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ESTADO MODERNO E CONTEMPORÂNEO AULA 1 Prof. Carlos Alberto Simioni 2 CONVERSA INICIAL Embora a ideia de nação ou império seja conhecida desde a Antiguidade, o conceito de nação ou país (Estado-Nação), tal qual conhecemos hoje, tem sua origem no início da Era Moderna, mais especificamente ao final da Idade Média (final do século XV e século XVI, período conhecido como Renascimento, quando ocorreram extraordinárias transformações sociais, econômicas, artísticas, religiosas e políticas). A partir desse momento, um sistema político denominado absolutismo (ou Antigo Regime) paulatinamente foi se fortalecendo na Europa e perdurou por quase três séculos, dando início a um processo de institucionalização do Estado. Assim, o chamado Estado nacional moderno passou a se constituir como uma das mais sólidas instituições da modernidade, a partir da sua aceitação (legitimidade) enquanto força militar específica e ator por excelência do cenário internacional, e também a partir de sua estrutura burocrática cada vez mais eficiente e poderosa. Nesta aula, analisaremos a origem remota do chamado Estado nacional moderno, procurando relacioná-la com o contexto social e político no qual surgiu; vamos analisar alguns casos específicos de nações absolutistas, diferenciando- as e elencando fatores comuns a todas elas. Se, por um lado, essa instituição nasceu durante o período absolutista, teve seu marco inicial com a Revolução Francesa (1789) e sua efetiva instauração nos séculos XIX e XX, quando se alastrou pelo mundo como um modelo cada vez mais padronizado de organização estatal, por outro, apesar de conter uma série de elementos que caracterizariam o Estado moderno, o Estado absolutista ainda possuía fortes vínculos com a lógica de dominação feudal. Isso o tornou uma espécie de Estado híbrido. Neste sentido, é importante analisarmos em que aspectos ele foi fundamental para superar a lógica feudal, e também em que aspectos ele se aproximou do atual Estado moderno. Esse contraponto é essencial para entendermos o quanto as ideias iluministas e liberais foram importantes para forjar tal instituição, assim como para entendermos a lógica de dominação moderna e os princípios gerais das relações internacionais baseados no Estado-Nação. Sou Carlos Alberto Simioni, sociólogo, mestre em Sociologia, doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Acompanharei vocês na disciplina de Estado Moderno e Contemporâneo. Espero que aprendamos muito nesta jornada. 3 TEMA 1 – DO ESTADO ABSOLUTISTA AO ESTADO NACIONAL MODERNO O absolutismo pode ser entendido como um sistema político que perdurou na Europa entre o século XVI e o final do século XVIII. Foi um período de transição entre o feudalismo e o capitalismo. Diferenciou-se do modelo feudal na medida em que se organizou a partir de uma forte centralização administrativa e política. Ao longo do século XVI foi se estabelecendo na Europa a ideia de um Estado forte, que se personifica na figura do monarca. Mas foi no século XVII que este modelo se consolidou, de forma que se criou uma instituição com poder absoluto, distanciando-se da interferência da nobreza e da igreja. A ideia de nação ou nacionalidade passa a basear-se no território e na noção de povo (todos os que habitam o território), e não tanto na etnia ou religião, como foi, por exemplo, em boa parte do Império Romano e no feudalismo. A partir dessa nova ideia de nação traçavam-se os objetivos do Estado absolutista, fossem comerciais, fosse a proteção aos súditos. De fato, o comércio internacional passou a crescer a partir da lógica do mercantilismo, ou seja, um comércio acima de tudo estatal, ainda que existissem companhias privadas, bancos e empreendedores individuais. Em relação à segurança, o Estado era agora o grande protetor, com a criação dos exércitos nacionais compostos por cidadãos, e não mais por mercenários ou indivíduos de outras nacionalidades. Mas o que produziu tão profundas transformações? Quando se analisa determinado período da história, é fundamental que compreender o contexto social, político e econômico da época. Duas mudanças se iniciavam sem, no entanto, se aprofundar – o fim da servidão, aquela forma medieval de relação entre o senhor e o trabalhador, e o fortalecimento da classe burguesa. O Estado absolutista assumia, ainda, uma função muito mais de proteção à nobreza do que de fortalecimento da burguesia ou dos camponeses. De acordo com Perry Anderson, o absolutismo não significou melhores condições de vida aos camponeses. Antes disso, o temor de uma revolta geral desta classe, agora livre da servidão, fez com que a nascente burguesia fosse cooptada juntamente à nobreza pelas monarquias absolutas. Essa aliança teria sido fundamental para pacificar a sociedade e garantir o apoio político daquelas classes sociais que, na verdade, tinham interesses opostos (a burguesia e a nobreza). Assim, o Estado absolutista, apesar de alguns traços modernos, foi, na verdade, um instrumento 4 de domínio da classe social que dominava desde o feudalismo. De acordo com o autor, “Essencialmente, o absolutismo era apenas isso. Um aparelho de dominação feudal recolocado e reforçado, destinado a sujeitar as massas camponesas [...]. Era a carapaça política de uma nobreza atemorizada” (Anderson, 2004, p. 18). Por outro lado, ocorreu naquele período um intenso processo de urbanização, a partir de dois elementos. A expulsão dos camponeses, forçando- os a migrar para as cidades, e o nascimento da indústria moderna, ainda em seus primeiros passos, com novas formas de produção (o tear mecânico foi o maior exemplo). Outros fatores também contribuíram, como o desenvolvimento técnico, em especial no que diz respeito à navegação, permitindo o domínio dos mares e, consequentemente, das novas terras então descobertas (América, África e o Extremo Oriente). Em conjunto, tais fatores induziram uma nova mentalidade, principalmente em relação ao comércio, que deixa de ser centrado em pequenas localidades e passa a se concentrar em amplos mercados, basicamente mercados europeus, mas com um sistema de produção já global (as colônias espalhadas pelo mundo). É neste contexto que a moderna ideia de Estado-Nação começa a ser forjada, mas não sem variados conflitos. Inglaterra, França, Holanda, Áustria, Suécia, Rússia, Portugal e Espanha estão se organizando como nações. Há disputas por mercados e por colônias, além de disputas religiosas que acabaram por contribuir para a formação desta nova instituição, como veremos a seguir. TEMA 2 – ESTADO BUROCRÁTICO E ESTADO-NAÇÃO Ao falar em Estado, temos duas abordagens distintas. Uma se refere à organização interna de um país; outra, ao Estado como ator internacional. A primeira se refere à Administração Pública, ao sistema político, às regras constitucionais, aos direitos e deveres dos cidadãos. De acordo com Bresser Pereira (2008), em termos administrativos, “o Estado é o sistema constitucional- legal e a organização que o garante”. Já o Estado Nação “é a unidade político- territorial soberana” e se caracteriza pelo papel exercido no cenário internacional. O autor arremata: “Em cada Estado-Nação ou estado nacional existe uma nação ou uma sociedade civil, um estado e um território (Bresser Pereira, 2008). Vejamos a seguir alguns detalhes dessas duas formas de Estado durante o período absolutista. 5 2.1 O Estado burocrático As amplas transformações sociais e econômicas ocorridas a partir do século XVI tiveram forte impacto sobre a organização política das sociedades europeias de então. Dessas transformações, algumas foram essenciais para que a instituição estatal fosse aos poucos sendo fortalecida, em especial para conduzir a economia mercantilista. O mercantilismo foi o modelo econômico predominante durante o absolutismoeuropeu. Consistia basicamente em uma política de acúmulo de riquezas – metais preciosos provenientes da América. A nobreza e a burguesia comercial, tanto como o Estado, assumiam esse papel de acúmulo, sendo o Estado o grande indutor e protetor desse sistema. Mas o poder estatal tinha já interesses próprios e, para isso, precisava de um estado forte, que protegesse a produção, o território, os meios de transporte e os cidadãos. Internamente, deveria gerar ordem social em uma sociedade que passava por mudanças radicais. Na Europa, em vez do trabalho servil, prevalecia o cada vez mais comum trabalho assalariado. Nas colônias, o predominante era o trabalho escravo. O Estado torna-se, então, o agente de controle das massas camponesas, dos trabalhadores urbanos, dos escravos e dos povos conquistados. Outra característica é a centralização: todas as decisões passavam pelo monarca e seus conselheiros a partir de uma rígida estrutura hierárquica. Mas a principal ferramenta da centralização foi a arrecadação de impostos. Em vez de cada nobre cobrar impostos, como ocorria na Idade Média, no absolutismo o Estado centraliza a arrecadação, de forma que isso o alimenta e o torna cada vez mais forte. Neste contexto, os negócios de Estado se ampliam e surgem os primeiros rudimentos da organização burocrática moderna, com os chamados ‘juristas’, os funcionários encarregados de redigir as leis. De acordo com Anderson (2004, p. 28), esses eram indivíduos com formação em princípios do direito romano, retomado desde a Renascença. No entanto, tais princípios acabaram em um cenário muitas vezes contraditório, misturando modernos instrumentos de administração e formas arcaicas, como o patrimonialismo, forma de organização estatal – ou mesmo social – na qual o público e o privado se confundem ou, antes, na qual o público está submetido ao privado. 6 2.2 O Estado-Nação Em termos do que hoje definimos como “relações internacionais”, o cenário a partir do século XVI estava se ampliando com a formação de nações e a colonização das terras recém-descobertas que, em muitos casos, gerava conflitos por posse, pela busca de metais preciosos e pelo domínio de mercados. Até então, os mediadores no cenário internacional eram a Igreja Católica e o Sacro Império Romano1, que submetiam direta ou indiretamente as nações europeias. É neste momento que um novo ator internacional começa a emergir, o Estado-Nação, com seus interesses políticos e econômicos específicos e com uma lógica própria de existência. Mas é um fator conjuntural que selará o fortalecimento deste novo ator: as guerras religiosas. O avanço do protestantismo acabou por gerar uma das mais sangrentas guerras da história europeia: a Guerra dos 30 anos (1618-1648). Não cabe aqui entrar em detalhes sobre esse conflito, mas importa saber que, nele, culminou o Tratado de Westfalia (1648), conhecido como um ponto de virada (embora simbólico naquele momento) nas relações internacionais. O tratado estabelecia que nenhum Estado poderia interferir em outro e, mais que isso, todo Estado é soberano, isto é, não está sujeito a nenhuma autoridade humana ou institucional maior. A partir deste tratado, o Estado-Nação paulatinamente se tornou independente na medida em que a igreja foi perdendo seu poder; primeiramente, com o enfraquecimento do argumento do direito divino e, em segundo lugar, com a Igreja deixando de ser um árbitro internacional, possibilitando um sistema laico – não ligado à igreja – de relações internacionais, prevalecente até os dias atuais. TEMA 3 – O ESTADO ABSOLUTISTA E SUA IDEOLOGIA Transformações tão amplas ou profundas em uma sociedade exigem novas formas de interpretação e de justificativas para a sua efetiva aceitação e legitimação. Nesse sentido, as ideologias são essenciais. Se na Idade Média europeia a Igreja Católica era a principal criadora e disseminadora de justificativas para explicar a realidade, nos períodos Renascentista e Absolutista 1 Não confundir com o Império Romano da Antiguidade. O Sacro Império Romano foi uma tentativa medieval, a partir do século XI, de reviver aquele império, mas sem muito sucesso. No entanto, não deixou de ser uma instituição a interferir nos assuntos internacionais e internos das nações europeias. Foi extinto por Napoleão Bonaparte. 7 outras explicações são necessárias. A religião católica ainda era dominante, mas tinha concorrência, fosse do protestantismo ou das ideias cada vez mais frequentes de que a política, assim como o Estado, tinha uma realidade própria. O absolutismo, então, caracteriza-se em termos ideológicos como uma mescla de valores religiosos tradicionais e valores modernos laicos. A ideia moderna de Estado foi apresentada por Maquiavel no Livro O Príncipe (1532), no qual ele analisa o Estado e o poder político como tendo natureza própria e sendo ponto central da política moderna. Já Hobbes é um dos principais defensores do absolutismo monárquico. Na obra Leviatã (1651), com base em uma visão pessimista da natureza humana, ele defende um Estado o mais forte possível para evitar que “o homem seja lobo do homem”, dando segurança aos súditos; no plano externo, a ideia é impedir que um Estado invada ou interfira em outro. Assim, o estado absoluto seria o garantidor da paz interna e da segurança externa. No absolutismo, a soberania se confunde com o poder pessoal do rei, ideia celebrizada pela famosa frase do regente francês Luís XIV, “O Estado sou eu”. Tal princípio é fundamentado pela ideia do Direito Divino, no qual o poder seria uma concessão a determinados indivíduos, mas também pela proposta laica do cardeal francês Richelieu (1585-1642), a expressão “Razão de Estado”. Por outro lado, o surgimento do protestantismo no século XVI acabou por gerar diversas mudanças no plano ideológico, seja como facilitador da aceitação de diversos valores do nascente capitalismo (tese de Max Weber em A ética protestante e o espírito do capitalismo), seja por fomentar conflitos entre as nações daquele período. Diferentes ideologias prevaleceram durante o absolutismo, o que trouxe implicações no modelo de Estado que certos países adotaram. É o caso da recusa de Portugal e da Espanha em aceitar os novos valores econômicos. Se em meados do século XVI eram nações de vanguarda, a partir da adoção dos princípios da Contrarreforma recusaram inovações, gerando um tipo de Estado que sufocou o nascente capitalismo. Enquanto a Inquisição findava em outros países, Portugal e Espanha resgataram-na como prática religiosa e de Estado. Assim, o Estado absolutista, nesses países, antes de se modernizar, desperdiçou tempo e grande parte das riquezas obtidas na América. 8 TEMA 4 – MODELOS DE ESTADO ABSOLUTISTA A França foi a nação com o mais perfeito modelo de Estado Absolutista, principalmente sob reinado de Luís XIV (1638-1715), consolidando o mercantilismo e criando uma forte centralização política e administrativa. O maior teórico deste momento foi o Cardeal Richelieu, que criou a expressão “Razão de Estado”, ou seja, o uso de ações ou leis ilegais, incluindo o autoritarismo e a aplicação da violência nos planos interno e externo, para supostos benefícios do Estado, mas também o uso da razão para conduzir as questões desta instituição. A França controlou a influência dos nobres nas questões políticas e administrativas, fortalecendo os funcionários e criando uma forte burocracia controlada pelo rei. Se a França foi um modelo clássico de Estado absolutista, outras potências europeias seguiram caminhos um tanto diferentes. A Inglaterra é o caso mais notório. Ainda no Século XIII, bem antes do absolutismo, os ingleses estabeleceram certos controles ao poder dos monarcas. Em 1688, a Revolução Gloriosa acarretou, entre outras coisas, umamonarquia com poderes limitados pelo Parlamento, instituição que, naquela época, já se dividia em dois partidos e governava o vencedor das eleições parlamentares, o qual tinha o poder, inclusive, de nomear os ministros. A maior parte do sistema político britânico atual tem sua origem neste período. A Revolução Inglesa foi uma revolução burguesa, a primeira da história, e o Estado britânico incorporou uma série de exigências desta classe social, o que em outras nações só ocorreria dois séculos depois. A Rússia do início do século XVIII começava a se transformar em um império, mas com um tipo de Estado Absolutista mais aberto à modernização. Era o chamado despotismo esclarecido, primeiramente com Pedro, o Grande (1672-1715), e posteriormente com Catarina II (1725-1796). Valores absolutistas conviveram com ideais de modernização, incluindo a ênfase à indústria, ao aparelhamento da marinha e abertura de portos e à ciência, aceitando-se muitas das ideias iluministas em vigor na Europa Ocidental neste período. Portugal também seguiu o modelo político das demais potências europeias, mas por vias diferentes. De um lado, assim como a Espanha, foi profundamente influenciado pela Igreja Católica, enquanto as demais potências paulatinamente se distanciavam. Os portugueses, ainda, fecharam-se para os 9 valores capitalistas burgueses, aceitando tão somente o chamado capitalismo de Estado. Isso acabou por influenciar um tipo de Estado cheio de contradições, conforme constata R. Faoro (2001), para quem o Estado colonial português transformou os altos funcionários públicos praticamente em elementos da nobreza, sufocando a burguesia e privilegiando os funcionários de Estado. Em meados do século XVIII, em Portugal, ainda prevalecia uma organização estatal arcaica, cheia de superstições, fraca hierarquia e excesso de funcionários (Faoro, 2001, p. 204). Neste período, nem mesmo o “déspota esclarecido” Marquês de Pombal conseguiu efetivamente modernizar o país. TEMA 5 – CRISE E DECADÊNCIA DO ESTADO ABSOLUTISTA Ao final do século XVIII, apesar do despotismo esclarecido, uma tentativa de coexistência com o novo cenário moderno e com os novos valores propagados pelo Iluminismo, era notório que o Estado absolutista era uma forma anacrônica de governo. A ascensão da burguesia era cada vez mais evidente, demandando mais espaço político e econômico e menos controle do Estado. O capitalismo superou de vez o mercantilismo e o Estado-Nação tornou-se a principal instituição internacional – notadamente, a potência da época era a Inglaterra. A ciência prosperava e a religião perdia o espaço que ocupava como ator político. É neste cenário que as ideias iluministas encontram terreno fértil para prosperar (cf. Aula 2). O pensamento de Locke, Smith, Rousseau, Montesquieu, Kant circulou não apenas pela Europa, mas também pelas colônias americanas. O ideal de liberdade individual ou nacional influenciaria processos de luta por independência em vários lugares, principalmente na América, culminando, poucas décadas depois, no surgimento de diversas nações. Neste ínterim, em 1789, explode aquela que é considerada o marco da passagem do absolutismo para a modernidade: a Revolução Francesa. Mesmo considerando que a França só se tornou efetivamente republicana e capitalista, no sentido moderno do termo, quase 100 anos depois, aquela Revolução mostrou ao mundo que mudanças estruturais estavam ocorrendo, inclusive induzindo a que um novo tipo de Estado fosse pensado e organizado, pautado em princípios distintos daqueles apregoados pelo absolutismo. Entretanto, além da França, outro processo revolucionário ocorria do outro lado do Atlântico, onde os ideais de modernização tinham mais liberdade 10 para prosperar. Foi a independência dos Estados Unidos da América, a primeira experiência mundial de um Estado formado a partir dos ideais iluministas. É o que veremos na próxima aula, com o chamado Estado liberal. NA PRÁTICA Nem toda a Europa se transformou em Estado absolutista. A Holanda era uma república2 dominada pela burguesia comercial. A Suíça era uma república quase que isolada, com muitas instituições democráticas. Itália e Alemanha ainda não estavam unificadas, divididas em vários estados com características distintas. Em termos globais, existiam outras forças políticas, como o Império Otomano e a China, cujos Estados eram muito parecidos com o feudal europeu. FINALIZANDO Vimos, nesta aula, o Estado absolutista e sua influência no surgimento e consolidação dos modernos Estados nacionais. Foram cerca de três séculos durante os quais o atual Estado-Nação germinou e o chamado Estado burocrático moderno encontrou um solo fértil para se desenvolver, seja do ponto de vista econômico e político, seja a partir de mudanças no plano ideológico. Contudo, o Estado absolutista ainda era essencialmente feudal ao garantir o domínio da nobreza, fato que só seria superado com o advento do Estado liberal. 2 A Holanda se transformou em Monarquia Constitucional em 1815. 11 REFERÊNCIAS ANDERSON, P. Linhagens do estado absolutista. São Paulo: Brasiliense, 2004. BRESSER PEREIRA, L. C. Nação, Estado e Estado-Nação. Disponível em <http://www.bresserpereira.org.br/papers/2008/08.21.Na%C3%A7%C3%A3o.E stado.Estado-Na%C3%A7%C3%A3o-Mar%C3%A7o18.pdf>. Acesso: 16 jan. 2018. FAORO, R. Os donos do poder. São Paulo: Globo, 2001. HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Nova Cultural, 1997. (Os Pensadores) MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Porto Alegre: L&PM Editores, 2011. WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia da Letras, 2004. WEFFORT, F. Formação do pensamento político brasileiro. São Paulo: Ática, 2006. http://www.bresserpereira.org.br/papers/2008/08.21.Na%C3%A7%C3%A3o.Estado.Estado-Na%C3%A7%C3%A3o-Mar%C3%A7o18.pdf http://www.bresserpereira.org.br/papers/2008/08.21.Na%C3%A7%C3%A3o.Estado.Estado-Na%C3%A7%C3%A3o-Mar%C3%A7o18.pdf ESTADO MODERNO E CONTEMPORÂNEO AULA 2 Prof. Carlos Alberto Simioni 2 CONVERSA INICIAL Na primeira aula, vimos como o absolutismo se caracterizou como um período de transição: entre outros aspectos, um novo tipo de Estado começou a ser forjado. No entanto, somente após as críticas iluministas a partir do século XVIII e com a consolidação do capitalismo como sistema econômico é que o chamado Estado Moderno se tornou preponderante. Entre o final daquele século e o ano da grande crise econômica capitalista, 1929, as principais nações do mundo ocidental organizaram um Estado caracterizado por princípios liberais, fossem repúblicas, monarquias constitucionais, parlamentarismos ou presidencialismos na sua forma de governo. Desde o Tratado de Westfália, a instituição Estado-Nação foi paulatinamente se libertando da interferência religiosa, e o pressuposto de não interferência passou a predominar, ainda que nem sempre observado na prática. Esta consolidação não se deu sem conflitos, a começar pela Revolução Francesa em 1789, símbolo de uma mudança de era, mas também em outras nações europeias, onde a antiga nobreza tentava manter seu poder. No início do século XIX, três modelos de Estado liberal surgiram: na Inglaterra e nos EUA, como veremos adiante, e o Estado napoleônico, mais centralizado, hierárquico e autoritário, no entanto, com curta duração (apesar disso, deixou heranças, como, por exemplo, o Código Napoleônico, código civil que, em parte, dura até os dias de hoje). Outros modelos de Estado existiam, incluindo países europeus, como a Suíça e a Rússia (Itália e Alemanha iniciavam o processo de unificação), além das jovens nações independentes no continente americano. Na Ásia, em 1900, o Império Otomano continuava forte,mas com sinais de decadência. A Índia era colônia britânica. A China estava cada vez mais fraca; Japão e Pérsia (Irã) começavam a surgir como nações modernas. Na África, somente dois países eram independentes: Libéria e Abissínia (Etiópia). Acima de tudo, aos poucos a burocracia passa a ser o grande condutor das coisas de Estado e uma grande fonte de poder. O Estado burocrático, cada vez mais racional (científico) e laico, passou a ser o grande “gerente” da administração do Estado-Nação. Em todos os países, uma forma cada vez mais uniforme de administração do Estado foi tomando forma, esticando seus tentáculos, mesmo que o discurso liberal fosse contrário a esse fortalecimento. Este era o Estado burocrático moderno. 3 TEMA 1 – A CRÍTICA ILUMINISTA O Iluminismo, séculos XVII e XVIII, foi um conjunto de obras e ideias que questionava o absolutismo e os valores medievais que ainda vigoravam na sociedade europeia – por exemplo, o teocentrismo, que deveria ser substituído pelo domínio da razão (ciência). O termo “Iluminismo” contrapõe-se à ideia de “trevas” que obscureciam o conhecimento, típico do período medieval, de forma a iluminar o mundo com um novo tipo de conhecimento, que certamente seria usado para os assuntos da política e do Estado. Os princípios iluministas regem, em maior ou menor grau, a maioria das democracias modernas – assim como uma parte do cenário internacional – a partir da lógica do Estado-Nação, da mediação das organizações internacionais e dos tratados internacionais. A seguir, as ideias de alguns iluministas sobre o Estado. 1.1 John Locke (1632-1704) É considerado um dos precursores do Iluminismo e um dos principais disseminadores do pensamento liberal, em especial no que tange à defesa da propriedade privada como garantia da liberdade. Suas ideias estão expostas na obra Segundo tratado sobre o governo (1681), na qual defende valores típicos do Iluminismo: um Estado não autoritário, contrariando o pensamento hobbesiano, comum naquele período, e o uso da razão para explicar a realidade (e não do pensamento religioso ou da fé). Ainda, criticou a ideia do “Direito divino”, em voga durante sua vida (auge do absolutismo). Para Locke, o Estado deve estar sujeito à lei. Defendeu a divisão do poder, sendo o Legislativo o mais importante, pois representa o povo, a fonte real de poder. Mas o Estado, acima de tudo, seria o grande guardião da propriedade privada, base da liberdade. 1.2 Adam Smith (1723 -1790) O principal aspecto do pensamento de Smith para esta aula é o fato de ele defender um mercado livre das garras do Estado. Portanto, é um dos primeiros a propor a visão hoje conhecida como Estado mínimo, pouco intervencionista. Lembremos que o Estado absolutista era extremamente intervencionista. No livro A riqueza das nações (1776), Smith defende as bases do capitalismo moderno, como a livre concorrência privada, o crescimento 4 econômico, o acúmulo de capital e a divisão do trabalho, e também propõe três atribuições básicas para o Estado: 1) proteção contra ameaças ou invasão externa (defesa); 2) proteção contra ameaças na própria sociedade; 3) criação de instituições e obras públicas que não gerem interesse da iniciativa privada (indivíduos ou empresas). Em conjunto, tais fatores formariam um “Estado guardião”, protetor da iniciativa privada, assim como garantidor da soberania do Estado-Nação, além de um investidor naquilo que atualmente se denomina “obras de infraestrutura”, pelo menos aquelas que não atraem interesse privado, por serem muito caras ou por não gerarem lucro. É neste prisma que o papel institucional do Estado se coloca para Smith, pois seria o garantidor da justiça, em termos de liberdade individual, do comércio, da garantia à propriedade privada e de segurança. 1.3 Charles de Montesquieu (1689-1755) Na obra O espírito das leis (1748), este pensador propõe ideias que impeçam a tirania ou o governo despótico, evitando a violência e a arbitrariedade, tão comuns durante o Absolutismo. Baseando-se no modelo inglês, Montesquieu faz o contraponto monarquia constitucional e república versus despotismo. O Estado seria estruturado em função de três poderes independentes: 1) o Executivo dirigiria as coisas públicas em função das leis, no entanto, teria o poder de veto; 2) a Magistratura seria um poder impessoal e independente, com leis criadas pelos representantes do povo, 3) o Legislativo (Parlamento). As atribuições do Estado seriam racionalmente divididas, e um poder só interferiria em outro em situações especiais. Seria o que ele designou de “sistema de contrapesos”, no qual o poder controla o poder. 1.4 Jean Jacques Rousseau (1712-1778) Rousseau defende a soberania popular em um Estado que mantenha o interesse geral, garantindo o direito à propriedade. O que o diferencia dos demais é o argumento de que o direito à propriedade seria a grande causa da desigualdade entre os homens e dos conflitos existentes nas sociedades humanas. Na obra O contrato social (1762), propõe um Estado republicano, cuja função seria evitar a guerra ou os conflitos, garantindo a vontade geral, ou seja, 5 a vontade da maioria. A educação seria o meio por excelência para garantir a igualdade entre todos os cidadãos, sendo função do Estado garanti-la. 1.5 Immanuel Kant (1724-1804) Defensor das ideias iluministas, escreveu o tratado A paz perpétua, no qual apresenta princípios que poderiam evitar a guerra entre as nações, como a não intervenção, a formulação de tratados sem ressalvas, o republicanismo, o fim do patrimonialismo (o Estado pertencendo ao monarca) e o fim dos exércitos permanentes. Mas foi a proposta de uma espécie de “direito internacional” que deixou uma herança no campo das relações internacionais. O princípio deste direito seria o fato de que os Estados viviam na iminência de guerra entre si e, para evitar tal situação, deveriam entrar em acordo e criar uma federação de nações, o que de fato se tentou no século XX, com a Liga das Nações e com a Organização das Nações Unidas (ONU). TEMA 2 – A INGLATERRA COMO POTÊNCIA O Tratado de Westfalia em 1648 foi um marco a partir do qual o Estado- Nação passou, paulatinamente, a ser a instituição predominante no cenário internacional. Inglaterra e Holanda eram, naquele momento, as potências que despontavam, embora França e Espanha fossem nações poderosas. Mas a França só se fortaleceu efetivamente décadas depois, enquanto a Espanha entrava em decadência – em boa medida, por não se desligar totalmente dos valores medievais, mas também por sucessivas derrotas militares. Assim, ainda no período absolutista, a Inglaterra supera o poderio dos concorrentes e entra no século XIX como potência maior, principalmente após vencer a França bonapartista. Há várias explicações para o fato de a Inglaterra tornar-se a potência predominante. Apesar de seu território relativamente pobre, três fatores foram essenciais para possibilitar sua hegemonia: o domínio dos mares, a Revolução Industrial e a abertura para a mentalidade capitalista. Para Mello (1994), a esquadra de guerra, a marinha mercante e as inúmeras bases espalhadas pelo mundo seriam a garantia de segurança às Ilhas Britânicas e ao domínio do comércio internacional. Isso seria confirmado mais tarde por uma teoria geopolítica – o almirante norte-americano Alfred Mahan criou a Teoria do Poder Marítimo (1890): a nação que dominasse as principais 6 vias de navegação dominaria o mundo. A teoria, inclusive, instigou os EUA a seguirem os mesmos passos da Inglaterra no início do século XX. A Inglaterra foi o berço da Revolução Industrial, o que possibilitou um aumento em escala sem precedentes na produção de mercadorias. O que lhe deu amplas vantagens comerciais na concorrência com outras nações, oferecendo produtos baratos e em abundância. A Inglaterrapossuía amplas jazidas de carvão, produto essencial para a energia a vapor, ampliando o poder britânico e consolidando o capitalismo como forma hegemônica da economia mundial. Com este poderio, a Inglaterra dominou o cenário internacional. Desde o século XVIII, período absolutista, influenciava certos países, como Portugal. Posteriormente, influenciou diretamente na independência de países latino- americanos. Após a vitória sobre Napoleão Bonaparte, a Inglaterra reinou quase isoladamente como Estado-Nação hegemônico, consolidando o chamado Império Britânico. 2.1 O modelo político-econômico liberal Com uma economia francamente capitalista, os ingleses consolidaram, no século XIX, o modelo político que vinha sendo gestado dois séculos antes. Em termos de Estado-Nação, a Inglaterra foi a potência hegemônica, conduzindo uma política imperialista, ou seja, uma política de expansão territorial pelo mundo, conquistando regiões e países – ou, pelo menos, conquistando-os cultural e economicamente. Neste momento, os ingleses iniciaram o “colonialismo”, isto é, a colonização na Ásia e na África, além de manter territórios no Caribe. Internamente, o Estado Britânico era liberal em todos os aspectos, econômica e politicamente. Mas não era um liberalismo como o atual. Era altamente protecionista e intervencionista, garantindo pela força o domínio comercial e industrial britânico. Politicamente, era uma monarquia constitucional parlamentarista, ou seja, quem realmente dominava o cenário político era o Parlamento, inclusive os assuntos externos. O poder é limitado, sendo o Executivo conduzido pelo Primeiro Ministro, escolhido pelo partido vencedor das eleições. O parlamento é dividido em Câmara Alta (dos lordes, equivalente ao Senado) e Câmara Baixa (dos comuns, equivalente à câmara dos deputados). 7 O Império Britânico começa a perder seu poder após a I Guerra Mundial e se desmantela, de fato, após a II Guerra Mundial. TEMA 3 – OS EUA E O ESTADO LIBERAL REPUBLICANO Se a Inglaterra construiu um modelo de Estado diferente da maioria dos países europeus, predominantemente liberal, foram os EUA que mais radicalizaram essa proposta. Lembremos que defender ideias liberais no final do século XVIII era ser “revolucionário”. Os EUA tiveram uma colonização distinta da latino-americana e, desde seus primórdios, no século XVII, colonos chegaram ao território norte-americano pautados em um ideal religioso protestante baseado no mito da terra prometida. No entanto, também tinham uma mentalidade aberta a uma democracia de base, ou seja, altamente participativa nas menores instâncias de poder, desde a Igreja até o espaço comunitário local. É o que analisa um dos primeiros pensadores a procurar entender o fenômeno, o liberal Alexis de Tocqueville, na obra Da democracia na América, escrita após visita aos EUA em 1831, quando ainda era basicamente um país agrícola, com 25 estados. Após a independência em 1776, os EUA tiveram certas facilidades em relação à Europa para que a democracia avançasse quase sem limites: ausência de uma aristocracia; cultura aberta à participação de base (soberania local); fim do voto censitário e Lei de Sucessões, que acabou com os privilégios hereditários do período colonial. A partir de então, Tocqueville, 50 anos depois da independência, analisa os efeitos deste processo nos EUA, cultural e politicamente. Argumenta que as implicações daquela experiência se alastrariam pelo mundo, pois este não era um fenômeno somente norte-americano; antes, indicava algo bem mais profundo das sociedades modernas: o avanço da democracia e o predomínio de sociedades que hoje chamaríamos de padrão classe média. Saliente-se que tal situação não significa que os EUA eram uma nação “maravilhosa”. O fato de ser democrática não significava ausência de injustiças. Existiam fatores conjunturais ou típicos da época (que hoje chamaríamos de não democráticos, injustos e violentos). É o caso da escravidão, do extermínio de nações indígenas e da usurpação de territórios do México em 1848. 8 3.1 Democracia como princípio A soberania é um dos primeiros aspectos ressaltados por Tocqueville (2000) ao afirmar que, na comuna (localidade, a township, algo como um município), havia grande autonomia desde o período colonial em relação aos habitantes, que decidiam a maior parte dos seus problemas locais. Após a independência, essa cultura democrática facilitou ou mesmo forçou que a nação se organizasse a partir desses princípios. É neste aspecto que o Estado norte- americano foi uma novidade naquele momento, distinto inclusive do modelo inglês, também diferente dos demais países europeus. Esse tipo de democracia era inimaginável para a maioria dos países daquele período. Por exemplo, quase todos os cidadãos votavam1. Grande parte dos funcionários públicos locais era eleita, e havia pouca burocracia. Muitas decisões locais eram tomadas em assembleias. O que se denomina hoje de associativismo era uma prática constante em 1831. Ainda hoje, restam elementos daquela experiência, como a eleição do xerife (responsável pela aplicação da lei nos condados), de certos agentes públicos e de juízes de primeira instância; há também grande variação na legislação de cada estado ou município. 3.2 Uma nação republicana e liberal Os chamados pais fundadores da nação norte-americana foram fortemente influenciados pelo Iluminismo; tal influência resultou em um modelo de Estado distinto: republicano, tendo desde o início um presidente eleito; três poderes, com um judiciário fortalecido; uma federação de estados altamente descentralizados nos aspectos administrativos. A própria discussão sobre a estruturação do Estado norte-americano foi diferenciada, com as proposições defendidas por cada parte expondo suas ideias em jornais. Havia ampla liberdade para criação de jornais, fossem grandes ou simplesmente panfletos locais. Vários desses textos estão atualmente reunidos na coletânea O federalista, na qual se debate teses contrapostas, como, por exemplo: federação ou confederação; centralização ou 1 Lembremos que mesmo onde não havia escravidão, como nos estados do Norte, poucos cidadãos negros votavam, fato descrito por Tocqueville. As mulheres só tiveram o direito de votar em 1920. 9 descentralização (um Estado central forte ou autonomia local); monarquia constitucional ou república; a divisão dos poderes. Prevaleceu um modelo de federação, mas com várias características de confederação. Tocqueville afirma que, em termos de administração, os EUA eram altamente descentralizados, restando ao Estado Nacional cuidar dos assuntos externos e promover a justiça, mas com poder de submeter a legislação estadual, caso necessário, embora raro – como foi, posteriormente, o caso da luta por direitos civis no século XX. TEMA 4 – O APORTE WEBERIANO O sociólogo Max Weber é considerado um dos maiores teóricos ou intérpretes do Estado Moderno. Em sua vasta obra, analisou inúmeros temas, incluindo o advento do chamado Estado racional legal, fruto de um lento processo histórico, com raízes na Idade Média, mas que só se consolidou na Modernidade, e primeiramente no mundo ocidental, com o predomínio do capitalismo e do Estado-Nação. Antes de ser uma espécie de exaltação do Estado, o liberal Weber estava preocupado com o risco de que esta instituição se transformasse em uma moderna forma de dominação. 4.1 O Estado monopólio do uso da violência Uma das mais conhecidas frases de Weber é a que define o Estado moderno como a instituição que, em determinado território, de forma legítima (de acordo com as regras socialmente aceitas), monopoliza o instrumental de coação física (a violência legítima), reunindo para esse fim meios organizacionais, dirigentes e funcionários, desapropriandoos líderes autônomos que antes detinham aquele poder (Weber, 2004). Tal fato se realiza no poder de coagir e, se for o caso, de forçar, por exemplo, a ação da polícia, de fiscais, de oficiais de justiça, das forças armadas e de variadas instituições estatais ou por elas designadas. 4.2 A burocracia estatal como forma de dominação No absolutismo e no mundo antigo, o poder se encarnava na figura do soberano ou da nobreza, de forma que as leis eram muitas vezes aplicadas de maneira pessoal, ou seja, variavam de acordo com as circunstâncias ou com a preferência da autoridade. Para Weber, uma peculiaridade da modernidade é o 10 predomínio de uma dada forma de dominação, a institucional ou legal, que se manifesta de maneira impessoal na forma de leis e de uma administração científica, isto é, baseada no cálculo racional, usando os modernos meios técnicos e organizacionais. Seus principais agentes não são indivíduos, mas organizações diversas. Os indivíduos são, antes de tudo, representantes ou agentes dessas instituições. Nessa perspectiva, o poder político é também institucional, ou seja, não se encontra nos indivíduos, ainda que sejam agentes. Dessa forma, Weber (2004) afirma que “o futuro pertence à burocratização”, ou seja, no mundo moderno, seria impossível fugir desta nova e poderosa forma de dominação, pois ela seria imperceptível e até mesmo agradável. O resultado seria uma servidão diferente de todas as formas precedentes, pois agora está atrelada a um gigantesco organismo, o Estado administrado cientificamente. TEMA 5 – A CRISE DO ESTADO LIBERAL Até a II Grande Guerra, a Inglaterra dominou o cenário internacional, embora outras nações europeias estivessem fortalecidas, e também os EUA. Nessas nações, o modelo capitalista reinou soberano, com variações de país para país. Mas as duas guerras mundiais e a grande crise econômica de 1929 abalaram a fé no liberalismo como modelo a conduzir o mundo. A crise de 1929 foi um grande golpe em relação à fé incondicional nas teses liberais, tão comum até então nas principais nações ocidentais. Embora exista um debate sobre as reais causas desta crise, ela resultou posteriormente em um Estado mais intervencionista, seja de modelo autoritário, seja de modelo socialdemocrata. Tanto é que nos anos 30 – período entre guerras – predominou no Ocidente um Estado autoritário e nacionalista (antiliberal e anticomunista), como foi o caso do nazifascismo. Após a II Guerra, predominou o chamado welfare state (Estado do bem-estar social, tema da Aula 4). Além disso, velhos problemas persistiam, em especial a pobreza e a miséria. A crise de 1929 só piorou tal situação, expondo ainda mais o velho dilema europeu (e também global) de populações vivendo na pobreza. Até aquele momento, os Estados Nacionais não tinham resposta para tal problema. 11 NA PRÁTICA O chamado Estado liberal, típico do século XIX e início do século XX, era bastante excludente. O consumo de mercadorias diversas era restrito às reduzidas classes alta e média. Em termos políticos, na maioria dos países uma pequena parcela da população efetivamente participava das eleições. No entanto, após a Primeira Guerra Mundial, houve uma progressiva ampliação da democracia, com grandes parcelas da população passando a participar das decisões: pobres, mulheres, população negra e indígena, analfabetos, dentre outras. Mais recentemente, tem ocorrido uma democratização do consumo em todos os lugares do globo, ainda que exista pobreza e miséria. FINALIZANDO Vimos nesta aula o advento e o fortalecimento do Estado moderno liberal a partir das críticas elaboradas por autores iluministas. No século XIX, algumas nações levaram adiante o modelo de Estado liberal, principalmente Inglaterra e EUA. Aliado ao predominante modo de produção capitalista, o Estado liberal permitiu que valores da Modernidade, tais como democracia, liberdade, livre mercado e empreendedorismo, se alastrassem pelo mundo. É verdade que isso muitas vezes foi apenas simbólico, contraditório. Mas é inegável que tais valores fazem parte dos projetos da maioria das sociedades contemporâneas. 12 REFERÊNCIAS MELLO, L. L. I. A geopolítica do poder terrestre revisitada. Revista Lua Nova, n. 34. São Paulo: dez. 1994. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?sc ript=sci_arttext&pid=S0102-64451994000300005>. Acesso: 16 jan. 2018. TOCQUEVILLE, A. Da democracia na América. São Paulo: Martins Fontes, 1998. vol. 1. WEBER, M. Economia e sociedade. Brasília: Ed. UNB, 2004. vol. 2. ESTADO MODERNO E CONTEMPORÂNEO AULA 3 Prof. Carlos Alberto Simioni CONVERSA INICIAL Dentre os pensadores modernos, o primeiro a criticar os fundamentos do liberalismo foi Rousseau, em 1754, quando afirmou que a origem da desigualdade se encontrava na posse da propriedade (Rousseau, 2008). Para os liberais, inversamente, a propriedade privada era o maior fundamento de liberdade, e o Estado seria seu guardião. Este é um dos principais contrapontos entre liberalismo e socialismo. Poucas décadas depois do texto de Rousseau, com a Revolução Industrial e o capitalismo, as primeiras indústrias, no sentido moderno do termo, iniciaram um processo de exploração do trabalho que hoje seria considerado desumano ou análogo à escravidão. Jornadas de trabalho de 14 horas ou mais. Fábricas com ambiente insalubre. Baixíssimos salários. Ausência de legislação trabalhista e uma multidão de desempregados, expulsos do campo e prontos a substituir quem não aceitasse aquelas condições. O discurso de liberdade, igualdade e fraternidade, na prática, não estava ocorrendo para a maioria; antes, havia desigualdade e sofrimento, muito maiores que no período feudal. É neste contexto que as primeiras ideias socialistas surgiram. Inicialmente, as propostas consistiram em experimentos individuais – não em revoluções ou reformulações no Estado –, posteriormente chamadas de socialismo utópico. Mas, em meados do século XIX, surge o socialismo científico, com o projeto de tomada do poder pelos trabalhadores; o socialismo se torna um ideal revolucionário. Marx e Engels disseminaram o termo comunismo, uma proposta de mudança radical na sociedade. A classe trabalhadora tomaria o poder, incluindo o Estado Burguês. Depois, seria construída a nova sociedade e um novo tipo de Estado (ou sua extinção). Assim, há um debate não apenas em relação ao tipo de sociedade (capitalista ou comunista), mas também em relação a uma suposta sociedade comunista, sobre que tipo de Estado deveria existir. Nesta aula, veremos as críticas marxistas ao Estado Capitalista e as primeiras experiências de Estados Comunistas a partir da Revolução Russa em 1917. TEMA 1 – CRÍTICA AO ESTADO CAPITALISTA Qualquer abordagem marxista parte de um princípio básico: todas as sociedades, em todas as épocas, sempre estiveram divididas em classes sociais diferentes – a dominante e a(s) explorada(s). Ao longo da história, em um 3 processo lento e natural, elas entram em conflito. Na sociedade capitalista não seria diferente. Outras teorias, como a das elites, ou mesmo o liberalismo, concordam com esse pressuposto (divisão entre classes), considerando-o normal. O marxismo, porém, considera tal divisão como injusta e passível de ser mudada cientificamente, desde que um processo racional e revolucionário conduzido pela classe explorada construa uma sociedade sem distinções de classes. 1.1 Crítica ao Estado Capitalista No século XIX, o capitalismo, com sua específica forma de relação de trabalho (assalariado), estava se consolidando na Europa. A Inglaterra era o país no qual o processo estava mais avançado; havia centenas de fábricas e milhares de operários. As condições de trabalho, no entanto, eram precárias. No livroO Capital, escrito em meados daquele século, Marx analisa como as próprias instituições britânicas, ao longo de décadas, criaram uma legislação trabalhista que, na visão desse autor, era insuficiente. O parlamento inglês, por exemplo, paulatinamente reduziu a jornada de trabalho após várias denúncias de médicos, religiosos, jornais e de comissões do próprio Parlamento (Marx, 1987). Dessa forma, qual era o papel do Estado? Lembremos que o Estado Britânico se fundamentava em princípios liberais, procurando interferir minimamente em assuntos privados. No entanto, no início do século XIX, iniciaram-se as primeiras revoltas dos trabalhadores – por exemplo, o Ludismo (1819, revolta contra a substituição de homens por máquinas, quando os trabalhadores as quebravam ou destruíam as fábricas). Diversas revoltas ocorreram pela Europa durante aquele século e, em geral, os governos tomavam partido da classe burguesa, enviando a polícia e o exército para conter os operários. Procurar o governo (Poder Executivo) não surtia efeito, pois este era composto muitas vezes pelos próprios burgueses ou por seus representantes. Esta é a razão que levou Marx e Engels a afirmar no Manifesto Comunista, publicado em 1848, que a burguesia, desde o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou, finalmente, a soberania política exclusiva no Estado representativo moderno. O governo moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa. (Marx & Engels, 1986) 4 Contudo, tal análise não pode ser tomada ao pé da letra, afinal, são escritos de um manifesto, e não de uma obra acadêmica mais elaborada. Na obra de Marx é possível verificar outras abordagens sobre o Estado, como veremos a seguir. TEMA 2 – ANÁLISE ESTRUTURAL E CONJUNTURAL DO ESTADO A teoria marxista é considerada como estruturalista, ou seja, parte do princípio de que, independentemente do período histórico, em todas as sociedades há estruturas ou fatores que as sustentem. Seria o caso do fator econômico ou da maneira como os homens, na luta pela sobrevivência, se organizam, geram e distribuem bens e riquezas. Todas as instituições sociais estariam condicionadas, em última instância, por este fator. Com o Estado e suas variações ao longo da história não seria diferente. A ideia vista anteriormente do Estado como gerente da burguesia está atrelada a este princípio. No entanto, ao lado das estruturas existem fatores conjunturais, ou seja, aqueles que, em dado momento, talvez não estejam ligados à estrutura, podendo ser explicados por variáveis diferentes e múltiplas, mas que, no conjunto, podem sustentar determinadas situações e aparentar que são estruturais. No marxismo, tal diferença é definida como infra e superestrutura. A política e o Estado seriam elementos da superestrutura, isto é, condicionados pela economia (mercado, produção e distribuição da riqueza). Mas a superestrutura também tem importância, como argumentam Codato e Perissinoto (2001), afirmando que o próprio Marx analisou determinadas conjunturas políticas em suas – relativamente – pouco conhecidas obras históricas. Nestas obras seria possível observar a visão do pensador sobre o Estado, mais do que é possível no Manifesto. 2.1 A análise de Marx sobre o Estado enquanto instituição política Para os autores, há críticas à visão estrutural de Estado decorrentes de ela impedir uma análise de “sua configuração interna, seus níveis decisórios e as funções que os diversos centros de poder cumprem, seja como produtores de decisões, seja como organizadores políticos dos interesses das classes e frações dominantes” (2001, p. 10). No entanto, argumentam que nem o próprio Marx menosprezou tal fato, exemplificando como ele analisou os fatores 5 conjunturais do Estado durante os tumultuados anos entre 1848 e 1851 na França. Diversas crises políticas culminaram no golpe de Estado de Luís Bonaparte (sobrinho de N. Bonaparte). Nesse contexto, o Estado foi disputado por diferentes classes ou frações de classe (diferentes tipos de burguesia – comercial, industrial, financeira etc.). Outro ponto analisado é a diferença entre aparelho de Estado e poder de Estado. A pergunta central é: Nas sociedades modernas, o Estado é efetivamente controlado pela classe dominante? Em sentido geral, os autores afirmam que Marx percebe o Estado como atrelado ao fator classe social. Mas em certas ocasiões a instituição é mais autônoma. A diferença básica seria entre os grupos economicamente dominantes – frações da classe burguesa – e os grupos politicamente dominantes – que poderiam ser uma daquelas frações, ou mesmo um período de dominação política por uma classe subalterna sem, no entanto, interferir no domínio da classe economicamente dominante. Esta seria a diferença básica entre aparelho de Estado, que pode ser governado por diferentes grupos, classes ou frações de classe, e o poder de Estado, quando sempre o poder da classe domina os meios de produção. Portanto, mesmo que em certo momento uma classe subalterna comande o Estado, na verdade ela se ilude, pois não possui o poder real daquela sociedade. O aparelho de Estado possui diferentes instâncias de poder. Tomando exemplos atuais, uma coisa seria controlar (vamos supor) o Ministério da Fazenda ou de Infraestrutura; outra coisa seria dominar o Ministério da Cultura. Para Codato e Perissinoto, somente alguns ramos de Estado possuem poder efetivo: Concretamente, o poder político concentra-se em núcleos específicos do aparelho do Estado; estes, por sua vez, podem ser ocupados diretamente (ou controlados, ou influenciados) por diferentes classes sociais; nesse caso, o poder relativo de cada uma delas será determinado pela proximidade ou distância que mantiver em relação ao centro decisório mais importante. (p. 20) Os autores concluem analisando que Marx percebeu a complexidade do Estado com suas diferentes esferas de poder e o fato de ser dirigido por diferentes classes sociais. Mas, a partir de certo limite, o poder real se dá pela classe que controla os principais centros de poder, a mesma classe que controla os meios de produção. TEMA 3 – MODELOS DE ESTADO COMUNISTA: URSS 6 O primeiro Estado Comunista surgiu após a Revolução Russa, em 1917. Com a criação da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), tinha-se de pensar em como gerir aquela imensa nação com um novo sistema econômico e princípios políticos diferentes daqueles que regiam o Estado Liberal. Mas, na verdade, isso não iria se diferir muito dos princípios do Estado-Nação e daqueles elencados por Weber (violência, moderna administração e burocracia). Os novos princípios eram: abolição da propriedade privada, substituição do capitalismo como modo de produção e erradicação da miséria, socializando (distribuindo) os meios de produção. Então, que papel teria o Estado neste processo, se ele era anteriormente visto como instrumento de opressão das classes dominantes? Não demorou muito e o Estado soviético se transformou em um dos maiores e mais poderosos Estados da modernidade. Mas, internamente, a lógica do Estado não era muito diferente da lógica dos demais países. 3.1 A estrutura política A URSS tinha um sistema político baseado em Soviets, os conselhos de representação de operários e camponeses – instituídos, na verdade, em 1905, mas sem muito poder. Com a Revolução, pelo menos na teoria, tais conselhos seriam a base do poder político (Reed, 1918). Posteriormente, a nação implantou o regime de partido único, o Partido Comunista (PC), e formou-se um complexo sistema de representação popular, semelhante ao parlamentarismo ocidental. Na prática, contudo, a URSS era uma nação autoritária; o poder era altamente centralizado pelo Poder Executivo (Presidium). O Politburo, Comitê Central do PC, decidia os principais temas e oparlamento os ratificava, principalmente nos períodos de maior autoritarismo, como no stalinismo (1924-1953). O Soviet Supremo era o parlamento nacional e, seu Secretário-Geral, o Chefe de Estado. 3.2 Administração e economia A URSS também possuía uma moderna administração burocrática, conhecida como nomenklatura, formada principalmente pelos altos dirigentes do PC e por trabalhadores de vários setores, quase todos pertencentes ao partido. É interessante lembrar que a URSS, ainda nos anos de 1920, implantou um sistema de produção baseado no fordismo, procurando equiparar-se à alta 7 produtividade dos países ocidentais. Com o tempo, o Estado transformou-se em um imenso aparato repressivo e, para muitos comunistas, foi um desvirtuamento da Revolução substituir o poder dos soviets pela burocracia. A economia soviética era altamente planificada, ou seja, planejada em detalhes pelo Estado. Desde os anos de 1930, foram implantados vários planos de metas. A cada 5 anos, determinadas áreas eram priorizadas. Não havia mercado financeiro. O comércio e o trabalho eram controlados minuciosamente. A burocracia e o partido efetivamente controlavam a economia. TEMA 4 – MODELOS DE ESTADO COMUNISTA: CHINA E CUBA Ainda que não diferindo muito do Estado Soviético, as nações aliadas à URSS procuraram encontrar caminhos próprios. Vejamos dois exemplos: China e Cuba, nações que tiveram uma história própria e contextos diferentes de formação do Estado, mas nem por isso muito diferentes entre si. 4.1 China Em 1949, a Revolução comandada por Mao Tse Tung reforçou o poderio do bloco soviético, condicionado, àquela altura, pela Guerra Fria. As primeiras medidas foram: centralizar a economia, nacionalizar a indústria (ainda pequena) e promover a reforma agrária, com sistema de cooperativas no campo. Politicamente, havia um sistema de partido único, o Comunista (PC), que realmente comandava o país, o qual esteve nas mãos de Mao até sua morte, em 1976. Havia, ainda, a grande meta política de formar uma sociedade camponesa igualitária. O Estado comandou a chamada Revolução Cultural no final dos anos de 1960, perseguindo supostos inimigos ou reacionários. Foi um sistema quase fechado para o comércio mundial até os anos de 1980, quando uma nova orientação do PC permitiu maior abertura econômica e certos princípios capitalistas, resultando na China que hoje conhecemos, um poderoso ator internacional e grande produtor e consumidor de mercadorias em um sistema que pouco tem de comunista, pois aderiu à economia de mercado há décadas. Por outro lado, o Estado chinês, altamente centralizador, continua controlando as terras e várias empresas1. Muitos empresários são filiados ao PC. 1 Ver https://www.epochtimes.com.br/a-china-continua-comunista/#.Wa3NKdR97Mx. https://www.epochtimes.com.br/a-china-continua-comunista/#.Wa3NKdR97Mx 8 4.2 Cuba Cuba, após a Revolução de 1959, organizou sua economia e Estado de acordo com o padrão comunista mundial: Partido Único, o PC; economia planificada a partir da burocracia que centraliza as principais decisões; sistema representativo unicameral, com eleição dos representantes que, na verdade, cumprem as decisões do poder centralizado (Coelho, 2013), pelo menos quanto aos principais temas. Na prática, o Poder Executivo comandou efetivamente o país, liderado por Fidel Castro, que governou Cuba por mais de 40 anos. TEMA 5 – CRISE DO ESTADO COMUNISTA Os Estados comunistas tiveram um padrão comum de formação e funcionamento. Tal modelo de Estado foi muito criticado pelas nações capitalistas, basicamente por ser burocrático demais, pouco produtivo e antidemocrático. O fato de a URSS, no contexto da Guerra Fria, ter influenciado a tomada do poder pelos comunistas fez com que quase todos aqueles países tivessem pouca autonomia. Eram considerados como satélites da URSS, tanto política como economicamente. Assim, quando a URSS colapsou, ao final dos anos de 1980, praticamente todo o bloco comunista seguiu o mesmo rumo, excetuando-se China, Vietnã, Coreia do Norte, Laos e Cuba. O Estado soviético colapsou por duas razões complementares. Economicamente, não era um modelo eficiente, considerado burocrático demais, pouco inovador e sem liberdade. A economia russa como um todo não conseguiu acompanhar o altíssimo custo da Guerra Fria, sempre exigindo inovação e enormes gastos com a indústria militar. O Estado Comunista era altamente repressor, cerceando as liberdades mínimas. Cada país poderia ter maior ou menor grau de repressão interna, mas as diferenças não eram tão grandes assim. A consequência é que a população destes países estava insatisfeita e, a partir de 1989, o modelo de Estado Comunista começa a ruir. NA PRÁTICA O Bloco Comunista, durante a Guerra Fria, teve seus membros rebeldes. Além da China, que se distanciou da URSS já nos anos de 1950, dois outros países escolheram modelos de Estado um tanto alternativos. Albânia e Iugoslávia, cada um à sua maneira, enfrentaram o poderoso Estado Soviético, 9 pelo menos até certo ponto. No plano geral, eram aliados, mas, em termos de modelo de Estado e de economia, se distanciaram. A Albânia, um dos países mais pobres da Europa, permaneceu como uma nação stalinista, mesmo após a morte de Stalin em 1953 e uma série de mudanças na URSS (como a inserção no mercado internacional, o capitalismo de Estado). A Albânia permaneceu controlada de forma autoritária e com uma economia extremamente fechada, liderada na lógica do culto à personalidade por Enver Hoxha, o grande líder – algo semelhante ao que ocorre atualmente na Coreia do Norte. Já a Iugoslávia (hoje dividida em seis países, nos Bálcãs) escolheu um modelo mais light, ou seja, além de um distanciamento dos soviéticos, tentou implantar um modelo cooperativo de economia, com a criação de empresas geridas pelos trabalhadores, e não pelo Estado. Tal modelo ficou conhecido como Autogestão Iugoslava. FINALIZANDO Vimos nesta aula as críticas marxistas ao Estado Moderno (Liberal). Também estudamos o debate em relação à concepção de Estado na Teoria Marxista – se determinado pela infraestrutura econômica ou com autonomia relativa, isto é, ser dominado por uma classe social não detentora dos meios de produção. Vimos, ainda, as primeiras experiências históricas de Estados Comunistas – inicialmente, a URSS; posteriormente, outros países. Tais experiências foram marcadas por transformações sociais de vulto, mas também por forte centralização e burocratização, conformando um Estado autoritário e repressivo, até o colapso da URSS, restando hoje poucos países efetivamente com um Estado Comunista. 10 REFERÊNCIAS CODATO, A. N. & PERISSINOTTO, R. M. O Estado como instituição: uma leitura das obras históricas de Marx. Crítica Marxista, n. 13. Campinas: Boitempo, 2001. COELHO, T. Representação política em Cuba: um Estado dos trabalhadores? 2013. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/leviathan/article/view/132325/128467>. Acesso: 17 jan. 2018. MARX, K. O capital. vol. 1. São Paulo: Bertrand Brasil, 1987. MARX, K. & ENGELS, F. O manifesto comunista. Rio de Janeiro: Global Editora, 1986. REED, J. A estrutura do sistema soviético. In: The Liberator (Soviets in Action), out./1918. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/reed/1918/10/estrutura.htm>. Acesso: 17 jan. 2018. ROUSSEAU, J. J. Discurso sobre a desigualdade entre os homens. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2008. https://www.revistas.usp.br/leviathan/article/view/132325/128467 https://www.marxists.org/portugues/reed/1918/10/estrutura.htm ESTADO MODERNO E CONTEMPORÂNEO AULA 4 Prof. Carlos Alberto Simioni 2 CONVERSA INICIAL Nasegunda metade do século XX, consolidou-se nos países capitalistas desenvolvidos, principalmente na Europa, um determinado tipo de Estado, conhecido como Welfare State, ou Estado do Bem-Estar Social. Sua característica principal, de acordo com Arretche, era a ação do Estado no tocante à “provisão de serviços sociais, cobrindo as mais variadas formas de risco da vida individual e coletiva” (1995). As nações que radicalizaram tal modelo foram, principalmente, as que tiveram governos socialdemocratas ou coalizões socialistas e liberais. Até hoje, Suécia e Finlândia, por exemplo, são países conhecidos pelos excelentes e diversos serviços sociais, como saúde, educação e assistência na velhice, oferecidos a toda a população. Mas existem diferentes modelos de Welfare State, inclusive em países liberais. Embora a pobreza e a miséria sempre fizessem parte da história europeia, houve uma intensificação a partir do surgimento e consolidação do capitalismo, conforme vimos na Aula 3. Nas sociedades industriais do século XIX, diversos problemas sociais estavam em evidência, concentrados nas grandes e médias cidades, conhecidos como a questão social – miséria, fome, analfabetismo, criminalidade, desemprego, falta de assistência hospitalar, população sem residência, tudo isso colocou em xeque as promessas que a sociedade capitalista e liberal apregoava. Foi então que atores sociais diversos (políticos, religiosos, trabalhadores, filantropos) começaram a propor ações para acabar com tais problemas, ou menos diminui-los. Mas quem deveria agir? Antes vistas com resignação, a igreja e a filantropia (caridade, ajuda ao próximo, em sentido individual) é que cuidavam de tais temas, pelo menos até onde podiam. No entanto, as sociedades modernas possuíam novas noções de direitos, como os direitos civis (à vida, à liberdade, à propriedade privada e à igualdade perante a lei) e os direitos políticos (votar ou ser votado, participar do governo, fundar partidos e associações; participar ou organizar manifestações). Contudo, reivindicava-se uma nova gama de direitos sociais. Além disso, havia um grande temor de que aquela precária situação social resultasse em revolta popular, pois a Revolução Francesa ainda estava na memória daquelas sociedades. Dessa forma, no final do século XIX e início do século XX, algumas nações iniciaram um processo em que o Estado assumia a responsabilidade de assistir à população, sendo o embrião do Welafare State – mas isso apenas se consolidaria após a II Guerra mundial. É o que veremos a seguir. 3 TEMA 1 – A QUESTÃO SOCIAL E O PAPEL DO ESTADO Embora o tema questão social esteja inserido em um amplo debate teórico (se os problemas sociais são efeitos naturais da industrialização e urbanização ou de fatores individuais, ou se são decorrência da exploração de uma classe social sobre outra) e político (se é uma abordagem conservadora ou progressista), não é objetivo desta aula entrar nestes debates. Antes, pretende- se pensar sobre como, nas sociedades modernas, o Estado foi progressivamente incumbido de agir neste campo. É importante frisar que uma característica do Estado Moderno é justamente a de assumir funções que antes eram de esfera privada ou de certas instituições sociais, como a Igreja Católica na Europa. O Estado Moderno passa a se responsabilizar diretamente pela proteção interna e externa da nação, pela justiça e, direta ou indiretamente, por educação, saúde, economia e ações de infraestrutura. Dessa forma, em relação à questão social, as nações modernas iniciam um processo de discussão política, ou seja, um debate sobre os chamados “novos direitos”, incluindo os direitos sociais. A partir disso, pensa-se o que fazer, quem realiza as ações e de que forma. Tal debate já vinha acontecendo séculos antes. A Inglaterra, berço da Revolução Industrial, foi um dos primeiros países a propor ações relativas aos chamados “problemas sociais”, típicos das grandes cidades que se formaram a partir do século XVI. Em 1601, é promulgada a Lei dos Pobres que, entre outros, propunha ações assistencialistas (na lógica da caridade) realizadas pela Igreja e com financiamento do Estado. Tal lei perdurou até o século XIX, quando foi substituída por ações repressivas, ou mesmo violentas, no início das primeiras lutas trabalhistas e do movimento operário. Por outro lado, ao final daquele século – Era Vitoriana (Governo da Rainha Vitória) – o Estado começou a interferir mais diretamente, com outra forma de ação. De acordo com Arretche (1995), Era de prosperidade e confiança, teria marcado o início da adoção de medidas de política social: leis de assistência aos indigentes, leis de proteção aos trabalhadores da indústria, medidas contra a pobreza etc. Em tais medidas, estaria o embrião daquilo que, mais tarde, após a Segunda Grande Guerra, seria conhecido como Welfare State. 4 Neste mesmo período, a Alemanha também implantou medidas de assistência e de seguro social. Mesmo os EUA, país de forte tradição liberal, implantou, após a crise econômica de 1929, medidas de proteção e assistência social. No entanto, as duas grandes guerras, além da depressão econômica dos anos de 1930, forçaram o estabelecimento de políticas sociais, levadas a cabo após 1945. TEMA 2 – WELFARE STATE SOCIALDEMOCRATA Em meados do século XIX, na Europa, surgem o movimento operário, os sindicatos, os partidos políticos ligados ao marxismo e um movimento socialista denominado Socialdemocracia – incialmente com ideais revolucionários, apesar de participar da luta política institucional. No entanto, com novas propostas do alemão Eduard Bernstein (1850-1932), a socialdemocracia dividiu os socialistas, pois se afastou de algumas das principais teses marxistas, em especial aquelas que pressupunham a inevitabilidade de uma revolução, a progressiva pauperização das classes médias e a piora das condições de trabalho do operariado1. Antes disso, Bernstein afirmava que uma série de reformas, dentro do sistema capitalista, permitiu a melhoria das condições de vida dos trabalhadores, a concessão de certos direitos e a ampliação do consumo. Tais ideias geraram duas distintas opções políticas: Reforma ou revolução? A social democracia optou em 1918 pelas reformas, embora ainda pretendesse atingir o objetivo marxista de uma sociedade mais equitativa e sem exploração de uma classe social sobre outra (Przeworsk, 1988). O Estado seria o grande agente para realizar as reformas necessárias. Logo após a II Guerra Mundial, alguns países tiveram um amplo domínio socialdemocrata ou coalizões destes com socialistas e liberais. É o caso dos países nórdicos (escandinavos). Arrecthe (1995), baseada na obra de Esping Andersen, aponta os países escandinavos como os principais modelos de Welfare State socialdemocrata. Nestes [países], o movimento operário foi capaz de traduzir seus objetivos históricos em políticas sociais de um certo tipo, dado que foi capaz de expressar-se politicamente através de partidos sociais democratas, os quais mantiveram o controle parlamentar por significativos períodos de tempo. 1 No pós-guerra, inclusive, a socialdemocracia rejeitou a tese marxista da luta de classes. 5 Neste modelo, o princípio básico é o da equidade, e não o do mérito (modelo liberal, do tipo quem contribui tem direito). Assim, os serviços sociais são amplos e universais, independentemente de contribuição ou do valor da contribuição. Outro princípio importante é o de que tais políticas não são custos, mas investimentos, na medida em que a sociedade é beneficiada com padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e erradicação da miséria. A Suécia é um exemplo do modelo socialdemocrata, o qual foi preponderante no país entre 1932 e 1986, mesmo que liberais ou conservadores estivessemno governo em certos períodos. Desde o início do século XX, a nação vinha implantando políticas sociais, como pensões, seguros e leis de proteção ao trabalhador. O Estado era o principal agente dessas políticas. Em 1932, o Partido Socialdemocrata chega ao poder e, embasado nas ideias de Gunnar Myrdal, inicia um processo mais radical de políticas sociais, o que facilitou o predomínio das teses reformistas da social democracia no pós-guerra. TEMA 3 – WELFARE STATE CONSERVADOR Até o final do século XIX, a Igreja Católica pouco interferia na questão social, pelo menos em termos políticos. Não se fazia críticas às possíveis causas de tais problemas, nem se apontava as soluções. Certamente, a Igreja agia na lógica da caridade e da filantropia – como, por exemplo, mantendo orfanatos. Foi então que, em 1891, alarmado com o avanço do socialismo, do movimento operário e do modelo capitalista predominante, o Papa Leão XIII lançou uma Encíclica2 na qual discute situação e condições de trabalho dos operários. A partir daí, é lançada uma proposta de acordo entre as classes sociais (contrapondo-se à tese da luta de classes). O documento modificou a forma de ação católica em relação aos problemas sociais e foi a base da chamada Doutrina Social da Igreja. Uma das consequências desse fato foram as propostas de ação do Estado, principalmente como condutor de processos de melhoria das condições de vida e de trabalho. A igreja seria mediadora, junto aos sindicatos, mas na lógica da cooperação e harmonia entre as classes sociais. Arretche (1995) afirma que este posicionamento da igreja favoreceu um determinado modelo de Welfare State, predominante na Europa católica, em 2 Carta enviada a todos os bispos expondo um ponto de vista ou forma de ação da Igreja, orientando a ação e a tomada de decisão em relação a fatos concretos da vida e da realidade. 6 especial na Alemanha, Áustria, Itália e França, além de países onde o papel do Estado era forte, como o caso do Japão. Seriam basicamente países nos quais a Igreja teve um poderoso papel nas reformas sociais e onde o absolutismo era forte, sendo, portanto, lentamente abolido; países nos quais a revolução burguesa foi fraca, incompleta ou mesmo ausente. Marcado pela iniciativa estatal, este modelo favoreceu um ativo intervencionismo estatal destinado a promover lealdade e subordinação ao Estado e deter a marcha do socialismo e do capitalismo. Neste modelo, considerado por Esping Andersen (1991) como corporativo ou Welafare state monárquico, estaria garantido o bem-estar social e a harmonia entre as classes, lealdade e produtividade. Segundo este modelo, um sistema eficiente de produção não derivaria da competição, mas da disciplina. Um Estado autoritário seria muito superior ao caos dos mercados no sentido de harmonizar o bem do Estado, da comunidade e do indivíduo. Os serviços sociais, então, não são tão amplos como nos países escandinavos, e os benefícios variam de acordo com a classe social do beneficiário. Por outro lado, a Alemanha investiu maciçamente em uma educação pública universal, fato que elevou o padrão dos trabalhadores e da própria indústria alemã, desde o começo do século XX. TEMA 4 – WELFARE STATE LIBERAL O Welfare State avançou mesmo nos países de tradição liberal, onde há resistência à interferência e à participação do Estado na economia ou em temas sociais. Em tal tradição, pressupõe-se que os indivíduos seriam os maiores responsáveis pela sua situação social – princípio do mérito. Em países como os anglo-saxões (EUA, Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia), o papel do Estado é mínimo, e este incentiva o mercado a oferecer, por exemplo, planos privados de aposentadorias. De acordo com Esping Andersen (1991), neste modelo, a atuação do Estado se baseia em assistência “aos comprovadamente pobres, reduzidas transferências universais ou planos modestos de previdência social. Os benefícios atingem principalmente uma clientela de baixa renda, em geral da classe trabalhadora ou dependentes do Estado”. Os EUA formam um exemplo básico deste modelo com o chamado New Deal (1933-1945), programa governamental criado para amenizar os efeitos da crise econômica dos anos de 1930, quando foi criada a Previdência Social e “um sistema de seguro-desemprego, além de fornecimento de auxílio financeiro às 7 famílias menos abastadas e com filhos em idade de dependência” (Gomes, 2006). Ressalte-se ainda que, mesmo neste modelo, há muita disparidade. A Inglaterra, por exemplo, possui serviços sociais bem mais amplos que os EUA. No caso norte-americano, altamente descentralizado, há muita variedade de políticas sociais em cada Estado da federação, ou mesmo nos municípios. TEMA 5 – A CRISE DO WELFARE STATE Nos anos de 1970, ocorreu uma forte crise financeira global: inflação, estagnação econômica, juros altos, desemprego – problemas decorrentes, dentre outros fatores, da crise do petróleo e de uma crise fiscal. Neste segundo aspecto, o Welfare State foi apontado pelos críticos neoliberais como um dos principais responsáveis da crise, na medida em que os gastos estatais eram enormes e a altíssima carga de impostos não dava conta de atender à crescente demanda. Outros fatores intensificaram a crise, como, por exemplo, a diminuição da taxa de natalidade e o aumento da expectativa de vida, ou seja, o número de aposentados cada vez maior e, o de contribuintes para financiar o sistema, cada vez menor. Ao mesmo tempo, a Teoria Neoliberal se fortalece e aponta algumas hipóteses para as falhas do modelo, conforme indica Draibe (1984) a respeito das críticas ao Welfare State, quando os gastos sociais do Estado só aumentavam, gerando. desequilíbrio orçamentário, provocando deficits públicos recorrentes, que penalizam a atividade produtiva e provocam inflação e desemprego. [...] Em resumo, os gastos sociais e sua forma de financiamento são responsáveis pela inflação, declínio dos investimentos e, portanto, pelo desemprego. Outros pontos indicados pela crítica neoliberal eram o excessivo paternalismo, o comodismo, a pouca eficiência/produtividade, além de uma ampla burocracia, inchando o Estado com muitos funcionários, aumentando os gastos. Por outro lado, os chamados progressistas também faziam críticas, afirmando que o tradicional padrão de acordo entre classes sociais predominante após a II Guerra estaria esgotado, forçando o conflito entre elas. Nessa perspectiva, o Welfare State teria sido apenas uma forma de amenizar o conflito entre classes, contribuindo para manter a ordem social capitalista. 8 Em função dessas críticas, principalmente a dos neoliberais, a partir dos anos de 1980 vários países passaram a rever seus programas sociais, ou os gastos com eles, e a enfatizar soluções típicas de mercado, privatizando empresas e fomentando a previdência privada. Ainda assim, em termos comparativos, os programas sociais da maioria das nações europeias ocidentais são amplos e de boa qualidade, porém, os princípios são outros. Moser (2011) aponta uma nova geração de políticas e programas sociais na Europa unificada, definidas como políticas sociais ativas, ao invés de passivas Tais políticas fazem parte do processo de desestruturação de um modelo de provisão – o welfare – para a construção de um novo modelo de regulação estatal – o workfare – partidário de uma racionalidade de retribuição expressa na obrigatoriedade de participação dos cidadãos em medidas de ativação voltadas ao mercado de trabalho. Portanto, ao mesmo tempo em que há um questionamento da universalização dos programas sociais (por exemplo, se seria justo alguém ser beneficiário sem ter contribuído), atualmente as políticas sociais possuem outras características, fundamentadas em novas demandas, como a criação de empregos, inserção dos
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