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Kanoê - Povos Indígenas no Brasil

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Eduardo Mello

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Kanoê - Povos Indígenas no Brasil
Os kanoê encontram-se relativamente dispersos na região sul do Estado de
Rondônia, próxima à fronteira com a Bolívia. É possível, contudo, reconhecer
duas situações diferenciadas de contato com a sociedade envolvente entre os
grupos dessa etnia. A grande maioria mora ao longo das margens do Rio
Guaporé e caracteriza-se por uma antiga inserção no mundo dos “brancos”; em
contraste com uma única família composta por três membros que habita o Rio
Omerê, afluente do Corumbiara, que foi contatada pela Funai apenas em 1995,
quando eram em cinco, e tem se mantido em relativo isolamento. Esses grupos
kanoê, cada qual a seu modo, são marcados por histórias trágicas que resultaram
numa significativa redução populacional. Hoje lutam por sua sobrevivência
física e cultural numa região vastamente ocupada por madeireiros, grileiros e
outros agentes que não raro ameaçam a integridade e o usufruto exclusivo de
suas terras.
(atualizado em abril de 2003)
Os Kanoê do Rio Guaporé
Os Kanoê que habitam ao longo das margens do Rio Guaporé caracterizam-se
por uma intensa inserção no modus vivendi da sociedade brasileira. Grande
parte está casada com membros de outras etnias ou com não índios e apenas três
indivíduos conhecem a língua nativa. Entretanto, de acordo com a liderança
José Augusto Kanoê, têm consciência de que constituem um povo indígena
unido por uma origem comum e por vínculos de parentesco, razão pela qual
pretendem desenvolver projetos para reavivar sua identidade etnocultural e
lingüística.
Os Kanoê convivem com outras etnias nas Terras Indígenas Rio Branco e Rio
Guaporé (antigo P.I. Ricardo Franco), bem como no município de Guajará-
Mirim. Há ainda uma família na Terra Indígena Pacaás-Novas (P.I. Deolinda) e
outras famílias na TI Sagarana, ambas habitadas pelos Wari. Segundo o
depoimento do kanoê Munuzinho (que mora no P.I. Deolinda) em Janeiro de
1997, possivelmente ainda existam outros de seus parentes mais distantes
vivendo em outras regiões de Rondônia, dos quais há muito não se tem notícias.
Histórico do contato no Guaporé
Na região sul do Estado de Rondônia habitam numerosos povos indígenas
falantes de diferentes línguas, mas que compartilham muitas características
culturais. A semelhança cultural entre os grupos falantes de línguas Tupi e
Jabuti oriundos da margem direita do Rio Guaporé e seus afluentes fez com que
fossem identificados como partes de um “complexo cultural Marico”, nome das
cestas de vários tamanhos de fibras de tucum, com pontos pequenos e médios,
só confeccionadas por essas etnias (Cf. Maldi 1991:210-11). Já a região entre as
cabeceiras dos afluentes do Médio Guaporé e os afluentes da margem esquerda
do Rio Pimenta Bueno foi habitat de grupos distintos, a maioria não estudada e
de classificação lingüística desconhecida, mas que compartilha aspectos
culturais característicos de toda região, como o consumo cerimonial da chicha
de milho. Os kanoê fazem parte deste grupo.
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3842
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3842
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3782
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3782
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3853
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3853
No período colonial, a região banhada pelos afluentes e tributários ocidentais do
Guaporé e do Mamoré – atualmente território boliviano – foi por cerca de cem
anos o maior complexo missionário da América meridional: a Província de
Mojos, que acabava atuando também como guarda da fronteira do Rei de
Castela. As sociedades que habitavam a região foram cooptadas (e em grande
medida dissolvidas) para a defesa dos interesses da Espanha. De modo diverso,
toda a ocupação da margem portuguesa do Guaporé passou a ser direcionada
para a manutenção da posse e a destruição das missões. Mas a política
indigenista (refletindo o interesse dos estadistas coloniais) tomou como
estratégia não cooptar os índios, e sim mantê-los em seus territórios próprios
para que lá atuassem como guardiões da fronteira.
Ao final do século XVIII, quando os movimentos de independência nas Américas
começaram a se definir e os limites coloniais perderam a importância, a região
esvaziou-se rapidamente. A partir da segunda metade do século XIX, contudo,
voltou a ser ocupada em razão do ciclo da borracha. Nesse período, os povos
indígenas remanescentes das antigas missões de Mojos – que já haviam passado
por processos de desagregação cultural e miscigenação populacional – foram
rapidamente incorporados como mão-de-obra. Já os contingentes indígenas do
lado brasileiro da fronteira se mantiveram isolados em sua maioria, habitando
áreas menos acessíveis. Estes grupos permaneceram em relativo isolamento da
sociedade regional até o início do século XX. A maioria deles, entre os quais os
Kanoê, foi contatada quando o General Rondon atravessou a região dos rios
Pimenta Bueno e Corumbiara em 1909.
Esse quadro foi alterado nas primeiras décadas do século XX, quando foram
erguidos numerosos “barracões” para a exploração de borracha e caucho na
margem direita do Guaporé, mas cujos proprietários eram em sua maioria
bolivianos. Sobretudo a partir da década de 1930, quando a demanda por
borracha aumentou no contexto da II Guerra Mundial, o contato se intensificou
e muitos povos tiveram suas aldeias invadidas, sofreram epidemias e não raro
foram obrigados a abandonar seus territórios para se instalar nos “barracões”,
onde ocorreram vários casamentos entre membros de etnias diferentes,
colaborando para a dissolução dos grupos.
Os Kanoê habitavam a margem do Rio Pimenta Bueno (provavelmente migrados
do Corumbiara para o leste), quando, em 1940, foram em grande parte levados
para o Guaporé, sendo estabelecidos no antigo Posto Indígena Ricardo Branco
(hoje P.I. Guaporé), junto com outras etnias, a mando do SPI (Serviço de
Proteção aos Índios, antigo órgão indigenista) e do governador do território do
Guaporé (que veio a ser o território e depois o estado de Rondônia).
Segundo Denise Maldi (1984:110), os índios transferidos foram dispostos para o
trabalho servil nos seringais para suprir a mão-de-obra indígena perdida em
decorrência de epidemias. O P.I., porém, não tinha infra-estrutura para atender
aos recém-chegados. Não havia roças e os índios precisavam empregar todo o
seu tempo na coleta da borracha, alimentando-se de gêneros fornecidos pelos
seringalistas: charque, feijão e farinha. Pouco depois, contraíram sarampo. A
mortalidade foi tamanha que os Kanoê quase foram exterminados. Desde então,
durante toda a segunda metade do século XX o processo de ocupação do Rio
Guaporé contou com vários massacres de índios.
Nas décadas de 60 e 70, particularmente no período da ditadura militar, na
maioria dos casos beneficiados por “certidões negativas” da Funai, fazendeiros
rapidamente derrubavam as matas, plantavam pastos e edificavam benfeitorias
para “provarem” a ocupação e uso de tais terras, não raro valendo-se de trabalho
escravo ou semi-escravo de índios e não índios.
Nesse contexto adverso, a cultura de muitos grupos indígenas do sul de
Rondônia permanece com esparsa documentação até os dias de hoje e seu
destino, como atesta o antropólogo Luiz Fernando Machado de Souza
(responsável pelo relatório de identificação da TI Omerê), encontra-se
ameaçado, sobretudo pelas invasões madeireiras em terras de ocupação
tradicional indígena.
Por ocasião das sessões de trabalho de campo realizado pelo lingüista Laércio
Nora Bacelar em 1991 e 1997, a história kanoê foi resgatada por meio dos
depoimentos de Munuzinho Kanoê e Maria Atiminaké. De acordo com estes
informantes, os Kanoê ou Kapixanã habitavam malocas extensas às margens do
igarapé Kauruá, na região dos rios Carvão e Machado, no sul de Rondônia.
Munuzinho informou que, até sua infância, viviam nus, praticavam a agricultura
de milho, algodão, taioba, amendoim e fava, entre outras, além da caça e da
pesca. Eram considerados "bravos”e foram se "amansando" no contato com os
brancos por ação dos missionários, sobretudo depois da morte do último tuxaua
(cacique), quando o grupo se dispersou de vez.
O contato com os brancos lhes trouxe a morte por doenças. Munuzinho Kanoê,
por exemplo, perdeu um dos seus oito filhos vitimado pela coqueluche, dois por
sarampo, um por "bicho na barriga" e uma de suas filhas desapareceu em Porto
Velho, sem notícias se estava viva ou morta. A esposa de Munuzinho faleceu
depois do último parto.
Além da morte por doenças "de branco", para as quais não tinham defesa em sua
medicina tradicional ou nas "pajelanças", o contato lhes trouxe também a morte
pelas armas de fogo, sobretudo em conflitos com madeireiros, jagunços,
garimpeiros, entre outros. Somem-se a isto os atritos com outros grupos
indígenas regionais pela posse da terra, na medida em que esses povos perdiam
seus territórios para os brancos. Assim, chegou-se a um momento em que o
número de mulheres era muito superior aos homens e, na estrutura social dos
Kanoê, já não havia mais como realizar os casamentos. As mulheres passaram
então a se casar com homens de outras etnias (Aikaná, Jabuti, Mekém, Makurap,
Cujubim etc.) e seguir seus maridos. A desintegração final do grupo se deu por
ocasião da morte do último tuxaua, pai de Teresa Piraguê, pois já não havia um
homem habilitado, de acordo com as tradições kanoê, para ocupar o posto do
falecido.
Sem precisar datas e narrado com lapsos de memória e digressões, Munuzinho
lembrou-se de um período, provavelmente no final dos anos 50 e início dos 60,
em que ele e outros de seu povo foram trabalhar numa fazenda, na qual foram
submetidos a um processo brutal de exploração, sendo escravizados e vigiados
por jagunços. Nessa fazenda, um menino kanoê, de 11 anos, teria sido estuprado
por dois jagunços e, com isso, os Kanoê se revoltaram contra a atrocidade
praticada contra o menino. Um dos jagunços estupradores e alguns Kanoê
morreram. O outro estuprador teria conseguido fugir para Porto Velho e o pai
do menino o perseguiu até lá. No entanto, não mais voltou.
Nas últimas três décadas, dado o intenso processo de expansão agropecuária de
Rondônia, muitos dos povos indígenas do Guaporé (Kanoê, Arikapu, Jabuti,
Puruborá, Kwaza, Mekém etc.) estão reduzidos a alguns sobreviventes, com a
conseqüente perda gradual de suas respectivas identidades lingüísticas e de suas
tradições culturais. Entretanto, como apontou Maldi, nesse cenário desalentador
emerge uma nova realidade social, a partir da intensificação das relações
interétnicas. Na TI Guaporé, por exemplo, alguns aspectos culturais atuam como
mecanismos de solidariedade entre os grupos distintos, como o consumo da
chicha de milho, intercalando hóspedes e anfitriões, e o xamanismo, com a
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Makurap
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Makurap
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Purubor%C3%A1
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Purubor%C3%A1
atuação conjunta de indivíduos de etnias diferentes na aspiração do pó de
angico e nas cerimônias de cura.
Os Kanoê do Rio Omerê
Em contraste com os habitantes das margens do Guaporé, este grupo kanoê está
enquadrado na categoria de “índios isolados” da Funai, tendo sido contatado
pelo órgão apenas em 1995, depois de dez anos de tentativas por parte da Frente
de Contato (hoje chamada Frente de Proteção Etnoambiental). Trata-se de uma
única família, então constituída pela mãe, Tutuá, de aproximadamente 50 anos;
uma filha, Txinamanty, de estimados 30 anos; um filho, Purá, aparentando 25
anos; e dois netos, um dos quais chamado Operá, cujo pai é Kunibu, o cacique
dos Akuntsu, outro reduzidíssimo grupo indígena “isolado” no Omerê. A outra
criança nasceu no início de 2002. No início de 2003, contraíram malária e
faleceram a velha Tutuá e o menino Operá, então com sete anos.
Essa família é monolíngüe em Kanoê e, refugiando-se numa reserva de floresta
de uma fazenda, conseguiu sobreviver apartada do contato direto com o homem
branco, a despeito de possíveis massacres terem resultado na quase dissolução
do grupo.
Já em 1943 foi registrado no relatório de Estanislau Zack à Comissão Rondon
que havia índios Kanoê localizados na margem esquerda do Rio Omerê, afluente
da margem esquerda do Corumbiara (Cf. Maldi, 1991:263). Muito tempo depois,
em meados da década de 70, a Funai foi informada sobre a possível presença de
grupos indígenas isolados na região de Corumbiara.
Em 1984, relatos apontaram a existência de índios nas reservas de mata de áreas
que estavam sendo desmatadas para o comércio de madeira e formação de
fazendas agropastoris, embora fazendeiros locais garantissem não haver mais
indígenas na região. Em 1985 foi criada a Frente de Contato que iniciou
oficialmente os trabalhos e, em 86, foi interditada uma área com 63.900 ha de
superfície e 103 km de perímetro para fins de atração dos isolados. Desde então,
não cessaram as tentativas de destruição dos vestígios indígenas por derrubadas,
construção de estradas e investidas com trator e esteira a mando dos
fazendeiros. Entretanto, por meio de incursões aéreas e por terra, a equipe
encontrou várias evidências, tais como roças, estradas, armadilhas, habitações e
indumentária indígenas.
Os indigenistas ainda recolheram vários depoimentos de índios e trabalhadores
das fazendas. Alguns peões afirmaram haver pistoleiros matando os índios por
tentarem impedir as derrubadas. Uma índia sabanê (ramo nambiquara) relatou
a visita de três índios desconhecidos: um velho, uma velha e uma garota de
aproximadamente 13 anos, armados de arco e flecha e carregando um balaio
mamaindê (nambiquara), que encontraram na beira do rio, uma cabaça com mel
e outra com colares de contas pretas. Carregavam também uma pedra e um pau
com artefatos para fazer fogo. Disseram estar em busca dos companheiros que
haviam se dispersado fazia mais de uma semana, quando, numa noite, foram
colocados para fora de casa por um trator que derrubou as casas e passou no
meio das roças.
Em maio de 1986, o Juiz federal de Porto Velho deferiu Mandato de Segurança,
impetrado pelos fazendeiros da área interditada, ordenando a suspensão da
Portaria do Presidente da Funai. Mas o órgão indigenista recorreu e a interdição
foi mantida. O sertanista Sidney Possuelo foi então nomeado para coordenar os
trabalhos de localização dos índios. Em seu relatório, alegou que a área
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Akuntsu
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Akuntsu
encontrava-se intensamente recortada por estradas para retirada de madeira em
todas as direções, com grande movimentação de caminhões, centenas de
trabalhadores, aviões sobrevoando a região o tempo todo e derrubadas de mais
de 30 km de comprimento. Possuelo concluiu então que a área onde havia mais
vestígios indígenas fora totalmente devastada, mas que até recentemente fora
habitada por um reduzido grupo indígena que possivelmente abandonara a
região, premido pelas circunstâncias. Dessa maneira, em dezembro desse
mesmo ano, a área foi desinterditada, havendo a reintegração de posse pelos
fazendeiros.
Contudo, os indigenistas da Frente de Contato, Marcelo dos Santos e Altair
Algayer, não desistiram das investigações. Extra-oficialmente, nos anos
seguintes continuaram procurando, reunindo evidências, montando hipóteses e
driblando os obstáculos de madeireiros, grileiros e agropecuaristas. Em 1993, os
indigenistas passaram a contar com um valioso recurso: imagens de satélite
recentes possibilitaram cruzar com precisão as evidências acumuladas sobre a
presença de índios com as manchas de mata remanescentes das derrubadas das
fazendas. Começou então um trabalho sistemático de rastreamento dessas
regiões de floresta. Nas duas primeiras expedições nada encontraram. Partiram
para uma terceira e as evidências reapareceram. Por fim, localizaram em uma
imagem de satélite um ponto vermelho (sinal de desmatamento) do tamanho de
uma cabeça de alfinete, no meio de uma mancha de mato de seis por quatro
quilômetros. Marcaram as coordenadase a equipe confirmou a localização da
aldeia.
Um mês depois, em setembro de 1995, prepararam uma nova expedição, certos
do contato. Chamaram jornalistas e, auxiliados por uma bússola, encontraram a
aldeia quatro dias depois. Os primeiros contatos foram amplamente divulgados
pela imprensa, em especial pelo jornal O Estado de São Paulo, pela revista Veja
e pelo programa Fantástico da TV Globo, com imagens produzidas por Vincent
Carelli, antropólogo e cinegrafista do CTI (Centro de Trabalho Indigenista/SP)
que acompanhava o caso desde os anos 80.
Segundo relato de Pablo Pereira, jornalista de O Estado presente na ocasião, no
alto de um barranco surgiram dois índios cobertos de adornos. Pareciam
acuados. Ele, com cerca de 1,60 m de altura. Ela, mais baixa, pele escura, pés
descalços, carregando arcos e flechas. Eles conversavam em voz alta em uma
língua desconhecida. Por meio de gestos, os membros da Frente de Contato
tentavam demonstrar que a visita era pacífica. Os primeiros passos do casal
foram receosos. A mulher iniciou uma cerimônia em que parecia pegar no ar os
maus espíritos e assoprar para dentro da mata. Ao se aproximarem, tocaram
braços e mãos dos brancos. A mulher tremia. O homem balbuciava um som
ininteligível. Num segundo momento, todos sorriram. Os índios indicaram a
presença de outro grupo na mesma área, aos quais se referiam como “Akuntsu”.
Com efeito, um mês depois, conseguiu-se o contato com os Akuntsu.
Depois de comprovado o contato, a área foi novamente interditada, uma década
após a primeira interdição. Os fazendeiros reagiram imediatamente, tentando
difundir uma versão de que o contato anunciado pela Funai era uma farsa,
montada com índios atores. Foram até a aldeia dos recém-contatados,
acompanhados de índios cinta-larga, gravar uma contraprova em vídeo. Depois
disso, solicitaram um parecer a respeito da veracidade de ambas as fitas aos
irmãos Villas-Bôas, acompanhadas de um vídeo cassete novo de “presente”. Os
indigenistas preferiram assistir as fitas em seu antigo vídeo cassete e atestaram a
veracidade do material de Carelli, assim como a fraude das imagens capturadas
a mando dos fazendeiros, com perguntas e reações induzidas. Em seguida, o
“presente” foi devolvido intacto.
Depois desse episódio, a Polícia Federal em Rondônia abriu inquérito para
investigar denúncia de tentativa de genocídio contra os índios, sob alegação de
que os fazendeiros levaram índios cinta-larga gripados a entrar em contato com
os Kanoê, que ainda não haviam sido imunizados.
Desde então, o contato da equipe da Funai com os índios passou a ser mais
freqüente, porém restava identificá-los etnolingüisticamente. Na ocasião do
primeiro contato, a Funai não dispunha de intérpretes indígenas. A partir de
gravações feitas por Vincent Carelli, foram testados intérpretes da língua
mequém, outro povo cujos sobreviventes vivem em áreas indígenas localizadas
em Rondônia, sem resultados.
A indigenista Inês Hargreaves coletou uma lista de 123 palavras por meio do
contato com duas índias do grupo, que permitiu ao lingüista do Museu Goeldi de
Belém, Nilson Gabas Jr., identificar uma grande proximidade com a língua
kanoê. Rapidamente, foi localizado na TI Guaporé um senhor de
aproximadarnente 70 anos que falava com fluência o kanoê, língua considerada
praticamente extinta pelos lingüistas. Com o bom entendimento que seu
Munuzinho Kanoê teve das gravações, e com as respostas dos índios ao contato
com ele, os índios foram identificados como Kanoê.
Foi erguido um acampamento da Funai na entrada de uma das reservas de
florestas, às margens de um pequeno igarapé afluente do Omerê. Uma equipe
médica e outra odontológica passaram a fazer visitas mensais regulares à aldeia
e uma assistente de enfermagem, apta a primeiros socorros, faz plantão no
acampamento durante três semanas mensais contínuas. Há ainda um
funcionário para proteger os índios, na ausência da chefia, de eventuais
interferências de curiosos ou intrusos (como vaqueiros, madeireiros e
palmiteiros), bem como para vigiar o acampamento de possíveis retaliações dos
interesses dos latifundiários e madeireiros contrariados.
Histórias de antes do contato oficial
Em relação à história específica dos Kanoê do Omerê, no começo de 96,
funcionários da Frente de Contato, Marcelo do Santos e Altair Algayer, tendo
Munuzinho Kanoê como intérprete, colheram os primeiros depoimentos do
grupo. A seguir, um resumo da história que conta parcialmente o porquê de
restar tão somente a família de Tutuá.
O grupo contava então com aproximadamente 50 pessoas, das quais a maioria
eram mulheres e algumas crianças. Certo dia, os homens se reuniram e
decidiram que partiriam todos em expedição à procura de outros povos, com os
quais pudessem negociar alguns casamentos. Todos os homens Kanoê, dos
idosos aos meninos mais crescidos, partiram. As mulheres ficaram apenas com
suas crianças. Mas os dias se passaram e os homens não voltavam. A aflição
entre as mulheres aumentava a cada dia e duas delas resolveram partir à
procura dos homens. Três ou quatro dias depois, voltaram com a trágica notícia:
seus maridos e filhos tinham sido assassinados. As mulheres entraram em
pânico e, sem perspectivas, decidiram pelo suicídio coletivo. Prepararam um
veneno, deram-no de beber a suas crianças e se envenenaram. Tutuá, porém,
mal começou a ingerir o veneno, ainda encontrou forças para lutar pela vida e
vomitou o que havia ingerido. Também conseguiu fazer com que seus filhos –
Txinamanty e Purá –, sua irmã e sua sobrinha (Aimoró) se salvassem.
Os Kanoê do Omerê ficaram então reduzidos a duas mulheres adultas e três
crianças. Mas a irmã de Tutuá já não era a mesma. Enlouquecida, não
acreditando que os homens estavam mortos, entregou a filha Aimoró aos
cuidados de Tutuá e partiu sozinha à procura de seu marido e de seus filhos
homens. Tutuá ainda tentou impedir que ela fizesse isso, mas foi em vão: sua
irmã partiu e dela não se teve mais notícias.
Tutuá, sozinha, criou seus filhos e a sobrinha, refugiando-se na floresta. Porém,
tão logo travou contato com os Akuntsu, passou a tentar aproximar-se deles, na
esperança de encontrar uma possibilidade de casamento para seus filhos. Mas a
relação entre os dois grupos indígenas isolados nem sempre foi amistosa, não só
pela barreira lingüística, mas também pelas acentuadas diferenças culturais
entre os mesmos. Pelo que Marcelo dos Santos pôde resgatar, através de
Munuzinho Kanoê como intérprete, Tutuá Kanoê sempre procurou aproximar
seus filhos dos Akuntsu, na esperança de que Kunibu, o cacique, cedesse ou
venha a ceder uma das moças para esposa de seu filho Purá. Ao mesmo tempo,
Tutuá esperava que sua filha Txinamanty e sua sobrinha Aimoró ficassem
grávidas de Pupaki, um rapaz Akuntsu, ou do próprio cacique Kunibu. Mas as
tentativas eram sempre frustradas. Toda vez que se aproximavam, acabavam
surgindo atritos e ameaças de morte aos Kanoê, o que acabou se concretizando.
Por ser mais nervosa e agressiva com eles, Aimoró foi assassinada pelos
Akuntsu. Essa morte abalou ainda mais as relações entre ambos grupos. Apesar
da instabilidade da convivência, porém, Txinamanty Kanoê ficou grávida do
cacique Kunibu e, em outubro de 1996, nasceu um menino. O rapaz kanoê cedeu
seu nome, que era Operá (“onça”) para o recém-nascido e adotou o nome de
Purá (“cigarra”).
Com a morte de Aimoró, os Kanoê tornaram-se relativamente mais tristes do
que já eram, pois, além de ser a pajé do grupo, Aimoró ainda tinha um espírito
mais alegre, mais festivo. Era ela quem organizava alguns rituais que os Kanoê
ainda mantinham. A família kanoê continuou insistindo em aproximar-se dos
Akuntsu, mas as desavenças prosseguiram. Para minimizar o problema, os
indigenistas intervieram e sugeriram aos Kanoê que mudassem sua aldeia para a
outra reserva de floresta, às margens do igarapé Omerê, a aproximadamente
três km do acampamento da Funai.
Língua
Mulher kanoê com seu filho. Foto: Ineke Holtwijk, 2003.
A língua Kanoê, também referida como Kapixaná (Kapishana) ou Kapixanã, é
falada atualmentepor apenas cinco pessoas. Na região sul de Rondônia ainda
sobrevivem 40 línguas indígenas, em sua maioria relacionadas a oito
macrofamílias, e várias línguas “isoladas”, ou seja, línguas para as quais ainda
não foram descobertas evidencias consistentes de parentesco com outra língua
ou família lingüística.
Dos sete falantes de Kanoê, três idosos habitam a região às margens do Rio
Guaporé, caracterizada, como dito, por um antigo e intenso contato com a
população regional, sendo que os demais membros da etnia (cerca de 87 pessoas
em 2002) falam apenas o português. Já o grupo do Omerê, contactado em 1995,
está reduzido a uma única família de quatro pessoas monolíngües em Kanoê.
A língua Kanoê tem sido classificada como “isolada” (vide Rodrigues: 1986 e
Adelaar: 1991), embora Greenberg (1990: 34, 49,55) busque relacioná-la ao
Kunsa, e Price (1978) suponha ser uma das línguas da família Nambiquara. Com
efeito, Greenberg (1997: 94-98) apresenta algumas poucas evidências de que o
Kanoê possa pertencer ao tronco Macro-Tucano, mas que são insuficientes para
assegurar tal classificação. Do ponto de vista tipológico, o Kanoê é uma língua
http://img.socioambiental.org/d/212674-1/kanoe_10.jpg
http://img.socioambiental.org/d/212674-1/kanoe_10.jpg
morfologicamente aglutinante, de modo que as palavras – principalmente os
verbos – são formadas por seqüências de partículas significativas.
Perfeccionismo e hospitalidade
Em sua compleição física, os Kanoê não são corpulentos, tendo uma estatura de
mais ou menos 1,70 m. O grupo do Omerê usa os cabelos aparados bem curtos,
razão pela qual Munuzinho Kanoê afirmou que esses seus parentes eram
conhecidos como “Cabeça Seca”.
Embora atualmente vivam relativamente tristes em decorrência das condições
materiais de vida e da falta de perspectivas, os Kanoê são gentis e receptivos. O
grupo do Omerê caracteriza-se por um acurado perfeccionismo, que pode ser
observado em sua cultura material e na manutenção da aldeia, que tem o pátio
sempre muito limpo e varrido, inclusive o caminho que dá acesso ao igarapé. O
caminho que leva à aldeia também é mantido limpo e destocado para que os
funcionários da Funai ou membros das equipes médica e odontológica que lhes
prestam assistência regular possam chegar de motocicleta. Para tanto, Purá
sempre que pode parece estar desobstruindo o caminho, destocando-o,
aplainando-o e queimando gradualmente uma árvore grossa, tombada na
transversal, a qual impedia o acesso do veículo.
Em frente à maloca central onde dormem, sob a cobertura que lhes serve de
cozinha, cada um parece ter seu local marcado. Nas visitas à aldeia, quando
estavam todos presentes e reunidos, sentavam-se sempre nas mesmas posições:
a mãe, Tutuá, sempre ao lado esquerdo do fogão; Txinamanty, cuidando de seu
filho Operá ou alimentando-o, sempre numa das extremidades da área da
cozinha, frontal à posição de sua mãe; Purá, na outra metade da cozinha, onde
também amarram os porcos para serem alimentados.
Os Kanoê relevam-se hospitaleiros e corteses com seus visitantes. Tão logo se
chega, oferecem ao visitante uma farta caneca de chicha (uma espécie de suco)
de milho, fria e refrescante, levemente adocicada. Depois do contato com a
Funai, só bebem água filtrada e preparam suas chichas e outros alimentos com
água também tratada em filtros de barro com velas de argila porosa, típicos nas
casas brasileiras, pois o acampamento lhes doou um desses aparelhos para
protegê-los de possíveis doenças advindas da contaminação das águas do
igarapé Omerê. Quando se deixa a aldeia, na despedida procuram sempre
ofertar alguma coisa, sobretudo bananas. Do mesmo modo, quando visitam o
acampamento da Funai, sempre que podem levam algum agrado, como um
peixe, um pedaço de caça ou algumas frutas.
Atividades produtivas
Os Kanoê são agricultores, caçadores, pescadores e coletores. Criam galinhas e
porcos-do-mato (queixadas), fazem roças de mandioca, cana-de-açúcar, milho,
cará, batata-doce, amendoim e fumo. Cultivam ainda bananas, mamões-papaia e
abacaxi.
Para a confecção de suas roças, o local é caprichosamente desmatado, queimado,
destocado e capinado. As plantações parecem organizadas em setores
específicos: cana-de-açúcar aqui, mandioca ali, amendoim acolá. O mesmo
capricho revelam no trato dos animais que criam: as galinhas têm um galinheiro
para protegê-las. Os porcos também têm duas casas cujas paredes foram feitas
de toras de madeira fincadas lado a lado e cobertas por folhas de palmeira
trançadas. As portas, feitas de tábuas de madeira lascada, têm um sistema de
travas que lhes permite prender os porcos-do-mato em segurança e protegidos
de outros animais carnívoros, sobretudo onças, durante a noite. Também fazem
uso das roças do acampamento da Funai, onde arrancam mandiocas e carás,
colhem mamões e cachos de coco, sempre que suas roças estão desprovidas.
Pelo que pôde ser observado, os Kanoê mantêm uma relação de amizade e
cortesia mútua com o pessoal do acampamento.
Outro traço que os caracteriza é a disposição para o trabalho. A velha Tutuá
acorda sempre muito cedo e, munida de um facão, de seu arco e suas flechas e
de um grande cesto dorsal, sai à procura de cachos de coco, sobretudo na área
do acampamento onde há muitas palmeiras. Depois de colhê-los, arranca cada
fruto dos cachos, acomoda-os no cesto e volta à aldeia. O peso é grande, mas ela
caminha cerca de três quilômetros atenta às possibilidades de encontrar uma
caça. De volta à maloca, torra os cocos, aos punhados, nas brasas do fogão.
Depois, quadra-os um a um e, com uma faca, retira-lhes a polpa cozida e, à
medida que faz isso, vai jogando as porções de massa para os porcos se
alimentarem. É uma tarefa diária, repetitiva, que no entanto ela parece fazer
sempre bem disposta.
Cultura material
Desde antes do primeiro contato com a Frente de Contato, os Kanoê do Omerê
usam vários colares multicoloridos feitos com material plástico. Também usam
um chapéu típico, de mesmo formato do chapéu do homem branco, porém
confeccionado com talas vegetais de palmeira entrelaçadas e, na aba, fitas de
lona plástica preta. Além disso, por ocasião do contato já usavam algumas peças
de roupas em tecido industrial (proveniente de sacos de juta), as quais eles
mesmos confeccionaram. Ademais, na aldeia, foram encontrados alguns
utensílios, tais como garfos e facas de metal, vasilhame de alumínio e
embalagens plásticas de produtos diversos. Esses materiais eram recolhidos
pelos Kanoê nas incursões pela floresta, provavelmente deixados nos
acampamentos de madeireiros, seringueiros e palmiteiros no interior das
florestas ou nos pastos. Após a visita de Munuzinho Kanoê, pediram peças de
roupas e calçados, no que foram atendidos. Somente a velha Tutuá anda com o
busto nu, mas parcialmente encoberto por uma boa quantidade de colares
sobrepostos, uns de material plástico, outros de conchas e sementes.
Os colares de material plástico são compostos de peças trapezoidais ou
circulares unidas por linhas enceradas feitas de fios de tucum ou de algodão.
Essas peças parecem ser recortadas de baldes de plástico velhos, deixados pelas
incursões de madeireiros e palmiteiros nas reservas florestais ou pastos. Os
colares atestam o caráter perfeccionista dos Kanoê, pois as peças têm
exatamente a mesma forma e desenho e, além disso, são parcialmente
sobrepostas monocromaticamente ou com alternância de cores, em que
predominam o laranja e o branco, o que torna o efeito visual belo. Acompanham
os colares brincos com pingentes de peças do mesmo material plástico, de
mesma forma geométrica e tamanho. As mulheres, Tutuá e Txinamanty, usam
brincos brancos e Purá, o rapaz, brincos laranja-avermelhados.
Completam-lhes a indumentária uma longa grinalda de fibras de buriti soltas;
braceletes diversos, alguns dos quais similares aos colares; caneleiras e
tornozeleiras de palha trançada ou de tecido. Esses adereços são usados pelos
mais jovens sobre a camisa. Além disso, os Kanoê usam eventualmente duas
longas penas vermelhas de arara, que são encaixadas num pequeno botoquefeito em osso de tucum, colocado num furo entre as narinas.
Em sua aldeia, nem sempre estão usando todos esses adereços, mas parecem
não abrir mão de seus colares, braceletes e da grinalda de fibra de buriti. Tão
logo alguém se aproxima, os Kanoê procuram imediatamente colocar o chapéu
ou, no mínimo, um gorro. Por outro lado, quando visitam o acampamento da
Funai, na maioria das vezes se paramentam, usando todos seus adereços,
inclusive as penas de arara transversais no nariz.
O chapéu é confeccionado de duas maneiras. O primeiro tipo é inteiriço, feito de
um trançado de palha de talo de folha de palmeira, especialmente de buriti, de
aba fixa. O outro tipo de chapéu tem o mesmo modelo, mas é composto de duas
peças independentes. A primeira peça é um gorro em forma de meia esfera, feito
em gomos triangulares de couro de animal ou de tecido, unidos entre si por
costura feita à mão, com acentuado perfeccionismo. A segunda peça é uma aba
circular solta, na medida da cabeça do usuário, trançada em talos finos de
taquara envoltas por estreitas fitas de lona plástica preta, unidos por palha de
buriti, de tal forma que formam um desenho regular. No arremate final, as
pontas de taquara são unidas por uma amarra feita com fibras de palha da folha
de buriti. Nesse ponto de arremate, encaixam longas penas de arara, sobretudo
vermelhas. Essa aba solta é encaixada na cabeça, após vestirem o gorro, dando a
impressão de um chapéu inteiriço. Assim, quando estão em sua aldeia, muitas
vezes usam apenas o gorro.
O perfeccionismo dos Kanoê reflete-se ainda na confecção de suas flechas e
adereços. Purá possui uma bolsa de couro, na qual guarda todo o material de
que necessita para a confecção de arcos e flechas. As penas de aves são
cuidadosamente separadas em conjuntos por tipo e cor, e presas por linhas
enceradas de fibras de tucum. Na mesma bolsa, Purá guarda os estoques de
linhas vegetais ou de material plástico desfiado, cuidadosamente enroladas, bem
como os tufos de cera de abelha com os quais impermeabiliza das linhas e as
ataduras das penas e do bico da flecha.
A aldeia kanoê no Omerê possui cinco habitações desprovidas de divisões
internas e janelas, apenas com uma porta à frente e outra atrás. O teto é
composto de duas águas e estende-se até o chão, sendo a estrutura de
sustentação composta de troncos. As malocas são cobertas de açaí (Euterpe
oleracea) ou inajá (Pindarea concinna). O chão é cuidadosamente batido e
nivelado no interior e arredores das casas.
No que diz respeito aos rituais, os Kanoê do Omerê fazem numerosas pajelanças
e cerimônias, quando se cheira rapé de angico. Segundo Maldi, é característico
entre os povos indígenas dessa região a atuação do xamã por meio desse
alucinógeno: as sementes de angico são maceradas até virarem pó e misturadas
com um tipo especial de fumo, cultivado para esse fim. Os xamãs também usam
um léxico especial, aparentemente ininteligível aos não iniciados, e recitam
durante o processo de cura. A xamã do grupo do Omerê é Txinamanty, que
realiza trabalhos de cura e trata de intercorrências cotidianas.
Fontes de informação
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UnB, 1992. 119 p. (Dissertação de Mestrado)
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Signótica: Revista do Mestrado em Letras e Lingüística, Goiânia : UFGO,
n.6, p.59-72, 1994.
• --------; PEREIRA, Cleiton dos S. Aspectos morfossintáticos da língua
Kanoê. Signótica: Revista do Mestrado em Letras e Lingüística, Goiânia :
UFGO, n.8, p.45-55, 1996.
• BACELAR, Laércio N.; SILVA JÚNIOR, Augusto R. A negação e a litotes na
língua Kanoê. Signótica: Revista do Mestrado em Letras e Lingüística,
Goiânia : UFGO, n.9, 1998.
• MALDI, Denise. O complexo cultural do Marico : sociedades indigenas dos
rios Branco, Colorado e Mequens, afluentes do Médio Guaporé. Boletim do
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• --------. Populações indígenas e a ocupação histórica de Rondônia. Cuiabá :
UFMT, 1984. 149 p. (Monografia Curso de Especialização)
• MINDLIN, Betty. Antologia de mitos dos povos Ajuru, Arara, Arikapu,
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• SAKAMOTO, Leonardo. O último sobrevivente : equipe da Funai tenta
contatar indígena que vive sozinho. Problemas Brasileiros, São Paulo :
SESC, n. 338, p.18-20, mar./abr. 2000.
• SANTOS, Marcelo dos. Índios acossados em Rondônia. In: RICARDO,
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• --------. Os “isolados” de Rondônia. In: RICARDO, Carlos Alberto (Ed.).
Povos Indígenas no Brasil : 1996/2000. São Paulo : Instituto
Socioambiental, 2001. p.594-5.
• VALADÃO, Virgínia. Os índios ilhados do Igarapé Omerê. In: RICARDO,
Carlos Alberto (Ed.). Povos Indígenas no Brasil : 1991/1995. São Paulo :
Instituto Socioambiental, 1996. p.545-9.
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