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CONSTITUIÇÃO E TRIBUTAÇÃO Magnum Eltz Fiscalidade, parafiscalidade e extrafiscalidade Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Conceituar fiscalidade, parafiscalidade e extrafiscalidade. Identificar os tributos parafiscais e extrafiscais na legislação pátria. Discutir a jurisprudência acerca dos tributos parafiscais e extrafiscais. Introdução Os conceitos doutrinários de fiscalidade, extrafiscalidade e parafiscalidade não possuem eco expresso na legislação, muito embora sejam úteis à prática jurídica e reconhecidos pela jurisprudência pátria. Neste capítulo, estudaremos esses conceitos doutrinários, exemplos dessas classes de tributos aplicados à nossa legislação e, finalmente, como a jurisprudência lida com a legislação que trata desses tributos. Conceitos de fiscalidade, parafiscalidade e extrafiscalidade A tributação pode ser dividida conforme o sujeito ativo da relação tributária ou o objetivo da tributação. No primeiro caso, consideram-se os conceitos de parafi scalidade e fi scalidade. Já no caso do objetivo da tributação, consideram- -se os tributos entre os denominados fi scais e extrafi scais (Figura 1). Cap_04_Fiscalidade_parafiscalidade.indd 1 23/03/2018 14:25:03 Figura 1. Divisão da tributação. Tributação Sujeito ativo da relação tributária Para�scalidade Fiscalidade Tributos �scais (�nalidade arrecadatória) Tributos extra�scais (�nalidade regulatória) Objetivo da tributação O tributarista Paulo de Barros Carvalho (2012) adverte que fiscalidade, extrafiscalidade e parafiscalidade são termos normalmente empregados no discurso da Ciência do Direito para representar valores finalísticos que o legislador imprime na lei tributária. Segundo o autor, raríssimas são as referências que a eles faz o Direito Positivo, tratando- -se, portanto, de construções puramente doutrinárias. Quanto à classificação com base no sujeito ativo da relação tributária, Amaro (2006, p. 89) expõe que: Conforme o sujeito ativo da obrigação tributária seja ou não o Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal ou Municípios), o tributo diz-se fiscal ou parafiscal; o imposto de renda é um tributo fiscal; a contribuição sindical e a contribuição à Ordem dos Advogados do Brasil são tributos parafiscais. Dessa forma, os sujeitos ativos próprios (União, estados, Distrito Federal ou municípios) são classificados como titulares fiscais ou típicos. Por sua vez, os conselhos e outros órgãos que realizam a coleta de tributos são atípicos e, portanto, recolhem tributos parafiscais. Conforme ensina Carvalho (2012), as pessoas políticas (União, estados, Distrito Federal ou municípios) são sujeitos ativos típicos, pois só elas dispõem Fiscalidade, parafiscalidade e extrafiscalidade2 Cap_04_Fiscalidade_parafiscalidade.indd 2 23/03/2018 14:25:04 de competência tributária, visto serem as únicas dotadas de Poder Legislativo e, por consequência, aptas a produzirem inovações na ordem jurídica. E, segundo o autor: [...] exercer a competência tributária nada mais é que editar leis que instituam tributos ou regulem sua funcionalidade. A competência tributária pressupõe a capacidade ativa. Vale dizer, às três entidades a quem se outorgou a faculdade de expedir leis fiscais, atribuiu-se o poder de serem sujeitos ativos de relações jurídicas de cunho tributário. Desse modo, sendo a União competente para legislar sobre o IPI, será ela, em princípio, a pessoa capaz de integrar a relação jurídica, na condição de titular do direito subjetivo de exigir o aludido imposto. Assim ocorre com grande número de tributos, tanto vinculados como não vinculados. Omitindo-se o legislador a propósito do sujeito ativo do vínculo que irá desabrochar com o acontecimento do fato jurídico tributário, podemos perfeitamente entender que se referiu a si próprio, na qualidade de pessoa jurídica de direito público (CARVALHO, 2012, p. 349-350). Com relação aos sujeitos atípicos, o autor (CARVALHO, 2012, p. 350) os divide entre sujeitos arrecadatórios diretos e indiretos: Em algumas oportunidades, porém, verificamos que a lei instituidora do gravame indica sujeito ativo diferente daquele que detém a respectiva competência, o que nos conduz à conclusão de que uma é a pessoa competente, outra a pessoa credenciada a postular o cumprimento da prestação. Ora, sempre que isso se der, apontando a lei um sujeito ativo diverso do portador da competência impo- sitiva, estará o estudioso habilitado a reconhecer duas situações juridicamente distintas: a) o sujeito ativo, que não é titular da competência, recebe atribuições de arrecadar e fiscalizar o tributo, executando as normas legais correspondentes (CTN, art. 7º), com as garantias e privilégios processuais que competem à pessoa que legislou (CTN, art. 7º, § 1º), mas não fica com o produto arrecadado, isto é, transfere os recursos ao ente político; ou b) o sujeito ativo indicado recebe as mesmas atribuições do item a, acrescidas da disponibilidade sobre os valores arrecadados, para que os aplique no desempenho de suas atividades específicas. Nesta última hipótese, temos consubstanciado o fenômeno jurídico da parafisca- lidade. E é novamente Paulo Ayres quem assevera: “A não coincidência entre a titularidade da competência impositiva e a indicação do sujeito ativo da relação jurídica não desnaturam o caráter tributário da exigência. Da mesma forma, a disponibilidade do recurso ao eleito para figurar no polo ativo dessa mesma relação jurídica, com o objetivo de aplicação nos propósitos que motivaram a sua exigência, não modifica a sua natureza tributária. A parafiscalidade harmoniza-se plenamente com o conceito de tributo”. Dessa forma, para que seja caracterizada a parafiscalidade, o sujeito ativo atípico deve receber o tributo de forma direta para satisfazer as suas atividades, 3Fiscalidade, parafiscalidade e extrafiscalidade Cap_04_Fiscalidade_parafiscalidade.indd 3 23/03/2018 14:25:04 enquanto o sujeito ativo atípico que recolhe o tributo a ser redirecionado a outro ente se enquadra no conceito de fiscalidade. Para se enquadrar nesse conceito, ele deve formar parte do quadro de pessoas políticas. A respeito dos objetivos da tributação, ensina Amaro (2006, p. 89) que: Segundo o objetivo visado pela lei de incidência seja (a) prover de recursos a entidade arrecadadora ou (b) induzir comportamentos, diz-se que os tributos têm finalidade arrecadatória (ou fiscal) ou finalidade regulatória (ou extra- fiscal). Assim, se a instituição de um tributo visa, precipuamente, a abastecer de recursos os cofres públicos (ou seja, a finalidade da lei é arrecadar), ele se identifica como tributo de finalidade arrecadatória. Se, com a imposição, não se deseja arrecadar, mas estimular ou desestimular certos comportamentos, por razões econômicas, sociais, de saúde etc., diz-se que o tributo tem fina- lidades extrafiscais ou regulatórias. A extrafiscalidade, em maior ou menor grau, pode estar presente nas várias figuras impositivas. Têm, tipicamente, a configuração de tributos regulatórios os impostos sobre o comércio exterior. Segundo Carvalho (2012), Rubens Gomes de Sousa chama de parafiscais os tributos de finalidade regulatória, utilizando em duplo sentido a noção de parafiscalidade. Ou seja, a expressão “tributo fiscal” pode ser aceita tanto para designar o oposto de extrafiscal como o contrário de parafiscal, mas essas duas expressões devem ser empregadas com acepções específicas. Carvalho (2012, p. 347-348) complementa o conceito de fiscalidade ao estabelecer que: Fala-se, assim, em fiscalidade sempre que a organização jurídica do tributo denuncie que os objetivos que presidiram sua instituição, ou que governam certos aspectos da sua estrutura, estejam voltados ao fim exclusivo de abas- tecer os cofres públicos, sem que outros interesses — sociais, políticos ou econômicos — interfiram no direcionamento da atividade impositiva. Já sobre a extrafiscalidade, Carvalho (2012, p. 347) afirma que: A experiência jurídica nos mostra, porém, que vezes sem conta a compostura da legislação de um tributo vem pontilhada de inequívocas providências no sentido de prestigiar certas situações, tidas como social, política ou economi- Fiscalidade, parafiscalidade e extrafiscalidade4 Cap_04_Fiscalidade_parafiscalidade.indd 4 23/03/2018 14:25:04 camente valiosas, às quais o legislador dispensa tratamento mais confortável ou menos gravoso. A essa forma de manejar elementos jurídicos usados na configuração dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos meramente ar- recadatórios, dá-se o nome de extrafiscalidade. Alguns exemplos esclarecerão bem o assunto. A lei do Imposto Territorial Rural (ITR), ao fazer incidir a exação de maneira mais onerosa, no caso dos imóveis inexplorados ou de baixa produtividade, busca atender, em primeiro plano, a finalidades de ordem social e econômica e não ao incremento de receita. A legislação do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza (IR) permite o abatimento de verbas gastas em determinados investimentos, tidos como de interesse social ou econômico, tal o reflorestamento, justamente para incentivar a formação de reservas florestais no país. Assim, podemos concluir que a fiscalidade é o objetivo típico do tributo, pois a sua finalidade de sustentar o aparato estatal. A extrafiscalidade, no que lhe compete, desempenha funções atípicas do tributo, que podem variar de acordo com a vontade do legislador. Elas vão desde o incentivo a determinadas práticas pela seletividade de produtos para redução de alíquotas até o desincentivo de prá- ticas pelo aumento de alíquotas seletivas de determinados produtos ou serviços. Tributos parafiscais e extrafiscais na legislação pátria Como estudamos anteriormente, os tributos podem ser divididos de acordo com a sua titularidade, sendo eles fi scais ou parafi scais, e o seu objeto, sendo então classifi cados como fi scais ou extrafi scais. Para compreender melhor essas classifi cações, analisaremos alguns exemplos presentes na nossa legislação sobre os tributos atípicos de natureza parafi scal e extrafi scal. Na legislação, os tributos típicos estão representados pelo Sistema Tributário Nacional (STN) na sua aplicação tradicional, ao passo que os tributos atípicos estão identifi cados por disposições peculiares em relação aos demais. Os tributos de natureza parafiscal se encontram em legislações paralelas ao STN, uma vez que são definidos pela própria lei de criação das entidades ou fundos que lhes originam. Um exemplo clássico desse tipo de tributo é a figura das contribuições sociais do sistema “S”, composto por: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI); Serviço Social do Comércio (SESC); Serviço Social da Indústria (SESI); Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (SENAC). 5Fiscalidade, parafiscalidade e extrafiscalidade Cap_04_Fiscalidade_parafiscalidade.indd 5 23/03/2018 14:25:04 Existem ainda os seguintes: Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR); Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP); Serviço Social de Transporte (SEST). A Lei do SENAC (BRASIL, 1967), a título de representação, dispõe, no artigo sobre a renda desse serviço (art. 29), a alínea a, que trata das “contri- buições dos empregadores do comércio e dos de atividades assemelhadas, na forma da lei”. Já o art. 30 dispõe que “A arrecadação das contribuições devidas ao SENAC será feita pelos órgãos arrecadadores, concomitantemente com as contribuições para o Instituto Nacional de Previdência Social”. Dessa maneira, a obrigatoriedade do recolhimento da contribuição ao SENAC e do sistema “S” como um todo, equiparada ao recolhimento da taxa do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), demonstra a sua natureza tributária, uma vez reconhecidas as características da obrigatoriedade e do estabelecimento de relação jurídica entre um sujeito ativo recolhedor do tributo e outro passivo. Esse sujeito passivo é o empregador. É possível enquadrar o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), instituído pelo art. 911-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), da mesma forma: “O empregador efetuará o recolhimento das contribuições previdenciárias próprias e do trabalhador e o depósito do FGTS com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações” (BRASIL, 1943). Ou seja, em caráter obrigatório, como ocorre na lei própria do FGTS (BRASIL, 1990), cujo art. 2º estabelece que o “FGTS é constituído pelos saldos das contas vinculadas a que se refere esta lei e outros recursos a ele incorporados, devendo ser aplicados com atualização monetária e juros, de modo a assegurar a cobertura de suas obrigações”. Por outro lado, como vimos na nossa classificação, os tributos extrafiscais são aqueles que buscam o cumprimento de medidas diferentes do mero abaste- cimento das contas do Estado. A eles interessa a preservação do meio ambiente, a proteção da saúde e outros bens jurídicos tutelados pelo Estado. Um exemplo típico desse tipo de tributo é o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI): Quanto ao IPI, a própria Constituição prescreve que suas alíquotas serão seletivas em função da essencialidade dos produtos (art. 153, § 3º, I), fixando um critério que leva o legislador ordinário a estabelecer percentuais mais elevados para os produtos supérfluos (CARVALHO, 2012, p. 348). Fiscalidade, parafiscalidade e extrafiscalidade6 Cap_04_Fiscalidade_parafiscalidade.indd 6 23/03/2018 14:25:05 A seletividade extrafiscal pode ser visualizada na seguinte Tabela 1, divul- gada pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT): Fonte: Bigarelli (2018). Produto Tributação (%) 1º — Cachaça 81,87 2º — Casaco de pele 81,86 3º — Vodca 81,52 4º — Cigarro 80,42 5º — Perfume importado 78,99 6º — Caipirinha 76,66 7º — Videogame 72,18 8º — Revólver 71,58 9º — Perfume nacional 69,13 10º — Motocicletas acima de 250cc 64,64 Tabela 1. 10 produtos mais tributados no País. Com base na tabela, podemos constatar que os tributos são mais elevados conforme o seu caráter supérfluo (videogames, motocicletas acima de 250 cilindradas, etc.) e se nocivos à saúde e à vida (álcool, cigarros, revólveres) ou prejudiciais à indústria nacional (perfume importado). Da mesma forma, o art. 155, II, § 2º, III, da Constituição Federal define a seletividade do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que, a exemplo do art. 9º do Decreto nº. 37.699, CXCVIII, de 31 de agosto de 1999, do Rio Grande do Sul, estabelece a isenção de 30% do tributo à energia excedente produzida em residências que seja oferecida para a própria rede de distribuição. Dessa forma, servindo como incentivo para a prática de microgeração energética em residências no Estado. Além disso, a Constituição Federal também prevê a seletividade no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) quanto à sua localização e uso. Essa in- formação se encontra no art. 156, I, § 1º, II, que serve de base para legislações protetivas do meio ambiente, como é o caso do IPTU Ecológico, previsto no 7Fiscalidade, parafiscalidade e extrafiscalidade Cap_04_Fiscalidade_parafiscalidade.indd 7 23/03/2018 14:25:05 art. 70, XIX, do Código Tributário Municipal de Porto Alegre/RS. Ele prevê isenção à faixa de terras na forma de reservas privadas de patrimônio natural, áreas de preservação permanente e áreas de preservação ambiental. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca dos tributos parafiscais e extrafiscais A classifi cação de tributos fi scais e parafi scais quanto ao seu sujeito ativo e de tributos fi scais e extrafi scais quanto ao seu objeto são fi guras essencial- mente doutrinárias e não se encontram expressamente previstas na legislação. No entanto, essas classifi cações auxiliam o tratamento prático das fi guras tributárias presentes no STN. Essa função prática pode ser identifi cada na jurisprudência nacional, que estudaremos a seguir com base em casos do Supremo Tribunal Federal (STF). A respeito da parafiscalidade, o STF, em Ação Direta de Inconstitucio- nalidade (ADI ou ADIn) movida pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL), discutiu a legalidade da regulação das contribuições profis- sionais por medida provisória convertida em lei ordinária no seguinte acórdão: AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE. JULGAMENTO CONJUNTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. CONSELHOS PROFISSIONAIS. AUTARQUIAS FEDERAIS. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DE INTERES- SE PROFISSIONAL. ANUIDADES. ART. 149 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LEI COMPLEMENTAR. PERTINÊNCIA. TEMÁTICA. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. PRA- TICABILIDADE. PARAFISCALIDADE. LEI FEDERAL Nº. 12.514/2011. Sobre essa discussão, o Ministro Edson Fachin (BRASIL, 2016) relatou que: A CNPL alega inconstitucionalidade formal da legislação impugnada por não haver pertinência temática entre a Medida Provisória 536/2011, que versava sobre as atividades do médico residente, e o tema das contribuições devidas aos conselhos profissionais em geral, incorporado na conversão da MP em lei. Ademais, assevera que a matéria das contribuições profissionais possui reserva de lei complementar, nos termos do art. 146, III, da Constituição da República, logo não poderia ser objeto de medida provisória, consoante ao preconizado no art. 62, §1º, III, do Texto Constitucional. A partir dessa delimitação, o Ministro proferiu o seu voto acompanhado pela maioria dos ministros da Suprema Corte, esclarecendo que: Fiscalidade, parafiscalidade e extrafiscalidade8 Cap_04_Fiscalidade_parafiscalidade.indd 8 23/03/2018 14:25:05 A jurisprudência desta Corte se fixou há muito no sentido de serem os conse- lhos profissionais autarquias de índole federal. Cita-se, inter alia, o MS 10.272, de relatoria do Ministro Victor Nunes Leal, Tribunal Pleno, DJ 11.07.1963. Já sob a égide da Constituição da República de 1988, o Tribunal Pleno do STF assentou que o precitado entendimento é extensível aos conselhos regionais de atividade profissional, o que os coloca sob o controle externo do Tribunal de Contas da União. [...] No campo legislativo, ainda sob vigência da ordem constitucional anterior, a Lei 6.994/1982 dispunha sobre a fixação do valor das anuidades e taxas devidas aos órgãos fiscalizadores do exercício profissional, relegando às respectivas entidades a fixação do valor das anuidades. [...] Com inspiração no modelo de Estado Gerencial esposado pelo Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado e cristalizado na EC 19/98 (Re- forma Administrativa), a Lei 9.649/98, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, preconizou norma em sentido contrário ao entendimento iterativo da Suprema Corte, assim como revogou a Lei 6.994/82, uma vez que os conselhos profissionais seriam entidades de caráter privado e delegatárias de serviço público. Essa medida desestatizadora foi objeto de impugnação em processo objetivo na espacialidade deste Tribunal, o qual, por sua vez, reafirmou sua jurisprudência e rechaçou a inovação legislativa, ao fundamento de indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado (BRASIL, 2016). Dessa forma, ao declarar que há indelegabilidade a entes privados de atividade típica do Estado, houve uma renovação do entendimento da Corte de que as entidades profissionais são autarquias federais, e que: Nos termos desse precedente, estabeleceu-se ser a anuidade cobrada por essas autarquias um tributo, sujeitando-se, por óbvio, ao regime tributário pátrio, tendo em conta que a fiscalização dos conselhos profissionais envolve o exercício de poder de polícia, de tributar e de punir. Enfim, cumpre ressaltar que a jurisprudência do STF se firmou no sentido de que as anuidades cobradas pelos conselhos profissionais se caracterizam como tributos da espécie “contribuições de interesse das categorias profissio- nais”, nos termos do art. 149 da Constituição da República (BRASIL, 2016). Portanto, trata-se de tributos parafiscais, regidos pelo art. 149 da Consti- tuição Federal, que prevê: Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profis- sionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo (BRASIL, 1988). 9Fiscalidade, parafiscalidade e extrafiscalidade Cap_04_Fiscalidade_parafiscalidade.indd 9 23/03/2018 14:25:05 Nesse sentido, o Ministro entende que: À luz da dicção do Texto Constitucional, o entendimento iterativo desta Corte é no sentido da dispensabilidade de lei complementar para a criação das contribuições de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais. [...] Noutra banda, considerada a funcionalização da tributação para a realização da igualdade entre os concidadãos, o Tribunal Pleno assentou no RE-RG 601.314, também de minha relatoria, que “a igualdade é satisfeita no plano do autogo- verno coletivo por meio do pagamento de tributos, na medida da capacidade contributiva do contribuinte, por sua vez vinculado a um Estado soberano comprometido com a satisfação das necessidades coletivas de seu Povo”. Em síntese, a jurisprudência desta Suprema Corte aponta no sentido de que a progressividade e a capacidade contributiva são os fundamentos normativos do Sistema Tributário Nacional. Por conseguinte, os princípios precitados incidem sobre as contribuições sociais de interesse profissional (BRASIL, 2016). Ao negar o provimento à ADIn, a Corte Suprema consagrou que: Relativamente à parafiscalidade, duas são as marcas consagradas no direito pátrio à parafiscalidade: (a) destinação específica do produto de sua arrecada- ção a órgãos ou fundos constitucionalmente competentes e (b) gestão desses recursos por esses mesmos órgãos ou fundos, sendo irrelevante a figura do sujeito ativo (BRASIL, 2016). Portanto, é possível a regulação dos conselhos profissionais por via de lei ordinária, assim como é da sua responsabilidade a gestão desses recursos, independentemente do sujeito ativo originário. Sobre a extrafiscalidade, a Corte Suprema reconhece plenamente a classi- ficação ao utilizá-la como argumentação para defender a constitucionalidade do aumento de alíquota diferencial de Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) em recurso extraordinário movido pela Marca Laser Ltda. contra a União: Agravo regimental no recurso extraordinário. Tributário. COFINS Importa- ção. Majoração da alíquota em 1%. Lei nº. 12.715/2012. Lei Complementar. Desnecessidade. Princípio da Isonomia. Ausência de afronta. Orientação jurisprudencial consolidada no RE nº. 559.937/RS, com repercussão geral reconhecida (BRASIL, 2017). Fiscalidade, parafiscalidade e extrafiscalidade10 Cap_04_Fiscalidade_parafiscalidade.indd 10 23/03/2018 14:25:05 No caso comentado, o relator Dias Toffoli (BRASIL, 2017) entendeu que: O julgado recorrido harmoniza-se com a orientação jurisprudencial conso- lidada no RE nº. 559.937/RS, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, cujos trechos foram amplamente transcritos na decisão agravada. Com efeito, os fundamentos da decisão agravada no sentido da desneces- sidade de lei complementar na instituição do PIS/COFINS Importação se aplica, às inteiras, ao adicional de 1% da COFINS Importação perpetrado pelo art. 8º, § 21, da Lei nº. 10.865/2004, com a redação dada pelo art. 53 da Lei nº. 12.715/2012, objeto de insurgência no recurso extraordinário. Se as contribuições PIS/COFINS incidentes na importação, foram validamente instituídas por lei ordinária, tendo em vista a prévia autorização constitu- cional constante do art. 195 da Constituição, de igual modo, a majoração da alíquota da COFINS para determinados setores da economia prescindia de lei complementar, na esteira do que decidido no RE nº. 559.937/RS, com repercussão geral reconhecida. Ademais, reitero que a majoração da alíquota da COFINS Importação para alguns produtos importados não caracteriza, por si só, violação ao princípio da isonomia, tampouco afronta à norma do art. 195, § 9º, da Constituição. Como assentou o Tribunal de origem, “Na espécie, o art. 8º, §21, lei nº. 10.865, com a redação veiculada pela lei nº. 12.844/2013 (e, antes dela, pela MP nº. 540/2011 e pela lei nº. 12.715/2012), cuidou-se de simples majoração da alíquota do tributo já previsto no art. 195, IV, CF. Não há sinais de que se trate da instituição de uma nova hipótese de incidência, de modo a ampliar o alcance do tributo previsto diretamente pela Lei Maior. Dessa forma, a autorização constitucional da tributação dispensa lei com- plementar para a sua regulação. Ademais, especificamente quanto à finalidade do tributo, o relator novamente remete ao ensinamento da Ministra Ellen Gracie (BRASIL, 2017), no qual: Esse entendimento também está conforme com o RE nº 559.937, de relatoria da Ministra Ellen Gracie. Na ocasião, em voto vista que proferi, destaquei a possibilidade de tratamento diferenciado quando presente política tributária de extrafiscalidade devidamente justificada, como ocorreu no caso dos autos: “Por fim, quanto ao princípio maior da isonomia, observo que esse foi invocado, já na exposição de motivos da Medida Provisória nº 164, que originou a lei em discussão, como fundamento de validade à tributação em causa, a qual buscaria equalizar, mediante tratamento tributário isonômico, a tributação dos bens produzidos no país com os importados de residentes e domiciliados no exterior, sob pena de prejudicar a produção nacional, favorecendo as impor- tações pela vantagem comparativa proporcionada pela não incidência hoje, existente, prejudicando o nível de emprego e a geração de renda no País. No entanto, também entendo que o gravame das operações de importação dá-se como medida de política tributária de extrafiscalidade, visando equilibrar a 11Fiscalidade, parafiscalidade e extrafiscalidade Cap_04_Fiscalidade_parafiscalidade.indd 11 23/03/2018 14:25:05 balança comercial e evitar que a entrada de produtos desonerados tenha efeitos predatórios relativamente às empresas sediadas no País e não como concreti- zação do princípio da isonomia, como, aliás, bem lembrou a ilustre Relatora.” Assim, ao reconhecer o objetivo extrafiscal de regulação da balança co- mercial pela diferenciação de alíquota tributária, o Supremo reconhece a pertinência da distinção temática entre tributos fiscais e extrafiscais para demonstrar a constitucionalidade da não observação do princípio da isonomia em casos especiais. Fiscalidade, parafiscalidade e extrafiscalidade12 Cap_04_Fiscalidade_parafiscalidade.indd 12 23/03/2018 14:25:08 AMARO, L. Direito Tributário brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. BIGARELLI, B. Os 10 produtos com mais imposto no Brasil. 2017. Disponível em: <https:// epocanegocios.globo.com/Dinheiro/noticia/2017/04/os-10-produtos-com-mais- imposto-no-brasil.html>. Acesso em: 13 mar. 2018. BRASIL. Decreto-lei nº. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/ Del5452.htm>. Acesso em: 15 mar. 2018. BRASIL. Decreto nº. 61.843, de 5 de dezembro de 1967. Aprova o Regulamento do Ser- viço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e dá outras providências. 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D61843. htm>. Acesso em: 13 mar. 2018. BRASIL. Lei nº. 8.036, de 11 de maio de 1990. Dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e dá outras providências. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/Leis/L8036consol.htm>. Acesso em: 13 mar. 2018. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIN 4.697 Distrito Federal. Relator: Ministro Edson Fachin. Julgado em: 06 out. 2016. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AG. REG. RE. 969.735/PR. Julgado pela 2ª turma. Relator: Ministro Dias Toffoli. Julgado em: 26/02/2017. CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
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