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Malachi Martin - Refens do Diabo (Novo Tempo)

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REFÉNS 
DO DIABO 
REFÊ 
DO DIABO 
Tradução 
Marina Leão Teixeira 
Viriato de Medeiros 
NOVO TEMPO 
Título original: Hostage to the De'Yil 
Copyright © 1976 by Malachi Martin 
Publicado originalmente nos Estados Unidos pela 
Reader's Digest Press 
Todos os direitos reservados, inclusive o de reproduçiro no todo ou 
em parte, sob qualquer forma. 
CAPA 
CRIAÇÃO E PRODUÇÃO 
CAMI 
ILUSTRAÇÃO 
GERSON CONFORTO 
Direitos de publicação exclusiva em língua portuguesa 
adquiridos pela: 
NOVO TEMPO EDIÇÕES LTDA 
Rua Conde de Bonfim, 839-A 
Tijuca - Rio de Janeiro 
CEP 20530 - Fone (021) 208-0849 
Impresso no Brasil 
Como caíste do Céu, 
6 astro brilhante que, ao nascer do dia, tanto brilhavas? 
Como caíste por terra, tu que ferias as nações? 
Que dizias no teu coração: 
Subirei ao céu! 
estabelecerei o meu trono acima dos astros de Deus! 
sentar-me-ei sobre o monte da aliança aos lados do aquilão!1 
Sobrepujarei a altura das nuvens! 
serei semelhante ao Altíssimo. 
E contudo foste precipitado no Inferno, 
até o mais profundo dos abismos. 
Os que te virem inclinar-se-ão para ti 
e o desprezarão ... 
... Senhor, até os demônios se nos submetem 
em virtude do teu nome! 
E ele disse-lhes: - Eu vi Satanás cair do céu 
como um relâmpago. 
Eis que vos dei poder ... 
de calcar serpentes e escorpiões e toda a força do inimigo ... 
Contudo não vos alegreis 
porque os espíritos maus vos estão sujeitos, 
mas, alegrai-vos porque os vossos nomes 
estão escritos no céu ... 
- Isaias 14:12-19 
- Lucas 10:17-22 
NT - Os l'ersículos acima foram copüzdos da B1blia e não trtlduzidos. 
Vento norte ou região boreal. 
NOTA DO AUTOR 
Todos os homens e mulheres envolvidos nos cinco casos relata­
dos aqui s!o meus conhecidos pessoais. Eles prestaram total coope­
raçã"o sob a condiçã"o de suas identidades e a d• suas famílias e 
amigos não serem reveladas. Esta condição foi estendida ao próprio 
editor. Todos os nomes e lugares e quaisquer outros elementos que 
possam concebivelmente levar à possível identificação das pessoas 
envolvidas nos casos relatados aqui foram trocados. Qualquer 
semelhança entre os casos narrados aqui e quaisquer outros que 
possam ter ocorrido é não- intencional e pura coincidência. 
A SORTE DE UM EXORCISTA 
Michael Strong - Parte I. . 
Manual Resumido do Exorcismo 
OS CASOS 
O Amigo de Zio e a Sorridente ..... 
O Padre Ossos e o Senhor Natch . 
IN O ICE 
11 
17 
O Padre Virgem e o Consertador de Moças . . . . . . . . . . . . . . . • . . 
37 
89 
. 173 
. 245 Tio Ponto e o Jantar de Cogumelos. 
O Galo e a Tartaruga 
MANUAL DE POSSESSÃO 
O Bem, o Mal e a Mente Moderna .. 
O Espírito Humano e Lúcifer .......... . 
O Espírito Humano e Jesus ..... . 
O Processo da Possesslo . 
O FIM DE UM EXORCISTA 
Michael Strong - Conclusfo 
. . . . . . 313 
. . . . 395 
. . 399 
. . . . 411 
. . . 419 
. 429 
Apêndice 1: Ritual Romano do Exorcismo. . . . 439 
Apêndice 11: Preces Comumente Usadas nos Exorcismos e 
Mencionadas nos Exorcismos Deste Livro . . . . . . . . . . . . . . . . 457 
A SORTE 
DE UM EXORCISTA 
Michae l Strong -
Parte I 
Quando o grupo de pesquisa chegou ao armazém de cereais abandonado 
conhecido localmente como Puh-Chi (Uma Janela), o bombardeio de Nan­
quim estava no auge. Era noite e o céu era iluminado pelo clarão das explo­
sões. As bombas incendiárias japonesas produziam a devastaç4'o dos edifícios 
de madeira da cidade. Era o dia 1 1 de dezembro de 1 937, por volta das 10: 00 
horas da noite. Todo o delta do Yangtzé até o mar estava em poder dos japo­
neses. Desde Shangai no litoral até cerca de três quilômetros de Nanquim era 
uma área devastada na qual a morte havia se instalado como uma atmosfera 
permanente. Nanquim vinha em seguida na lista dos invasores. E indefesa. O 
dia 1 3 de dezembro ia ser a data da sua morte. 
Durante uma semana a polícia de uma delegacia ao sul da cidade de Nan­
quim estivera procurando Thomas Wu. A acusação: assassinato de pelo menos 
cinco mulheres e dois homens nas circunstâncias mais horríveis: A História: 
Thomas Wu havia morto suas vítimas e comido seus corpos. No fun de uma 
semana de buscas infrutíferas, Padre Michael Strong, sacerdote missionário da 
paróquia do bairro, que batizara Thomas Wu, avisou inesperadamente que en­
contrara o homem procurado no Puh-Chi, uma espécie de celeiro. Mas o capi­
tão da polícia não compreendeu a mensagem que Padre Michael lhe enviara: 
" Estou realizando um exorcismo. Por favor me dê algum tempo. "* 
A porta principal do Puh-Chi estava escancarada quando o chefe de polí­
cia chegou. Um pequet10 grupo de homens e mulheres observavam. Viam 
Padre Michael parado, no meio do soalho. Adiante, num canto, havia outro 
• Este é o único exorcismo relatado neste livro do qual não tenho nenhum traslado e 
não pude realizar entrevistas extensas. Minha única fonte foi o próprio Padre Michael, 
que me contou novamente estes acontecimentos e permitiu-me ler os seus diários. 
1 2 
vulto, de u m homem jovem, nu, que tomou subitamente u m aspecto pouco 
natural de idade avançada, com uma faca comprida nas mãos. Sobre as prate­
leiras a volta nas paredes internas do armazém jaziam filas e filas de corpos 
nus em vários estágios de mutilação e putrefaçã"o. 
- VOCÊ!! -gritava o homem nu quando o capitão da polícia abriu ca­
minho até a porta, - VOCÊ quer saber o MEU nome! - As palavras ''você" e 
"meu" atingiram o capitão como dois punhos cerrados sobre as orelhas. Viu 
o sacerdote encolher-se visivelmente e cambalear para trás. Mas, foi a voz que 
deixou o capitão admirado. Ele conhecia Thomas Wu. Nunca o ouvira falar 
com essa voz. 
Em nome de Jesus - começou Michael fracamente - ordeno-lhe ... 
Dê o fora daqui! Dê o fora já daqui, seu velho eunuco imundo! 
Que liberte Thomas Wu, espírito maligno, e ... 
Vou levá-lo comigo, pigmeu- veio a voz de Thomas Wu.- Vou levá­
lo. E nenhum poder em parte alguma, em parte alguma, está ouvindo, pode 
nos impedir. Somos tão fortes quanto a morte. Não há ninguém mais forte! 
E ele deseja vir! Está ouvindo? Ele deseja! 
- Diga-me o seu nome ... 
O sacerdote foi interrompido por um bramido súbito. Ninguém pode di­
zer, mais tarde, como o incêndio começou. Uma bomba incendiária? Uma 
fagulha de Nanquim em chamas trazida pelo vento? Foi como uma embos­
cada súbita e barulhenta, originada por um sinal silencioso. Num instante o 
incêndio irrompera como uma erva daninha, viva, correndo ao longo das 
laterais do armazém, pelo telhado curvo, e pelo chão de madeira junto às 
paredes. 
O capitão da polícia que já estava no interior, agarrou o Padre Michael 
pelo braço, puxando-o para fora. 
A voz de Wu perseguiu-os mais alta que o barulho:- É tudo a mesma 
coisa. Tolo! Somos iguais. Sempre fomos. Sempre. 
Michael e o capitão saíram e, então, viraram-se para ouvir. 
- Só há um de nós. Um ... 
O resto da frase foi abafada na explosão súbita das madeiras em chamas. 
Agora, o retângulo de vidro da única janela escurecia de fumaça e fuli-
gem. Em alguns minutos seria impossível ver qualquer coisa. Michael apro­
ximou-se cambaleando e olhou para dentro. Contra a janela viu, por um 
instante, o rosto de Thomas emplastrado por um sorriso fixo de agonia. Um 
quadro horrível, um pesadelo de Bosch1, revivido. 
1 NT - Hieronymus Bosch ou van A'ken (1450?-1516). Pintor holandês de quadros 
religiosos e representações fantásticas de demônios, monstruosidades e outros temas he­
diondos. 
Línguas de fogo compridas estalando, lambiam rapidamente as têmporas, 
o pescoço e o cabelo de Thomas. Através do chiado e do crepitar do fogo, 
Michael ouviu Thomas rindo, mas muito indistintamente, quase não escutan­
do. Por entre as chamas viu as prateleiras, com sua carga de corpos cinzento­
esbranquiçados. Alguns estavam se derretendo. Outros se queimando. Os 
olhos escorrendo para fora das órbitas como ovos quebrados. Os cabelos se 
queimando em pequenos tufos. Primeiro os dedos das mãos e dos pés, narizes 
e orelhas, depois pernas inteiras e troncosderretendo-se, ficando pretos. E o 
cheiro. Deus! Aquele cheiro! 
Depois, rompeu-se a fixidez do sorriso de Thomas; seu rosto foi substi­
tuído por outro com um sorriso semelhante. Com a velocidade máxima de 
um caleidoscópio, uma longa sucess:ro de rostos surgiu e desapareceu, tremu­
lando. Todos sorrindo. Todos com "a impressão do polegar de Cain no quei­
xo", assim Michael descreveu a marca que o obcecou pelo resto da vida. Cada 
par de lábios arredondava-se na forma sorridente da última palavra de Thomas: 
"um!" Rostos e expressões que Michaeljamais conhecera. Alguns, pensou que 
conhecia. Outros, sabia que havia imaginado. Outros, vira em livros de história, 
em quadros, em igrejas, em jornais, em pesadelos. Japoneses, chineses, burme­
ses, coreanos, ingleses, eslavos. Velhos, moços, barbados, barbeados. Pretos, 
brancos, amarelos. Homens, mulheres. Depressa. Mais depressa. Todos com o 
mesmo sorriso. Mais e mais e mais. Michael sentiu-se atirando ao chão uma 
fila interminável de rostos, décadas, séculos e milênios tiquetaqueando ao Ia­
do dele, até a velocidade diminuir finalmente, e o último rosto sorridente 
aparecer, ·contraído de ódio, com apenas uma grande marca de polegar no 
queixo. 
A janela ficou completamente preta. Michael n:ro viu mais nada. 
- Cain ... - dizia debilmente para si mesmo. Como uma punhalada, a 
compreensão deteve a palavra em sua garganta, exatamente como se alguém 
houvesse sussurrado em seu ouvido: 
- Errado outra vez, tolo! O pai de Cain. Eu. O Pai cósmico das Mentiras 
e o Senhor cósmico da Morte. Desde o começo, do começo. Eu ... eu ... eu ... 
eu ... eu ... 
Michael sentiu uma dor aguda no peito. Uma mão forte comprimia seu 
coração, contendo o seu movimento, e um peso insuportável oprimia o 
seu peito, fazendo-o dobrar-se. Ouviu o sangue latejando em sua cabeça e 
depois o ruído de ventos fortes, atroadores. Um clar:ro de luz ofuscante ex­
plodiu diante dos seus olhos. Caiu ao chão. 
Mãos fortes puxaram Michael bem à tempo para longe da janela. O arma­
zém tornou-se um inferno. Com um estrondo violento, o telhado desabou. As 
chamas pularam para o alto triunfantes e lamberam as paredes externas, quei­
mando, e consumindo tudo, avidamente. 
Levem o velho para longe daqui! - gritou o capitão através da fumaça 
1 3 
e do cheiro. Todos recuaram. Michael, suspenso nos ombros de um homem, 
estava balbuciando e soluçando, incoerentemente. O capitão mal podia com­
preender suas palavras: 
- Falhei... falhei... preciso voltar. Por favor ... por favor ... preciso vol­
tar ... agora ... por favor ... 
Levaram Mlchael para o hospital . Seu estado era grave. Além das queima­
duras e da sufocação pela fumaça, havia sofrido um pequeno ataque cardíaco. 
E até a noite seguinte, continuou em delírio. 
Antes da queda de Nanquim, foi retirado às escondidas para fora da cida­
de por um fiel capitão da polícia e alguns paroquianos. Dirigiram-se para no­
roeste, mal conseguindo escapar à rede japonesa que se apertava. 
No dia 14 de dezembro, o Alto Comando Japonês despejou 50.000 dos 
seus soldados sobre a cidade com ordens de matar todas as pessoas vivas. A 
cidade transformou-se num matadouro. Legiões de homens e mulheres foram 
usadas para exercícios de baioneta e metralhadora. Outras foram queimadas 
vivas ou cortadas lentamente em pedaços. Filas de crianças foram decapitadas 
por oficiais samurais, que gingavam, competindo para ver quem podia cortar 
mais cabeças com um único golpe de espada. Mulheres foram violentadas por 
esquadras inteiras c depois mortas. Fetos foram retirados vivos dos úteros, re­
talhados e atirados para alimentar os cães. 
Mais de 42.000 pessoas assassinadas. A morte envolveu Nanquim como 
fizera com todo o delta do Yangtzé. Animais e colheitas morreram e apodre­
ceram nos campos. 
Foi como se o espírito com o qual Michael se envolvera no microcosmo 
da horrível casa mortuária de Thomas Wu, nos subúrbios de Nanquim, - "o 
Senhor Cósmico da Morte" - houvesse sido solto sobre todas as terras. Aigu­
ma ruindade especial estava de rédeas soltas, estampando-se (lm centenas de 
milhares com o ferrão da autoridade absoluta e irresistível nos anos de guerra 
que abalaram o mundo. A morte era a arma mais forte. Resolvia todas as 
questões sobre quem era o senhor. Reclamando a todos como suas vítimas, 
nivelando a todos. Na guerra, quando a morte é a vencedora, tentava-se tê-la 
do próprio lado. 
De volta a Hong-Kong, para onde Michael foi levado, finalmente, no fim 
do verão de 1938, após uma viagem consideravelmente desviada, os realistas 
sabiam que era uma questão de tempo até que os vencedores japoneses tomas­
sem tudo. 
No Natal de 1941, Hong-Kong tomou-se possessão japonesa. Durante os 
anos de ocupação Michael viveu tranqüilamente em Kowloon, ensinando um 
pouco nos colégios e fazendo algum trabalho pastoral. Ele demorou a se re­
cuperar. 
Durante esse tempo, todos estavam sob tensão. O alimento era escasso. 
14 
A hostilização pelos ocupantes japoneses era extrema. Todos viviam na cer· 
teza de que, salvo milagres, se os japoneses tivessem que evacuar a cidade, 
massacrariam a todos; e, se ficassem, matariam igualmente a todos que não 
pudessem escravizar. 
Apesar disso, Michael suportou todas as privações físicas com mais fa­
cilidade do que os outros à sua volta. Sofreu mais dois ataques cardíacos du· 
rante a ocupação japonesa, mas estes não abateram seu espírito em nenhum 
sentido. Não sentiu, como os seus colegas, a incerteza intolerável, a tensão de 
esperar pela morte nas m!os dos japoneses ou pela libertação pelos Aliados. 
Como alguns dos seus amigos notaram, seus sofrimentos não eram em seu cor­
po, mente ou imaginação. Voltara do interior da China ferido de uma forma 
que nem descanso, nem comida, ou atenção desvelada podiam curar. 
Para os poucos que conheciam sua história, estava claro que pagara 
apenas parte do preço como exorcista. Contou-lhes francamente a respeito 
desse preço. E do seu fracasso. Sabia, todos sabiam, teria que liquidar seu 
débito mais cedo ou mais tarde. 
O esperado credor fascinava Michael, estava sempre em sua mente. Assim, 
pouco antes do ténnino da ocupação japonesa em Hong-Kong, ele e um amigo 
observavam uma esquadrilha de bombardeiros americanos passar imperturbá· 
vel como pássaros encantados através de uma chuva de fogo anti-aéreo japonês. 
Soltar suas cargas de bombas e depois sumir incólume sobre o horizonte. En­
quanto as explosões e incêndios no porto continuavam, Michael resmungou: 
Por que a morte produz o barulho mais alto e o incêndio mais brilhan-
te? 
Algumas semanas mais tarde, uma luz feita pelo homem, mais brilhante 
do que o sol, cresceu como um cogumelo sobre Hiroshima. Um novo recorde 
humano: mais pessoas foram mortas e aleijadas por esta única aç!o do que 
por qualquer outra registrada na história da humanidade. 
Fiquei sem ter notícias de Michael por alguns anos - ou do preço espe­
cial que pagou dia após dia até a sua morte, pela derrota naquele estranho 
exorcismo em Puh-Chi. 
15 
Manual Resumido 
do Exorcismo 
A recente e vasta publicidade sobre o Exorcismo acentuou a situação do 
possesso como um novo gênero de f!lrne de horror. A essência do mal perde-se 
nos efeitos cinematográficos. E o exorcista, que se arrisca mais do que qual­
quer outro num exorcismo, passa rapidamente pela tela como necessário, mas 
afinal, não tão interessante quantos os efeitos sonoros. 
A verdade é que todos três - o possesso, o espírito que o possui e o exor­
cista - apresentam uma relaçio íntima quanto à realidade da vida e ao seu 
sentido como todos nós a experimentamos em cada e em todos os dias. 
A possessão não é um processo mágico. Os espíritos sio reais; na verdade, 
os espíritos siro a base de toda a realidade. A "realidade" niro só seria maçante 
sem espírito; mas nio teria absolutamente nenhum sentido. Nenhum f!lrne de 
horror pode sequer começar a captar o horror de uma tal visio: um mundo 
sem espírito. 
O Espírito Maligno é pessoal e inteligente. :e sobrenatural,no sentido de 
t[Ue não pertence a este mundo material, mas está neste mundo material. E o 
E.�pírito Maligno assim como o bom, progride segundo as linhas de nossas vi­
das diárias. Por meios absolutamente normais o espírito usa e influencia nos­
ms pensamentos, atos e costumes diários e, na verdade, todos os elementos 
t[IIC constituem a trama da vida em qualquer momento ou lugar. A vida con­
lcmporânea nio é nenhuma exceçio. 
Comparar o espírito com os elementos de nossas vidas e do nosso mundo 
material, que ele pode manipular e algumas vezes o faz para os seus próprios 
tlcslgnios, é um engano fatal, porém cometido muitas vezes. Ruídos sobrena­
lurais podem ser produzidos pelo espírito - mas o espírito nio é o ruído 
mhrcnatural. Pode-se fazer objetos voarem através de uma sala, mas a teleci­
n6sia não é mais espírito do que o objeto material que foi deslocado. Um 
homem cuja história é contada neste livro cometeu o engano de discordar, e 
•1uase pagou com a vida quando teve que enfrentar o erro que havia cometido. 
O exorcista é a peça central de todo exorcismo. Dele depende tudo. Ele 
nada tem a ganhar pessoalmente. Mas em cada exorcismo ele arrisca literal­
mente tudo a que dá valor. O exemplo de Michael Strong foi extremo no sen­
tido da sorte que espera o exorcista. Mas todo exorcista tem que se engajar 
numa confrontação individual, pessoal e amarga, com a maldade pura. Uma 
vez iniciado, o exorcismo não pode ser interrompido. Sempre houve e haverá 
um vencedor e um vencido. Não importa qual o resultado, o contato é, em 
parte, fatal para o exorcista. Ele tem que concordar com uma pilhagem hor­
rível e irreparável do seu ego mais profundo. Alguma coisa nele morre. Algu­
ma parte da sua humanidade definhará em conseqüência deste contato 
íntimo com o oposto de toda a humanidade- a essência do mal; e esta é rara­
mente revitalizada se é que alguma vez o foi. Nenhuma compensação lhe será 
dada por sua perda. 
Este é o preço mínimo que o exorcista paga. Se perder a luta com o Es­
pírito Maligno, sofrerá mais uma penalidade. Poderá ou não jamais realizar 
outra vez o rito do Exorcismo, mas terá que enfrentar e vencer finalmente o 
espírito maligno que o repeliu. 
A investigação que pode levar ao Exorcismo começa, geralmente, porque 
o comportamento de uma pessoa - ocasionalmente uma criança - é levado 
ao conhecimento das autoridades da Igreja pela família ou por amigos. Muito 
raramente uma pessoa possessa se apresenta espontaneamente. 
As histórias contadas nestas ocasiões são dramáticas e dolorosas: estra­
nhas doenças físicas acometem o possesso; acentuada perturbação mental; 
repugnância óbvia a todos os sinais, símbolos, menção e visão de objetos, 
lugares, pessoas e cerimônias religiosas. 
Muitas vezes, a família ou os amigos comunicam que a presença da pessoa 
em questão é marcada pelos assim chamados fenômenos psíquicos: objetos 
voam pela sala; papéis de parede são arrancados; os móveis racham-se; as lou­
ças se quebram; há barulhos estranhos, silvos e outros ruídos sem nenhuma 
fonte aparente. Muitas vezes a temperatura da sala na qual o possesso está 
cai vertiginosamente. Ou ainda, um mal cheiro acre e distinto acompanha a 
pessoa. 
As transformações físicas violentas parecem tomar as vidas dos possessos 
uma espécie de inferno na terra. Seus processos normais de secreção e elimi­
nação ficam saturados de restos e exageros inexplicáveis. Sua consciência 
parece completamente colorida pelo sépia violento da revulsão. Os reflexos 
algumas vezes se tornam esporádicos ou anormais, outras vezes desaparecem 
por algum tempo. A respiração pode parar por períodos prolongados. As 
batidas do coração são difíceis de perceber. O rosto fica estranhamente defor­
mado, algumas vezes, também, anormalmente tenso e liso, sem a menor linha 
ou ruga. 
18 
Quando um caso desses é levado à atençã'o das autoridades da Igreja, o 
primeiro problema e central que tem que ser sempre verificado é: a pessoa 
está realmente possessa? 
Henri Gesland, sacerdote e exorcista francês que trabalha hoje em Paris, 
declarou, em 1974 que, de 3.000 consultas desde 1968, "houve apenas quatro 
casos os quaís acredito houve possesslo demoníaca". T.K. Osterreich, por 
outro lado, declara que "a possessa-o tem sido um fenômeno extremamente 
comum, cujos casos abundam na história da religião". A verdade é que um 
censo oficial ou técnico dos casos de possessão jamais foi feito. 
Certamente, muitos que afirmam estarem possessos ou a quem os outros 
assim descrevem são simplesmente vítimas de alguma doença mental ou física. 
Sendo os registros do tempo em que a ciência médica e psicológica não exis­
tiam ou eram muito atrasadas, percebe-se que graves enganos foram cometi­
dos. Uma vítima de esclerose generalizada, por exemplo, foi considerada como 
possessa devido às suas contrações espasmódicas, instabilidade e agonia horrí­
vel na coluna vertebral e articulações. Até bem recentemente, a vítima da 
síndrome de Tourette era o alvo perfeito para a acusaçã'o de "Possesso!": tor­
rentes de profanidades e obscenidades, grunhidos, latidos, pràgas, ganidos, 
bufidos, fungadelas, cacoetes, batidas dos pés, contorções faciais, todos apa­
recem de repente e, da mesma maneira súbita, cessam no paciente. Atualmen­
te, a síndrome de Tourette responde ao tratamento por drogas, e parece ser 
uma doença neurológica envolvendo uma anormalidade química no cérebro. 
Muitas pessoas que sofrem de males e doenças que nos sã'o bastante conheci­
das atualmente tais como paranóia, coréia de Huntington (dança de S. Guido ), 
dislexia, doença de Parkinson, ou mesmo doenças simples da pele (psoriase, 
herpes I, por exemplo) eram tratadas como pessoas "possessas" ou pelo me­
nos como "tocadas" pelo Demônio. 
Atualmente, as autoridades competentes da Igreja insistem sempre em 
exames completos da pessoa levada a elas para Exorcismo, exames esses reali­
l.ados por médicos e psiquiatras qualificados. 
Quando um caso de possessã'o é comunicado por um sacerdote às autori­
dades diocesanas, é trazido o exorcista da diocese. Se nã'o houver nenhum 
exorcista diocesano, é nomeado ou trazido um homem de fora da diocese. 
Algumas vezes o sacerdote que comunica a possessão manda fazer alguns 
exames médicos e psiquiátricos preliminares antes, a fun de abrandar o ceti­
cismo cauteloso que provavelmente encontrará na chancelaria quando apre­
sentar o problema. Quando o exorcista oficial entra no caso, geralmente 
manda fazer a seu critério novos exames completos por especialistas que 
conhece e em cujo julgamento confia. 
Antigamente, para cada diocese da Igreja, um sacerdote era designado para 
a funçã'o de exorcista. Nos tempos modernos, esta prática caiu em desuso, 
principalmente porque a incidência de possessões comunicadas diminuiu 
19 
20 
durante os últimos cem anos. Mas na maior parte das dioceses importantes, 
ainda há um sacerdote designado para esta função - embora raramente ou 
nunca possa exercê-la. Em algumas dioceses, há um acordo particular entre 
o bispo e um dos seus sacerdotes a quem conhece e no qual confia. 
Não há nenhuma nomeaç!fo pública de exorcistas. Em algumas dioceses, 
"o bispo pouco sabe a respeito disso e deseja saber menos" - como num dos 
casos registrados neste livro. Mas independente da forma como chega ao car­
go, o exorcista tem que ter a sanç!fo oficial da Igreja, agirá em caráter oficial, 
e qualquer poder que tenha sobre o Espírito Maligno este só pode provir 
daquelas autoridades que pertencem à substância da Igreja de Jesus, quer se­
jam Católicas Romanas, Ortodoxas Orientais ou Protestantes. Em alguns 
casos o sacerdote diocesano aceita, ele próprio, um exorcismo sem pedir 
licença ao seu bispo, mas todos os que conheço desse tipo fracassaram. 
� um fato reconhecido tanto nos exames antes do exorcismo como 
durante o próprio exorcismo que, de um modo geral, não há nenhuma aberra­
ção ou anormalidade física ou psíquica na pessoa possessa que não possa ser 
explicada por meio de uma causa física conhecidaou possível. Além dos exa­
mes médicos e psicológicos normais, há outras fontes possíveis de diagnóstico. 
Por mais frágeis e experimentais que sejam as descobertas da parapsicologia, 
por exemplo, é perfeitamente possível procurar em suas teorias de telepatia e 
telecinese uma explicação para alguns dos sinais da possessão. A sugestão 
e a sugestibilidade, explicam os modernos psicoterapeutas, podem responder 
por muito mais. 
Apesar disso, com os diagnósticos e opiniões de médicos e psicólogos em 
mão, descobre-se muitas vezes que há uma larga margem de flutuação. Psi­
quiatras competentes discordarão violentamente entre si; na psicologia e 
na medicina, a ignorância das causas é muitas vezes toldada por nomes e jar­
gões técnicos que n!fo passam de termos descritivos. 
No entanto, os relatórios combinados, médicos e psicológicos, são cuida­
dosamente avaliados e geralmente pesam fortemente no julgamento final no 
sentido de realizar ou não o. exorcismo. Se, segundo esses relatórios, há uma 
doença ou mal definido que responda adequadamente pelo comportamento 
e sintomas do paciente, o Exorcismo geralmente é cancelado, ou pelo menos 
adiado para permitir um período de tratamento médico ou psiquiátrico. 
Mas, fmalmente, com os relatórios em mãos e todas as provas reunidas, 
as autoridades da Igreja julgam a situação segundo um ponto de vista especial, 
constituído da própria visão profissional. 
Acreditam que há um poder invisível, um espírito do mal; e que este 
espírito pode, por motivos obscuros, tomar posse de um ser humano; que 
o espírito do mal pode e deve ser expulso- exorcizado- da pessoa possessa; 
e que este exorcismo só pode ser feito em nome e pela autoridade e poder de 
Jesus de Nazaré. O exame, do ponto de vista da Igreja, é tão rigoroso em sua 
husca quanto qualquer exame médico ou psicológico. 
Nos registros do Exorcismo Cristão, remontando tanto no tempo quanto 
ao do próprio Jesus, uma revulsão aos símbolos e verdades da religião é sem­
pre e sem exceção uma marca da pessoa possessa. Na verificação de um caso 
de possessão pelas autoridades da Igreja, este "sintoma" de revulsão é triangu­
lado com outros fenômenos físicos freqüentemente associados à possessão­
o fedor inexplicável; temperatura de gelar; poderes telepáticos em relação a 
questões puramente religiosas e morais·; uma pele peculiarmente sem rugas, 
completamente lisa ou esticada, deformação fora do comum do rosto, ou 
outras transformações físicás ou do comportamento; "gravidade possessa" 
(a pessoa possessa se torna fisicamente inamovível, ou as que estão em volta 
do possesso ficam presas ao chão por uma pressão sufocante); levitação (o 
possesso ergue-se flutua acima do chão, cadeira ou cama; n!fo há nenhum 
apoio fisicamente perceptível); destruição violenta de móveis, abertura e 
fechamento violento e constante de portas, dilaceração de tecidos nas proxi­
midades do possesso, sem o contato da mão; e assim por diante. 
Quando esta triangulação é constituída dos vários sintomas que podem 
ocorrer em qualquer caso determinado, e os diagnósticos médicos e psiquiá­
tricos são inadequados para cobrir toda a situação, a decisão recairá na ten­
tativa de exorcismo. 
Nunca houve, pelo que sei, uma lista oficial de exorcistas juntamente 
cnm suas biografias e características, portanto não podemos satisfazer nosso 
anseio moderno por um perfil, digamos, do "exorcista típico". Podemos, 
l:ontudo, dar uma definição razoavelmente clara do tipo de homem a quem 
l• confiado o exorcismo de uma pessoa possessa. Geralmente estará engajado 
IHl ministério ativo das paróquias. Raramente é um tipo erudito, dedicado 
ao ensino ou às pesquisas. Raramente é um sacerdote recentemente ordenado. 
Se há alguma idade média para os exorcistas, essa está provavelmente entre as 
1dades de cinqüenta e sessenta e cinco anos. Saúde sólida e robusta não é 
característica dos exorcistas, nem o brilho intelectual reconhecido, diplomas 
de pós-graduação, mesmo em psicologia ou filosofia, ou uma cultura pessoal 
muito sofisticada. Na experiência deste autor, os 1 5 exorcistas que ele conhe­
l·cu pecavam singularmente pela falta de uma imaginação intensa ou rico trei­
uamento humanístico. Eram todos homens sensíveis, de mentes mais sólidas 
do que brilhantes. Embora, haja, naturalmente, muitas exceções, os motivos 
hahituais para um sacerdote ser escolhido são as suas qualidades de julga­
mento moral, comportamento pessoal, e crenças religiosas - qualidades que 
u;[o são sofisticadas ou laboriosamente adquiridas, mas que de alguma forma 
parecem sempre constituir uma parte fácil e natural em tais homens. Religio­
samente falando, estas são qualidades associadas a uma graça especial. 
2 1 
Não há nenhum treinamento oficial para ser cxon.:ista. Antes de um sa­
cerdote praticar o Exorcismo, acha-se aconselhável - mas nem sempre possí­
vel ou prático - que ele assista a exorcismos praticados por um sacerdote 
mais velho e já experiente. 
Uma vez verificada a possessã'o a contento do exorcista, ele toma o resto 
das decisões e cuida de todos os preparativos necessários. Em algumas dioce­
ses, é ele quem escolhe o padre assistente. A escolha dos assistentes leigos e 
do momento e lugar do exorcismo sã'o também de sua responsabilidade. 
O lugar escolhido, geralmente, é a casa da pessoa possessa, porque, via de 
regra, só os parentes ou amigos mais íntimos proporcionarão cuidados e amor 
necessários nas circunstâncias horríveis associadas à possess!fo. O próprio 
cômodo escolhido tem muitas vezes alguma significação especial para a pessoa 
possessa, sendo, com freqüência, o próprio quarto ou um esconderijo do pos­
sesso. Neste sentido, um aspecto da possessão e do espírito toma-se aparente: 
a ligação íntima entre o espírito e a localização física. A charada do espírito e 
do lugar se faz sentir de muitas maneiras e afeta virtualmente todos os exor­
cismos. Há uma explicação teológica para isso. Mas o fato de haver uma rela­
ção entre o espírito e o lugar deve ser encarado como um fato. 
Uma vez escolhido o local onde o exorcismo será feito, este é esvaziado 
o mais possível de qualquer coisa que possa ser removida. Durante o exorcis­
mo, uma forma de violência pode e muitas vezes faz com que qualquer 
objeto, leve ou pesado, mova-se de um lado para o outro, balance-se para a 
frente e para trás, roce de leve ou voe pelo cômodo, faça muito barulho, atin­
ja o sacerdote, o possesso ou os assistentes. Não é raro as pessoas saírem de 
um exorcismo com ferimentos físicos graves. Tapeçarias, tapetes, quadros, cor­
tinas, mesas, cadeiras, caixas, malas, roupas de cama, escrivaninhas, candela­
bros, todos são removidos. 
As portas muitas vezes se abrem e fecham com forçl'incontrolável, mas, 
como o exorcismo pode demorar dias, as portas nã'o podem ser pregadas ou 
trancadas com segurança especial. Por outro lado, o vão da porta deve ser co­
berto; do contrário, como demonstra a experiência, a força física libertada 
dentro do cômodo afetará as pessoas do outro lado da porta. 
As janelas são fechadas firmemente; algumas vezes serão pregadas com 
tábuas impedindo objetos voadores de arrombá-las e evitando acidentes mais 
extremos (as pessoas possessas podem tentar atirar-se por elas; as forças físicas 
algumas vezes atiram os assistentes ou o exorcista em direção às janelas). 
Uma cama ou sofá, eventualmente, são deixados no quarto (ou colocados 
lá se necessário), e nele é colocada a pessoa possessa. Uma pequena mesa é 
necessária. Sobre ela são colocados um crucifixo, com uma vela de cada lado, 
água-benta e um livro de orações. Pode haver também a relíquia de um santo 
ou um quadro considerado especialmente sagrado ou importante pelo posses­
so. Nos últimos anos, tanto nos Estados Unidos como no estrangeiro, cada 
22 
vc1. mais, usa-se também um gravador. Ele é colocado no chão, numa gaveta, 
ou, se não for muito pesado, em volta do pescoço de um assistente. 
Um padre mais moço, amigo do exorcista, costuma ser indicado pelas au­
toridadesdiocesanas. Estará, ao mesmo tempo, fazendo seu treinamento 
como exorcista. Ele controla as palavras e atos do exorcista, avisa-o se estiver 
cometendo um engano, ajuda-o se ficar fisicamente fraco, e substitui se ele 
morrer, fugir, desmaiar, for abatido física ou emocionalmente além da resis­
tência - ou durante os exorcismos. 
Os outros assistentes sã"o leigos. Deverá haver um médico entre eles devi­
do ao perigo de tensão para todos os presentes, de choque ou ferimentos. O 
número de assistentes leigos dependerá da expectativa de violência pelo exor­
cista. Quatro é o número habitual. Naturalmente, nas áreas remotas do inte­
rior ou nas missões cristãs muito isoladas, e algumas vezes em grandes centros 
urbanos, há problema nesse sentido. Simplesmente não há nenhum disponí­
vel, ou não há tempo de conseguir alguém. O exorcista tem que fazer tudo 
sozinho. 
O exorcista conhece, pela experiência, o que pode esperar no sentido de 
um comportamento violento; e, para seu próprio bem, as pessoas possessas 
precisam ser contidas fisicamente durante certos momentos do exorcismo. Os 
assistentes, portanto, devem ser fisicamente fortes. Além disso, deve haver 
uma camisa de força à mão, embora tiras de couro ou cordas sejam usadas 
nais comumente. 
Compete ao exorcista se certificar de que os assistentes não estejam cons­
·ientemente culpados de pecados por ocasião do exorcismo, porque eles 
:mnbém podem esperar ser atacados pelo espírito maligno. Embora nã"o tão 
diretamente ou constantemente como o próprio exorcista, qualquer pecado 
será usado como arma. 
O exorcista deve certificar-se o mais possível de que seus assistentes não 
11carão enfraquecidos ou dominados por comportamento obsceno ou lingua­
�em suja além de sua imaginaçã"o; eles não podem empalidecer diante de san­
r.ue, excremento, e urina; devem ser capazes de suportar insultos pessoais 
horríveis e estarem preparados para ter os seus segredos mais íntimos gritados 
em público diante de seus companheiros. Estes acontecimentos são rotineiros 
durante os exorcismos. 
São dadas aos assistentes três regras fundamentais: terão que obedecer as 
ordens do exorcista imediatamente e sem discussão, nã"o importa quão absur­
das ou antipáticas possam parecer; não deverão tomar qualquer iniciativa ex­
ceto quando ordenado; e nunca falar com a pessoa possessa, mesmo através 
tle exclamações. 
Mesmo com todo o cuidado do mundo, nã"o há nenhum meio do exorcis-
ta preparar completamente seus assistentes para o que os espera. Embora não 
l'stejam sujeitos ao ataque direto e constante a que o sacerdote será submeti-
23 
do, não é fora do comum assistentes saírem - ou serem retirados para fora -
no meio de um exorcismo. Um exorcista experiente chega mesmo a fazer 
alguns exercícios de exorcismo com antecedência, baseado na velha teoria 
de que um homem prevenido vale por dois - pelo menos até certo ponto. 
A oportunidade de um exorcismo é ditada pelas circunstâncias. Normal­
mente há uma sensaçã'o de urgência para se começar o mais cedo possível. 
Todos os envolvidos devem ter um programa aberto. Um exorcismo, raramen­
te, dura menos de algumas horas - o mais comum está entre dez a doze 
horas. Algumas vezes, estende-se por dois ou três dias. Em certas circunstân­
cias prolonga-se por semanas até. 
Uma vez começado, exceto em raríssimas ocasiões, não há nenhum mo­
mento de folga, embora uma ou outra pessoa presente possa deixar o quarto 
por alguns momentos, para se alimentar, descansar rapidamente, ou ir ao 
banheiro. (Um exorcismo estranho, onde há um momento de folga é descrito 
neste livro. O sacerdote envolvido teria preferido mil vezes continuar o exor­
cismo do que sofrer a violência louca causadora do atraso.) 
A única pessoa num exorcismo que se veste de maneira especial é o exor­
cista e o seu padre assistente. Cada um usa uma longa batina preta que o 
cobre do pescoço aos pés. Sobre ela há uma sobrepeliz branca até a cintura. 
Uma estola roxa é usada em volta do pescoço e pende frouxamente ao longo 
do tronco. 
Normalmente, o padre assistente e os assistentes leigos preparam o quarto 
do exorcismo segundo as instruções do exorcista. Eles e o exorcizado estã'o 
prontos no quarto quando o exorcista entra sozinho e por último. 
Não há nenhum dicionário de Exorcismo; e nã'o há nenhum manual ou 
conjunto de regras, nenhum Baedeker1 do Espírito Mali«!10 para seguir. A 
Igreja fornece um texto oficial para o Exorcismo, mas é simplesmente uma 
estrutura. Pode ser lido, em voz alta, em 20 minutos. Fornece, simplesmente, 
uma fórmula de palavras juntamente com certas orações e atos rituais, de 
forma que o exorcista tenha uma estrutura preparada previamente por meio 
da qual se dirigir ao espírito maligno. Na realidade, a conduta de um exorcis­
mo é deixada em grande parte sob a orientação do exorcista. 
No entanto, qualquer exorcista experiente com quem falei concorda 
que há um progresso geral através de fases reconhecíveis num exorcismo, por 
mais que elas possam demorar. 
Um dos mais experientes que conheci e que foi realmente o mentor do 
exorcista do primeiro caso relatado neste livro, deu nomes às várias fases ge­
rais do exorcismo. Estes nomes refletem o sentido, efeito ou intenção geral do 
que está acontecendo, mas não os meios específicos usados pelo espírito 
1 NT - Coleção de guias turísticos do mundo inteiro editados por Karl Baedeker. 
24 
maligno ou pelo exorcista. Conor, como o chamo, falou de Presença, Simula­
ção, Ponto de Ruptura, Voz, Owque, e Expulsão. Os acontecimentos e fases 
que estes nomes significam ocorrem em 9 de cada 1 O exorcismos. 
Desde o momento em que o exorcista entra no quarto, uma sensaçã"o pe­
culiar parece pairar no próprio ar. A partir desse momento, em qualquer 
exorcismo genuíno, e daí por diante enquanto durar, todos no quarto ficam 
conscientes de uma Presença estranha. Este sinal indubitável da possessão é 
tão inexplicável e inconfundível quanto inevitável. Todos os sinais de pos­
sessão, por mais espalhafatosos ou grotescos, por mais sutis ou discutíveis que 
sejam, parecem não só· empalidecer diante desta Presença como serem condu­
zidos por ela. 
Não há nenhum vestígio físico seguro da Presença, mas todos a sentem. � 
preciso experimentá-la para conhecê-la; nã'o se pode localizá-la espacialmente 
ao lado, acima ou dentro do possesso, ou adiante no canto ou debaixo da 
cama ou pairando em pleno ar. 
Em certo sentido, a Presença não está em lugar algum, e isto aumenta o ter­
ror, porque há uma presença, um outro presente. Não um "ele", uma "ela" ou 
uma "coisa". Algumas vezes, julga-se que o que está presente é singular, outras 
vezes plural. Quando fala, à medida que o exorcismo progride, refere-se cer­
tas vezes a si mesmo como "eu" e outras como "nós", usará "meu" e "nosso" 
Invisível e intangível, a Presença se agarra à humanidade das pessoas reu­
nidas no quarto. Pode-se exercitar a lógica e expelir qualquer imagem mental 
dela. Pode-se dizer intimamente: "Estou apenas imaginando isto. Tenha cui­
dado! Não entre em pânico!" E pode haver um alívio momentâneo. Mas 
depois, após um intervalo de tempo de poucos segundos, a Presença volta 
como um chiado inaudível no cérebro, como uma ameaça sem palavras ao eu 
que somos. Seu nome e essência parecem ser compostos de ameaça, de ser 
apenas e intensamente maléfico, concentradamente decidido ao ódio pelo 
ódio e na destruição pela destruição. 
Nas fases iniçiais de um exorcismo, o espírito maligno tentará sempre 
"esconder-se atrás" do possesso, por assim dizer - tentará parecer como uma 
única e mesma pessoa e personalidade que a sua vítima. Isto é a Simulação. 
A primeira tarefa d o sacerdote é acabar com essa Simulação, forçar o 
espírito a se revelar abertamente, distinto do possesso - dizer o seu nome, 
porque todos os espíritos pos-suidores sll'o chamados por um nome que geral­
mente (embora nem sempre) está relacionado com a maneira pela qual esse 
espírito opera em sua vítima 
Quando o exorcista começa o seu trabalho,o espírito maligno pode per­
manecer totalmente silencioso; ou ainda falar com a voz do possesso, e usar 
experiências e lembranças do possesso. Isto é feito muitas vezes e habilmente, 
usando detalhes que ninguém senão o possesso pode conhecer. Pode desarmar 
a todos e inspirar muita pena. Fazer com que todos, inclusive o sacerdote, 
25 
sintam que o próprio exorcista é o vilão, sujeitando uma pessoa inocente a 
rigores terríveis. Até os maneirismos e características do possesso são usados 
pelo espírito para sua camuflagem. 
Certas vezes o exorcista leva dias para conseguir destruir a Simulação. 
Mas até que o faça, nãó pode levar a questão a uma fase decisiva. Se de qual­
quer modo deixar de destruí-la, terá perdido. Talvez outro exorcista que o 
substitua tenha sucesso. Mas ele terá sido derrotado. 
Todo exorcista fica sabendo durante a Simulação que está enfrentando 
alguma força ou poder que é, em certas ocasiões, intensamente astuta, supre­
mamente inteligente, e em outras, capaz de uma estupidez crassa (o que faz 
pensar-se melhor sobre o problema do singular ou plural); e é tão altamente 
perigosa quanto drasticamente vulnerável. 
Por estranho que pareça, embora este espírito, poder ou força conheça 
alguns dos maiores segredos e detalhes íntimos das vidas de todos os presen­
tes no quarto, ao mesmo tempo demonstra também falhas no conhecimento 
de coisas que podem estar acontecendo em qualquer momento determinado 
com os presentes. 
Mas o sacerdote nunca deve se deixar acalentar pelas pequenas vitórias ou 
correr riscos na esperança de que seja cometida alguma estupidez. Deve estar 
pronto para ter os seus próprios pecados, erros e fraquezas despertados em 
sua mente ou gritados vergonhosamente para todos ouvirem. Não deve pedir 
desculpas pelo seu passado ou se deixar abater mesmo quando as suas lem­
branças mais encantadoras forem remexidas pela sujeira e desprezo mais 
degradante; não deve se deixar desviar de maneira nenhuma da intenção prin­
cipal de libertar a pessoa possessa diante dele. Deve evitar a todo custo trocar 
desaforos ou entrar em qualquer discussão lógica com o possesso. A tentação 
de fazer isso é mais freqüente do que se pode pensar, e deve ser considerada 
como uma armadilha potencialmente fatal que pode acabar com o exorcis­
mo, assim como destruir literalmente o exorcista. 
Em conseqüência, quando a Simulação começa a ser destruída, o com­
portamento do possesso geralmente aumenta em violência e repugnância. 
Como se um poço invisível fosse aberto, e dele escorresse o imencionavelmen­
te desumano e o humanamente inaceitável. Há uma torrente de sujeira e injú­
rias incontidas, acompanhadas muitas vezes de violência física, contorções, 
ranger de dentes, pulos e, algumas vezes, ataques físicos ao exorcista. 
Uma nova fase da conduta surge quando se aproxima o Ponto de Ruptu­
ra, introduz-se então um dos sofrimentos mais sutis que o exorcista deve 
suportar: a confusão. Confusão completa e horrível. Raro é o exorcista que 
não vacile, um mínimo ao menos neste momento, emaranhado na dor pecu­
liar da contradição aparente de todos os sentidos. 
Seus ouvidos parecem sentir o cheiro das palavras sujas. Seus olhos pare­
cem ouvir ruídos ofensivos e gritos obscenos. Seu nariz parece sentir o gosto 
26 
de uma cacofonia em altos decibéis. Cada sentido parece estar registrando o 
que devia ser feito pelo outro. Cada nervo e tendão dos espectadores e partici­
pantes torna-se rígido enquanto se esforçam para controlá-los. O pânico -o 
medo de ser dissolvido na insanidade -percorre em pontadas rápidas o corpo 
de todos os presentes. Todos sofrem este ataque cada vez mais violento e 
perturbador. Mas o exorcista é o único que enfrenta a tempestade. Ele é o 
alvo direto de tudo isso. 
O Ponto de Ruptura é atingido no momento em que a Simulação entrar 
fmalmente em colapso total. A voz do possesso n!ío é mais usada pelo espíri· 
to, embora a nova voz estranha, possa ou nã'o sair da boca da vítima. No ca­
so de Thomas Wu, a voz estranha saiu da boca do possesso; razão pela qual o 
capitão da polícia ficou ta:o espantado. O som produzido, muitas vezes não é 
sequer remotamente parecido com qualquer som humano. 
No Ponto de RuptUI'a, o espírito fala pela primeira vez, do possesso na 
terceira pessoa, como um ser distinto. Pela primeira vez, o espírito possuidor 
age pessoalmente e fala de "eu" o� "nós", alternadamente, e de "meu" e 
"nosso" ou "minha" e "nossas". 
Outro sinal muito freqüente de que o Ponto de Ruptura foi atingido é o 
aparecimento do que o Padre Conor chamou de Voz. 
A Voz é uma babei extravagante, perturbadora e humanamente aflitiva. 
As primeiras sílabas parecem ser as de uma palavra pronunciada vagarosa e 
pastosamente - um pouco parecido com uma fita tocada numa rotação mais 
baixa. Esforçamo-nos para entender a palavra e uma camada fria de medo já 
se apoderou de nós -sabe-se que este som é estranho. Mas a nossa concentra­
çao é destruída e frustrada por uma gama imediata de ecos, de vozes minús­
culas, pungentes, ecoando cada süaba, gritando-a, cochichando-a, dizendo-a, 
rindo em tom zombeteiro, gemendo, por fim. Todos estes chegam ao ouvido, 
enquanto a voz estranha continua, sem pressa, na sílaba seguinte, que tenta­
mos então apreender, enquanto pensa-se na primeira que se perdeu. A essa 
altura, as vozes minúsculas e pungentes emparelharam com essa segunda sí­
laba; e a voz continuou para a terceira sílaba; e assim por diante. 
Para o exorcismo continuar, a Voz tem que ser silenciada. É preciso um 
·norme esforço de vontade por parte do exorcista, em confronto direto com a 
vontade estranha do mal, para silenciar a Voz. O sacerdote deve se controlar 
desafiar o espírito primeiro a silenciar e depois a identificar-se inteligi· 
vdmente. 
Como em todas as coisas a fazer no Exorcismo do Espírito Maligno, o 
'at:crdote faz este desafio com sua própria vontade, mas sempre em nome e 
pl'la autoridade de Jesus e sua Igreja. Fazer isso em seu próprio nome ou no 
•lt• alguma autoridade imaginada seria chamar o desastre para si. O poder 
humano simplesmente, sozinho e sem auxílio, não pode enfrentar o sobrena-
27 
tural. (É preciso lembrar que quando falamos do sobrenatural, não estamos 
falando do que é conhecido como poltergeist1 .) 
Neste ponto, geralmente, e quando a Voz desaparece, uma pressão tre­
menda de um tipo obscuro afeta o exorcista. Este é o primeiro limite e o mais 
externo de um embate direto e pessoal com a "vontade do Reino", o Choque. 
Todos nós sabemos, pela nossa própria experiência, que não pode haver 
nenhuma luta de vontades pessoais isoladas sem que se sinta e haja um conta­
to intuitivo entre duas pessoas. Há uma comunicação nos dois sentidos tão 
real como uma conversa usando palavras. O Choque é o âmago de uma co­
municação especial e horrível, o núcleo deste combate singular de vontades 
entre o exorcista e o Espírito Maligno. 
Por mais penoso que seja, o sacerdote tem que procurar o Choque. Tem 
que provocá-lo. Se nlro conseguir terçar vontades com a coisa ruim e forçar 
essa coisa a terçar sua vontade em oposição à sua própria, então o exorcista 
está derrotado. 
A questão entre os dois, o exorcista e o espírito possuidor, é simples. O 
totalmente anti-humano invadirá e assumirá o comando? Irá ele, indesejável 
e implacável, ressudar sobre aquela beirada estreita onde o exorcista mantém 
seu terreno sozinho, e engolfá-lo? Ou irá ele, contra a vontade, sob protesto, 
debaixo de uma coaçlro maior do que sua vontade, com um só objetivo, 
parar, identificar, ceder, retirar-se, desaparecer, e ser volatilizado de volta 
para dentro do buraco desconhecido do ser, onde homem algum jamais dese­
ja ir? 
28 
Mesmo com toda a pressão sobre ele, e em total agonia humana, se o 
exorcista chegou até este ponto, deve continuar a insistir. Ele obteve uma 
vantagem. Já forçou o espírito maligno a se externar por conta própria. Se 
nlro tiver conseguido isso até agora, deve forçá-lo finalmente a dar seu nome. 
Depois,segundo alguns exorcistas, devem procurar obter o máximo de infor­
mações que puderem. Porque de alguma maneira particular, verificam os 
exorcistas, quanto mais um espírito maligno é forçado a !l revelar no Choque 
e identificar seus resultados, mais certa e fácil será a Expulsão quando chegar 
o momento. Forçar uma identificaçã'o o mais completa possível é talvez a 
marca do domínio de uma vontade sobre a outra. 
É de interesse decisivo especular sobre a violência provocada pelo Exor­
cismo - as lutas físicas e mentais tiro extremas que podem trazer a morte. 
Por que o espírito luta tanto? Por que não ir embora e evolar-se invisivel­
mente para alguma outra pessoa ou lugar? Pois o próprio espírito parece so­
frer nestes com bates. 
NT - Palavra alemã que designa um fantasma barulhento, geralmente nocivo, res­
ponsável pelos ruídos inexplicados. 
Repetidas vezes, em exorcismo após exorcismo, acontece essa coisa curio­
sa relacionada ao espírito e ao lugar, a estranha charada mencionada anterior· 
mente em relação ao cômodo escolhido para o exorcismo. Quando Jesus ex­
pulsou os espíritos imundos, esses espíritos demonstraram preocupação para 
onde poderiam ir. Em registro após registro, bem como em vários exorcismos 
contados neste livro, os espíritos possuidores queixam-se; lamentando e per­
guntando aflitos: "Para onde iremos?" "Nós também temos que ter a nossa 
casa." "Até o Ungido nos deu um lugar com os porcos." "Aqui ... não pode­
mos ficar mais aqui." 
Tendo o Espírito Maligno enC'ontrado um lar com um anfitrião que o 
aceite, não parece desistir do seu lugar facilmente. Ele arranha, luta, engana 
c se arrisca até a matar seu anfitrião antes de ser expulso. A violência da luta 
depende, provavelmente, de muitas coisas; a inteligência do espírito que se 
enfrenta e o grau de possessão alcançado sobre a vítima são talvez duas delas 
sobre as quais se pode especular. 
O que quer que determine o verdadeiro grau de violência, uma vez o 
exorcista tenha forçado o espírito invasor a se identificar, e resistido ao pri­
meiro ataque sem palavras do Owque, e depois invocado sua condenação 
formal e expulsão pelo rito do Exorcismo, o resultado imediato é geralmente 
uma luta tortuosa além da imaginação, uma violência declarada que ignora 
toda sutileza. 
A pessoa possessa está agora de uma maneira ou de outra obviamente 
consciente do que a possui. Freqüentemente ela se transforma num verdadei­
I o campo de batalha durante grande parte do restante do exorcismo, supor­
tando castigos e tensões inacreditáveis. 
Algumas vezes é possível para o exorcista apelar, diretamente, para a 
pessoa possuída, insistindo com ela para usar uma parcela da sua própria 
vontade ainda livre da influência e controle do espírito, e entrar diretamente 
na luta, ajudando o exorcista. Nesses momentos nenhum animal imobilizado, 
Impotente contra o chão, luta mais pateticamente para evitar que o seu pró­
prio sangue da vida seja bebido por uma crueldade voraz e superior. O próprio 
caráter nauseabundo da aparência e do comportamento da pessoa possessa 
parece ser um sinal do seu desejo de libertação, um sinal desesperado de luta, 
pmva de uma revolta em lugar do que certa vez fora consentimento. 
Cada vez mais o possuidor está sendo forçado a revelar-se, o tempo todo 
a fi rmando a revolta da sua vítima e protestando contra sua própria expulsão. 
1\ violência das contorções e a desfiguração física do possesso podem atingir 
um grau no qual se julgue que ele não possa resistir. 
O exorcista, também, está sujeito ao ataque total agora. Uma vez encurra­
lado, o espírito maligno parece capaz de recorrer a uma inteligência superior, 
ten tará atrair o exorcista para um campo cheio de armadilhas e minado com 
\ l t uações das quais nenhum ser humano pode se desvencilhar. 
29 
Qualquer fraqueza da fé religiosa que ampara o exorcista ou qualquer 
fadiga fará com que a mente do exorcista seja inundada por uma luz terrível 
que ele não pode desviar - luz essa que pode queimar as próprias raízes da 
sua razão e transformá-lo emocionalmente no mais servil dos escravos, deses­
perado para se libertar de toda vida corporal. 
Estes são apenas alguns dos perigos e armadilhas que todos os exorcistas 
enfretam. Sua dor é física, emocional e mental. Ele tem que lidar com o que é 
sobrenatural mas não fascinante; com alguma coisa torta, porém inteligente; 
com uma qualidade às avessas, porém significativa. As características cáusticas 
do pesadelo estão lá com todas as insígnias reais, mas isto não é nenhum 
sonho e não lhe permite nenhum perdão agradecido. 
O exorcista é atacado por um fedor tão forte que muitos começam 
vomitando incontrolavelmente. b submetido à dor física, e sente angústia 
sobre sua própria alma. Fazem-lhe saber que está tocando o imundo com­
pleto, o totalmente desumano. 
Todo sentido pode, de repente, parecer sem sentido. O desespero é con­
firmado como a única esperança. A morte, a crueldade e o desprezo são nor­
mais. Tudo que é gracioso ou bonito é uma ilusão. Nada, parece, jamais foi 
certo no mundo do homem. Ele está num ambiente mais bizarro do que 
Bedlam1 
Se, apesar das suas emoções, sua imaginação e seu corpo - todos presos 
imediatamente à dor e à angústia - se, apesar de tudo isto, a vontade do exor­
cista resistir ao Gzoque, consegue então aproximar-se da sua função fmal, 
nesta situação, como uma testemunha humana autorizada de Jesus. Por meio 
de nenhum poder seu, por conta de nenhum privilégio próprio, manda final­
mente o espírito maligno desistir, se desapossar, partir e deixar a pessoa 
possessa. 
E, se o exorcismo é bem-sucedido, é isto o que acontece. A possessão 
termina. Todos os presentes ficam conscientes de uma mudança à sua volta. A 
sensação da Presença fica total e subitamente ausente. Certas vezes há vozes 
ou outros ruídos que se afastam, outras apenas um silêncio mortal. Algumas 
vezes o então ex-possuído pode estar no fim de suas forças; outras ele acor­
dará como de um sonho, um pesadelo ou uma coma. Algumas vezes a ex-ví­
tima se lembrará bastante daquilo por que passou; outras vezes não se lembra­
rá absolutamente de nada. 
O mesmo não se dá com os exorcistas, durante e depois do seu trabalho 
horrível. Ficam com dúvidas perturbadoras e conflitos amargos que não po­
dem ser contados à família. amigos, superiores ou terapeutas. Seus traumas 
pessoais estão fora do alcance das palavras conciliadoras e mais profundas do 
NT - Nome de um antigo hospício londrino. Manicômio, hospital de alienados. 
30 
que podem alcançar quaisquer idéias consoladoras. Partilham seu castigo com 
ueuhum outro, senão Deus. Mesmo isso tem o seu ferrão peculiar de dificul­
dade, porque é uma partilha pela fé e não pela comunicação face a face. 
Mas só assim estes homens, aparentemente comuns e suas vidas banais, 
perseveram através dos dias de horror silencioso e das noites de vigília por que 
passam durante anos seguidos como preço do sucesso, e como advertências 
pe rmanentes de que, certa vez, outro ser humano foi tomado inteiro, porque 
eles incorreram, voluntariamente, no desagrado direto do ódio vivo. 
As cinco histórias seguintes são casos verdadeiros. As vidas das pessoas 
mencionadas são contadas tomando por base entrevistas extensas com todos 
os principais envolvidos, com muitos de seus amigos e parentes, e com muitos 
outros ligados de maneira secundária aci caso, direta ou indiretamente. Todas 
as entrevistas foram verificadas, independentemente, quanto à precis!o dos 
fatos, sempre que possível. Os exorcismos são reproduzidos das fitas feitas 
na própria ocasião e dos traslados dessas fitas, tendo, necessariamente, recebi­
do cortes por motivo de extensão. Todos os exorcismos registrados aqui dura­
r a m mais de 1 2 horas. 
Escolhi estes cinco casos entre um número maior conhecido e à minha 
drsposição porque, tanto singularmente quanto tomados. em conjunto, consti­
t uem ilustrações dramáticas da maneira pela qual o mal, pessoal e inteligente, 
dt·sloca-se astutamente,segundo as linhas da "moda" e interesses contempo­
l il l reos, e dentro dos limites usuais da experiência de pessoas comuns. Ne­
nhum caso dos séculos quatorze, quinze ou dezesseis, apesar de todo seu pos­
�. r vcl apelo romântico, teria qualquer relevância para nós hoje. Pelo contrário, 
mnstituiria uma simples matéria que nós descartaríamos como sendo fábulas 
ruventadas para satisfazer os receios ou fantasias de pessoas "mais ignorantes" 
dt· épocas "menos sofisticadas". . 
Cada caso apresentado aqui inclui como elemento importante algumas 
. r i r I udes básicas ou populares em nossa própria sociedade. Na pessoa possessa, 
rsso é levado até um limite extremo e assustador. 
No primeiro caso, O Amigo de Zio e a Sorridente, a tônica é de não ha­
vt·r nenhuma diferença essencial entre o bem e o mal, e, em última análise, 
r rt·nhuma diferença entre ser e não ser; de todos os valores estarem sujeitos 
.r pl·nas às preferências pessoais de alguém. 
No O Padre Bones e o Sr. Natch, a dominação pelo Espírito Maligno par­
l ru da idéia constrangedora, que todos os mistérios podem e são resolvidos 
por explicações "naturais" (isto é, racionais, científicas ou quantificáveis) ; de 
qr rt' não pode haver nenhuma relevância para a pessoa moderna em coisa algu­
ma que não possa ser racionalmente compreendida; e de que não pode haver 
rlt'nhuma verdade importante para o homem além do que é racional. 
Em A Virgem e o Consertador de Moças, o combate diz respeito a algu-
3 1 
mas "determinantes" importantes, profundas e misteriosas da nossa própria 
natureza e da nossa sociedade - neste caso, gênero e amor humano. O sacer­
dote que atuou neste caso me disse, alguns meses antes de morrer, em uma 
das conversas mais profundas da minha vida: 
- Uma ave não voa porque tem asas. Ela tem asas porque voa. -Ignora­
remos essa verdade misteriosa em suas aplicações à nossa sexualidade e ao 
nosso gênero apenas para grande perigo nosso, creio eu. 
Em O Tio Ponto e o Jantar de Cogumelos, temos um exemplo do que 
pode estar acontecendo a muitos em nossa sociedade moderna - sem que 
eles percebam e sem que os que estão à sua volta tomem conhecimento dis­
so. Pois parece haver um individualismo, uma interpretação puramente perso­
nalista da vida humana, no estrangeiro, atualmente, que excede de longe os 
limites do que era conhecido como interesse próprio e egoísmo. Isso produ­
ziu, em milhares de pessoas, um comportamento aberrante e excêntrico, ver­
dadeiramente destruidor. 
Em O Galo e a Tartaruga, a confusão fatal (e neste caso, quase literal­
mente fatal) foi entre o espírito e a psique; entre aquelas partes e atributos 
nossos que são quantificáveis e, apesar disso, através dos quais o espírito se 
torna mais facilmente conhecido. Se tudo quanto temos tomado como per­
tencendo ao espírito for confudido como sendo produto da psique humana 
simplesmente, sem nenhum sentido ou importância além de constituir um 
fato, então o amor será confundido com uma interação · química apenas e o 
paradigma do amor está morto. 
Em cada caso, uma nota básica da possessão é a confusão. O sexo é con­
fundido com o gênero. O espírito é confundido com a psique. O valor moral 
é confundido com a ausência de qualquer valor. O mistério é confundido com 
a falsidade. E, em todos os casos, o argumento racional é usado, não para es­
clarecer, mas como uma armadilha, para aumentar a confusão e alimentá-la 
como arma importante contra o exorcista. A confusão, parece, é a arma prin­
cipal do mal. 
Há muito mais a ser observado e dito sobre o sentido da possessão. Nem 
tudo pode ser abrangido num único volume. Mas a possessão e o Exorcismo 
não são eles próprios simples "coqueluches" sem nenhum interess•além do 
bizarro e do significativamente assustador. São expressões tangíveis da reali­
dade que envolve as vidas diárias das pessoas comuns. Nenhum estudo de 
casos de possessão e Exorcismo dentro da ótica cristã seria adequado sem um 
mínimo de explicação - do ponto de vista cristão - dessa realidade: o que 
acontece na possessão, e como esse processo degradante desenvolve-se num 
indivíduo em particular. Essa explicação ocupa a seção fmal deste livro. 
Este estudo não tenta, de forma alguma, responder à charada final da 
possessão: porque esta pessoa mais do que aquela se torna objeto do ataque 
diabólico que pode terminar na possessão parcial ou perfeita. A resposta 
32 
certamente não está nas sondagens psicológicas, na hereditariedade ou nos 
fenômenos sociais. Uma resposta final incluirá, como ingredientes principais, 
o livre arbítrio pessoal de cada indivíduo e o mistério da predestinação huma­
na. Quanto ao livre arbítrio conhecemos o essencial: eu posso preferir o mal 
por nenhuma outra razão ou motivo e além do fato de preferir o mal. Alguns, 
aparentemente, fazem isso. Quanto à predestinaçio sabemos pouco ou nada. 
A charada continua. 
Todos os homens e mulheres envolvidos nos cinco casos relatados aqui 
são meus conhecidos pessoais; deram sua cooperação total com a condição 
de suas identidades e dos seus parentes e amigos nllo serem reveladas. Portan­
to, todos os nomes e lugares foram trocados, e outros indicadores possíveis 
de identidade foram obscurecidos. Qualquer semelhança entre os casos rela­
tados aqui e quaisquer outros que possam ter ocorrido é nio-intencional e 
pura coincidência. 
33 
OS CASOS 
O Amigo de Zio 
e a Sorridente 
l'ctcr respirou mais uma vez o ar fresco. Relutava em fechar a janela aberta, 
rvl t ando assim o tumulto da Rua 1 25, 1 5 andares abaixo. Era a primeira vez 
1111 história que um Papa Romano passava pelas ruas de Nova York, e o 
próprio ar estava carregado de excitaçlo. A caravana de automóveis do Papa 
jll havia passado pela Ponte da Avenida Willis entrando no Bronx a caminho 
•lo Yankee Stadium. As multidões ainda vagavam de um lado para o outro. 
Alj�umas freiras passavam apressadas, como pinguins frenéticos apitando e 
oq.(anizando filas de meninas de colégio vestidas de branco. Vendedores de 
rnd10rros-quentes gritavam seus preços. Uma mulher jovem, mal vestida, e seu 
f i lho vendiam pequenos papas de plástico aos transeuntes. Dois policiais 
1rmoviam barreiras de madeira. Um carninhã'o de lixo bufou e abriu caminho 
hu1.11 1ando através do tráfego. Padre Peter fechou a janela finalmente, juntou 
11\ wrtinas e voltou em direçlo à cama. 
O quarto estava em silêncio outra vez, exceto pela respiração irregular 
•��' Marianne, com vinte e seis anos de idade. Estava deitada sobre um cobertor 
1 1 1 1/.l' I IIO atirado sobre o colchão nu. Usava calças azuis desbotadas, camisa 
1 1 1� 1 11 amarela, os cabelos, castanho-avermelhados, espalhados sobre a testa, a 
l "ahdez de suas faces, e a cor branca suja envelhecida das paredes à sua volta, 
J UI I C(aam fazer parte de uma pintura à pastel, tragicamente lavada. A não ser 
po1 uma torção engraçada da boca, seu rosto não tinha nenhuma expressão. 
À esquerda de Peter, de costas para a porta, estavam parados dois homens 
1 uqmlcntos: um ex-policial amigo da família, veterano de "32 anos na força 
olulc, pensava, havia visto de tudo. Estava prestes a descobrir que não vira. 
'io'\scn t ão, careca, vestido com um macacão mescla, os braços cruzados sobre 
" pt•rtu, seu rosto era um quadro da perplexidade. O outro: o amigo mais ínti-
1 1 1" do pai de Marianne, cujos filhos o chamavam de tio. Era gerente de Ban· 
1 o r avô, em meio da casa dos cinqüenta, de rosto vermelho e papada, com uma 
canúsa azul, os braços pendendo dos lados, os olhos fixos no rosto de Marianne 
e uma expresslfo de medo impotente. Estes dois homens, atléticos e musculo­
sos, tinham sido convidados para dar assistência no exorcismo de Marianne 
K., para dominarem qualquer violência física ou mal que ela pudesse tentar. O 
pai de Marianne, um homem magro, com olhos avermelhados e rosto impassí­
vel, estava parado com o médico da família. Rezava em silêncio. Peter sempre 
insistia em ter um membro da família presente ao exorcismo. Como que em 
contrastecom os outros, o jovem médico, um psiquiatra, tinha um olhar con­
centrado, quase atento quando verificou o pulso da moça. 
O colega de Peter, o Padre James, na casa dos trinta, estava parado ao pé 
da cama. De cabelos pretos, virado de frente para a moça, jovem, apreensivo, 
seus trajes pretos, brancos e roxos eram um uniforme para ele. Em Peter, com 
os cabelos grisalhos desgrenhados, as mesmas cores fundiam-se numa unidade 
velada. James estava vestido, pronto para partir. Peter, o veterano, estivera lá. 
Sobre a mesa de cabeceira ao lado de James tremulavam duas velas. Um 
crucifixo jazia entre elas. Num canto do quarto havia uma cômoda. "Devia 
ter mandado tirá-la antes de começarmos", pensou Peter. A cômoda, original­
mente deixada ali a fim de guardar um gravador, havia se tomado um verda­
deiro trambolh o. Provavelmente continuaria a ser até que tudo estivesse 
terminado, pensou Peter. Mas ele nlfo era tolo a ponto de mexer em qualquer 
objeto no quarto. uma vez começado o exorcismo. 
Era uma segunda-feira, 8 : l Sh da noite, a décima-sétima hora do terceiro 
exorcismo de Peter em trinta anos. Era também o seu último exorcismo, em­
bora ele nlfo soubesse disso. Peter estava certo de que havia chegado ao Ponto 
de Ruptura do rito. 
Nos poucos segundos que levou para ir da janela até a cama, o rosto de 
Marianne estivera se contorcendo numa massa de rugas que se cruzavam. Sua 
boca torceu-se ainda mais na forma de um S. O pescoço estava retesado, mos­
trando todas as veias e artérias: e seu pomo de Adão parecia um nó de corda. 
O ex-policial e o tio avançaran1 para segurá-la. Mas a voz dela atirou-os 
para trás, momentaneamente, como um chicote: 
- Seus fodedores ressequidos! Vocês se meteram com as mulheres um 
do outro. E com os seus próprios membros na barganha. Tirem suas mãos 
calejadas de mim. 
- Segurem-na! - disse Peter peremptoriamente. Quatro pares de mãos 
apertaram-se sobre ela. 
- Jesus tenha misericórdia da minha filhinha, murmurou seu pai. Os 
olhos do ex-policial se arregalaram. 
- VOC:B! - gritou Marianne enquanto jazia imobilizada, estirada sobre 
a cama, com os olhos abertos e brilhando de raiva, - VOC:B! Peter, o Come­
dor. Coma a minha carne, disse ela. Chupe o meu sangue! Você comeu e 
38 
chupou! Peter, o Comedor! Você virá conosco, seu monstro. Você vai lamber 
o meu cu e gostar disso. Peeeeeeeeetrrrrrr, - e a voz dela afundou através dos 
"rrrr" num borbulhar animal. 
Alguma coisa começou a doer no cérebro de Peter. Perdeu uma respira· 
ç4o, entrou em pânico porque não conseguia aspirar o ar, parou e esperou, 
balançando-se sobre os pés. Depois expirou agradecido. Ao jovem padre ele 
parecia frágil e vulnerável. O Padre James entregou a Peter o livro de orações, 
c ambos se viraram para encarar Marianne. 
PETER 
{)uase um ano mais tarde, em 1966, no dia em que Peter foi sepultado no 
cemitério do Calvário, seu colega mais moço, Padre James, conversava comigo 
após as cerimônias fúnebres. 
- Não importa o que o médico disse - (o relatório oficial dava trombose 
da coronária como causa da morte) - ele ficou liquidado, realmente liquida­
do, após aquele último reboliço. Apenas uma questão de tempo. Note, não 
tJUe ele não fosse corajoso e devotado. Era um verdadeiro homem de Deus 
antes e depois de todo o trabalho. Mas foi preciso aquele último exorcismo 
para fazê-lo compreender que a vida tira o recheio de qualquer homem decen­
te. Peter, aparentemente, nunca emergiu de um suave devaneio após o exor­
dsmo de Marianne; e sempre falou como se estivesse falando para alguma 
outra pessoa presente. Isso era tão exasperador quanto ouvir um lado só de 
uma conversa telefônica. 
- Ele nunca mais foi o mesmo outra vez - disse James. - Uma parte 
dele entrou no Grande Além durante o Choque fmal, como você o chama. 
Depois, após uma pausa e pensativamente: - Pode imaginar isso? Ele tinha 
que ter nascido em Usdoonvarna* há sessenta e dois anos atrás, ser criado per· 
t o de Killarney, e vir de lá até aqui por três vezes - simplesmente para desco­
hri r . na terceira vez, onde devia morrer; como, quando. Nos faz pensar qual 
seja o sentido da vida. Nunca sabemos como ela vai terminar. Peter não se 
tornou sequer cidadão americano. Todas essas viagens. Simplesmente para 
morrer como o senhor havia decidido. 
Peter era um entre sete filhos, todos homens. Seu pai mudou-se do Con· 
dado de Clare para Ustowel, no Condado de Kerry, onde prosperou como 
romerciante de vinho. A família morava numa casa grande de dois andares 
que dominava o rio Feale. Estavam financeiramente estáveis e eram respei-
Uma cidade no Condado de Clarc, na Irlanda. 
39 
tados. O catolicismo romano deles era daquele tipo de cristianismo musculo­
so que os irlandeses entre todos os países do Ocidente haviam dado origem 
como sua contribuição à religião. 
Peter passou sua juventude na paz relativa dos "velhos tempos ingleses" 
antes que a Irman dade Republicana Irlandesa (pai da J RA1 ), os Voluntários 
Irlandeses, e a Rebelião de 1 916 lançassem a Irlanda m oderna no curso tem­
pestuoso da luta pela "beleza terrível" que atraiu Patrick Pearse, James Con­
nolly, Eamon De Valera, e os outros l íderes para a armadilha mortal do derra­
mamento de sangue, na qual, 50 anos mais tarde, nos anos de declínio de 
Peter, o sangue ainda estava sendo derramado. 
O colégio enchia três-quartos do ano de Peter. Os verões eram passados 
em Beal Strand, na costa de Ballybunion, ou colhendo na fazenda do seu avô 
em Newtownsands. 
Num desses verões, seu décimo-sexto, Peter teve seu único entrevero com 
o sexo. Deitou-se durante horas entre as dunas de areia da Beal Strand com 
Mae, uma moça de Ustowel que conhecia há cerca de três anos. Naquele dia, 
suas famílias haviam ido às corridas em Listowel. 
O flerte inocente havia se transformado numa brincadeira amorosa sim­
ples e, fmalmente, numa troca tórrida de beijos e carícias, até os dois ficarem 
deitados, nus e tremendamente felizes sob as estrelas do começo da noite, 
com o calor ondulando, excitando docemente seus corpos enquanto se abra­
çavam com força. Depois, Mae apelidou-o, de brincadeira, de "Pctcr, o 
Comedor". Para acalmar seu medo ela acrescentou: 
- Não se preocupe. Ninguém saberá como você teve relações comigo. 
Só eu. 
Por cerca de um ano após o fato ficou interessado em moças c particu­
larmente em Mae. Mais tarde, no começo dos seus dezoito anos, começou a 
pensar no sacerdócio. Na ocasião em que terminou o colégio, estava decidido. 
Peter certa vez me contou: 
- Quando dissemos adeus, naquele verão de 1 922, Mae brincou comigo: 
- Se você alguma vez sair do seminário e não se casar comigo, contarei a todo 
mundo o seu apelido. Ela jamais contou a vivalma, mas, naturalmente, eles 
sabiam. - Os únicos inimigos de Peter, porém reais, eram os moradores ima­
ginários do "Reino" a quem ele chamava vagamente de "eles". Dirigiu-me 
um olhar característico e ficou olhando para longe por cima da minha cabeça. 
Mae havia morrido em J 929 de apendicite supurada. 
Peter começou os seus estudos no Seminário de Ullamcy e terminou-os 
em Numgret com os Jesuítas. Não foi nenhum estudioso brilhante, mas tirou 
notas muito boas em Direito Canônico e Hebreu, que ele pronunciava com 
NT - Exército Republicano Irlandês. 
40 
sotaque irlandês ("Meu avô era de uma das Tribos Perdidas"). Adquiriu uma 
reputação de julgamento bom e sólido em dilemas morais, e ficou famoso na 
l ocalidade porque, com um chute certeiro numa bola de futebol, podia tirar 
o cachimbo da boca de um fumante a 30 metros sem sequer roçar a bola no 
rosto do homem. 
Ordenado sacerdote aos vinte e cinco anos, trabalhou durante seis anos 
em Kerry, depois passou um primeiro aperto nurpa paróquia de Nova York 
durante três anos. Esteve presente duas vezes em exorcismos como assistente. 
Numa terceira ocasião, quando estava presente apenas como ajudante extra, 
t eve que substituir o exorcista, um homem mais velho, que teve um colapso 
c morreu de um ataque cardiaco duranteo rito. 
Duas semanas antes de embarcar para casa, na Irlanda, para desfrutar das 
suas primeiras férias em três anos, as autoridades designaram-no para o seu 
primeiro exorcismo. - O senhor é moço, Padre. Gostaria que tivesse mais ex­
periência - foi a maneira como ele se lembrou das instruções do bispo - mas 
o Diabo não pode saber muito a seu respeito ou contra você. Portanto vá em 
frente. 
Durara 1 3 horas (- Em Hoboken, entre todos os lugares - costumava 
dizer, fantasiosamente), e o havia deixado atordoado e quase doente. Nunca 
se esquecera da afirmação, com intençã'o assassina, lançada contra ele pelo 
homem que havia exorcizado. Através da saliva espumante, dos dentes cena­
dos e do cheiro de um corpo que levara dois anos sem ser lavado, o homem 
havia rosnado: 
- Você . destrói o Reino em mim, seu porco irlandês, estrangeiro com 
cara de merda. E você pensa que vai escapar. Não se preocupe. Você voltará 
para mais. E mais. A sua espécie sempre volta para mais. E nós vamos tostar 
sua alma. Tostá-la. Você ficará fedendo. Exatamente como nós! O terceiro 
golpe e você estará fora! Porco! Lembre,se de nós! - Peter se lembrava. 
As duas semanas de férias no Conifildo de Clare devolveram-lhe sua ener­
gia e seu vigor. - Meu Deus! Os bolinhos com manteiga salgada escorrendo, o 
chá quente, o lombo de porco defumado de Umerick, a chuva macia e a paz 
daquilo tudo! Foi ótimo. 
A maior parte dos ferimentos de Peter nlro foram infligidos pelas ásperas 
realidades do mundo à sua volta; mas abriram-se, profundamente dentro dele, 
t al como sua maneira de responder ao mal que sentia, algumas vezes, na vida 
diária. 
Aqueles que ainda se lembravam dele em 1 972 concordavam que Peter 
não fora nem gênio nem santo. De cabelos pretos, olhos azuis, de aparência 
magra, era um homem de pouca imaginaçã'o, lealdade profunda, riso alto, 
apetite colossal para lombo de porco defumado e batatas, uma constituiçã'o 
férrea, uma incapacidade de odiar ou guardar rancor, e num estado constante 
de diferença de opinião com seu bispo (um velho minúsculo, familiarmente 
4 1 
chamado de "Packy", por seus padres). Peter era um pouco preguiçoso, ino· 
fensivo vaidoso em relaçã'o aos seus I ,88 m de altura, e viciado a vida inteira 
nas histórias de detetive de Edgar Wallace. 
- Possuía esta qualidade distinta - comentou um de seus amigos. - Sen­
tíamos que tinha um espírito enorme, temperado com um bom senso de 
ferro fundido e intocado por qualquer mesquinharia. 
- Se numa manhã', ele encontrasse o Diabo no alto da escada e visse 
Jesus Cristo parado embaixo - acrescentou outro - nã'o daria as costas a um 
na pressa de descer para o outro. Recuaria. Apenas para ter certeza. 
Em circunstâncias normais, Peter ficaria permanentemente na Irlanda 
após as suas férias de bolinhos e chuva macia. Teria trabalhado nas paróquias 
por alguns anos, depois obtido uma paróquia própria. Mas havia alguma outra 
coisa puxando o seu coraçã'o e alguma outra coisa escrita nas suas estrelas. 
Quando partiu para Nova York no irrompimento da Guerra da Coréia a fim 
de substituir um capelã'o que havia sido convocado, ele se lembrou do exor­
cismo em Hoboken. 
- O te·ceiro golpe e você estará fora! Porco! Lembre-se! 
Comentou brincando, com um amigo preocupado, que conhecia toda a 
história: 
- Esta nã'o é ainda a terceira vez! 
Em janeiro de 1 95 2, pediram-lhe que fizesse o seu segundo exorcismo. 
Sua eficácia no primeiro exorcismo e a maneira jovial pela qual o enfrentara 
recomendaram-no às autoridades. O exorcismo teve lugar em Jersey City. E, 
apesar da sua duração (três dias e três noites), custou-lhe muito pouco f ísica 
ou mentalmente. Espiritualmente, teve uma importância especial para ele. 
- Foi uma espécie de aquecimento para a saída de 1 965 - contou-me 
ele em 1 966. - A cerimônia demorou demais para o meu gosto, foi martelo 
e tenazes o tempo todo, quase nos derrotou. Mas nã'o houve nenhuma tensão 
grande aqui dentro (apontando para o seu peito) - E acrescentou, com um 
sentido que me iludiu entã'o: 
- Jesus teve um precursor no Batista. Acho que a escuridã'o tem o seu 
próprio. 
Relembrando hoje o seu papel como exorcista, está óbvio para mim que 
os seus dois primeiros exorcismos o prepararam para o terceiro e último. 
Foram três assaltos contra o mesmo inimigo. 
O exorcizado naquele mês de janeiro foi um menino de dezesseis anos de 
origem hispânica, tratado de epilepsia durante alguns anos, para ser, finalmen­
te, declarado nã'o-epilético e fisicamente com uma saúde de ferro, por uma 
equipe de médicos do Columbia Presbyterian Hospital. Apesar de tudo, quan­
do o rapaz voltou para casa, todas as horríveis perturbações começaram nova­
mente com uma ênfase muito maior, portanto, os pais recorreram ao seu 
padre. 
42 
- Disseram-me que o senhor . .. bem ... sabe lidar com o Demônio, Padre 
disse o monsenhor ofegante, de rosto vermelho, sorrindo sem jeito quando 
deu as permissões e instruções necessárias a Peter. Depois, ajeitando-se em sua 
cadeira, acrescentou sombriamente como uma piada católica de mau gosto: 
- Mas não o traga de volta, para a Chancelaria com o senhor. livre-se 
dele, da coisa .ou dela ou do que quer que seja o diabo. Temos já o bastante 
disso tudo aqui, em nossas costas. 
Tudo correra bem. O rapaz tornou-se amigo devotado de Peter. Mais tar­
de foi para o Vietnam e morreu numa emboscada, tarde da noite, perto de 
Saigon. Seu oficial comandante escreveu, anexando um envelope com o nome 
de Peter, que o morto havia deixado. Este continha um pedaço de linho sujo 
de sangue e um bilhete curto. Mais de uma década antes, quando da sua liber­
tação da possessão, num paroxismo fmal de revolta e súplica, arranhara o 
pulso de Peter, e o sangue caíra na manga da sua camisa. 
- Guardei isto como um sinal da minha salvação, Padre - dizia o bilhete. 
Reze por mim. Eu me lembrarei do senhor quando estiver com Jesus. 
Peter contava então quarenta e oito anos e estava no seu vigor máximo 
como sacerdote. Apesar disso, intimamente, sofria de uma sensação crescente 
de inadequação e imprestabilidade. Achava que, em comparação com muitos 
dos seus colegas que haviam obtido diplomas, qualificações, altos cargos e es­
pecialidades reconhecidas, tinha muito pouco a apresentar no sentido de rea­
l izações. - Não tenho nenhuma riqueza dentro de mim - escreveu ele a um 
i rmão - apenas uma pobreza negra. Algumas vezes esta escurece a minha al­
ma. - Quando chegou a sua vez de ter uma paróquia própria, foi preterido. 
( Packy já estava morto mas, disseram alguns, o bispo morto havia se certifi­
cado, nos seus registros, de que Peter fosse preterido.) 
Peter, na verdade, era um dissidente. Um sacerdote normal o considerava 
m fcrior em graças sociais mas superior em julgamento, deficiente em conhe­
cimentos eclesiásticos e ambição mas muito contente com o seu trabalho. 
Algumas vezes os seus protestos de ser "pobre por dentro", ou de "não ter 
nenhum talento excelente" soavam vazios quando comparados com as suas 
atitudes teimosas e obstinadas. De qualquer maneira, um bispo normal daria 
a tenção ao seu olhar direto e pensaria que a sua própria autoridade estava de 
certa forma em jogo. Porque o olhar de Peter não era insolente, mas, apesar 
disso, firme; reconhecia as exigências do valor mas era destituído de qualquer 
subserviência. Ele dizia: - Respeito-o pelo que o senhor representa. O que o 
senhor é, é outra coisa diferente. - Um homem desses era perturbador para 
a mente absolutista, e ameaçador para a inclinação autoritária de muitos ecle­
siásticos. 
Além do comentário ocasional engraçado, tal como: "Quanto mais eles 
sobem, mais pretos ficam os seus fundilhos", Peter não dava nenhuma im­
pressão ao exterior de estar descontente ou ansioso. Uma falta de autocon-
43 
fiança salvou-o da revolta ou da aversão. E ele suportou isso tudo despreocu­
padamente. - Bem, Padre Peter - troçou um bispo quando ele partiu para 
trabalhar durante três meses numa paróquia de Londres - lá vai você embora

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