa: “São denominados atos vinculados os editados em virtude do poder vinculado ou regrado, aqueles em que o agente público não tem a oportunidade de escolha. A lei já lhe traçou previamente a direção e a conduta que deve adotar, ante o caso concreto. Nessa hipótese, a norma traça a linha que servirá de Paula para o agente editor do ato. A ele não é facultada a escolha; terá de praticar o ato no momento, nas condições e modos preditos pela norma jurídica.”15 b) Atos discricionários O clássico HELY LOPES MEIRELLES pontifica que “Atos discricionários são os que a Administração pode praticar com liberdade de escolha de seu conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência, de sua oportunidade e do modo de sua realização. (...) A discricionariedade administrativa encontra fundamento e justificativa na complexidade e variedade dos problemas que o Poder Público tem que solucionar a cada passo e para os quais a lei, por mais casuística que fosse, não poderia prever todas as soluções, ou, pelo menos, a mais vantajosa para cada caso ocorrente.”16 Exemplo de ato discricionário é a outorga de permissão de uso de bem público, pois, neste caso, a edição do ato ocorre depois de uma avaliação subjetiva da Administração Pública, no que respeita ao mérito, dado que a lei não prescreve para o agente público um só comportamento. Assim, segundo o interesse público do momento, a autoridade competente defere o indefere a solicitação do particular. Em rigor, a discricionariedade não se manifesta no ato em si, mas no poder de a Administração praticá-lo pela maneira e nas condições que repute mais convenientes ao interesse público. Por isso mesmo, alguns autores entendem não se poder falar em ato discricionário, mas sim em ato praticado no exercício do poder discricionário. Evidentemente, atos discricionários não se confundem com os atos arbitrários, pois “discrição” é liberdade de ação dentro dos limites legais, enquanto “arbítrio” é ação contrária ou excedente da lei. Desta forma, apenas os primeiros são legais. Importante observar que a discricionariedade somente pode estar nos meios e modos de administrar, nunca nos fins a atingir. Em relação aos fins, não existe jamais, para a Administração, um poder discricionário, já que eles são ditados pelo ordenamento jurídico, isto é, pela legislação. Por fim, mesmo os atos discricionários não podem prescindir de certos requisitos, tais como: a) a competência legal de quem os pratica; b) a forma prescrita na legislação, e c) o fim indicado no texto legal em que o administrador se apóia. 15 “Curso de Direito Administrativo Positivo”, 6ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 273. 16 Opus cit., p. 151. 12 Exemplos de atos discricionários: a escolha de via pública para instalação de feira livre, a realização de concurso já autorizado por lei, etc. 6. ATOS ADMINISTRATIVOS EM ESPÉCIE 6.1 Quanto ao conteúdo a) Autorização É ato unilateral, discricionário e precário (pode ser revogado, unilateralmente, pela Administração Pública, sem direito a indenização, eis que visa satisfazer algum interesse do administrado), por meio do qual se possibilita ao interessado: a) o exercício de certa atividade material (Ex. porte de arma, serviço de táxi, fabricação de material bélico); b) a utilização de bem público em caráter privativo (Ex. instalação de banca de jornal em praça pública); ou c) a prestação de serviço público (Ex. serviços de telecomunicação, energia elétrica, radiodifusão sonora e de sons e imagens, navegação aérea, transporte rodoviário interestatual e internacional de passageiros, etc., conforme CF/88, art. 21, XI e XII) A autorização pode ser gratuita ou onerosa; simples (sem estipulação de prazo) ou qualificada (com estipulação de prazo). b) Permissão Também é ato unilateral, vinculado ou discricionário, por meio do qual se possibilita ao administrado a utilização de bem público ou a prestação de serviço público. É vinculado se, em relação ao pedido do particular, a Administração não tem liberdade para decidir, isto é, se está obrigada a outorgar o direito pleiteado, desde que atendidas as condições legais pelo interessado. Por outro lado, é discricionário se sobre o pedido a Administração Pública tem liberdade para decidir, concordando ou não com a solicitação. E, nesse caso, a permissão é revogável em função do interesse público, a qualquer momento após sua outorga, sem nenhuma indenização, sendo irrelevante o fato de ter o interessado atendido a todas as exigências legais. A permissão distingue-se da autorização também pelo fato de exigir a realização de prévia licitação pública para a determinação do beneficiário do ato (CF/88, art. 175). Também pode ser gratuita ou onerosa; simples ou qualificada. c) Licença É ato unilateral e vinculado, por meio do qual a Administração outorga a alguém, que para isso se interesse, o direito de realizar certa atividade material que sem ela lhe seria vedada, desde que satisfeitas as exigências legais. Desse modo, atendidos os requisitos previstos em lei, não 13 tem, sob pena de ilegalidade,como ser negada pela Administração Pública a licença solicitada pelo administrado. É, pois, direito subjetivo do interessado. Exemplos: licença para construir (materializada num “alvará de construção”) e licença para o exercício de certa atividade profissional (materializada num “alvará de funcionamento”). Diferencia-se da autorização no sentido de que esta é discricionária, enquanto a licença é vinculada. Trata-se de ato vinculado porque, satisfeitas as exigências legais, por parte do administrado, a Administração Pública obriga-se a concedê-la. Ao mesmo tempo, é definitivo no sentido de que, enquanto o administrado conservar-se observando as exigências legais, a Administração Pública obriga-se a manter a licença. d) Admissão É ato unilateral e vinculado pelo qual a Administração Pública reconhece ao particular, que preencha os requisitos legais, o direito ao desfrute ou ao gozo de um determinado serviço público. (Ex. matrícula de um aluno em estabelecimento público de ensino, inscrição como usuário de biblioteca pública, etc.). A admissão não pode ser negada se o administrado implementou todas as condições para o ingresso no estabelecimento governamental e desfrutar dos serviços oferecidos. e) Aprovação É o ato unilateral e discricionário pelo qual a Administração Pública faculta a prática de certo ato jurídico ou concorda com o já praticado para lhe dar eficácia, se conveniente e oportuno. Como se vê, a aprovação pode ser anterior ou posterior, e, por ser discricionária, pode ou não ser concedida, sendo para isso irrelevante o atendimento das exigências legais. É anterior quando a apreciação de mérito ocorre antes da edição do ato submetido a esse controle (Exemplos: pronunciamento do Conselho da República sobre a intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio; aprovação, pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, do ato de destituição do Procurador-Geral da República). É posterior quando a apreciação da conveniência e oportunidade do ato submetido a esse controle acontece depois de sua edição (Exemplo: a aprovação, pelo Senado Federal, da exoneração de ofício do Procurador-Geral da República; o ato do Congresso Nacional, editado com base no art. 62 da CF/88, que aprova medida provisória expedida pelo Presidente da República). A aprovação constitui típico ato administrativo de controle. f) Homologação Também um ato administrativo de controle, é aquele ato unilateral e vinculado por meio do qual a Administração Pública, reconhecendo a legalidade de um ato jurídico já praticado, manifesta sua concordância com ele. É sempre posterior, em relação ao ato objeto da homologação. 14 Exemplos: ato do Tribunal de Contas da União que aprecia as concessões iniciais de aposentadoria, reforma e pensões outorgadas pelo Executivo Federal, para lhes dar eficácia; o ato praticado pela autoridade competente que delibera sobre o procedimento licitatório. Diferencia-se da aprovação em razão da natureza do exame. Na homologação examinam-se os aspectos de legalidade; na aprovação analisam-se os de conveniência e oportunidade, isto é, o mérito do ato praticado. A aprovação é ato discricionário, enquanto a homologação é ato vinculado. A homologação é sempre posterior, enquanto a aprovação pode ou não ser posterior. g) Concessão É ato administrativo discricionário ou vinculado, mediante o qual a Administração outorga aos administrados um status, uma honraria ou, ainda, faculta-lhes o exercício de uma atividade material. Exemplos: a concessão da cidadania brasileira (status), a concessão de uma comenda (honraria) e a concessão de lavra (exercício de atividade material). O termo concessão também é usado como indicador de ato jurídico de natureza contratual, como ocorre na concessão de uso de bem público e na concessão de prestação de serviços públicos (CF/88, art. 175). h) Dispensa É a liberação de alguém que se achava obrigado a um dado comportamento, à vista da ocorrência de determinada circunstância. Se o comportamento lhe fora imposto por lei, somente por lei pode ocorrer a liberação. Hão de ser observados o paralelismo de forma e hierarquia nos atos que impõem e que exoneram alguém de um dado comportamento e a efetiva ocorrência dos pressupostos da dispensa, sob pena de ilegalidade da liberação. Exemplo: o ato que libera, numa tomada de preços, a apresentação de certos documentos se o proponente estiver cadastrado; o ato que libera do pagamento da tarifa metroviária passageiro sexagenário. A dispensa, consoante a lei que a instituir e disciplinar, tanto pode ser vinculada como discricionária. i) Adjudicação Em sentido amplo, adjudicação significa atribuir a alguém certa coisa. É expressão utilizada, com esse significado, tanto no âmbito do Judiciário como na esfera da Administração Pública. No âmbito da Administração Pública, adjudicação é ato administrativo que atribui a alguém um certo direito. É, por exemplo, o que ocorre na licitação: concluído esse procedimento, cabe à autoridade competente deliberar quanto à homologação e adjudicação do objeto da licitação. j) Revogação É o ato administrativo que retira, parcial ou totalmente, um ato administrativo válido e eficaz do ordenamento jurídico, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os efeitos por ele já produzidos. A permissão de uso de bem público, que é ato administrativo geralmente veiculado por decreto, pode ser revogada por outro ato administrativo veiculado por decreto. Pela revogação também extingue-se a licitação. k) Invalidação 15 É o ato administrativo que retira retroativamente, parcial ou totalmente, um ato administrativo praticado em desconformidade com o ordenamento jurídico. É também chamado de anulação. O ato de declaração expropriatória praticado com desvio de finalidade (perseguição ao proprietário, por exemplo) viola o ordenamento jurídico e dele deve ser retirado. Essa retirada é conseguida com a prática do ato de invalidação. 6.2 Quanto à forma (ou exteriorização do ato admini strativo) a) Decreto Emanado dos chefes do Poder Executivo, veicula atos administrativos de suas respectivas competências. Pelo decreto são instrumentalizados tanto os atos concretos, a exemplo da declaração de utilidade pública de certos bens para fins de expropriação ou do desligamento de um funcionário do serviço público, como os atos abstratos (normativos), a exemplo dos regulamentos (Regulamento do Imposto de Renda, Regulamento do IPI, Regulamento da Previdência Social, Regulamento do ICMS, etc.). Não confundir decreto com decreto-legislativo, pois este último é ato próprio e exclusivo do Poder Legislativo. b) Resolução É a fórmula de que se valem os órgãos colegiados para manifestar suas deliberações em assuntos de sua respectiva competência ou para dispor sobre seu próprio funcionamento. Exemplos: o Conselho Nacional de Trânsito, por meio de resolução, disciplina o estacionamento de veículos nas vias públicas; as Câmaras Municipais aprovam o seu próprio regimento interno, etc. A resolução é muitas vezes utilizada em lugar da deliberação, que é o veículo próprio das decisões dos órgãos colegiados. c) Portaria É a fórmula pela qual as autoridades de qualquer escalão de comando, desde que inferiores ao chefe do Executivo, expedem orientações gerais ou especiais aos respectivos subordinados, ou designam servidores para o desempenho de certas funções, ou, ainda, determinam a abertura de sindicância e inquérito administrativo. Não se prestam para veicular medidas que possam alcançar ou obrigar particulares, embora muitas vezes isso, indevidamente, aconteça. d) Alvará Instrumento pelo qual a Administração Pública expede licença ou autorização para a prática de ato ou exercício de atividade sujeitos ao poder de polícia do Estado. Em verdade, o alvará é a forma, é o revestimento exterior do ato de concessão da licençaou da autorização. Estas são apenas o conteúdo do ato. e) Circular É a fórmula mediante a qual os superiores transmitem ordens uniformes aos respectivos subordinados sobre certo serviço. f) Ordem de serviço 16 É a fórmula com que os superiores transmitem, aos respectivos subordinados, a maneira de ser conduzido certo e determinado serviço, no que respeita aos aspectos administrativos e técnicos. Assemelha-se à circular. g) Instrução É a fórmula mediante a qual os superiores expedem normas gerais, de caráter interno, que prescrevem o modo de atuação dos subordinados em relação a certo serviço. Assemelha-se à circular e à ordem de serviço. h) Despacho É a fórmula com a qual a autoridade administrativa manifesta decisões finais e interlocutórias em processos submetidos à sua apreciação. São dessa natureza os atos de deferimento ou indeferimento de certo pedido ou os que determinam a juntada de documentos em dado processo. i) Parecer É a fórmula mediante a qual certo órgão ou agente consultivo expede, fundamentadamente, opinião técnica sobre matéria submetida à sua apreciação. O parecer é, comumente, individual, ou seja, destina-se tão-só ao caso que o ensejou, mas pode tornar-se normativo se, ao ser aprovado, impuser-se aos demais casos idênticos que surgirem no futuro. j) Certidão É a fórmula mediante a qual são veiculados os meros atos administrativos. É documento público resumido ou de inteiro teor que retrata o conteúdo do ato, fato ou comportamento certificado e que seja do conhecimento da Administração Pública ou que, por qualquer razão, esteja nos seus arquivos. Algumas vezes são cópias, fotocópias ou xerox de atos ou fatos constantes dos arquivos da Administração Pública. Nesses casos, sua validade depende de autenticação, embora nem sempre isso seja exigido. Na maioria das vezes, são expedidas a pedido de quem por elas tem algum interesse na defesa de direito ou no esclarecimento de situações de interesse pessoal, como o caso da comprovação do tempo de serviço público para fins de aposentadoria. A certidão deve ser requerida por escrito e indicado o motivo de seu pedido. 7. VÍCIOS DO ATO ADMINISTRATIVO Conforme MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “existem muitas controvérsias doutrinárias a respeito dos vícios dos atos administrativos, girando, principalmente em torno da possibilidade ou não de aplicar-se aos mesmos a teoria das nulidades do Direito Civil. Sendo o ato administrativo modalidade de ato jurídico, é evidente que muitos dos princípios do Código Civil podem ser aplicados; porém, não se pode deixar de considerar que o ato administrativo apresenta certas peculiaridades que têm que ser levadas em consideração; de um lado, com relação aos próprios elementos integrantes, que são em maior número e de natureza um 17 pouco diversa do que o ato de direito privado; de outro lado, com relação às consequências da inobservância da lei, que são diferentes no ato administrativo.” Ainda segundo a mesma autora, as principais diferenças que se apresentam entre os vícios dos atos privados e os vícios dos atos administrativos são os seguintes: a) os vícios dos atos privados atingem apenas interesses individuais, enquanto os vícios dos atos administrativos podem afetar o interesse de terceiros ou até mesmo o interesse público; por exemplo, a adjudicação, na licitação, a quem não seja o vencedor prejudica a este, aos demais licitantes e ao próprio interesse da Administração na escolha da melhor proposta; por isso mesmo, não pode o Poder Público ficar dependendo da provocação do interessado para declarar a nulidade do ato, incumbindo-lhe o poder-dever de fazê-lo, com base em seu poder de autotutela; daí decorre conceito diverso de ato anulável, no direito administrativo; b) por outro lado, diante de determinados casos concretos, pode acontecer que a manutenção do ato ilegal seja menos prejudicial ao interesse público do que a sua anulação; nesse caso, pode a Administração deixar que o ato prevaleça, desde que não haja dolo, dele não resulte prejuízo ao erário, nem a direitos de terceiros; é o que ocorre, por exemplo, com os atos praticados por funcionários “de fato”;17 c) finalmente, quanto aos vícios que atingem o ato administrativo, há modalidades peculiares que não existem no direito privado, como o excesso e o abuso de poder, a usurpação de função, o exercício de fato. Em relação aos atos privados, os vícios podem referir-se a qualquer um dos seus três elementos: sujeito, objeto e forma. Da mesma forma, os vícios dos atos administrativos podem atingir qualquer um dos seus cinco elementos: sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade. Vejamos cada um deles: 7.1 Vícios quanto ao sujeito Referem-se à incompetência ou à incapacidade do agente público. a) Incompetência Verifica-se quando o agente não possui aptidão legal para a prática do ato, ou quando ele pratica o ato exorbitando de suas atribuições. Incluem-se na categoria de vícios quanto à incompetência as seguintes figuras: ▪ usurpação de função : dá-se quando a pessoa que pratica o ato não foi por qualquer modo investida no cargo, emprego ou função públicos, ou seja, ela se apossa, por conta própria, do exercício de atribuições próprias de agente público, sem ter essa qualidade. É o mais grave 17 Para Di Pietro, funcionário de fato é a “pessoa que está investida em cargo, função ou emprego público, mas existe uma irregularidade na sua investidura. Por exemplo, o servidor precisava ter nível superior e não tem; ou foi nomeado para cargo inexistente; ou continua a trabalhar após completar 70 anos de idade. Em todos esses casos, existiu o ato de investidura, porém de alguma forma a situação contraria a lei.” (texto obtido em 16/09/2011, no seguinte endereço eletrônico: http://www.tcm.sp.gov.br/legislacao/doutrina/29a03_10_03/4Maria_Silvia2.htm). 18 defeito atinente ao requisito do sujeito, sendo até mesmo tipificado como crime no art. 328 do Código Penal, sob o título “usurpar o exercício de função pública”, punível com detenção de 3 meses a 2 anos e multa, ou, no caso de o agente auferir vantagem, reclusão de 2 a 5 anos e multa. São exemplos de atos praticados com este vício: a) auto de prisão expedido por quem não é delegado, b) multa de trânsito lavrada por particular e c) sentença prolatada por candidato reprovado no concurso da magistratura. ▪ excesso de poder : dá-se quando o agente público excede os limites de sua competência, exagerando na forma de defender o interesse público. Tanto quanto o desvio de poder, que é vício quanto à finalidade, o excesso é uma das espécies de abuso de poder, podendo, inclusive, configurar crime de abuso de autoridade (Lei nº 4.898, de 09/12/1965), hipótese em que o agente ficará sujeito tanto à responsabilidade administrativa como penal, sem prejuízo da responsabilidade civil, se de seu ato resultarem danos patrimoniais. Exemplo de ato praticado com excesso de poder, em clara ofensa ao princípio da proporcionalidade, seria a destruição, pelo agente fiscal de trânsito, de veículo estacionado em local proibido. ▪ função “de fato” : dá-se quando a pessoa que pratica o ato está irregularmente investida no cargo, emprego ou função, mas a sua situação tem toda aparência de legalidade. Caso típico é o do ato praticado após a publicação da portaria que concedeu férias ou licença ao agente público, mas sem que este tivesse ciência desse fato. No caso da função “de fato”, vale transcrever a seguinte lição de ALEXANDRE MAZZA:18 “Segundo jurisprudência majoritária, se o funcionário agir de boa-fé , ignorando a irregularidade de sua condição, em nome da segurança jurídica e da proibição de o estado enriquecer sem causa, seus atos são mantidos válidos e a remuneração não precisa ser restituída. Assim, os atos do funcionário de fato são simplesmente anuláveiscom eficácia ex nunc, sendo suscetíveis de convalidação. Comprovada, porém, a má-fé , caracterizada pela ciência da ilegalidade na sua investidura, os atos são nulos e a remuneração já percebida deve ser devolvida aos cofres públicos. Isso porque “Nemo demnatur nisi per legale judicium” (ninguém pode se beneficiar da própria torpeza). Nesse caso, os atos serão nulos com eficácia ex tunc." b) Incapacidade De acordo com a Lei federal nº 9.784, de 29/01/1999, as duas espécies de vício quanto à incapacidade são o impedimento (art. 18) e a suspeição (art. 20). Confira-se: Art. 18 . É impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou autoridade que: I - tenha interesse direto ou indireto na matéria; II - tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau; III - esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro. 18 “Manual de Direito Administrativo”. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 200. 19 Art. 20 . Pode ser argüida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau. Quanto às consequências desses dois vícios, temos que o impedimento gera presunção absoluta de incapacidade (por isso, nos termos do art. 21 da referida lei, a autoridade fica proibida de atuar, devendo obrigatoriamente comunicar o fato à autoridade competente, sob pena de incidir em falta grave), enquanto na suspeição essa presunção é apenas relativa (pela qual o vício fica sanado, se não for arguido pelo interessado no momento oportuno). 7.2 Vícios quanto à finalidade Trata-se do desvio de finalidade, definido pela Lei nº 4.717/65 como aquele que se verifica quando “o agente pratica o ato visando a um fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência” (art. 2º, parágrafo único, “e”). A doutrina chama a atenção para o fato de que não se deve averiguar apenas a adequação do ato à regra de competência, mas, também, fazer uma análise mais ampla, no sentido de verificar se o ato atende à finalidade pública. Estará viciado quanto à finalidade, por exemplo, o ato de desapropriação, praticado para prejudicar determinada pessoa. 7.3 Vícios quanto à forma De acordo com o art. 2º, parágrafo único, alínea “b”, da Lei nº 4.717/65, o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato. Por exemplo, estará viciado quanto à forma o ato de convocação dos interessados em participar de concorrência, se praticado por meio de decreto, já que a lei exige a forma de edital. 7.4 Vícios quanto ao motivo Na lição de ALEXANDRE MAZZA,19 esse defeito ocorre quando houver inexistência ou falsidade do motivo, a saber: a) inexistência do motivo : a inexistência do motivo se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamentou o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado positivo (art. 2º, parágrafo único, d, da Lei n. 4.717/65); Exemplo: a Administração pune um servidor que não cometeu infração alguma. b) falsidade do motivo : quando o motivo alegado não corresponde àquele efetivamente ocorrido. Exemplo: a Administração pune um servidor por uma infração diversa daquela que ele efetivamente praticou. 19 Opus cit., p. 201. 20 7.5 Vícios quanto ao objeto Como se sabe, o objeto do ato administrativo deve ser lícito, possível, moral e determinado. Portanto, haverá vício em relação ao objeto quando qualquer desses requisitos deixar de ser observado. Tome-se como exemplo um ato proibindo a morte (objeto impossível), ou que determina um comportamento contrário à ordem jurídica (objeto ilícito). Ou, ainda, procedendo à remoção de magistrado contra a sua vontade, em afronta à garantia constitucional da inamovibilidade. 8. EXTINÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS A Administração Pública declara a sua vontade através de atos administrativos, que são praticados para produzir efeitos jurídicos. Mas esses atos, como tudo na vida, nascem, desenvolvem-se e morrem. A “morte natural” do ato administrativo ocorre quando se cumprem os efeitos ao qual estava preordenado. No entanto, outras causas podem determinar a sua extinção, como veremos a seguir. 8.1 Extinção dos atos eficazes Em geral, os atos administrativos eficazes (isto é, os atos que já estão produzindo os efeitos para os quais foram preordenados) extinguem-se por um desses fatores: a) Cumprimento de seus efeitos jurídicos É forma de extinção do ato administrativo em razão de este já ter esgotados seus efeitos. É a chamada extinção natural. Ex.: pagamento de remuneração a servidor público. b) Desaparecimento do sujeito Chamada de extinção subjetiva, trata-se de forma de extinção que ocorre quando o sujeito que se beneficiou do ato desaparece. Ex.: autorização para porte de arma que se extingue com a morte do beneficiário. c) Desaparecimento do objeto Chamada de extinção objetiva, é forma de extinção que ocorre quando o objeto sobre o qual recai o ato desaparece. Ex.: bem tombado é destruído em razão de terremoto. d) Revogação Forma de extinção de um ato administrativo legal, efetuada somente pela Administração e com efeitos ex nunc, em virtude de ter ele se tornado inconveniente ou inoportuno (portanto, a medida se refere aos atos praticados no exercício do poder discricionário). Exemplo: revogação de ato de delegação de competência. e) Anulação 21 Forma de extinção de um ato administrativo por outro ato ou por decisão judicial, com efeitos ex tunc, por motivo de ilegalidade. Ex.: anulação de porte de arma concedido a menor de idade. Consoante a Lei nº 4.717, de 29.6.1965, que regula a Ação Popular: Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de: a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos motivos; e) desvio de finalidade. Veja-se, a propósito, o enunciado da Súmula nº 473, do Supremo Tribunal Federal: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.” Firme nessa diretriz da Suprema Corte, a Lei federal nº 9.784/99 assim preceitua: Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos. Entretanto, esse mesmo normativo acrescenta, logo em seguida: Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. Portanto, se inexistente má-fé, os atos administrativos ilegais de que resultarem efeitos favoráveis para os administrados se tornam insusceptíveis de anulação a partir do quinto ano contado da data em que foram praticados. f) Cassação Forma de extinção do ato em virtude de o beneficiário haver descumprido alguma condição que devia observar para continuar merecedor do desfrute. Ex.: extinção de licença de funcionamento de indústria que se tornou poluente, se a inexistência de poluição era condição para a manutenção do ato. g) Caducidade Forma de extinção do ato porque sobreveio nova legislação que impede a permanência da situação anteriormente consentida. Ex.:caducidade da autorização de uso de calçada pública, concedida a um restaurante, em virtude de lei superveniente proibir o uso privativo de calçadas por estabelecimentos comerciais. h) Renúncia 22 Forma de extinção do ato quando o próprio beneficiário abre mão de uma vantagem de que desfrutava. Por exemplo, dono de banca de jornal instalada há algum tempo em praça pública decide não continuar usufruindo da permissão de uso desse bem público. Assim, na renúncia, o beneficiário provoca a extinção do ato depois que este já produziu os seus efeitos jurídicos . i) Contraposição ou derrubada Forma de extinção do ato administrativo em razão da prática de um outro ato administrativo antagônico ao primeiro. Ex.: a exoneração de servidor extingue o ato de sua nomeação. 8.2 Extinção dos atos ineficazes Já quanto os atos ineficazes (isto é, os que aguardam a ocorrência de um termo ou condição parar que seus efeitos possam ser fruídos pelos respectivos destinatários), a extinção se dá por um desses fatores: a) Recusa É forma de extinção do ato administrativo por vontade do particular antes da produção dos seus efeitos . Dá-se como exemplo a extinção do ato de promoção de um servidor, por haver este se recusado a aceitá-la. b) Retirada Dá-se esse nome à extinção de um ato administrativo ineficaz por outro ato administrativo, por motivo de mérito ou de legalidade. Distingue-se da revogação e da invalidação (ou anulação), já que não há efeitos a serem preservados (revogação) ou desfeitos (invalidação). Exemplificamos com a retirada de um ato que deveria produzir efeitos a contar de 1º de janeiro do ano seguinte. 9. O SILÊNCIO ADMINISTRATIVO Muito se discute em sede doutrinária acerca dos efeitos do silencio da Administração Pública, ou seja, se o silêncio pode desencadear alguma consequência jurídica. Para Hely Lopes Meirelles, “a omissão da Administração pode representar aprovação ou rejeição da pretensão do administrado, tudo dependendo do que dispuser a norma competente”.20 Nesta mesma linha, Alexandre Mazza ressalta que, em regra, a inércia administrativa não tem importância para o Direito, podendo ocorrer, no entanto, de a lei atribuir-lhe algum significado específico, ligando efeitos jurídicos à omissão da Administração. Buscando dar exemplo a tal situação, o mesmo publicista afirma que “Se a lei estabelecer que o decurso de prazo sem manifestação da Administração implica aprovação da pretensão, o silêncio administrativo adquire o significado de aceitação tácita”, hipótese em que, inclusive, é desnecessária apresentação de motivação. 20 “Direito administrativo brasileiro”, p. 110. 23 “Em outros casos”, aduz o articulista, “a legislação pode determinar que a falta de manifestação no prazo estabelecido importa rejeição tácita do requerimento formulado. Nesse caso, a Administração pode ser instada, inclusive judicialmente, a apresentar os motivos que conduziram à rejeição da pretensão do Administrado”.21 21 Opus cit., p. 178.
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