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OBRAS LITERÁRIAS ÚLTIMOS CANTOS 1 Nome: _________________________________________________ N.º: ___________ Série: 3.ª Turma: _________ Turno: _________ Unidade: BJ ___________________ ÚLTIMOS CANTOS GONÇALVES DIAS – 1851 1. O AUTOR Gonçalves Dias, bacharel em Direito, c. 1844. FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/16/Gonçalves_Dias.jpg>. Acesso em: 03/03/2018, às 15h31min. Nascido no Maranhão em 1823, ano seguinte ao da Declaração da Independência, Antônio Gonçalves Dias cresceu ao gosto de boa leitura e dentro do espírito nacionalista da época. Aos quinze anos, após a morte do pai, partiu para Portugal, a fim de estudar Direito na Universidade de Coimbra, onde conviveu com a boemia jovem e o meio intelectual da Europa. Em 1843, ainda vivendo lá, escreveria a Canção do Exílio. De volta ao Brasil, após bacharelar-se em Direito, publicou suas coletâneas poéticas Primeiros Cantos, em 1847, e Segundos Cantos, em 1848. Praticou poesia nacionalista e indianista, religiosa e de circunstância, e, claro, lírico-amorosa. Em 1851 publica seus Últimos Cantos, que, como afirma o título, reflete um poeta amargurado pelas desditas amorosas e pessoais (saúde frágil e falta de estrutura econômica). Apesar do título eleito para a obra, o poeta maranhense continuaria a produzir ainda depois dos Últimos Cantos, inclusive textos memoráveis como as primeiras partes de Os Timbiras, poema épico, além de poemas esparsos e um Vocabulário Tupi. Seus livros foram editados em Portugal e traduzidos para outros idiomas, merecendo críticas elogiosas e a atenção do público europeu, tendo sido o poeta devidamente reconhecido em vida. Vinha já adoentado de volta ao Brasil quando, já próximo da costa, foi vítima fatal do naufrágio do vapor Ville de Boulougne; contava, então, 41 anos de idade. * Releia, em nosso livro didático, as páginas 120 a 125, que tratam da Primeira Geração da poesia romântica e traz mais informações sobre o contexto da época. OBRAS LITERÁRIAS 2 ÚLTIMOS CANTOS 2. ÚLTIMOS CANTOS Gonçalves Dias, c. 1855. FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Gon%C3%A7alves_Dias#/media/ File:Gon%C3%A7alves_dias.jpg>. Acesso em: 03/03/2018, às 15h29min. Nessa obra, Dias cultiva a sua vertente nacionalista com habilidade técnica e riqueza linguística. Integrou magistralmente os elementos da cultura indígena (inclusive vocabulário) ao tom eloquente da épica heroica (em I-Juca-Pirama). Soube, assim, conciliar o pensamento europeu do “bom selvagem”, de Rousseau, à descrição de uma cena de antropofagia retirada das narrativas de Hans Staden, por exemplo. Em Marabá e Leito de folhas verdes, o tom medievalista das cantigas de amigo (repare na voz lírica feminina) é transposto para o cenário da selva brasileira. Os poemas indianistas de G. Dias refletem um tipo de nativismo inédito em nossa literatura até aquele momento: exalta os valores nacionais, mas também busca harmonizar a cultura americana com os traços clássicos europeus. O lirismo amoroso aparece, com frequência, ligado às suas vivências de “poeta paquerador”. À época apaixonado pela moça Ana Amélia, viria a pedir-lhe em casamento no ano seguinte ao da publicação destes Últimos cantos. A família da jovem, porém, lhe recusaria por ter o poeta uma ascendência mestiça (a mãe era mulata, ou parda), além de uma indefectível “fama de boêmio”. Em Últimos cantos, alguns textos remetem a esse amor frustrado (Desalento e Sepulcro), enquanto outros se voltam para novos amores (sabe-se, por exemplo, que Ana Amélia tinha olhos escuros, mas a descrição é bem distinta em Olhos verdes...). Seu estilo romântico é marcado pela adjetivação constante e o uso de conotações ligadas à natureza. Em alguns poemas, há um fundo religioso cristão, intensificado mais ao final do volume. Na métrica, trabalha com uma extensa variedade de opções, indo do pentassílabo natural da redondilha menor, até complexos versos de doze sílabas (tome-se como exemplo a maestria na construção de A tempestade). O esquema de rimas é livre, por vezes, demonstrando na prática a ideologia romântica da valorização das liberdades e expressões pessoais. Para um artista romântico, não esqueçamos, o importante não é seguir as regras de composição clássica, mas adequá-las à emoção pessoal. OBRAS LITERÁRIAS ÚLTIMOS CANTOS 3 Últimos cantos está dividido em 3 partes: • poesias americanas (7 poemas de temas brasileiros e indígenas); • poesias diversas (45 poemas em que predominam temas amorosos, melancólicos, e de homenagem); • Hinos (apenas 4 poemas). Há bastante intertexto. As leituras prediletas do autor se revelam nas diversas epígrafes. Trechos de poesia e prosa de V. Hugo, Musset e Byron se mesclam aos de precursores do Romantismo, como Bocage ou William Shakespeare. Logo se percebe o referencial europeu do poeta brasileiro que viveu uma parte de seus dias no velho continente. A religiosidade também transparece, nas referências bíblicas, notadamente nos últimos poemas da segunda parte, Queda de Satanás e Agar no deserto. 3. ANÁLISES ESPECÍFICAS ATENÇÃO: Todos os poemas de Últimos cantos podem ser baixados no link <https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/4123>. 1.ª PARTE: POESIAS AMERICANAS – 7 POEMAS O GIGANTE DE PEDRA Ó guerriers! ne laissez pas ma dépouille au corbeau; Ensevelissez-moi parmi des monts sublimes, Afin que l’étranger cherche, en voyant leurs cimes, Quelle montagne est mon tombeau! (Ó guerreiros! não deixem meus restos ao corvo! Enterrem-me entre as montanhas sublimes Olhando tão estranho, vendo os seus picos, Que a montanha é minha sepultura!) V. Hugo, Le Géant I Gigante orgulhoso, de fero semblante, Num leito de pedra lá jaz a dormir! Em duro granito repousa o gigante, Que os raios somente puderam fundir. Dormido atalaia no serro empinado Devera cuidoso, sanhudo velar; O raio passando o deixou fulminado, E à aurora, que surge, não há de acordar! Co’os braços no peito cruzados nervosos, Mais alto que as nuvens, os céus a encarar, Seu corpo se estende por montes fragosos, Seus pés sobranceiros se elevam do mar! De lavas ardentes seus membros fundidos Avultam imensos: só Deus poderá Rebelde lançá-lo dos montes erguidos, Curvados ao peso, que sobre lhe ‘stá. E o céu, e as estrelas e os astros fulgentes São velas, são tochas, são vivos brandões, OBRAS LITERÁRIAS 4 ÚLTIMOS CANTOS E o branco sudário são névoas algentes, E o crepe, que o cobre, são negros bulcões. ( ... ) E lá na montanha, deitado dormido Campeia o gigante, — nem pode acordar! Cruzados os braços de ferro fundido, A fronte nas nuvens, os pés sobre o mar! II Banha o sol os horizontes, Trepa os castelos dos céus, Aclara serras e fontes, Vigia os domínios seus: Já descai p’ra o ocidente, E em globo de fogo ardente Vai-se no mar esconder; E lá campeia o gigante, Sem destorcer o semblante, Imóvel, mudo, a jazer! Vem a noite após o dia, Vem o silêncio, o frescor, E a brisa leve e macia, Que lhe suspira ao redor; E da noite entre os negrores, Das estrelas os fulgores Brilham na face do mar: Brilha a lua cintilante, E sempre mudo o gigante, Imóvel, sem acordar! ( ... ) V Mudaram-se os tempos e a face da terra, Cidades alastram o antigo paul; Mas inda o gigante, que dorme na serra, Se abraça ao imenso cruzeiro do sul. Nas duras montanhas os membros gelados, Talhados a golpes de ignoto buril, Descansa, ó gigante, que encerras os fados, Que os términos guardas do vasto Brasil. Porém se algum dia fortuna inconstante Puder-nos a crença e a pátria acabar, Arroja-te às ondas, o duro gigante, Inunda estes montes, desloca este mar! COMENTÁRIOS Um poema que enaltece a grandeza da nação brasileira. Nos comentários da obra, o poeta explica que “Alguns dos principais montes da enseada do Rio de Janeiro parecem aos que vem do Norte ou do Sul representar uma figura humana de colossal grandeza: este capricho da natureza foi conhecido dos primeiros navegantes portugueses com a denominação de ‘frade depedra’, que agora se chama o gigante de pedra. — Àquele objeto se fez esta poesia”. Na epígrafe, a citação de versos do poema O gigante, de Victor Hugo. Hugo foi autor de Os Miseráveis (1862) e de outras obras de denúncia social e grande idealismo, que exaltam as lutas contra as injustiças e destacam os heróis populares. Quanto à técnica, Dias se mostra conhecedor de tradições clássicas e, versátil, explora diferentes métricas. O gigante de pedra é dividido em 5 partes: a 1.ª, a 3.ª e a 5.ª estão em hendecassílabos (ou seja, 11 sílabas poéticas); a 2.ª está em redondilha maior (7 sílabas), a 4.ª em hexassílabos. Quanto à rima, há versos livres na 4.ª parte, denunciando um poeta menos preocupado com as “regras poéticas” e mais com o sentimento e a musicalidade da frase. Quanto ao conteúdo, desenvolve o tema da força perene (de pedra) do recorte geográfico que representa a nação brasileira, a Baía de Guanabara. Esse gigante a tudo resiste durante a história, mas, adverte ao final o eu lírico, “se algum dia fortuna inconstante / Puder-nos a crença e a pátria acabar”, então será melhor atirar-se no oceano... OBRAS LITERÁRIAS ÚLTIMOS CANTOS 5 Em Gigante de pedra, notamos uma série de traços típicos do romantismo, como a valorização do passado, o gosto pela fantasia, a religiosidade cristã (nas citações a Deus e a Moisés) e a natureza, só para citar alguns. O gigante de pedra é a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, quando vista do oceano. A aparência do “gigante” provocou a alegoria do poema inicial de Últimos Cantos. FONTE: <http://viajandonashistorias.blogspot.com.br/2011/11/o-gigante-adormecido- da-baia-de.html>. Acesso em: 04/03/2018, às 10h56min. Trechos do poema: O GIGANTE DE PEDRA Leito de folhas verdes Por que tardas, Jatir, que tanto a custo À voz do meu amor moves teus passos? Da noite a viração, movendo as folhas, Já nos cimos do bosque rumoreja. Eu sob a copa da mangueira altiva Nosso leito gentil cobri zelosa Com mimoso tapiz de folhas brandas, Onde o frouxo luar brinca entre flores. Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco, Já solta o bogari mais doce aroma! Como prece de amor, como estas preces, No silêncio da noite o bosque exala. Brilha a lua no céu, brilham estrelas, Correm perfumes no correr da brisa, A cujo influxo mágico respira-se Um quebranto de amor, melhor que a vida! A flor que desabrocha ao romper d’alva Um só giro do sol, não mais, vegeta: Eu sou aquela flor que espero ainda Doce raio do sol que me dê vida. Sejam vales ou montes, lago ou terra, Onde quer que tu vás, ou dia ou noite, Vai seguindo após ti meu pensamento; Outro amor nunca tive: és meu, sou tua! Meus olhos outros olhos nunca viram, Não sentiram meus lábios outros lábios, Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas A arazoia na cinta me apertaram. Do tamarindo a flor jaz entreaberta, Já solta o bogari mais doce aroma Também meu coração, como estas flores, Melhor perfume ao pé da noite exala! Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes À voz do meu amor, que em vão te chama! Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil A brisa da manhã sacuda as folhas! COMENTÁRIOS Uma bela e sentida história de solidão e sofrimento amoroso, bem ao estilo romântico. O eu lírico é a índia que prepara um leito para deitar nos braços do seu heroico amado. Mas, após a noite de agonia e espera, já pela manhã (“lá rompe o sol”), a moça se desespera ao notar que o rapaz não virá – terá sido OBRAS LITERÁRIAS 6 ÚLTIMOS CANTOS vitimado nas guerras? – e perde as esperanças (“A brisa da manhã sacuda as folhas”). O tema da moça que reclama a ausência do amado remete à tradição medieval lusitana. No Trovadorismo, as cantigas de amigo apresentavam as mesmas características desse poema de Gonçalves Dias. Com isso, o poeta consegue unir as duas culturas básicas formadoras do brasileiro (segundo ideias do século XIX): a bucólica cantiga de amigo medieval se passa agora em ambiente selvagem brasileiro e a triste camponesa ibérica dá lugar à lamentosa nativa americana. I-Juca-Pirama I-Juca-Pirama é o nome deste herói tupi que cai prisioneiro da tribo inimiga dos Timbiras. Segundo G. Dias, em nota, “O título desta poesia, traduzido literalmente da língua tupi, vale tanto como se em português disséssemos “o que há de ser morto”. O poeta soube integrar elementos da cultura (inclusive vocabulário) indígena ao tom eloquente da épica heroica clássica (trata-se, de fato, de um pequeno poema épico, nos moldes da Ilíada, por exemplo, mas bem mais modesto, ou da Canção de Gesta medieval). Em -Juca-Pirama, visivelmente embasado pelos relatos do cronista Hans Staden (Duas Viagens ao Brasil, publicado pela primeira vez em 1557), o autor constrói uma narrativa que trata do amor familiar, da coragem e da honra. O conceito do mito do “bom selvagem”, de Rousseau, parece também influenciar na construção do protagonista. São dez cantos de métricas variadas, provando mais uma vez a versatilidade técnica do autor maranhense. Eis o resumo do enredo • Canto I: O poeta descreve o “cenário”. Repare na construção da paisagem selvagem e da festa honrosa que a tribo Timbira prepara. Todos estão prontos para realizar o ritual antropofágico; “um índio infeliz” será sacrificado. Ele é Juca-Pirama, um índio tupi. Pela maneira com que detalha a descrição do ritual antropofágico, percebe-se que Gonçalves Dias toma por base a leitura nos cronistas do século XVI, principalmente Hans Staden. • Canto II: Já realizados todos os preparativos para o sacrifício, Juca-Pirama chora no momento da morte, o que era considerado, na cultura indígena, como atitude indigna e covarde, o que provoca o questionamento do eu lírico, a seguir (“Que tens, guerreiro?”) e a desconfiança dos inimigos, já na terceira parte do poema. • Canto III: O diálogo de confronto entre carrasco e prisioneiro foi, de fato, descrito pelo cronista Hans Staden, que presenciou o ritual antropofágico dos Tupinambás em pleno século XVI, e relatou que na conversa o prisioneiro deveria revelar todos os atos heroicos para provar as qualidades de sua carne – o que lhe permitiria ter uma morte honrosa. • Canto IV: I-Juca-Pirama faz o seu “discurso de morte” e explica a todos a sua história e o porquê de chorar naquele momento; promete que, se pouparem sua vida, irá cuidar do pai “velho, cego e quebrado” e que, após a morte deste, voltará para ser escravo dos Timbiras. Meu canto de morte, Guerreiros, ouvi: Sou filho das selvas, Nas selvas cresci; Guerreiros, descendo Da tribo tupi. Da tribo pujante, Que agora anda errante Por fado inconstante, Guerreiros, nasci; Sou bravo, sou forte, Sou filho do Norte; Meu canto de morte, Guerreiros, ouvi. OBRAS LITERÁRIAS ÚLTIMOS CANTOS 7 • Canto V: O herói é solto, mas o chefe dos Timbiras o rechaça da tribo, pois não crê no herói e o considera um covarde. • Canto VI: No momento em que teve sua valentia questionada pelo chefe timbira, I-Juca-Pirama sente o ímpeto de atacar o chefe e a tribo inteira ali mesmo, mas pensa no pai (“enlutado pensamento”) que morreria sozinho caso não fosse logo socorrido. Na parte seguinte, o filho reencontra o pai na clareira onde o deixara na floresta; I-Juca-Pirama tenta evitar que o pai descubra o que aconteceu, mas o velho indígena percebe as pinturas do ritual que Juca ainda leva no corpo e que o rapaz, escalpelado, está “despido do natural ornato”, e crê que o filho fugiu da morte honrosa. • Canto VII: O velho pai entrega novamente I-Juca-Pirama para o ritual antropofágico dos Timbiras, para que ele morra de forma honrosa; contudo, o chefe da tribo revela que Juca desonrou a todos, pois chorou na hora em que deveria demonstrar a coragem do grande guerreiro. • Canto VIII: Acreditando que o filho é covarde, o velho pai o amaldiçoa de maneira impiedosa. • Canto IX: Sentindo a força do grande guerreiro, num ímpeto sentimental, I-Juca-Pirama atira-se em luta furiosa contra todos os guerreiros da tribo timbira. Morre na heroicabatalha, mas salva a honra e a dignidade tupi. • Canto X: Como prova de tamanho heroísmo, o testemunho final é o de um velho e respeitado guerreiro que afirma, categórico, “Meninos, eu vi!”. MARABÁ Eu vivo sozinha, ninguém me procura! Acaso feitura Não sou de Tupá! Se algum dentre os homens de mim não se esconde: — “Tu és”, me responde, “Tu és Marabá!” — Meus olhos são garços, são cor das safiras, — Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar; — Imitam as nuvens de um céu anilado, — As cores imitam das vagas do mar! Se algum dos guerreiros não foge a meus passos: “Teus olhos são garços”, Responde anojado, “mas és Marabá: “Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes, “Uns olhos fulgentes, “Bem pretos, retintos, não cor d’anajá!” ( ... ) Jamais um guerreiro da minha arazoia Me desprenderá: Eu vivo sozinha, chorando mesquinha, Que sou Marabá! COMENTÁRIOS Outro texto em que a voz lírica é a da moça selvagem. Aqui ela se lamenta por ser mestiça, apesar de viver na aldeia como índia. Mas ela é loira e de pele branca, como ressaltam as palavras do interlocutor. Por conta disso, nenhum jovem da tribo quer se casar com ela, pois, para eles, ela não tem as qualidades que buscam na esposa. Note-se aí mais uma relação com as antigas cantigas líricas portuguesas. Como numa cantiga de amigo, uma voz feminina lamenta a solidão e o infortúnio amoroso. OBRAS LITERÁRIAS 8 ÚLTIMOS CANTOS CANÇÃO DO TAMOIO I Não chores, meu filho; Não chores, que a vida É luta renhida: Viver é lutar. A vida é combate, Que os fracos abate, Que os fortes, os bravos Só pode exaltar. II Um dia vivemos! O homem que é forte Não teme da morte; Só teme fugir; No arco que entesa Tem certa uma presa, Quer seja tapuia, Condor ou tapir. III O forte, o cobarde Seus feitos inveja De o ver na peleja Garboso e feroz; E os tímidos velhos Nos graves concelhos, Curvadas as frontes, Escutam-lhe a voz! ( ... ) COMENTÁRIOS Novamente é o próprio nativo que se expressa, desta vez um pai faz seu discurso na hora do nascimento do filho, evidenciando assim o sentido da vida do guerreiro: ser bravo, corajoso e temido pelos inimigos. É o mesmo tema que já aparecia em I-Juca-Pirama, mas com um viés bem diferente. Se em I-Juca- Pirama, testemunhamos os últimos momentos do herói, este Natalícia retrata justamente o nascimento de um futuro grande guerreiro. Ao fim, o pai lembra que a verdadeira coragem se prova, e fato, na hora da morte. Se tiver a desdita de cair nas garras inimigas, que saiba enfrentar o momento final com altivez e brio. A MANGUEIRA Nesse singelo exemplar romântico, o eu lírico enaltece a vasta mangueira, árvore que com sua vasta copa oferece abrigo ao pássaro, ao viajante e aos amantes, acalmando as dores e os cansaços dos seres. Ao final, ele pede para si esse abrigo também. MÃE D´ÁGUA Segundo nota do poeta, “A mãe d’água é uma naiara moderna, um espírito que habita o fundo dos rios. Acredita-se em muitas partes do Brasil que é uma mulher formosa com longos cabelos de ouro, que lhe servem como de vestido, com olhos que exercem inexplicável fascinação, e voz tão harmoniosa que ninguém que a escute resiste à tentação de se atirar às águas para que mais de perto a ouça e contemple. O mesmo que as sereias, têm sobre elas a vantagem de serem criaturas de formas perfeitas, e delas se distinguem em fascinarem tanto com o brilho da formosura, como com a doçura da voz, e de atraírem principalmente os meninos”. Em ritmo popular, métricas variadas, e versos livres, o autor retrata a lenda da Iara, ou Uiara, ou Mãe d´Água, uma bela índia (ou sereia índia) nas lendas do Norte do Brasil (Rio Solimões). Com seu canto irresistível, atrai os homens e os leva para o fundo das águas, matando-os. OBRAS LITERÁRIAS ÚLTIMOS CANTOS 9 2.ª PARTE: POESIAS DIVERSAS – 45 POEMAS ALGUNS DESTAQUES: NÊNIA Nênia era o nome que se dava a cantos fúnebres na Roma Antiga; agora sinônimo de composição poética fúnebre. Há uma dedicatória ao Imperador D. Pedro II. O Imperador teve 4 filhos com sua esposa D. Teresa Cristina. Eram duas moças, Leopoldina e Isabel, e dois meninos. Porém, os meninos morreram precocemente, Afonso aos 2 anos de idade, e PEDRO, de quem este poema trata, em 9 de janeiro de 1850, com apenas um ano e meio de vida. O eu lírico inicia lamentando a morte prematura do Príncipe (“Que não viu murcho o esmeraldino encanto”, ou seja, morreu sem atingir idade madura), para, a seguir, tecer uma série de analogias entre a fatalidade e as forças da natureza. Outra marca romântica evidente é o sofrimento intenso expresso pela figura de linguagem anáfora, na repetição do lamento “Morreste!”. Todo o texto vem marcado pelo indefectível ponto de exclamação, como a enfatizar o sofrimento do poeta. Na terceira parte, afirma que o Brasil terá um anjo puro nos céus para protegê-lo, e finaliza o belo poema visando o consolo do rei D. Pedro II ao ressaltar que, chorando como ele, há “um povo inteiro em torno de um sepulcro”. OLHOS VERDES Eles verdes são: E têm por usança, na cor esperança, E nas obras não. Cam. Rim. São uns olhos verdes, verdes, Uns olhos de verde-mar, Quando o tempo vai bonança; Uns olhos cor de esperança, Uns olhos por que morri; Que ai de mim! Nem já sei qual fiquei sendo Depois que os vi! Como duas esmeraldas, Iguais na forma e na cor, Têm luz mais branda e mais forte, Diz uma — vida, outra — morte; Uma — loucura, outra — amor. Mas ai de mim! Nem já sei qual fiquei sendo Depois que os vi! São verdes da cor do prado, Exprimem qualquer paixão, Tão facilmente se inflamam, Tão meigamente derramam Fogo e luz do coração Mas ai de mim! Nem já sei qual fiquei sendo depois que os vi! São uns olhos verdes, verdes, Que podem também brilhar; Não são de um verde embaçado, Mas verdes da cor do prado, Mas verdes da cor do mar. Mas ai de mim! Nem já sei qual fiquei sendo Depois que os vi! Como se lê num espelho, Pude ler nos olhos seus! OBRAS LITERÁRIAS 10 ÚLTIMOS CANTOS Os olhos mostram a alma, Que as ondas postas em calma Também refletem os céus; Mas ai de mim! Nem já sei qual fiquei sendo Depois que os vi! Dizei vós, ó meus amigos, Se vos perguntam por mim, Que eu vivo só da lembrança De uns olhos cor de esperança, De uns olhos verdes que vi! Que ai de mim! Nem já sei qual fiquei sendo Depois que os vi! Dizei vós: Triste do bardo! Deixou-se de amor finar! Viu uns olhos verdes, verdes, uns olhos da cor do mar: Eram verdes sem esp’rança, Davam amor sem amar! Dizei-o vós, meus amigos, Que ai de mim! Não pertenço mais à vida Depois que os vi! COMENTÁRIOS Com base no mote camoniano, Dias desenvolve, em redondilha maior, esse singelo exemplar de lirismo amoroso. Apesar de os olhos da moça serem verdes, cor tradicionalmente relacionada à “esperança”, não parecem estar retribuindo a paixão que desperta no eu lírico, que se vê, paradoxalmente, desesperançado. VELHICE E MOCIDADE Belíssimo poema em que um pai já velho e cego (relembre o mote parecido no indianista I-Juca-Pirama) vive amparado pela filha que, adoecida, está, ela mesma, próxima da morte. Amor familiar e morte: dois temas essenciais na lírica de Gonçalves Dias. O texto termina com a triste constatação das injustiças da vida (Brilhe a virtude, quando reina o crime, / O crime impune e vil, que às tontas erra). CAXIAS Aqui G. Dias faz uma homenagem à sua terra natal. A cidade maranhense de Caxias foi fundada em 1 de agosto de 1836. O tom laudatório vem do fato de que foi aí, justamente, que nasceu Gonçalves Dias, em 1823, quando o local era ainda uma vila. Esta segunda parte do livro apresenta poemas como esse, de circunstância, categoria em que se incluem também, por exemplo, Nênia e Cumprimento de um voto. TRISTE DO TROVADOR O poema desenvolve um pequeno enredo triste: inicia pela descrição subjetiva da moça de olhos negros e pele muito branca, comparada, já na primeira estrofe, à beleza da rosa e da estrela; sua voze suas palavras eram as mais encantadoras... Mas a tristeza do trovador foi justamente encontrá-la, pois, apaixonado, lhe pede um “mimo do seu amor”... Ela lhe dá uma florzinha murcha, que simboliza que está murcha para a vida também a donzela. Morta a amada pouco tempo depois, o bardo chega a perder a vontade de cantar e agora raramente o faz. O tema do músico apaixonado lembra um pouco o mito grego de Orfeu, que a todos encantava com sua lira, e, após a morte da esposa, pede aos deuses que a possa rever. De novo aqui ocorre a metalinguagem. A imagem do poeta triste e desmotivado surge em outros poemas, como em Lira quebrada. OBRAS LITERÁRIAS ÚLTIMOS CANTOS 11 CANÇÃO DE BUG-JARGAL O Canto de Bug-Jargal é um excerto do romance Bug-Jargal, do francês Victor Hugo (1802-1885), publicado pela primeira vez em 1821. Gonçalves Dias traduz o poema que, mais tarde, seria também traduzido por Castro Alves. Bug-Jargal é a história de um líder de escravos negros, de nome Pierrot, depois chamado Bug-Jargal, que se apaixona por Maria, moça branca e já prometida. O romance atesta a amizade entre o líder africano (o enredo se passa durante a revolução haitiana, em fins do século XVIII) e o oficial francês Leopold D´Auvernay, noivo de Maria. AGAR NO DESERTO Intertexto bíblico: A egípcia Agar (ou Hagar) era serva de Sara, esposa de Abraão. Como Sara era estéril, permitiu a Abraão ter relações com Hagar para que pudessem ter um filho, que foi chamado Ismael. Ocorre que Sara, tempos depois, concebeu, miraculosamente, a Isaque. Sara convence Abrahão a expulsar Hagar e Ismael, que passaram fome e sede no deserto, mas, afinal, foram socorridos por Deus. Ismael se tornaria o patriarca do povo árabe. 3.ª PARTE: HINOS – 4 POEMAS LONGOS O MEU SEPULCRO A temática mórbida, bem ao gosto do Romantismo, aqui se manifesta, acertadamente, em um dos últimos poemas do volume, ratificando o tom depressivo que já se denunciava no título Últimos cantos. A HARMONIA Outro poema religioso de Gonçalves Dias; neste o eu lírico, por meio de redondilhas menores, relaciona as forças da natureza com o criador. A TEMPESTADE Um raio Fulgura No espaço Esparso, De luz; E trêmulo E puro Se aviva, S’esquiva Rutila, Seduz! Vem a aurora Pressurosa, Cor de rosa, Que se cora De carmim; A seus raios As estrelas, Que eram belas, Tem desmaios, Já por fim. O sol desponta Lá no horizonte, Doirando a fonte, E o prado e o monte E o céu e o mar; E um manto belo De vivas cores Adorna as flores, OBRAS LITERÁRIAS 12 ÚLTIMOS CANTOS Que entre verdores Se vê brilhar. Um ponto aparece, Que o dia entristece, O céu, onde cresce, De negro a tingir; Oh! vede a procela Infrene, mas bela, No ar s’encapela Já pronta a rugir! Não solta a voz canora No bosque o vate alado, Que um canto d’inspirado Tem sempre a cada aurora; É mudo quanto habita Da terra n’amplidão. A coma então luzente Se agita do arvoredo, E o vate um canto a medo Desfere lentamente, Sentindo opresso o peito De tanta inspiração. Fogem do vento que ruge As nuvens aurinevadas, Como ovelhas assustadas Dum fero lobo cerval; Estilham-se como as velas Que no alto mar apanha, Ardendo na usada sanha, Subitâneo vendaval. Bem como serpentes que o frio Em nós emaranha, — salgadas As ondas s’estanham, pesadas Batendo no frouxo areal. Disseras que viras vagando Nas furnas do céu entreabertas Que mudas fuzilam, — incertas Fantasmas do gênio do mal! E no túrgido ocaso se avista Entre a cinza que o céu apolvilha, Um clarão momentâneo que brilha, Sem das nuvens o seio rasgar; Logo um raio cintila e mais outro, Ainda outro veloz, fascinante, Qual centelha que em rápido instante Se converte d’incêndios em mar. Um som longínquo cavernoso e ouco (2) Rouqueja, e n’amplidão do espaço morre; Eis outro inda mais perto, inda mais rouco, Que alpestres cimos mais veloz percorre, Troveja, estoura, atroa; e dentro em pouco Do Norte ao Sul, — dum ponto a outro corre: Devorador incêndio alastra os ares, Enquanto a noite pesa sobre os mares. Nos últimos cimos dos montes erguidos Já silva, já ruge do vento o pegão; Estorcem-se os leques dos verdes palmares, Volteiam, rebramam, doudejam nos ares, Até que lascados baqueiam no chão. Remexe-se a copa dos troncos altivos, Transtorna-se, tolda, baqueia também; E o vento, que as rochas abala no cerro, Os troncos enlaça nas asas de ferro, E atira-os raivoso dos montes além. Da nuvem densa, que no espaço ondeia, Rasga-se o negro bojo carregado, E enquanto a luz do raio o sol roxeia, Onde parece à terra estar colado, Da chuva, que os sentidos nos enleia, O forte peso em turbilhão mudado, Das ruínas completa o grande estrago, Parecendo mudar a terra em lago. Inda ronca o trovão retumbante, Inda o raio fuzila no espaço, E o corisco num rápido instante Brilha, fulge, rutila, e fugiu. Mas se à terra desceu, mirra o tronco, Cega o triste que iroso ameaça, E o penedo, que as nuvens devassa, Como tronco sem viço partiu. Deixando a palhoça singela, Humilde labor da pobreza, Da nossa vaidosa grandeza, Nivela os fastígios sem dó; OBRAS LITERÁRIAS ÚLTIMOS CANTOS 13 E os templos e as grimpas soberbas, Palácio ou mesquita preclara, Que a foice do tempo poupara, Em breves momentos é pó. Cresce a chuva, os rios crescem, Pobres regatos s’empolam, E nas turvam ondas rolam Grossos troncos a boiar! O córrego, qu’inda há pouco No torrado leito ardia, É já torrente bravia, Que da praia arreda o mar. Mas ai do desditoso, Que viu crescer a enchente E desce descuidoso Ao vale, quando sente Crescer dum lado e d’outro O mar da aluvião! Os troncos arrancados Sem rumo vão boiantes; E os tetos arrasados, Inteiros, flutuantes, Dão antes crua morte, Que asilo e proteção! Porém no ocidente S’ergue de repente O arco luzente, De Deus o farol; Sucedem-se as cores, Qu’imitam as flores Que sembram primores Dum novo arrebol. Nas águas pousa; E a base viva De luz esquiva, E a curva altiva Sublima ao céu; Inda outro arqueia, Mais desbotado, Quase apagado, Como embotado De tênue véu. Tal a chuva Transparece, Quando desce E ainda vê-se O sol luzir; Como a virgem, Que numa hora Ri-se e cora, Depois chora E torna a rir. A folha Luzente Do orvalho Nitente A gota Retrai: Vacila, Palpita; Mais grossa Hesita, E treme E cai. COMENTÁRIOS Versátil na elaboração das métricas, Gonçalves Dias desenvolve uma ideia particularmente criativa: o número de sílabas poéticas vai aumentando a cada estrofe à medida que a tempestade se aproxima, chegando ao clímax nos hendecassílabos da 10.ª estrofe, quando o furor da natureza atinge o seu auge. Após, ao passo que arrefecem os ventos e as chuvas, também os versos vão diminuindo em extensão, numa brilhante relação entre forma poética e conteúdo. OBRAS LITERÁRIAS 14 ÚLTIMOS CANTOS SAUDADE O eu lírico reafirma sua tristeza e sua frustração amorosa, lembrando o exílio que o afastara das pessoas amadas. Antônio Gonçalves Dias teve 2 irmãs, mas também irmãos por parte apenas de pai, depois que este abandonou Vicência (mãe legítima do poeta, mas com quem o pai não oficializou o matrimônio) e casou-se com Adelaide Ramos de Almeida. Dessa nova relação, nasceram três meninos e a menina Joana, a quem o poeta dedica esse último texto. 4. EXERCÍCIOS DE VESTIBULAR 1. (UFPR – adaptada) Sobre o livro de poesia Últimos Cantos, de Gonçalves Dias, assinale a alternativa correta a) A Canção do Tamoyo apresenta o relato de feitos heroicos específicos desse povo para exaltar a coragem humana. b) Leito de folhas verdes e Marabá tematizam a miscigenação brasileira ao apresentarem dois casais inter-raciais. c) A métrica em I-Juca-Pirama é variável e tem conexão com a progressão dos fatos narrados, o que permite dizer que o ritmo se ajusta às reviravoltas da narrativa. d) O poema Nênia recria um episódio bíblico e apresenta uma escrava escolhida por Deus para ser mãe de Ismael, o patriarcado povo árabe. e) Na última parte da obra, denominada Hinos, Gonçalves Dias faz uma saudação à terra brasileira, destacando assim o caráter nacionalista de sua arte. 2. (UFPR) As duas estrofes a seguir iniciam o poema Y-Juca-Pyrama, de Gonçalves Dias, publicado em 1851. No meio das tabas de amenos verdores Cercadas de troncos – cobertos de flores, Alteião-se os tectos d’altiva nação; São muitos seus filhos, nos animos fortes, Temiveis na guerra, que em densas cohortes Assombrão das matas a imensa extensão São rudes, severos, sedentos de gloria, Já prelios incitão, já cantão victoria, Já meigos attendem a voz do cantor: São todos tymbiras, guerreiros valentes! Seu nome la vôa na bocca das gentes, Condão de prodigios, de gloria e terror! Nesse trecho, o poeta apresenta a tribo dos timbiras. Constatamos, sem dificuldades, que a ortografia da época era, em muitos aspectos, diferente da que usamos atualmente. Tendo isso em vista, considere as seguintes afirmativas: 1. As palavras paroxítonas terminadas em ditongo não eram acentuadas naquela época, diferente- mente de hoje. 2. As formas verbais se alternam entre presente e futuro do presente do indicativo, com a mesma terminação. 3. A terceira pessoa do plural dos verbos do presente do indicativo se diferencia graficamente da forma atual. 4. Os monossílabos tônicos perderam o acento na ortografia contemporânea. OBRAS LITERÁRIAS ÚLTIMOS CANTOS 15 Assinale a alternativa correta. a) Somente a afirmativa 1 é verdadeira. b) Somente as afirmativas 1 e 3 são verdadeiras. c) Somente as afirmativas 2 e 4 são verdadeiras. d) Somente as afirmativas 2, 3 e 4 são verdadeiras. e) As afirmativas 1, 2, 3 e 4 são verdadeiras. 3. (UFPR – adaptada) A respeito dos poemas que compõem o livro Últimos cantos (1851), do maranhense Gonçalves Dias, assinale a alternativa correta. a) Nos poemas indianistas, a representação dos nativos descreve as tradições coletivas dessas comu- nidades, mas também apresenta os sentimentos individuais e particulares de seus membros. b) A primeira parte da obra, Poesias americanas, contém alguns poemas de teor nacionalista, com exceção de Mãe d´Água e A mangueira, que não exploram nenhuma especificidade brasileira. c) A pureza racial dos indígenas brasileiros é exaltada no poema Marabá por meio da descrição da personagem-título: “— Meus olhos são garços, são cor das safiras, / — Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar; / — Imitam as nuvens de um céu anilado, / — As cores imitam das vagas do mar!”. d) O aspecto fúnebre das lendas românticas é representado em textos como Nênia, um canto funeral, e O gigante de pedra, que narra um suicídio. e) A ingenuidade romântica se expressa na singeleza do poema Mãe d´água, em que se retratam as inocentes brincadeiras de criança”: “Minha mãe, olha aqui dentro, / Olha a bela criatura, / Que dentro d’água se vê! / São d’ouro os longos cabelos, / Gentil a doce figura, / Airosa leve a estatura; / Olha, vê no fundo d’água / Que bela moça não é!”. 4. O Uraguai e I-Juca-Pirama são textos passíveis de comparação porque a) ambos respeitam a tradição épica no conteúdo (desenvolvendo temas bélicos e dando destaque a guerreiros honrados) e na forma (ambos estruturados em decassílabos em oitava rima). b) apresentam, cada qual a seu modo, um subenredo de teor amoroso. c) seus respectivos enredos se desenvolvem na mesma região do Brasil. d) são poemetos épicos que respeitam muito da tradição clássica, mas adaptando-a a uma forma mais flexível e a um conteúdo local. e) ambos apresentam as características essenciais de uma epopeia: tema bélico, heroísmo, interferên- cia de personagens divinos no enredo e nacionalismo. OBRAS LITERÁRIAS 16 ÚLTIMOS CANTOS TEXTO PARA QUESTÕES 5 e 6 MARABÁ Eu vivo sozinha, ninguém me procura! Acaso feitura Não sou de Tupá! Se algum dentre os homens de mim não se esconde: — “Tu és”, me responde, “Tu és Marabá!” — Meus olhos são garços, são cor das safiras, — Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar; — Imitam as nuvens de um céu anilado, — As cores imitam das vagas do mar! Se algum dos guerreiros não foge a meus passos: “Teus olhos são garços”, Responde anojado, “mas és Marabá: “Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes, “Uns olhos fulgentes, “Bem pretos, retintos, não cor d’anajá!” — É alvo meu rosto da alvura dos lírios, — Da cor das areias batidas do mar; — As aves mais brancas, as conchas mais puras — Não têm mais alvura, não têm mais brilhar. Se ainda me escuta meus agros delírios: — “És alva de lírios”, Sorrindo responde, “mas és Marabá: “Quero antes um rosto de jambo corado, “Um rosto crestado “Do sol do deserto, não flor de cajá.” — Meu colo de leve se encurva engraçado, — Como hástea pendente do cáctus em flor; — Mimosa, indolente, resvalo no prado, — Como um soluçado suspiro de amor! — “Eu amo a estatura flexível, ligeira, Qual duma palmeira”, Então me respondem; “tu és Marabá: “Quero antes o colo da ema orgulhosa, Que pisa vaidosa, “Que as flóreas campinas governa, onde está.” — Meus loiros cabelos em ondas se anelam, — O oiro mais puro não tem seu fulgor; — As brisas nos bosques de os ver se enamoram — De os ver tão formosos como um beija-flor! Mas eles respondem: “Teus longos cabelos, “São loiros, são belos, “Mas são anelados; tu és Marabá: “Quero antes cabelos, bem lisos, corridos, “Cabelos compridos, “Não cor d’oiro fino, nem cor d’anajá,” ( ... ) E as doces palavras que eu tinha cá dentro A quem nas direi? O ramo d’acácia na fronte de um homem Jamais cingirei: Jamais um guerreiro da minha arazóia Me desprenderá: Eu vivo sozinha, chorando mesquinha, Que sou Marabá! 5. Sobre o poema extraído da obra Últimos cantos, de Gonçalves Dias, assinale a alternativa correta. a) Relata uma história de amor frustrada, em que uma moça portuguesa, Marabá, se vê recusada pelo amado indígena. b) O nativismo se mescla a um recurso particular da poesia do romântico Gonçalves Dias: a expressão do sofrimento feminino, como também acontece em Leito de folhas verdes, por exemplo. c) À semelhança das cantigas de Amigo da Idade Média, o eu lírico feminino expressa a falta do amado que partiu. OBRAS LITERÁRIAS ÚLTIMOS CANTOS 17 d) A cena remete a uma paisagem bucólica (pelo uso de expressões como acácia, beija-flor, anajá etc) que evidencia uma característica árcade influente na obra de Gonçalves Dias. e) O indianismo (como em I-Juca-Pirama, Leito de Folhas Verdes e este Marabá) é marca da Primeira Geração romântica, mas Gonçalves Dias também se destaca em versos fantasmagóricos e de crítica política. 6. Na temática lírico-amorosa presente no poema podem ser detectados a prioritária presença dos seguintes elementos: a) idealização do passado; decepção amorosa; amor sensual; ultrarromantismo. b) angústia; atitude negativista – pessimismo; autopiedade; mal do século. c) idealização do sentimento amoroso; sentimento de frustração; indianismo; nativismo. d) ritmo poético próximo ao da fala; poucas metáforas; rigor formal e rimas preciosas. e) exaltação do pitoresco e do exótico nacional; nativismo fantasioso e irreal; lendas. 7. Nênia é o primeiro poema da segunda parte de Últimos cantos. Sobre esse texto, assinale a alternativa correta a) Trata-se de longo poema lírico-amoroso, que alia a dor do amor a uma funesta tempestade b) É obra de tom fúnebre, dedicada a uma familiar do poeta. c) Comemora a coroação do imperador D. Pedro II, o que se explicita pela dedicatória. d) Rememora os fatos heroicos no episódio da Independência do Brasil (1822), marcando um dos momentos de forte nacionalismo na obra. e) É poema de pesar e tristeza, um canto fúnebre pela morte de um dos filhos do então imperador do Brasil, D. Pedro II. GABARITO 1. C 2. B 3. A 4. D 5. B 6. C 7. E REFERÊNCIAS LEMOS, M. B.; PEDROSO, C. (Org.). Últimos cantos – edição crítica comentada. Curitiba: Editora Bom Jesus, 2017. BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.CUNHA, C. A. (Org). Cantos. São Paulo: Martins Fontes, 2001. MOISÉS, M. A Literatura brasileira através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2007.
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