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PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA *Rodrigo Tavares (11/2020) SUMÁRIO MEDIDAS CAUTELARES ................................................................................................................... 5 01. TUTELA CAUTELAR PARA PIERO CALAMANDREI. TUTELA CAUTELAR NO PROCESSO CIVIL x PENAL ............................................................................................................... 5 02. CONCEITO DE MEDIDA CAUTELAR ...................................................................................... 5 03. CLASSIFICAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES ................................................................ 5 04. FIM DA BIPOLARIDADE DAS MEDIDAS CAUTELARES DE NATUREZA PESSOAL .................................................................................................................................................................... 5 05. PODER GERAL DE CAUTELA .................................................................................................... 6 06. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS ÀS MEDIDAS CAUTELARES DE NATUREZA PESSOAL 7 07. PRESSUPOSTOS DAS MEDIDAS CAUTELARES DE NATUREZA PESSOAL ............... 8 08. CARACTERÍSTICAS DAS MEDIDAS CAUTELARES .......................................................... 9 09. PROCEDIMENTO E APLICAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES DE NATUREZA PESSOAL ............................................................................................................................................... 11 10. MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI MARIA DA PENHA X MEDIDA CAUTELAR DO CPP .......................................................................................................................................................... 13 11. LEGITIMIDADE PARA REQUERER A DECRETAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR .... 14 12. CONTRADITÓRIO ....................................................................................................................... 14 13. DESCUMPRIMENTO INJUSTIFICADO DAS MEDIDAS CAUTELARES ..................... 15 14. RECURSO CONTRA DECISÃO DE MEDIDAS CAUTELARES ........................................ 15 15. DURAÇÃO E EXTINÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS. ......................... 16 16. DETRAÇÃO .................................................................................................................................... 16 PRISÃO .................................................................................................................................................. 17 01. CONCEITO DE PRISÃO .............................................................................................................. 17 02. ESPÉCIES DE PRISÃO ................................................................................................................. 17 03. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA ..................................................................................... 17 04. INCONSTITUCIONALIDADE DA CONDUÇÃO COERCITIVA DO ACUSADO (STF) .................................................................................................................................................................. 19 05. JUDICIÁRIO COMO FISCAL DA LEGALIDADE DA PRISÃO ........................................ 20 06. PRISÃO CIVIL ............................................................................................................................... 21 @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA 06.1 Prisão civil do falido .................................................................................................................... 21 07. PRISÃO ADMINISTRATIVA .................................................................................................... 22 08. PRISÃO MILITAR ......................................................................................................................... 22 09. PRISÃO CAUTELAR OU PRISÃO PROCESSUAL ............................................................... 23 10. FORMALIDADES E LIMITES DA PRISÃO ............................................................................ 23 11. RESPEITO À INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL DO PRESO ........................................... 23 12. RESPEITO À ORDEM ESCRITA E FUNDAMENTADA DA AUTORIDADE COMPETENTE ..................................................................................................................................... 25 13. RESPEITO À INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO ........................................................... 25 14. RESPEITO À ELEIÇÃO ................................................................................................................ 27 15. RESPEITO ÀS IMUNIDADES PRISIONAIS ..........................................................................27 15.1 IMUNIDADE DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA ............................................................. 27 15.2 IMUNIDADE DIPLOMÁTICA OU CONSULAR ................................................................ 28 15.3 IMUNIDADE DO PARLAMENTAR QUANTO À PRISÃO E QUANTO AO PROCESSO ........................................................................................................................................... 29 15.4 MAGISTRADOS E MEMBROS DO MP ................................................................................ 33 15.5 ADVOGADO ................................................................................................................................ 33 16. PRISÃO ESPECIAL E PRISÃO EM SALA DE ESTADO MAIOR ...................................... 34 16.1 PRISÃO ESPECIAL ..................................................................................................................... 34 16.2 PRISÃO EM SALA DE ESTADO MAIOR ............................................................................. 35 17. PRISÃO EM FLAGRANTE: CONCEITO, REQUISITOS E NATUREZA JURÍDICA DA PRISÃO EM FLAGRANTE ................................................................................................................ 37 18. FASES DA PRISÃO EM FLAGRANTE ..................................................................................... 38 18.1 PRISÃO DE ÍNDIOS .................................................................................................................. 39 19. ESPÉCIES DE FLAGRANTE (OPPEP-FORJADO) ................................................................. 40 20. PRISÃO EM FLAGRANTE NAS VÁRIAS ESPÉCIES DE CRIMES ................................... 44 21. PROVIDÊNCIAS APÓS O APF .................................................................................................. 45 22. INOVAÇÃO NO CPP: LEI SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS DA PRIMEIRA INFÂNCIA (LEI 13.257/2016) ................................................................................................................................... 46 23. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA ..................................................................................................... 46 24. JURISPRUDÊNCIAS SOBRE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA .............................................. 48 25. JURISPRUDÊNCIA EM TESES DO STJ – PRISÃO EM FLAGRANTE ............................. 49 26. PRISÃO PREVENTIVA: CONCEITO, NATUREZA E REQUISITOS ................................ 50 27. PROIBIÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA DE OFÍCIO EM QUALQUER FASE .............. 51 28. LEGITIMIDADE PARA REQUERER A PRISÃO PREVENTIVA ....................................... 51 29. DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA DURANTE AS INVESTIGAÇÕES .......... 52 @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA 30. PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA . ...................................................................... 53 31. FINALIDADES DO ART. 312 ..................................................................................................... 54 31.1 GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA ........................................................................................ 54 31.2 GARANTIA DA ORDEM ECONÔMICA .............................................................................. 56 31.3 GARANTIA DE APLICAÇÃO DA LEI PENAL .................................................................... 56 31.4 “CONVENIÊNCIA” DA INSTRUÇÃO CRIMINAL ............................................................. 57 35. DESCUMPRIMENTO DE OUTRA MEDIDA CAUTELAR ANTERIOR .......................... 58 36. HIPÓTESES DE ADMISSIBILIDADE DO ART. 313 E HIPÓTESES VEDADAS DO ART. 314 ................................................................................................................................................. 58 37. HIPÓTESES DE VEDAÇÃO LEGAL À PRISÃO PREVENTIVA (ART. 314) ................... 60 38. PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA ......................................................................................... 60 39. FUNDAMENTAÇÃO DA PRISÃO ........................................................................................... 61 40. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA ............................................................................ 62 41. RECURSO CABÍVEL .................................................................................................................... 63 42. JURISPRUDÊNCIA EM TESES DO STJ SOBRE PRISÃO PREVENTIVA ....................... 63 43. PRISÃO TEMPORÁRIA: CONCEITO E NATUREZA DA PRISÃO TEMPORÁRIA ... . 64 44. REQUISITOS DA PRISÃO TEMPORÁRIA ............................................................................ 65 45. ROL TAXATIVO DE CRIMES .................................................................................................... 66 46. NOVIDADES DO PACOTE ANTICRIME NA LEI DA PRISÃO TEMPORÁRIA .......... 69 47.PROCEDIMENTO E PRAZO DA PRISÃO TEMPORÁRIA ................................................ 69 48. PRISÃO DOMICILIAR ................................................................................................................ 70 49. DIREITO SUBJETIVO À PRISÃO DOMICILIAR? ................................................................ 71 50. HC COLETIVO PRISÃO DOMICILIAR PARA MULHERES E ALTERAÇÃO DO CPP .................................................................................................................................................................. 71 51. ALTERAÇÃO DO CPP APÓS O HC COLETIVO . ................................................................. 72 52. PRISÃO DOMICILIAR E DETRAÇÃO . ................................................................................... 72 53. MEDIDA CAUTELAR DE RECOLHIMENTO NOTURNO E DETRAÇÃO . ................... 72 54. PRISÃO DOMICILIAR E PRISÃO TEMPORÁRIA. ............................................................. 73 55. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO ............................................................ 74 56. MEDIDAS CAUTELARES EM ESPÉCIE .................................................................................. 75 56.1 COMPARECIMENTO PERIÓDICO EM JUÍZO ................................................................... 76 56.2 PROIBIÇÃO DE ACESSO OU FREQUÊNCIA A DETERMINADOS LUGARES ........ 76 56.3 PROIBIÇÃO DE MANTER CONTATO COM PESSOA DETERMINADA .................... 76 56.4 PROIBIÇÃO DE AUSENTAR-SE DA COMARCA OU DO PAÍS ................................... 77 @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA 6.5 RECOLHIMENTO DOMICILIAR NO PERÍODO NOTURNO E DIAS DE FOLGA QUANDO O INVESTIGADO OU ACUSADO TENHA RESIDÊNCIA FIXA E TRABALHO/ESTUDO. ...................................................................................................................... 77 56.6 SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA OU DE ATIVIDADE ECONÔMICA OU FINANCEIRA. ................................................................................................... 77 56.7 INTERNAÇÃO PROVISÓRIA ................................................................................................. 79 56.8 FIANÇA ......................................................................................................................................... 79 56.9 MONITORAMENTO ELETRÔNICO ..................................................................................... 80 56.10 MEDIDAS CAUTELARES DE NATUREZA PESSOAL DIVERSAS DA PRISÃO PREVISTAS NA LEGISLAÇÃO ESPECIAL .................................................................................. 80 57. DESCUMPRIMENTO INJUSTIFICADO DAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO .................................................................................................................................................................. 82 58. DETRAÇÃO .................................................................................................................................... 82 59. LIBERDADE PROVISÓRIA ........................................................................................................ 83 60. LIBERDADE PROVISÓRIA PERMITIDA ............................................................................... 84 61. LIBERDADE PROVISÓRIA PROIBIDA .................................................................................. 84 62. LIBERDADE PROVISÓRIA OBRIGATÓRIA ........................................................................ 85 63. LIBERDADE PROVISÓRIA COM VINCULAÇÃO ............................................................... 85 64. LIBERDADE PROVISÓRIA COM FIANÇA ........................................................................... 86 @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA MEDIDAS CAUTELARES 01. TUTELA CAUTELAR PARA PIERO CALAMANDREI. TUTELA CAUTELAR NO PROCESSO CIVIL x PENAL Conforme a doutrina de Calamandrei, a tutela cautelar serve de ferramenta para conciliar duas exigências de justiça: a exigência de celeridade e da ponderação. Tanto no processo civil como no processo penal, a essência da tutela cautelar em geral é servir como ferramenta para garantir a efetividade do processo. No processo penal, as medidas cautelares são concedidas incidentalmente durante a investigação e o processo. Diferente do processo civil que, com a vigência do CPC/15, revogou-se o processo cautelar autônomo. 02. CONCEITO DE MEDIDA CAUTELAR Pode-se dizer que o conceito de medida cautelar conjuga a sua finalidade e algumas de suas características. Assim, a medida cautelar é instrumento decretado judicialmente que permite assegurar a efetividade ou o resultado útil do processo penal, cabível quando houver, no caso, o “periculum libertatis” (ou seja, o perigo gerado pelo status de liberdade) e o “fumus comissi delicti” (a fumaça da prática de um delito). 03. CLASSIFICAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES O CPP não trata o tema de maneira uniforme, pois mistura as medidas cautelares (chamadas pelo CPP como medidas assecuratórias), com outros institutos. A doutrina, no entanto, classifica as medidas cautelares em 3 espécies: a) Medida cautelar patrimonial ou real: são aquelas relacionadas à reparação do dano e ao perdimento de bens como efeito da condenação. Exemplos: arresto, sequestro e hipoteca legal. b) Medida cautelar probatória: são aquelas que visam a preservação das provas. Exemplo: a produção antecipadade prova (art. 366 do CPP) e o depoimento antecipado das vítimas e testemunhas incluídas em programa de proteção (arts. 225 do CPP e art. 19-A da Lei nº 9.807/1999). c) Medida cautelar pessoal: são aquelas que acarretam a privação ou a restrição da liberdade de locomoção do acusado, podendo ser de maior intensidade (ex: prisão preventiva ou temporária) ou com menor intensidade (ex: medidas cautelares pessoais diversas da prisão do art. 319 do CPP, v.g., o comparecimento periódico em juízo para informar suas atividades). @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA 04. FIM DA BIPOLARIDADE DAS MEDIDAS CAUTELARES DE NATUREZA PESSOAL Com a vigência da Lei nº 12.403/2011, encerrou-se a bipolaridade do sistema de medidas cautelares de natureza pessoal (ou havia prisão cautelar ou havia liberdade provisória), esta última entendida como medida de contracautela, que só podia ser concedida àquele que fosse anteriormente preso em flagrante. Agora, com a reforma operada em 2011, há várias medidas cautelares de natureza pessoal diversas da prisão (CPP, arts. 319 e 320) que não exigem a anterior prisão - é a autonomia das medidas cautelares diversas da prisão, uma inovação da Lei nº 12.403/2011). Dessa forma, adotou-se o sistema multicautelar. Vale dizer que a reforma de 2011, possuindo natureza de norma híbrida, deve retroagir. As medidas cautelares diversas da prisão podem ser adotadas como: (i) instrumento de contracautela , quando substituírem a prisão em flagrante, preventiva ou temporária anterior (art. 321 CPP); (ii) i nstrumento cautelar decretadas ao acusado que estava em liberdade plena. Podem ser aplicadas independente de anterior prisão em flagrante – autonomia; arts 282, §§ 2º e 3º. Tal autonomia é vantajosa. Obs.: Resolução Conjunta nº 1 (CNJ/CNMP): O Poder Judiciário e MP revisarão anualmente a legalidade da manutenção de prisões provisórias e definitivas, bem como das medidas de segurança e internação de adolescentes. No entanto, com o pacote anticrime, o CPP passa a prever, quanto à prisão provisória, que: “Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.” 05. PODER GERAL DE CAUTELA É o poder atribuído ao Estado-juiz para a concessão de medidas cautelares atípicas (medidas cautelares não descritas em lei), sempre que nenhuma medida cautelar típica se mostre adequada para assegurar a eficácia do processo no caso concreto, desde que se evite a prisão. Exemplo: comparecimento de membro da Gaviões da Fiel à Delegacia de Polícia nos dias de jogos do Corinthians. Esse poder geral de cautela, para quem o defende, deve ser exercido apenas de forma complementar; é fundamentado na teoria dos poderes implícitos e no princípio da proporcionalidade, bem como na aplicação subsidiária do CPC ao CPP (o que é permitido pelo art. 3° do CPP). A doutrina e a jurisprudência, no entanto, ainda se dividem quanto a aceitar o poder geral de cautela no processo penal: a) 1ª corrente: o juiz criminal não tem poder geral de cautela. É a corrente defendida por LFG e Badaró e tem ganhado espelho no STF. Isso gera mácula ao princípio da legalidade estrita, em sua dimensão da taxatividade e ao princípio do devido processo legal – qualquer decisão que possa afetar o status libertatis deve ser balizada por limites impostos estritamente pela lei (princípios da legalidade estrita e da tipicidade processual). Assim, seria indevida a interpretação extensiva ou aplicação analógica do CPC. Por enquanto, o STF tem apontado para o entendimento de que o poder geral de cautela não seria aceitável no processo penal, pois para macular o status libertatis , deve-se respeito à legalidade estrita e a tipicidade processual, pois ninguém pode ser privado da liberdade sem o devido @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA processo legal, o que afasta o cabimento de medidas não previstas em lei (STF, HC 188888/ MG, em obter dictum, no julgado que invalidou a conversão de flagrante em prisão preventiva de ofício por juiz, após o pacote anticrime. Esse posicionamento também foi mencionado no julgamento que entendeu inconstitucional a condução coercitiva). Vale dizer ainda que a reforma do CPP pelo pacote anticrime, suprimindo a atuação de ofício pelo juiz no deferimento de medida cautelar, também é um forte argumento. b) 2ª corrente: existência de poder geral de cautela no processo criminal, com a aplicação subsidiária do art. 301 e 297 do CPC/15. É o posicionamento de Renato Brasileiro e de alguns julgados antigos do STF (STF, HC 94.147 e HC 86.758). Renato Brasileiro entende que há a possibilidade da adoção do poder geral de cautela no processo penal, em virtude do princípio da proporcionalidade: ou seja, quando cabível uma medida cautelar mais gravosa, poderá eventualmente o juiz impor medida cautelar alternativa, mais branda, ainda que não prevista taxativamente no CPP, caso tal medida também seja idônea a assegurar a eficácia do processo. Mesmo antes da Lei 12.403/11, o STF já admitiu a utilização do poder geral de cautela no processo penal, com a consequente imposição de medidas cautelares inominadas. O argumento é fundamentado na aplicação da teoria dos poderes implícitos e da proporcionalidade das medidas cautelares. Se o juiz está autorizado a privar a liberdade do réu em regime fechado, também poderia se valer de medidas cautelares atípicas, menos drásticas, mas igualmente eficazes. Entretanto, como já mencionado, o STF tende a negar o poder geral de cautela no processo penal. 06. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS ÀS MEDIDAS CAUTELARES DE NATUREZA PESSOAL 1) Princípio da pr esunção de inocência (ou da não culpabilidade) . Previsto no art. 5º, LVII, CF – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”. Também está positivado na CADH. A doutrina aponta que desse princípio derivam duas regras fundamentais: regra probatória: a acusação tem o ônus de provar culpabilidade, não cabendo a defesa o dever de a provar inocência) regra de tratamento: o acusado deve ser tratado como inocente. 2) Princípio da ju risdicionalidade . A decretação de toda e qualquer espécie de medida cautelar de natureza pessoal está condicionada à manifestação fundamentada do Poder Judiciário - é a cláusula de reserva de jurisdição. O Art. 282. § 2o, CPP afirma que “as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público”. Considerando que todas as medidas cautelares afetam direta ou indiretamente a liberdade de locomoção, não se admite que as autoridades administrativas as possam decretar, sendo também vedado que CPI’s assim o façam. Caso uma medida cautelar seja decretada por um juiz absolutamente incompetente, a maior parte da doutrina entende que tal decisão não pode ser ratificada pelo juízo competente. Contudo, o STF passou a admitir a possibilidade de ratificação de atos de caráter decisório pelo juízo competente. @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA 3) Princípio da pr oporcionalidade . Os requisitos da necessidade e da adequação (necessidade para aplicação da lei penal, investigação ou instrução - e a adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias e condições pessoais) são implícitas. Exige-se a escolha da medida menos gravosa capaz de assegurar o resultado útil do processo. Além disso, o aumento do rol das medidas cautelares diversas da prisão possibilita que o juiz utilize a prisão cautelar somente na imprestabilidadedas demais medidas cautelares, como ultima ratio. É com base no princípio da proporcionalidade que o próprio STF já apontava que não basta a presença dos requisitos do art. 312 e 313 do CPP para a decretação da prisão preventiva, sendo necessário também a demonstração de que nenhuma das medidas cautelares do 319 seria apta para resguardar o mesmo fim. Esse entendimento veio positivado na alteração do pacote anticrime: “A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada” (art. 282, §6°). 4) Princípio da ho mogeneidade . De acordo com esse princípio, não é possível a aplicação de medidas cautelares no curso do processo penal que sejam mais gravosas do que a pena definitiva cabível em tese para o final do processo, com a condenação definitiva. Fala-se também que a homogeneidade é decorrente do princípio da proporcionalidade e tem lastro também no princípio da presunção de inocência. Cuidado! Aqui a jurisprudência oscila. O STF fortalece a homogeneidade, apontando que não seria possível manter a prisão, caso em que seria melhor ao réu renunciar ao direito de recorrer e iniciar o cumprimento. Já para decisões mais recentes do STJ, esse princípio não serve para impedir a prisão preventiva do réu, sob o argumento de que, se condenado, estaria sujeito a um regime diverso do fechado – semiaberto, v.g., desde que persistam os motivos que justificaram a sua decretação (v.g., risco de fuga) e que se observe o estabelecimento adequado como o regime semiaberto, por exemplo (Inf. 560 e STJ. 5ª Turma. RHC 77070/MG). 5) Princípio da fungibilidade. Está expresso no art. 282, §4° do CCP, que fixa que em caso do descumprimento de medida cautelar anterior, mediante requerimento, o juiz poderá substituir, impor outra em cumulação ou, em último caso, decretar a prisão. 6) Princípio dispositivo ou Inércia e Princípio da Congruência ou Adstrição. O pacote anticrime veda ao juiz decretar medida cautelar de ofício em qualquer fase do processo; também proíbe a substituição ou cumulação de ofício. Soma-se a isso recente decisão do STF, que veda a conversão do flagrante em prisão preventiva de ofício pelo juiz na audiência de custódia. Isto posto, a doutrina mais recente tem afirmado que ocorreu a adoção princípio da Congruência ou Adstrição, ou seja, o juiz deverá agir mediante provocação e se ater aos limites objetivos do pedido, sob pena de exarar decisão citra, extra ou ultra petita. É a consagração definitiva do sistema acusatório no processo penal. 07. PRESSUPOSTOS DAS MEDIDAS CAUTELARES DE NATUREZA PESSOAL De forma geral, para todas as medidas cautelares é necessário verificar o periculum libertatis e o fumus comissi delicti. Em relação às medidas cautelares pessoais, o CPP (art. 282, inciso I e II) exige os requisitos da necessidade e da adequação, ou seja, exige-se o preenchimento do próprio princípio da proporcionalidade para o deferimento de qualquer medida cautelar. Analisa-se a necessidade da medida para a aplicação da lei penal, para a investigação, para a instrução processual e para evitar a prática de novas infrações. Deve também ser adequada à gravidade e às circunstâncias do crime e às condições @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA pessoais do acusado. Além disso, ainda que os arts. 312 e 313 não mencionem o princípio da proporcionalidade, no viés da necessidade e adequação, por ser a prisão uma modalidade de medida cautelar, também deve observar tal requisito. Por isso, ainda que presentes os requisitos do 312 e 313, se a prisão for desproporcional ao caso, não será decretada. FUMUS COMISSI DELICTI: é a comprovação por elementos objetivos mínimos a formar uma aparência de que o delito foi cometido por aquela pessoa que se pretende prender. É a plausibilidade do direito de punir, que é constatada por elementos de informação que confirmem a presença de prova da materialidade e de indícios suficientes de autoria. PERICULUM LIBERTATIS: é o perigo que o estado de liberdade do acusado acarreta para a investigação criminal, o processo penal, a efetividade do direito penal ou a segurança social. É importante lembrar da jurisprudência do STF, que há muito tempo afirma a vedação da prisão processual ex lege (determinada por lei), ao exemplo da vedação em abstrato de liberdade provisória para crimes hediondos. Tal entendimento deve ser estendido a todas as medidas cautelares. 08. CARACTERÍSTICAS DAS MEDIDAS CAUTELARES Instrumentalidade (ao quadrado ou qualificada; hipotética): a instrumentalidade significa que as medidas cautelares não são um fim em si mesmas, mas visam assegurar a eficácia prática do processo, o seu resultado útil. Sendo o processo um instrumento posto à disposição do direito material, da aplicação do direito objetivo, as medidas cautelares são, pois, o instrumento do instrumento, pois visam garantir o próprio processo, por isso fala-se em instrumentalidade ao quadrado ou qualificada. De forma semelhante, fala-se em instrumentabilidade hipotética, pois, concede-se a medida cautelar para a hipótese daquele que pleiteia ter razão, ou seja, o futuro é incerto, mas os elementos demonstram alta probabilidade. Acessoriedade: por ser um instrumento do processo, a medida cautelar não é um fim em si mesmo, não é o principal, mas um acessório do processo, de modo que sua sorte está diretamente relacionada à dele: absolvido o acusado, não é admissível a manutenção de qualquer medida cautelar. A acessoriedade não impede a decretação de medida cautelar antes do futuro processo, pois pode ocorrer no curso da investigação. Provisoriedade: a medida cautelar é decretada de forma provisória, precária, situacional, sempre submetida à cláusula “rebus sic stantibus”, ou seja, “estando assim as coisas”. Isso quer dizer que, conforme haja alteração fática, é possível que haja modificação da situação quanto à necessidade e adequação da medida cautelar. O art. 282 § 5º esclarece que “O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem”. Já o art. 316 positiva que “O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem”. Revogabilidade (ou variabilidade): a revogabilidade é desdobramento da própria provisoriedade. Isso significa que a manutenção da medida cautelar depende da persistência dos motivos que evidenciaram a urgência da medida necessária à tutela do processo, assim, plenamente revogável. @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA Não definitividade: a decisão relativa à medida cautelar não faz coisa julgada material. Sumariedade da cognição: a imposição das medidas cautelares pessoais depende de fumus comissi delicti e periculum libertatis. A análise do juiz é limitada em profundidade, é rasa. Opõe-se à cognição exauriente, ocorrida na sentença, em que o juiz analisa todas as provas e argumentos das partes. Referibilidade: significa que a medida cautelar deve estar sempre ligada concretamente a uma situação de direito material. Deve-se referir a uma situação de perigo ao direito material, que se quer remediar. Além de princípios das medidas, a homogeneidade, a proporcionalidade e a jurisdicionalidade podem ser citadas também como características. Homogeneidade: a constrição cautelar deve ser homogênea, compatível, pois, ao gravame resultante da provávelcondenação ulterior. Não é viável, em regra, a decretação da preventiva de acusado que, caso condenado, estaria sujeito ao cumprimento de pena em meio aberto ou semiaberto. Tal critério pode ser encontrado em decisões do STJ e do STF. Observação importante: o réu respondeu ao processo recolhido ao cárcere porque havia motivos para a prisão preventiva. Na sentença, foi condenado a uma pena privativa de liberdade em regime semiaberto ou aberto. Pelo fato de ter sido imposto regime mais brando que o fechado, ele terá direito de recorrer em liberdade mesmo que ainda estejam presentes os requisitos da prisão cautelar? Aqui ainda há forte divergência. Existem duas posições que preponderam. A 1ª corrente diz que NÃO. É o posicionamento do STJ . Não há incompatibilidade no fato de o juiz, na sentença, ter condenado o réu ao regime inicial semiaberto e, ao mesmo tempo, ter mantido sua prisão cautelar. Se ainda persistem os motivos que ensejaram a prisão cautelar (no caso, v.g., o risco de fuga), o réu deverá ser mantido preso mesmo que já tenha sido condenado ao regime inicial semiaberto. Deve ser adotada, no entanto, a seguinte providência: o condenado permanecerá preso, porém, ficará recolhido e seguirá as regras do regime prisional imposto na sentença (deverá ficar recolhido na unidade prisional destinada aos presos provisórios e receberá o mesmo tratamento do que seria devido caso já estivesse cumprindo pena no regime semiaberto). Em suma, o fato de o réu ter sido condenado a cumprir pena em regime semiaberto não constitui empecilho à decretação ou manutenção da prisão preventiva, bastando que se tenha o cuidado de não se colocá-lo em estabelecimento inadequado. Nesse sentido, STJ 5ª Turma. RHC 98.469/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 02/10/2018; STJ. 6ª Turma. RHC 99.818/RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 18/10/2018. A 2ª corrente diz que SIM. É o posicionamento do STF . Caso o réu seja condenado a pena que deva ser cumprida em regime inicial diverso do fechado (aberto ou semiaberto), não será admissível a decretação ou manutenção de prisão preventiva na sentença condenatória, notadamente quando não há recurso da acusação quanto a este ponto. Se fosse permitido que o réu aguardasse o julgamento preso (regime fechado), mesmo tendo sido condenado a regime aberto ou semiaberto, seria mais benéfico para ele renunciar ao direito de recorrer e iniciar imediatamente o cumprimento da pena no regime estipulado do que exercer seu direito de impugnar a decisão perante o segundo grau. Isso soa absurdo e viola o princípio da proporcionalidade. A prisão cautelar não admite temperamento para ajustar-se a regime imposto na sentença diverso do fechado. Nesse sentido: STF. 1ª Turma. HC @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA 130773, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/10/2015; STF. 2ª Turma. HC 138122, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 09/05/2017. Vale dizer que o STJ tem julgados no sentido de que essa análise sobre a homogeneidade entre a prisão preventiva e a pena definitiva eventual não pode se dar de forma abstrata, só podendo ocorrer após a sentença, ao menos: “A alegação de desproporcionalidade da prisão preventiva somente poderá ser aferível após a prolação de sentença, não cabendo, durante o curso do processo, a antecipação da análise quanto a possibilidade de cumprimento de pena em regime menos gravoso, caso seja prolatada sentença condenatória, sob pena de exercício de adivinhação e futurologia, sem qualquer previsão legal. Assim, não há que se falar em ofensa ao princípio da homogeneidade das medidas cautelares porque não cabe ao STJ, em um exercício de futurologia, antecipar a provável colocação da paciente em regime aberto/semiaberto ou a substituição da sua pena de prisão por restritiva de direitos”. STJ. 5ª Turma. RHC 77070/MG, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 16/02/2017. STJ. 6ª Turma. RHC 79041/MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 28/03/2017. “Vide:- A SV 56 destina-se com exclusividade aos casos de cumprimento de pena, ou seja, aplica-se tão somente ao preso definitivo ou àquele em execução provisória da condenação. Não se pode estender a citada súmula vinculante ao preso provisório (prisão preventiva), eis que se trata de situação distinta. Por deter caráter cautelar, a prisão preventiva não se submete à distinção de diferentes regimes. Assim, sequer é possível falar em regime mais ou menos gravoso ou estabelecer um sistema de progressão ou regressão da prisão”. STJ. 5ª Turma. RHC 99006-PA, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 07/02/2019 (Info 642). Proporcionalidade: As medidas cautelares pessoais restringem direitos fundamentais, notadamente a liberdade. O instrumento (medida cautelar) não pode ser mais grave que o provimento final de mérito. Em regra, não se pode admitir a prisão cautelar se não se vislumbra a possibilidade de imposição de pena privativa de liberdade. E seu prazo jamais pode ultrapassar o prazo da pena efetivamente aplicável. Este princípio impõe limitar, por ex., a prisão preventiva ao estritamente necessário e somente se a prisão for mais adequada. Requer que o juiz avalie os malefícios gerados pelo ambiente carcerário, sem prejuízo da proteção da sociedade e da eficácia da persecução penal. Fala-se muito que o princípio da proporcionalidade possui duplo espectro: um âmbito negativo (proteção contra o excesso) e âmbito positivo (vedação da proteção deficiente). Liga-se, pois, ao caráter de ultima ratio da prisão cautelar. Assim, nas Leis 9.099/95 e 9.714/98, leis que preveem benefícios despenalizadores, decretação de prisão preventiva para garantir aplicação da lei penal seria incoerência, por ausência de homogeneidade entre a cautelar e a solução de mérito (composição civil dos danos, transação penal, suspensão condicional do processo, PRD). Jurisdicionalidade: a medida cautelar só pode ser imposta pelo Poder Judiciário, de modo fundamentado, seja previamente (preventiva, temporária ou cautelares diversas), seja apreciando prisão em flagrante. Poder cautelar = reserva de jurisdição. Exceção à jurisdicionalidade das medidas cautelares: É a possibilidade de a autoridade policial conceder fiança caso a pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 anos. No entanto, cabe controle posterior pelo juiz. @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA 09. PROCEDIMENTO E APLICAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES DE NATUREZA PESSOAL Art. 282. § 1º As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente. § 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público. § 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, para se manifestar no prazo de 5 (cinco) dias, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo, e os casos de urgência ou de perigo deverão ser justificados e fundamentados em decisão que contenha elementos do caso concreto que justifiquem essa medida excepcional. § 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do parágrafo único do art. 312 deste Código. § 5º O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevieremrazões que a justifiquem. ISOLADA OU CUMULATIVAMENTE. A aplicação dos variados tipos de medidas cautelares pessoais, elencadas no art. 319, poderá se dar de forma isolada ou cumulativa, conforme art. 282. § 1o. CPP – “As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente”. A REQUERIMENTO DAS PARTES DURANTE O PROCESSO OU REPRESENTAÇÃO DO MP OU AUTORIDADE POLICIAL NA INVESTIGAÇÃO. Só o juiz pode aplicar a medida cautelar do CPP. Trata-se de aplicação do princípio da jurisdicionalidade. O pacote anticrime excluiu, de forma geral, a possibilidade de decretação de qualquer medida de ofício pelo juiz. Isso veio a consagrar o princípio da inércia, o princípio da congruência e o princípio do sistema acusatório. Assim, o art. 282, §2° afirma que “as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público”. Obs. 1.: Mesmo nos casos de descumprimento das obrigações impostas em medida cautelar anterior, o juiz não poderá decidir de ofício. Assim, só poderá substituir por outra mais grave, cumular ou decretar a preventiva em caso de descumprimento, mediante prévio requerimento das partes. @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA Obs. 2.: No caso de decidir o juiz a favor do status libertatis, verificando que não mais subsistem os fatos ensejadores daquela medida cautelar, poderá revogar ou mesmo substituir a medida cautelar por uma menos gravosa de ofício (art. 282, § 5°). Da mesma forma, se já decretada anteriormente, a pedido, e revogada ou substituída posteriormente, o juiz poderá voltar a decretar a medida cautelar, agora de ofício, o que vale para a prisão preventiva também (art. 316). Obs. 3 . : Durante a investigação, só a autoridade policial e o MP podem requerer aplicação de medida cautelar, não podendo fazê-lo o querelante ou assistente de acusação, cuja atuação só se dá dentro do processo (partes). Obs. 4.: Havia divergência se, com o pacote anticrime, o juiz poderia converter o flagrante em prisão preventiva de ofício, como ocorria antes, com base na redação do art. 310: esse dispositivo afirma que o juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante, em 24h da prisão, promoverá a audiência de custódia, na qual “deverá” relaxar a prisão ilegal, converter o flagrante em prisão preventiva, quando presentes os requisitos do 312/313, ou conceder liberdade provisória com ou sem fiança. A palavra “deverá” se manteve, mesmo com o pacote anticrime. O STF, recentemente, no HC 188.888/MG, após exigir que a audiência de custódia fosse efetivada, salvo motivação idônea excepcional, já que é direito fundamental público subjetivo do acusado (a pandemia não justifica a não realização, uma vez que caberia a videoconferência), afirmou também que, com a recente alteração promovida pelo pacote anticrime, deixou de ser possível a conversão de flagrante em prisão preventiva de ofício, pois a interpretação do art. 310 deve ocorrer à luz do art. 282 e 311. Assim, só cabe em caso de representação do MP ou do delegado de polícia, não sendo possível o argumento de que a representação estaria implícita no auto de prisão em flagrante, que é um ato de natureza essencialmente descritivo. Ademais, no mesmo julgado, afastou-se a existência de um poder geral de cautela no processo penal, isso com base na legalidade estrita e tipicidade processual. Vale lembrar que o STJ já havia decidido pela possibilidade da conversão de ofício, mas deve se amoldar ao STF a partir desse decisão. 10. MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI MARIA DA PENHA X MEDIDA CAUTELAR DO CPP Prevalece o entendimento no sentido de que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha (LMP) possuem natureza de medidas cautelares. Assim, exigem também os requisitos do periculum libertatis e fumus comissi delicti. No entanto, há pontos de diferença. 1) Finalidade. A principal diferença é que as medidas cautelares do CPP possuem a finalidade de resguardar o resultado útil do processo, enquanto a medida protetiva visa garantir e proteger a integridade física da vítima, de sua família e seu patrimônio (art. 19, §3°). @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA 2) Autonomia. A LMP é autônoma e não depende de qualquer processo, diferente da medida cautelar do CPP. 3) De ofício. Prevalece o entendimento no sentido de que as medidas protetivas da LMP podem ser concedidas de ofício pelo juiz, em qualquer fase da investigação ou ação penal, isso sob o fundamento principal de que não se trata de medida contra o status libertatis do acusado, nem de persecução penal pelo juiz, mas sim de medida com o objetivo de proteger a integridade e vida da vítima, sem mácula ao sistema acusatório. Ademais, a LMP permite a decretação de prisão preventiva de ofício em qualquer fase da investigação ou da ação penal (art. 20, LMP). Já as medidas cautelares do CPP, após a alteração do pacote anticrime, não podem ser aplicadas de ofício pelo juiz em nenhuma fase da investigação, nem durante a ação penal. 4) Competência para aplicar. Só a autoridade judicial pode aplicar as medida cautelar do CPP (princípio da jurisdicionalidade). No entanto, na LMP, há a recente previsão de que, quando o município não for sede de comarca, o Delgado de Polícia ou, na sua ausência, o policial, pode proceder o afastamento do lar. Essa previsão está sendo combatida no STF (ADI 6131), com forte tendência de conclusão pela inconstitucionalidade, com base na violação da cláusula de reserva absoluta de jurisdição, violação do direito de ir e vir sem o devido processo legal, bem como na possibilidade de tornar vulnerável a inviolabilidade do domicílio. 5) Consequências do descumprimento. Em caso de descumprimento injustificado das medidas cautelares do CPP, poderá haver, a requerimento, a substituição, cumulação ou a decretação de prisão preventiva. Não configurará o crime de desobediência do CP, pois a lei, de forma mais específica, já afirma qual é a consequência do descumprimento. Já o descumprimento de medida protetiva da LMP enseja consumação de delito específico e pode causar a prisão. 11. LEGITIMIDADE PARA REQUERER A DECRETAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR Na fase investigatória: Durante a investigação, as medidas cautelares podem ser decretadas em face de representação da autoridade policial ou em virtude de requerimento do MP, conforme o Código de Processo Penal. A doutrina minoritária de R. Brasileiro pondera que, embora a redação do art. 282, § 2º, in fine, aduza apenas à autoridade policial e ao MP, não se deveria afastar a legitimidade do ofendido, pois, se a lei lhe confere a legitimidade para propor a ação penal privada, deveria também lhe outorgar todos instrumentos necessários para o exercício de seu direito (legitimidade para requerer medida cautelar na fase de IP, se o crime for de ação penal privada). No entanto, não havendo que se falar em partes processuais na fase de IP, em princípio, o querelante e assistente de acusação não podem requerer antes da ação penal, com base na redação do CPP. Vale lembrar que o querelante é o ofendido a partir do início da ação penal privada e Assistente de Acusação é o ofendido a partir do início da ação penal pública. É a posição majoritária. @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA Observação: É constitucional a decretação de cautelar de natureza pessoal, via representação da autoridade policial, sem oitiva prévia do MP? Bom, diga-se que só cabe representação da autoridade policial por medida cautelar na fase de investigação. No ponto, prevalece que há a necessidade de oitiva prévia do MP, por causa da titularidade da ação penal e do sistema acusatório. Pois o MP poderiaentender inexistente justa causa para oferecer denúncia, por exemplo, o que tornaria a cautelar ilegítima. No curso do processo criminal: As medidas cautelares poderão ser requeridas por “qualquer das partes” (282, §2°). Essa regra isso inclui o MP, o querelante da ação penal privada e o assistente de acusação da ação penal pública. No curso da ação penal, a autoridade policial não tem mais competência para requerer medida cautelar. Ademais, a doutrina cita que o acusado tem legitimidade para requerer a aplicação de medida cautelar, v.g., faz pedido de arbitramento de liberdade provisória com fiança, ou outra medida cautelar diversa da prisão. Por óbvio também terá legitimidade para requerer a revogação da prisão preventiva, substituindo por outra medida cautelar. 12. CONTRADITÓRIO Tanto na fase judicial quanto na fase investigatória, a regra geral é o contraditório prévio à aplicação de qualquer medida cautelar, salvo se houver (1) urgência ou (2) perigo de ineficácia de medida (CPP, art. 282, § 3º), hipótese em que se poderá decretar a medida cautelar de forma liminar. A regra brinda a norma constitucional que confere aos litigantes, no processo administrativo e judicial, o exercício do contraditório e da ampla defesa. Ademais, garante-se também que ninguém será privado de liberdade e de seus bens sem o devido processo legal. Em hipóteses excepcionais, de urgência e perigo de ineficácia, a doutrina pondera sempre a necessidade de um contraditório diferido (ou postergado). Nesse aspecto, o pacote anticrime inovou ao exigir que nesses casos excepcionais o juiz deverá fundamentar a decisão com elementos do caso concreto: Art. 282, §3. “Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, para se manifestar no prazo de 5 (cinco) dias, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo, e os casos de urgência ou de perigo deverão ser justificados e fundamentados em decisão que contenha elementos do caso concreto que justifiquem essa medida excepcional”. Vale lembrar que o STJ (RHC 51.303/BA) aponta que, tratando-se de PP, não há necessidade de contraditório prévio, considerando que a PP é medida de natureza emergencial e tem ínsito o perigo da ineficácia, não se aplicando o art. 282 do CPP, sobretudo se o decreto fundamentar a urgência ou o perigo de ineficácia. Pacelli afirma que sequer seria exigido contraditório diferido ou postergado na PP. @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA 13. DESCUMPRIMENTO INJUSTIFICADO DAS MEDIDAS CAUTELARES É possível que o juiz determine, fundamentadamente, em caso de descumprimento injustificado da medida e sempre após requerimento das partes: a. Substituição da medida; b. Imposição de outra medida em cumulação ou, c. a decretação da prisão preventiva, em último caso. Ademais, é importante lembrar que não há uma ordem a ser seguida (não precisa substituir ou cumular primeiro para só depois decretar a PP). Além disso, o descumprimento deve ser injustificado e comprovado mediante o devido processo legal, assegurado direito ao contraditório e ampla defesa, salvo na hipótese de urgência ou de perigo da ineficácia da medida. O descumprimento injustificado das medidas cautelares diversas da prisão não caracteriza o crime de desobediência, pois o próprio CPP já prevê as consequências decorrentes do descumprimento das cautelares. Ainda, por mais que se deva respeitar a homogeneidade das medidas cautelares, não se pode negar ao juiz a possibilidade de decretar a prisão preventiva no caso de descumprimento das cautelares diversas da prisão, ainda que ausente qualquer das hipóteses do art. 313 do CPP, sob pena de se negar qualquer coercibilidade a tais medidas (nesse sentido, aponta o art. 313, §2° que a prisão preventiva pode também ser decretada por descumprimento de qualquer obrigação imposta em medida cautelar do art. 282.) 14. RECURSO CONTRA DECISÃO DE MEDIDAS CAUTELARES A favor da acusação em medida cautelar, em regra, caberá RESE. Assim, contra a decisão que indeferir a prisão preventiva ou revogá-la, contra a decisão que conceder liberdade provisória ou relaxar prisão em flagrante (581, V) caberá recurso em sentido estrito (RESE) por expressa previsão no CPP. Vale dizer ainda que o código de processo penal silencia quanto aos recurso cabível contra decisão que indefere medida cautelar diversa ou a revoga medida cautelar diversa. A doutrina (R. Brasileiro) e a jurisprudência do STJ tem admitido a interpretação extensiva do rol do art. 581 CPP, a fim de se admitir a interposição do RESE contra o indeferimento e a revogação de medida cautelar diversa da prisão. Obs.: Se negada a representação da autoridade policial por qualquer medida cautelar esta não tem legitimidade para interpor RESE. Só a tem o MP, querelante e assistente (este, só na fase processual). Esse RESE contra medida cautelar não possui efeito suspensivo. Ocorre que Brasileiro defende cabimento de mandado de segurança para atribuição de efeito suspensivo ao RESE. No entanto, o STJ não vem admitindo mandado de segurança com tal finalidade, conforme a Súmula 604 @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA do STJ: “Mandado de segurança não se presta para atribuir efeito suspensivo a recurso criminal interposto pelo Ministério Público”. A favor do acusado, em medida cautelar, caberá HC, RESE ou AP. O CPP não prevê recurso contra decisão que decreta medida cautelar de natureza pessoal ou que indefere pleito da defesa pela revogação ou substituição. Todavia, caberá Habeas Corpus, pois qualquer uma das cautelares de natureza pessoal acarreta constrangimento à liberdade de locomoção; as medidas cautelares de natureza pessoal só podem ser adotadas em relação à infração penal à qual seja cominada, isolada, ou alternativamente, pena privativa de liberdade; e seu descumprimento pode acarretar prisão preventiva. Caso a medida cautelar de natureza pessoal seja decretada na decisão de pronúncia, caberá RESE; se na sentença condenatória, caberá Apelação. No entanto, em qualquer caso, o interessado poderá impetrar HC. 15. DURAÇÃO E EXTINÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS. Não há previsão de prazo para as medidas cautelares de natureza pessoal no CPP. Em se tratando de medidas cautelares diversas da prisão, o prazo de sua duração pode ser maior quando comparado ao da prisão processual. Contudo, quanto mais grave a restrição aos direitos fundamentais do acusado, menor deve ser o prazo de duração da medida cautelar. A medida cautelar diversa da prisão deve ser extinta quando: a. houver sentença condenatória com trânsito em julgado (pois deve-se dar início ao cumprimento da pena definitiva); b. arquivamento do IP; c. rejeição da peça acusatória; d. extinção da punibilidade; e. e no caso de sentença absolutória. 16. DETRAÇÃO A detração é o desconto, na pena final aplicada, do tempo em que o acusado ficou preso cautelarmente. O CPP não tratou sobre a possibilidade de detração no caso de cumprimento das medidas cautelares diversas da prisão. No entanto, Renato Brasileiro defende que, havendo @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA homogeneidade entre a medida cautelar aplicada no curso do processo e a pena imposta ao acusado na sentença condenatória irrecorrível, é plenamente possível a detração. Quanto à pena privativa de liberdade aplicada ao final do processo, inviável a detração. Contudo, é desarrazoado não se conceder nenhum benefício àquele que cumpriu a medida cautelar por um longo período, até mesmo como forma de compensação decorrente dos gravames inerentes a esse castigo antecipado,para não gerar uma situação de absoluta de desigualdade em relação àquele que não cumpriu nenhuma medida cautelar durante o curso da persecução penal. Caso admitida a possibilidade de detração em relação às medidas cautelares diversas da prisão, qual o critério a ser utilizado? Segundo Renato Brasileiro, o critério de detração deve ser utilizando de maneira semelhante ao da remição (art. 126, LEP), ou seja, para cada 3 dias de cumprimento da medida cautelar diversa da prisão, deverá ser descontado 1 dia de pena do agente. PRISÃO 01. CONCEITO DE PRISÃO A prisão é a privação da liberdade, tolhendo-se o direito de ir e vir, com o recolhimento da pessoa ao cárcere (G. Nucci). No ordenamento jurídico brasileiro, a prisão só se dá em razão de (a) flagrante delito; (b) por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária; (c) por transgressão militar; (d) por crime propriamente militar. 02. ESPÉCIES DE PRISÃO Basicamente são 3 espécies. 1. Prisão extrapenal: é a prisão civil e a prisão militar; 2. Prisão processual (ou cautelar ou provisória ou sem pena): é a prisão em flagrante, prisão preventiva e a prisão temporária. Vale dizer que, com a reforma de 2008, foram extintas as prisões decorrentes da pronúncia e da sentença condenatória recorrível. Corrente minoritária da doutrina insere dentre as espécies de prisão cautelar a prisão para a condução coercitiva das partes processuais, testemunhas, peritos ou outros que se recusarem, sem justo motivo, a comparecer perante a autoridade judicial ou policial. R. Brasileiro não concorda, porque referida prisão constitui apenas medida coercitiva - decretada no curso da persecução penal, com o objetivo de apurar o fato delituoso - e não uma espécie autônoma de prisão cautelar. @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA 3. Prisão penal (ou prisão pena): é aquela que decorre da sentença condenatória com trânsito em julgado. 03. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA O tema sempre foi controvertido, tendo a própria jurisprudência do STF titubeado, em 4 períodos (até 2009/ 2009-2016/ 2016- final 2019/ Final de 2019 até hoje) entre a possibilidade ou não. A discussão ainda não está pacificada: em sede de ADC, o placar foi 6x5, com voto de Celso de Melo contra a execução provisória, o que pode eventualmente mudar com seu substituto Min. Kassio Nunes. No entanto, há PEC tramitando no sentido de se permitir a execução provisória – o que, a princípio, não seria possível, pois trata-se de um direito fundamental, protegido como cláusula pétrea. Contudo, sabe-se que há diversos entendimentos de que somente o núcleo essencial do direito fundamental é intangível. No final de 2019, o STF, superando sua própria jurisprudência, inclusive com mudança radical de posicionamento do Min. Gilmar Mendes, concluiu que é proibida a execução provisória da pena. Ou seja, o cumprimento de pena só pode ser iniciado após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. O argumento principal é o princípio constitucional da presunção de inocência posto no art. 5° da CF (“ninguém será considerado culpado senão após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), regra também prevista no art. 283 do CPP, compatível, pois, com o princípio da presunção de inocência. O art. 283 determina que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade competente, em decorrência de sentença transitada em julgado ou, no curso da investigação ou processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. As literalidades dos preceitos do art. 5° da CF e 283 do CPP não permitem espaços para outras interpretações, sobretudo interpretação que relativizem ou diminuam garantia fundamental posta na Constituição Federal de 88. Ao contrário, deve prevalecer a interpretação que dê máxima efetividade à CF. A Min. Rosa Weber ressaltou que, estando o princípio da presunção de inocência também previsto na CADH, a jurisprudência do próprio STF afirma que na interpretação de tratados internacionais de direitos humanos, deve prevalecer a interpretação mais favorável à pessoa humana (art. 9, CADH). Ademais, ressaltou também que argumentos de índole prática e baseada na realidade precária do sistema penitenciário ou de morosidade da justiça não podem diminuir a proteção constitucional, devendo ser resolvida pelo aperfeiçoamento da legislação e do sistema. Vale lembrar que esta conclusão possui efeitos vinculantes e erga omnes, pois foi prolatada em sede de ADC do art. 283 do CPP. A alteração do art. 283 do CPP pelo pacote anticrime apenas reforçou esse entendimento: ou fica preso a título cautelar (prisão preventiva ou temporária), ou após o trânsito em julgado. Argumentos favoráveis à execução provisória da pena (argumento material/processual, prático e de direito comparado): @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA 1) Não há direito fundamental absoluto. Assim, o princípio da presunção de inocência pode sofrer determinada limitação, desde que viole o núcleo essencial. O tratamento como inocente ocorre durante toda a instrução até o acórdão condenatório; após esse momento, exaure-se a presunção de inocência, ou, ao menos o seu núcleo rígido, pois os recursos cabíveis (RE e REsp) não se prestam a analisar fatos e provas. Ademais, os recursos cabíveis não possuem efeito suspensivo, ou seja, o acórdão pode normalmente gerar efeitos, sendo possível a execução provisória. 2) Seria necessário equilibrar o princípio da presunção de inocência com as exigências de efetividade de jurisdição penal, atendendo não só aos interesses dos acusados mas também aos da sociedade; 3) Ademais, afirmou-se que, em país nenhum do mundo, a execução de uma condenação fica condicionada a decisão da Suprema Corte do País. No período em que o STF aceitava a execução provisória, algumas súmulas chegaram a ser editadas pelo STF (716 e 717) e pelo STJ (267), a exemplo daquela que admitia a progressão de regime antes do trânsito em julgado. Imagine que o réu, após ser condenado pelo Tribunal em apelação, iniciou o cumprimento provisório da pena (foi para a prisão). O STF, ao julgar o recurso extraordinário, concorda com os argumentos da defesa e absolve o réu. Ele terá direito de ser indenizado pelo período em que ficou preso indevidamente? Segundo a jurisprudência atual, ao menos em analogia à prisão preventiva, a resposta é que, em regra, não há direito à indenização: Se formos aplicar, por analogia, a jurisprudência atual sobre prisão preventiva, o que os Tribunais afirmam é que se a pessoa foi presa preventivamente e depois, ao final, restou absolvida, ela não terá direito, em regra, à indenização por danos morais, salvo situações excepcionais. Confira: (...) O dano moral resultante de prisão preventiva e da subsequente sujeição à ação penal não é indenizável, ainda que posteriormente o réu seja absolvido por falta de provas. Em casos dessa natureza, ao contrário do que alegam as razões do agravo regimental, a responsabilidade do Estado não é objetiva, dependendo da prova de que seus agentes (policiais, membro do Ministério Público e juiz) agiram com abuso de autoridade. (...) STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp 182.241/MS, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 20/02/2014. (…) O Tribunal de Justiça concluiu, com base nos fatos e nas provas dos autos, que não restaram demonstrados, na origem, os pressupostos necessários à configuração da responsabilidade extracontratual do Estado, haja vista que o processo criminal e as prisões temporária e preventiva a que foi submetido o ora agravante foram regulares e se justificaram pelas circunstâncias fáticas do caso concreto, não caracterizando erro judiciário a posterior absolvição do réu pelo júri popular. Incidência da Súmula nº 279/STF. 2. A jurisprudência da Cortefirmou-se no sentido de que, salvo nas hipóteses de erro judiciário e de prisão além do tempo fixado na sentença - previstas no art. 5º, inciso LXXV, da Constituição Federal -, bem como nos casos previstos em lei, a regra é a de que o art. 37, § 6º, da Constituição não se aplica aos atos jurisdicionais quando emanados de forma regular e para o fiel cumprimento do @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA ordenamento jurídico. 3. Agravo regimental não provido. STF. 1ª Turma. ARE 770931 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/08/2014. Interessante apontar que, mesmo durante o período em que o STF entendia pela possibilidade da execução provisória da pena, o réu condenado que interpusesse recurso especial ou recurso extraordinário poderia tentar evitar a execução provisória da pena. Para isso, deveria propor uma medida cautelar pedindo que fosse conferido efeito suspensivo ao recurso, nos termos do art. 1.029, § 5º do CPC 2015. Outra opção seria a defesa, após interpor o RE ou REsp, impetrar habeas corpus pedindo que o STJ ou STF suspendesse o cumprimento da pena enquanto se aguardasse o julgamento do recurso. Importante esclarecer que a concessão desta medida cautelar ou de liminar no HC só ocorrerá em casos excepcionais, em que ficar evidentemente constatada alguma ilegalidade flagrante ou injustiça praticada no acórdão condenatório. 04. INCONSTITUCIONALIDADE DA CONDUÇÃO COERCITIVA DO ACUSADO (STF) Dos vários argumento manejados para a conclusão, o STF aceitou apenas 3: 1) Viola o direito de ir e vir, ou seja, a liberdade de locomoção; 2) Viola o princípio da presunção de inocência; 3) Viola o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1°, CF). Assim, a CF afirma o direito à liberdade de locomoção de forma genérica ao fixar a liberdade no caput do art. 5°, direito que só pode ser suprimido com o devido processo legal e atendendo-se as regras restritivas sobre prisão positivadas na própria CF. Assim, o STF declarou que a condução coercitiva do acusado importa em supressão absoluta, ainda que temporária, da liberdade de locomoção, o que viola o direito de ir e vir, a liberdade de locomoção. Ademais, a condução coercitiva do acusado, que consiste na custódia temporária, por força policial, e em via pública, é tratamento do acusado como se culpado fosse – havendo, assim, violação do princípio da não culpabilidade (ninguém será considerado culpado senão após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória). Por fim, afirmou-se que sendo inequívoco o direito do réu de permanecer em silêncio, bem como o princípio do nemo tenetur se detegere, a condução não teria uma finalidade instrutória clara, o que ofende o princípio da dignidade da pessoa humana, super princípio que exige tratamento ético do Estado e é previsto como princípio fundamental no art. 1° da CF/88. @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA 05. JUDICIÁRIO COMO FISCAL DA LEGALIDADE DA PRISÃO A CF determina expressamente que a “prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”. Nesse mesmo sentido, o CPP determina que o juiz, no prazo de 24 horas após o recebimento do auto de prisão em flagrante, deverá promover a audiência de custódia, momento que deverá: 1. relaxar a prisão ilegal; 2. converter o flagrante em prisão preventiva, se presentes os requisitos do 312 e forem inadequadas ou insuficientes as demais medida cautelar do 319; 3. ou conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Vale lembrar que, mesmo antes da previsão expressa no CPP, a audiência de custódia já estava sendo implementada na prática com base em resolução do CNJ, valendo-se da previsão da CADH, de que “toda pessoa presa tem o direito de ser conduzida, sem demora, à presença de uma autoridade judicial”. Deve-se lembrar que a CADH possui normatividade com status supralegal e revoga disposições legais em contrário, conforme entendimento do STF, o qual afirmou a constitucionalidade da obrigação da audiência de custódia, antes mesmo da previsão expressa no CPP. A análise da legalidade da prisão, em audiência de custódia, caberá agora à figura do juiz das garantias (“Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário”). Também vale lembrar que deixar de relaxar a prisão manifestamente ilegal, deixar de substituir a prisão preventiva por outra medida cautelar quando cabível ou deixar de conceder HC quando cabível, pode configurar crime de abuso de autoridade, na forma da nova legislação (Lei nº 13.869/19). Dito isso, a decisão que homologa o flagrante exige fundamentação suficiente que verifique a legalidade da prisão, a necessidade e a adequação de eventual custódia cautelar com a presença de seus requisitos, afastando-se a possibilidade de liberdade provisória e de outras medida cautelar diversas, não mais valendo aquela antiga jurisprudência do STF de que a decisão que homologa o flagrante já continha uma fundamentação implícita de sua legalidade. 06. PRISÃO CIVIL A CF (art. 5º, LXVII) só permite a prisão civil no caso do (1) devedor de alimentos e (2) do depositário infiel. A prisão civil por dívida não decorre diretamente do dispositivo constitucional, que apenas torna possível a previsão legal de prisão civil nas duas hipóteses. Vale lembrar que a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), tratado internacional que versa sobre direitos humanos, foi internalizado com status de norma supralegal e somente admite a prisão civil do devedor de alimentos. Por isso, o STF, reconhecendo o status normativo supralegal dos tratados internacionais sobre direitos humanos não aprovados com o quórum de emendas constitucionais, declarou que este torna inaplicável a legislação infraconstitucional conflitante. Assim, o Pacto São José não derrogou a CF; ele apenas @rodrigoatavaresss PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES, PRISÃO E LIBERDADE PROVISÓRIA resultou no afastamento do arcabouço normativo das regras legais. Assim, foi editada súmula vinculante, segundo a qual: “É proibida a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.” (SV 25). 06.1 Prisão civil do falido O art. 35 da antiga lei de falências (Decreto-Lei 7.661/65), que permitia a prisão civil do falido, não foi recepcionado pala CF (STJ, Súmula 280). Importante dizer que a nova lei de falências também previu a decretação da prisão do falido (não como prisão civil ou administrativa, mas sim como prisão preventiva - art. 99, VII), estabelecendo que poderá ser decretada a prisão na sentença que decretar a falência (pelo Juízo falimentar), quando ela for requerida com fundamento na prática de crime. Deve-se observar, de toda forma, os requisitos gerais do CPP (311 e 315 CPP). Observação importante: Existe controvérsia na doutrina acerca da constitucionalidade do art. 99, VII, da Lei de Falências, por permitir que a prisão preventiva seja decretada pelo juiz falimentar (juiz cível). *1ª corrente: é possível a decretação da prisão preventiva pelo juiz da falência, segundo o princípio do juiz natural. O argumento de que se trata de juiz cível decretando prisão não prospera, pois a própria LF prevê competência criminal ao juiz da falência ao lhe dar competência para decretar a prisão. Em reforço, o STF já afirmou a possibilidade de ratificação de medida cautelar ou prisão decretada por juiz absolutamente incompetente, ainda que se trate de atos decisórios. Ademais, é certo que os Estados podem conferir ao Juízo falimentar o julgamento dos crimes falimentares e conexos, não havendo qualquer inconstitucionalidade na concessão de competência criminal a tal juízo. *2ª corrente: não é possível
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