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PROJETO DELTA – CADERNO DE RESUMO – PROCESSO PENAL COMPETÊNCIA CRIMINAL CAPITULO I – PREMISSAS FUNDAMENTAIS E ASPECTOS INTRODUTÓRIOS 1. Jurisdição e competência Frente a vedação da autotutela (salvo em hipóteses excepcionais, como a legitima defesa, estado de necessidade e até mesmo nos casos, de prisão em flagrante), caso haja resistência de uma das partes à pretensão da outra, surge a necessidade de que o Estado, através do processo, resolva esse conflito de interesses opostos, dando a cada um o que é seu e reintegrando a ordem e a paz no meio social. Desse importante mister se desincumbe o Estado por meio da jurisdição, poder-dever reflexo de sua soberania, por meio do qual, substituindo-se à vontade das partes, coativamente age em prol da segurança e da ordem social. No âmbito especifico da jurisdição penal, cogita-se da resolução de um conflito intersubjetivo de interesse: por um lado, na intenção punitiva do Estado, inerente ao ius puniendi; por outro, no direito de liberdade do cidadão. Esses dois interesses traduzem o conteúdo da causa penal, que deve se limitar à verificação da materialidade de fato típico, ilícito e culpável, à determinação da respectiva autoria, e à incidência, ou não àquele, da norma penal material incriminadora. Caracteriza-se a jurisdição pela aplicação do direito objetivo a um caso concreto. Como função estatal que é, a jurisdição é uma (princípio da unidade da jurisdição), o que, no entanto, não significa dizer que um mesmo juiz possa processar e julgar todas as causas. Nem todos os juízes podem julgar todas as causas, razão pela qual motivos de ordem pratica obrigam o Estado a distribuir esse poder de julgar entre vários juízes e Tribunais. Cada órgão jurisdicional somente pode aplicar o direito objetivo dentro dos limites que lhe foram conferidos nessa distribuição. ‘Essa distribuição, que autoriza e limita o exercício do poder de julgar no caso concreto, é a competência. Competência pode ser compreendida como a medida e o limite da jurisdição, dentro dos quais o órgão jurisdicional poderá aplicar o direito objetivo ao caso concreto. O poder de fazer atuar a jurisdição que tem um órgão jurisdicional diante de um caso concreto. Decorre esse poder de uma delimitação prévia, constitucional e legal, estabelecida segundo critérios de especialização da justiça, distribuição territorial e divisão de serviço. 2. Princípio do juiz natural Compreendido como o direito que cada cidadão tem de saber, previamente, a autoridade que irá processar e julga- lo caso venha a praticar uma conduta definida como infração penal pelo ordenamento jurídico. Juiz natural, ou juiz legal é aquele constituído antes do fato delituoso a ser julgado, mediante regras taxativas de competência estabelecida pela lei. Visa assegurar que as partes sejam julgadas por um juiz imparcial e independente. Cuida-se de princípio fundamental do processo penal, impedindo o julgamento da causa por juiz ou tribunal cuja competência não esteja, previamente ao cometimento do fato delituoso, definida na Constituição Federal. Não consta expressa previsão na CF; podemos extrai-lo de forma implícita do inciso XXXVII, do Art. 5º, da CF. Deste extrai-se a vedação aos juízos ou tribunais de exceção. Juízo de exceção é aquele juízo instituído após a prática do delito com o objetivo especifico de julgá-lo. Da vedação aos juízes de exceção não se pode concluir que exista qualquer impedimento à criação de justiças especializadas ou de varas especializadas. Embora dúplice a garantia do juiz natural, manifestada com a proibição de tribunais extraordinárias e com o impedimento à subtração da causa ao tribunal competente, a expressão ampla dessas garantias desdobra-se em três regras de proteção: a. só podem exercer jurisdição os órgãos instituídos pela constituição; b. ninguém pode ser julgado por órgão instituído após o fato; e PROJETO DELTA – CADERNO DE RESUMO – PROCESSO PENAL c. entre os juízes pré-constituídos vigora uma ordem taxativa de competências que exclui qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja. I. Lei processual que altera as regras de competência Tem prevalecido na jurisprudência o entendimento de que a modificação da competência criminal, decorrente de lei que a altere em razão da matéria, não viola o princípio do juiz natural, dado que, na CF, esse primado não tem o mesmo alcance daquele previsto em constituições estrangeiros, que exige seja o julgamento realizado por juízo competente estabelecido em lei anterior aos fatos, tanto que o inciso LIII, do Art. 5º, da CF somente assegurou o processo e julgamento frente a autoridade competente, sem exigir deva o juízo ser pré-constituído ao delito a ser julgado. Para a jurisprudência, norma que altera a competência tem natureza genuinamente processual. Logo, aplica-se a ela o princípio da aplicação imediata. Em se tratando de lei processual que venha a alterar regras de competência, tem prevalecido o entendimento de que essa norma deve ser aplicada imediata aos processos em andamento, salvo se já houver sentença relativa ao mérito, hipótese em que o processo deve seguir na jurisdição em que ela foi prolatada, ressalvada a hipótese de supressão do Tribunal que deveria julgar o recurso. Admite-se a aplicação subsidiária do CPC, que dispõe sobre a perpetuatio jurisdictionis em seu Art. 43: Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta. Em regra, o processo ser concluído perante o juiz em que teve início, salvo três situações: a. Extinção do órgão judiciária; b. Alteração de competência em razão da matéria; e c. Alteração da competência hierárquica. Em regra, pode afirmar-se que norma processual que altera a competência tem aplicação imediata, daí não emergindo qualquer violação ao princípio do juiz natural. Caso já haja sentença de mérito à época da alteração da competência da justiça da competência de Justiça, ter-se-á prorrogação automática e superveniente da competência da Justiça anterior, de modo que a atividade jurisdicional recursal posterior há de se basear na competência já disposta, firmada pela sentença de mérito proferida. II. Convocação de juízes de 1º grau de jurisdição para substituição de Desembargadores Inicialmente, importa analisarmos se há previsão para essa substituição de desembargadores, o que de fato ocorre. Nesse sentido, prevê o Art. 118, da Lei Complementar nº 35/1979: Em caso de vaga ou afastamento, por prazo superior a 30 (trinta) dias, de membro dos Tribunais Superiores, dos Tribunais Regionais, dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais de Alçada, (Vetado) poderão ser convocados Juízes, em Substituição (Vetado) escolhidos (Vetado) por decisão da maioria absoluta do Tribunal respectivo, ou, se houver, de seu Órgão Especial. O § 1º, prevê que a convocação far-se-á mediante sorteio público dentre: (inciso I) os Juízes Federais, para o Tribunal Federal de Recursos; (inciso II) o Corregedor e Juízes Auditores para a substituição de Ministro togado do Superior Tribunal Militar; (inciso III) Os Juízes da Comarca da Capital para os Tribunais de Justiça dos Estados onde não houver Tribunal de Alçada e, onde houver, dentre os membros deste para os Tribunais de Justiça e dentre os Juízes da Comarca da sede do Tribunal de Alçada para o mesmo; (inciso IV) os Juízes de Direito do Distrito Federal, para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios; e (inciso V) os Juízes Presidentes de Junta de Conciliação o Julgamento da sede da Região para os Tribunais Regionais do Trabalho. Para que essa convocação seja considerada válida, é indispensável que haja a prefixação de qual será o juiz convocado, segundo critérios objetivos predeterminados.A substituição deve se dar mediante singela convocação de juízes escolhidos por decisão da maioria absoluta do Tribunal ou, se houver, de seu órgão especial, afastados quaisquer critérios subjetivos, não se podem considerar válido dispositivo de Regimento Interno que permite ao Desembargador substituído indicar seu substituto para PROJETO DELTA – CADERNO DE RESUMO – PROCESSO PENAL efeito de recrutamento. Em síntese, os RI dos Tribunais podem explicitar os meios para a convocação de juízes de 1º Grau para substituir os desembargadores, desde que obedecidos os limites estabelecidos na Lei Complementar nº 35/1979. Nesse caso não há violação ao princípio do juiz natural. Quanto à possibilidade de realização de julgamento por turma ou câmara do Tribunal composta, em sua maioria, por juízes convocados, é dominante o entendimento no sentido de que se trata de decisão plenamente válida, desde que a convocação tenha sido feita na forma prevista em lei. Para o STF, a convocação de juízes de 1º grau para atuar em julgamentos levados a efeito por Tribunais não ofende o princípio do Juiz Natural considera-se que: a. a Constituição Federal assegura o direito à razoável duração do processo; b. a convocação de juízes está de acordo com o princípio do juiz natural, consubstanciado na estrita prevalência de um julgamento imparcial e isonômico para as partes, por meio de juízes togados, independentes e regularmente investidos em seus cargos; c. a integração dos juízes de 1º grau nas câmaras se dá de forma aleatória, sendo os recursos distribuídos livremente entre eles, sendo que as convocações são feitas por ato oficial, prévio e público, não havendo se falar em nomeação ad hoc, daí por que tais magistrados não podem ser considerados juízes de exceção; d. ad argumentandum tantum, ainda que se considerasse que o princípio do juiz natural tivesse sido violado, haver-se-ia de se proceder a uma necessária ponderação de valores, contrastando o referido postulado com o da segurança jurídica – diante da possibilidade de se anular dezenas de milhares de decisões criminais, a maioria das quais já transitada em julgado, no sopesamento de normas com densidade axiológica equivalente, haveria de prevalecer o postulado da segurança jurídica. 3. Espécie de competência A doutrina costuma distribuir a competência considerando quatro aspectos diferentes: a. Ratione materiae - é aquela estabelecida em virtude da natureza da infração penal praticada; b. Ratione funcionae – a doutrina prefere utilizar a expressão ratione personae. Essa espécie de competência, relativa aos casos de foro por prerrogativa de função, de modo algum guarda qualquer relação com a pessoa do acusado, mas sim com as funções por ele desempenhadas. Leva em consideração as funções desempenhadas pelo agente como critério para a fixação de competência; c. Ratione loci – uma vez delimitada a competência da justiça, importa delimitarmos em qual comarca ou subseção judiciária será processado e julgado o agente. Daí a fixação da competência territorial, seja pelo lugar da infração, seja pelo domicílio ou residência do réu; d. Competência funcional – é a distribuição feita pela lei entre diversos juízes da mesma instância ou de instancias diversas para, num mesmo processo, ou em um segmento ou fase do seu desenvolvimento, praticar determinados atos. A competência é fixada conforme a função que cada um dos vários órgãos jurisdicionais exerce em um processo. São três as espécies de competência funcional: i. Competência funcional por fase do processo – de acordo com a fase do processo, um órgão jurisdicional diferente exerce a competência; ii. Competência funcional por objeto do juízo – cada órgão jurisdicional exerce a competência sobre determinadas questões a serem decididas no processo, como ocorre em juízos colegiados heterogêneos; e iii. Competência funcional por grau de jurisdição – divide a competência entre órgãos jurisdicionais superiores e inferiores. A lei, em razão da natureza do processo, distribui as causas entre órgãos judiciários que são escalonados em graus. Em tal hipótese, a competência pode ser originária (competência por prerrogativa de função) ou em razão de recurso (princípio do duplo grau de jurisdição); iv. Competência funcional horizontal – quando não há hierarquia entre os vários órgãos jurisdicionais, tal como ocorre, em regra, nos casos de competência funcional por fase do processo e por objeto do juízo; e v. Competência funcional vertical – quando há hierarquia jurisdicional entre os órgãos, verificando-se por graus de jurisdição. 4. Competência Absoluta e Relativa Doutrina e jurisprudência são uníssonas em dividir as espécies de competência em absoluta e relativa. PROJETO DELTA – CADERNO DE RESUMO – PROCESSO PENAL I. Quanto a natureza do interesse Denomina-se absoluta a hipótese de fixação de competência que tem origem em norma constitucional, apresentando como seu fundamento o interesse público na correta e adequada distribuição de Justiça. Como é interesse público que determina a criação dessa regra de competência, essa espécie é indisponível às partes e se impõe com força cogente ao juiz. Não admite modificações, cuidando-se de uma competência improrrogável, imodificável. A competência determinada em razão da matéria, da pessoa ou da função é inderrogável por convenção das partes. Caso um juiz absolutamente incompetente decida determinada causa, até que sua incompetência seja declarada, essa sentença não será considerada inexistente, mas sim dotada da nulidade absoluta, dependendo de pronunciamento judicial para ser desconstituída. A nulidade dos atos processuais não é automática, ficando o seu reconhecimento condicionado a um pronunciamento judicial, retirando a eficácia do ato praticado irregularmente. Se a incompetência absoluta produz uma nulidade absoluta, convém destacar as principais características dessa espécie de nulidade: a. pode ser arguida a qualquer momento, enquanto não houver o trânsito em julgado da decisão. Em se tratando de sentença condenatória ou absolutória imprópria, as nulidades absolutas podem ser arguidas mesmo após o trânsito em julgado. O único limite ao reconhecimento da incompetência absoluta refere-se à coisa julgada pro reo, diante da vedação constitucional do reformatio pro societate. A sentença absolutória proferida por juiz absolutamente incompetente é capaz de transitar em julgado e produzir efeitos regulares, dentre eles o de impedir novo processo pela mesma imputação; e b. o prejuízo é presumido. São exemplos de competência absoluta: 1) competência em razão da matéria; 2) competência por prerrogativa de função; e 3) competência funcional. Tem-se como relativa a hipótese de fixação de competência pelas regras infraconstitucionais que atende ao interesse preponderante das partes, seja para facilitar ao autor o acesso ao judiciário, seja para propiciar ao réu melhores oportunidades de defesa. Mesmo em se tratando de hipótese de competência relativa, sempre haverá, em certa medida, algum interesse público. Todavia, terá caráter preponderante o interesse das partes, em função de atribuir-se a elas o ônus da prova de suas alegações. Essa espécie de competência admite prorrogação, ou seja, caso não seja invocada no momento oportuno, um juízo que abstratamente seria incompetente para processar e julgar um feito passará a ter competência para julga-lo no caso concreto. Eventual inobservância a uma regra de competência relativa poderá dar ensejo no caso concreto. Eventual inobservância a uma regra de competência relativa poderá dar ensejo, no máximo, se comprovado prejuízo, a uma nulidade relativa, cujas principais características são: a. deve ser arguida oportuno tempore (na primeira oportunidade de se manifestar nos autos) sob pena de preclusão; b. o prejuízo deve ser comprovado. São exemplos de competência relativa: 1) competênciaterritorial; 2) competência por prevenção; 3) competência por distribuição; e 4) competência por conexão ou continência. II. Quanto a arguição da incompetência A exceção de incompetência encontra previsão legal no Art. 95, II, do CPP. Esta poderá ser arguida, verbalmente ou por escrito, no prazo de defesa. A exceção de incompetência deve ser oposta no prazo da resposta a acusação – 10 dias – a qual é oferecida logo após a citação pessoa ou por hora certa do acusado. Pode veicular tanto a incompetência absoluta quanto a relativa. As exceções serão processadas em autos apartados e não suspenderão, em regra, o andamento da ação penal. PROJETO DELTA – CADERNO DE RESUMO – PROCESSO PENAL O fato de a parte arguir a incompetência sem fazê-lo por meio da oposição de uma exceção, quer o faça o bojo da resposta a acusação, quer o faça em sede de memoriais, não impede que o magistrado conheça e aprecie a preliminar. No processo penal o juiz pode declarar de ofício tanto a incompetência absoluta quanto a relativa. A Súmula nº 33 do STJ1 não se aplica ao processo penal. A apreciação da competência pelo magistrado deve anteceder a análise de todas as demais questões processuais de mérito e de mérito. A única questão que antecede a análise da competência é a imparcialidade. A partir da inserção do princípio da identidade física do juiz no processo penal, o reconhecimento de ofício da incompetência relativa somente pode ocorrer até o início da instrução processual. Iniciada a instrução, haveria preclusão da matéria, inclusive para o magistrado. Reconhecida a incompetência absoluta ou relativa de ofício pelo juiz, o juiz recipiente, ou seja, aquele que receber os autos, não está obrigado a acatar a decisão judicial anterior. Se entender que a competência para o processo e julgamento da causa é do mesmo juízo que declinou da competência poderá suscitar um conflito negativo de competência é de um outro juízo, também pode reconhecer sua incompetência de ofício, remetendo os autos a esse terceiro juízo. Se, no entanto, o juízo recipiente aceitar a competência, o processo retomará seu curso normal, devendo o magistrado ficar atento à necessidade de prolação de atos decisórios em substituição àqueles cuja nulidade foi reconhecida em face da incompetência. Caso o juiz decline de ofício de sua competência, ambas as partes estarão legitimadas a recorrer. A via impugnativa adequada será o recurso em sentido estrito. É possível que o juiz rejeite eventual arguição de declinação de competência formulado pelo MP. III. Quanto a reconhecimento da incompetência no juízo ad quem Na hipótese de o conhecimento da matéria ser devolvido ao Tribunal em virtude da irresignação da acusação ou da defesa, é plenamente possível que o Tribunal declare a incompetência absoluta ou relativa, lembrando que, em relação a esta, sua arguição deve ter sido feita oportunamente na 1ª instância, sob pena de já ter se operado a preclusão. A controversa gira em torno da possibilidade de o Tribunal reconhecer ex officio a incompetência absoluta ao apreciar determinado recurso. Diante do silêncio das partes quanto à incompetência relativa operou-se a preclusão, inviabilizando o seu reconhecimento pelo Tribunal. Especial atenção deve ser dispensada a Súmula 160 do STF2 segundo a qual é nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício. Por força desse preceito sumular, há quem entenda que a incompetência absoluta e a incompetência relativa só podem ser reconhecidas pelo juízo ad quem nas hipóteses em que o conhecimento da matéria for expressamente devolvido ao Tribunal em face de recurso interposto pela acusação ou nos casos de recurso de ofício. Logo a exceção dessas hipóteses, não seria dado ao Tribunal conhecer de ofício a incompetência, sob penal de causa indevido prejuízo ao acusado. Assim, eventual violação ao princípio do juiz natural só pode ser invocada em favor do acusado e nunca em seu prejuízo. Na hipótese de recurso exclusivo da defesa em face da sentença condenatória, seja nas hipóteses de reconhecimento ex officio da incompetência absoluta, é inadmissível que se imponha pena mais grave ao acusado, ainda que o 1 Súmula 33, do STJ: A incompetência relativa não pode ser declarada de oficio. 2 Inaplicabilidade da Súmula 160 em caso de incompetência para julgamento do feito. A competência penal em razão da matéria é de ordem pública, podendo ser alegada ou reconhecida a qualquer momento, inclusive de ofício, não sendo suscetível de convalidação. Ela decorre de uma ofensa a princípio constitucional do processo penal, no caso, o do juiz natural, sendo irrelevante o fato da parte sentir-se prejudicada, pois o interesse maior, consistente na proteção às normas constitucionais, prevalece sobre o interesse pessoal. Consequentemente, não se lhe aplicam a regra do art. 571, I, do Código de Processo Penal, e a Súmula 160 do Supremo Tribunal (É nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício). [HC 107.457, rel. min. Cármen Lúcia, 2ª T, j. 2-10-2012, DJE 207 de 22-10-2012. PROJETO DELTA – CADERNO DE RESUMO – PROCESSO PENAL decreto condenatório seja anulado por incompetência absoluto do juízo, em observância ao princípio do ne reformatio in pejus. Não se admite a imposição de efeitos mais gravosos ao acusado do que aqueles que subsistiram com o trânsito em julgado caso não tivesse recorrido. Como se manifestou o STJ, há precedentes nos dois sentidos. Uns afirmam que, por se tratar de nulidade absoluta, passível, portanto, de ser reconhecida a qualquer tempo, até mesmo de ofício, não haveria proibição quanto ao agravamento da situação do acusado em eventual condenação deve limitar-se, como teto, à pena estabelecida pela primeira decisão. Impõe-se, assim, que a nova condenação pelo juiz natural da causa não exceda o quantum de pena anteriormente fixado, em observância ao princípio ne reformatia in pejus. IV. Quanto as consequências da incompetência absoluta e relativa Às consequências da incompetência, apesar de entendimento doutrinário minoritário no sentindo de que a incompetência absoluta tem o condão de implicar a inexistência do processo, dispõe o Art. 567 do CPP que a incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente. Prevalece o entendimento de que os atos praticados por juízo incompetente são atos nulos e não inexistentes, já que, em última análise, foram proferidos por juiz regularmente investido de jurisdição. Assim a nulidade decorrente de sentença prolatada com vício de incompetência de juízo precisa ser declarada e, embora não possua o alcance das decisões validas, pode produzir efeitos. Só seria possível falar-se em inexistência jurídica do processo caso este se desenvolvesse perante pessoa que, por não estar investido no cargo judiciário, ou por já esta ele desvinculado, não seria considerado órgão dotado de jurisdição. Na hipótese desse não-juiz prolatar uma decisão, desse ato não resultará efeito jurídico. O reconhecimento da incompetência no processo penal não acarreta a extinção do processo. A declaração de incompetência acarretará apenas a remessa dos autos ao órgão competente, salvo se o magistrado concluir pela incompetência da Justiça Brasileira, no plano internacional, quando então deverá extinguir o processo. Parcela da doutrina entende que o Art. 567 do CPP, ao se referir à anulação exclusiva dos atos decisórios, aplica- se apenas às hipóteses de incompetência relativa, na medida em que, nas hipóteses de incompetência absoluta, ter- se-ia a anulação dos atos decisórios e também dos atos probatórios. A jurisprudência sempre entendeu que mesmo para oscasos de incompetência absoluta no processo penal, somente os atos decisórios seriam anulados, sendo possível, por conseguinte, a ratificação dos atos não-decisórios. O STF passou a admitir a possibilidade de ratificação pelo juízo competente inclusive quanto aos atos decisórios. Na dicção do Supremo, tanto a denúncia quanto o seu recebimento, emanados de autoridades incompetentes rationae materiae são ratificáveis no juízo competente. Prevalece nos Tribunais o entendimento de que os atos probatórios não devem ser anulados no caso de reconhecimento de incompetência, sendo possível que até mesmo os atos decisórios sejam ratificados perante o juízo competente. O recebimento da denúncia ou da queixa por juízo incompetente não tem o condão de interromper o curso do prazo prescricional, o que somente ocorrerá quando se der a ratificação da referida decisão pelo juízo competente, observada a compatibilidade procedimental. Quando efetuado por órgão judiciário absolutamente incompetente, o recebimento da denúncia não se reveste de eficácia interruptiva da prescrição penal, eis que decisão nula não pode gerar a consequência jurídica a que se refere o Art. 117, I, do CP3. 3 Art. 117 - O curso da prescrição interrompe-se: I - pelo recebimento da denúncia ou da queixa; PROJETO DELTA – CADERNO DE RESUMO – PROCESSO PENAL Prevalece o entendimento nos tribunais o entendimento de que não se faz necessário o oferecimento de nova peça acusatória pelo órgão do MP com atribuições para a demanda, bastando que o Parquet ratifique a peça acusatória anteriormente oferecida, com eventual aditamento que se fizer necessário. Em se tratando de órgãos do Parquet pertencentes ao mesmo MP, e de mesmo grau funcional, sequer se faz necessária a ratificação da peça acusatória, em virtude do princípio da unidade e da indivisibilidade do MP. Caso não haja a ratificação da peça acusatória anteriormente oferecida, nem tampouco a apresentação de nova denúncia pelo órgão ministerial, ter-se-á a inexistência do processo. V. Quanto a coisa julgada nos casos de incompetência absoluta ou relativa Em se tratando de juízo relativamente incompetente, o trânsito em julgado do decisum não apresenta maiores problemas, pois, com a prorrogação da competência, seja pela não arguição das partes oportuno temporae, seja pela não manifestação de ofício pelo juiz, não há falar em sentença proferida por juízo incompetente. Assim, não será cabível habeas corpus nem tampouco revisão criminal. Caso a decisão tenha sido proferida por juízo absolutamente incompetente, é importante saber, a priori, se se trata de decisão absolutória, ou de decisão condenatória ou absolutória imprópria. Decisão absolutória ou extintiva da punibilidade é capaz de transitar em julgado e produzir efeitos, impedindo que o acusado seja novamente processado pela mesma imputação perante a justiça competente. Em se tratando de sentença condenatória ou absolutória imprópria proferida por juízo absolutamente incompetente, é importante lembrar que, enquanto essa nulidade absoluta não for declarada como tal, esse ato processual é apto a produzir seus efeitos regulares, Logo, como a sentença condenatória ou absolutória imprópria com trânsito em julgado proferida por juízo absolutamente incompetente é dotada de nulidade absoluta. A desconstituição da coisa julgada material depende do ajuizamento de revisão criminal ou da interposição de habeas corpus, lembrando que, no caso do remédio constitucional, seu cabimento estará condicionado à demonstração da presença de risco atual ou iminente de constrangimento à liberdade de locomoção do condenado. Quadro sinóptico dos Regimes jurídicos das regras de incompetência absoluta e relativa Competência Absoluta Competência Relativa Regra da competência criada com base no interesse público. Regra de competência criada com base no interesse preponderante das partes. A regra de competência absoluta não pode ser modificada, ou seja, cuida-se de competência improrrogável ou imodificável. A regra de competência relativa pode ser modificada, ou seja, cuida-se de competência prorrogável ou derrogável. Incompetência absoluta é causa de nulidade absoluta: a. pode ser arguida em qualquer momento, mesmo após o trânsito em julgado (após a formação da coisa julgada somente pode ser arguida em favor do acusado, por meio de revisão criminal ou habeas corpus); e b. o prejuízo é presumido. Incompetência relativa é causa de, no máximo, nulidade relativa: a. deve ser arguida no momento oportuno (resposta a acusação – CPP, Art. 396-A), sob pena de preclusão; b. prejuízo deve ser comprovado. Pode ser reconhecida ex officio pelo magistrado, enquanto não esgotada sua jurisdição pela prolação de sentença. Pode ser reconhecida ex officio pelo magistrado, porém somente até o início da instrução processual, em virtude da adoção do princípio da identidade física do juiz (CPP, Art. 399, § 2º). Não se aplica ao processo penal a Súmula nº 33, do STJ. Pode ser arguida por meio de exceção de incompetência. Porém, como o magistrado pode conhece-la de ofício, nada impede que a parte aborde a incompetência absoluta de outra forma. Pode ser arguida por meio de exceção de incompetência. Porém, como o magistrado pode conhece-la de ofício, nada impede que a parte aborde a incompetência absoluta de outra forma. Se a competência absoluta não admite modificações, a conexão e a continência, que são causas modificativas da competência, não podem alterar uma regra de competência absoluta. Como a competência relativa admite modificações, a conexão e a continência podem funcionar como critérios modificativos da competência, tornando competente para o caso concreto juiz que não o seria sem elas. Nesse sentido: art. 54 do novo CPC. Exemplos: ratione materiae, ratione funcionae e competência funcional. Exemplos: ratione loci, competência por distribuição, competência por prevenção (súmula nº 706 do STF), conexão e continência. PROJETO DELTA – CADERNO DE RESUMO – PROCESSO PENAL 5. Fixação da competência criminal Ao se buscar o juízo competente para processar e julgar determinada infração penal, devemos passar por várias etapas sucessivas, concretizando-se gradativamente o poder de julgar, passando do geral para o particular, do abstrato ao concreto. Esse caminho que se percorre quando da fixação da competência pode assim ser sintetizado, parando-se na fase em que a competência estiver determinada ou prosseguindo-se até que seja devidamente fixada: a. Competência da justiça – qual é a justiça competente? A doutrina costuma dividir as Justiças em especial e comum. São consideradas justiças especiais: 1) Justiça Militar (da União e dos Estados); 2) Justiça Eleitoral; 3) Justiça do Trabalho; e 4) Justiça Política (crimes de responsabilidade). Da Justiça comum fazem parte a Justiça Comum Federal (geral, júri e juizados) e a Justiça Comum Estadual (geral, júri e juizados); b. Competência originária – o acusado é titular de foro por prerrogativa de função? O acusado encontra-se no exercício de cargo ou função que o sujeite diretamente a determinado tribunal, perante o qual deva ser oferecida a peça acusatória? c. Competência de foro ou territorial – qual o foro competente para processar e julgar a infração penal? Qual comarca (Justiça Estadual), seção ou subseção (Justiça Federal), Circunscrição Judiciária Militar (Justiça Militar) ou Zona Eleitoral (Justiça Eleitoral) competente? d. Competência de juízo – qual o juízo competente para processar e julgar a infração penal? – análise acerca da possível existência de vara especializada para o julgamento; e. Competência interna ou de juiz – qual o juiz ou órgão internamente competente? – é determinada a partir da distribuição; e f. Competência recursal – a qual órgão recursal compete o julgamento de eventual recurso?Em regra, essa competência recursal recai sobre órgão jurisdicional superior. No que se refere a justiça penal comum, o Art. 69, do CPP estabelece os seguintes critérios de determinação da competência jurisdicional: i. o lugar da infração: ii. o domicílio ou residência do réu; iii. a natureza da infração; iv. a distribuição; v. a conexão ou continência; vi. a prevenção; e vii. a prerrogativa de função. Por sua vez, o CPPM, em seu Art. 85, estabelece como critérios de fixação de competência os seguintes pontos: a. de modo geral i. lugar da infração; ii. residência ou domicílio do acusado; iii. pela prevenção. b. de modo especial, pela sede do lugar de serviço. 6. Competência internacional Quem estabelece os limites internacionais da jurisdição de cada Estado são as normas internas desse mesmo Estado. Entretanto, como destaca a doutrina o legislador não leva muito longe a jurisdição de seu país, tendo em conta principalmente duas ponderações ditadas pela experiência e pela necessidade de coexistência com outros Estados soberanos: a) a conveniência (excluem-se os conflitos irrelevantes para o Estado, porque o que lhe interessa, afinal, é a pacificação no seio da sua própria convivência social); b) a viabilidade (excluem-se os casos em que não será possível a imposição do cumprimento da sentença). PROJETO DELTA – CADERNO DE RESUMO – PROCESSO PENAL A competência internacional é definida pelas regras de territorialidade e extraterritorialidade definidas nos Art. 5º a 7º do CP4. A regra da territorialidade, é competente a autoridade judiciária brasileira para o processo e julgamento dos crimes cometidos no território nacional. Tem-se como território no sentido estrito o solo, o subsolo, as águas interiores, o mar territorial, a plataforma continental e o espaço aéreo acima de seu território e seu mar territorial. Considera-se como como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar. O sistema jurídico pátrio adota a teoria da ubiquidade, que atribui competência ao judiciário brasileiro para todas as infrações que, em qualquer fase do iter criminis, tenham ocorrido no território nacional ou suas intenções. As regras da extraterritorialidade são da competência do Poder Judiciário Brasileiro, embora cometidas no estrangeiro, os crimes cometidos (Art. 7, I, do CP) a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; e d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil. Também ficarão submetidos a lei brasileira embora cometidos no estrangeiro os crimes (Art. 7, II, do CP) a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; b) praticados por brasileiro; c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. No caso do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende de um concurso das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no § 2º, do Art. 7º, do CP, desde que não tenha sido pedida ou tenha sido negada a extradição, e desde que haja a requisição do Ministro da Justiça. Os crimes cometidos no estrangeiro têm sua ação (ou omissão) e resultados produzidos integralmente no estrangeiro. Mesmo assim, por força do Art. 7º, do CP, sujeitam-se a lei brasileira. 4 Territorialidade Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. § 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar. § 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil. Lugar do crime Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Extraterritorialidade Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I - os crimes: a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; II - os crimes: a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; b) praticados por brasileiro; c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. § 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. § 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior: a) não foi pedida ou foi negada a extradição; b) houve requisição do Ministro da Justiça. PROJETO DELTA – CADERNO DE RESUMO – PROCESSO PENAL Nesses casos de extraterritorialidade da lei penal brasileira, a competência será da justiça comum estadual, haja vista a inexistência de qualquer hipótese que atraia a competência da Justiça Federal. 7. Tribunal Penal Internacional Com as inúmeras violações de direitos humanos ocorridos a partir das primeiras décadas do Século XX, notadamente com as duas grandes guerras mundiais, surgiu a ideia de um ius puniendi em nível global, buscando a instituição de uma moderna Justiça Penal Internacional; esta pode ser compreendida como “o aparato jurídico o conjunto de normas instituídas pelo Direito Internacional, voltados à persecução e a repressão dos crimes perpetradoscontra o próprio Direito Internacional, e cuja gravidade é de tal ordem e de tal dimensão, em decorrência do horror e da barbárie que determinam ou pela vastidão do perigo que provocam no mundo, que passam a interessar a toda a sociedade dos Estado concomitantemente. Surgiu daí a necessidade de criação de uma instância penal internacional, de caráter permanente e imparcial, instituída para processar e julgar os acusados pela prática dos crimes mais graves que afetassem a comunidade internacional no seu conjunto. No âmbito penal internacional, o TPI entrou em vigor em 1º de julho de 2002, data esta que corresponde ao primeiro dia do mês seguinte ao termo do período de 60 dias após a data do depósito do sexagésimo instrumento de ratificação. A jurisdição do TPI não é estrangeira, mas sim internacional, podendo afetar todo e qualquer Estado-parte da ONU. Não se confunde com a chamada jurisdição universal, que consiste na possibilidade de o Poder Judiciário de determinado país julgar crimes de guerra ou crimes contra a humanidade cometidos em territórios alheios, tal qual ocorre nos casos da extraterritorialidade da lei penal brasileira. O TPI será complementar as jurisdições penais nacionais, sendo chamado a intervir somente se e quando a justiça repressiva interna não funcionar. Adotou-se o denominado princípio da complementariedade. As condições que legitimam a o exercício, e sempre em caráter subsidiário, da jurisdição pelo TPI: surge o TPI como aparato complementar as cortes nacionais com o objetivo de assegurar o fim da impunidade para os mais graves crimes internacionais, considerando que, por vezes, na ocorrência de tais crimes, as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na realização da justiça. Afirma-se, desse modo, a reponsabilidade primária do Estado com relação ao julgamento de violações de direitos humanos, tendo a comunidade internacional a responsabilidade subsidiária. A jurisdição do TPI é adicional e complementar a do Estado, ficando, pois, condicionada à incapacidade ou à omissão do sistema judicial interno. O TPI decidirá sobre a não admissibilidade de um caso se: a. O caso for objeto de inquérito ou de procedimento criminal por parte de um Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo, salvo se este não tiver vontade de levar a cabo o inquérito ou o procedimento criminal, ou não tenha capacidade para fazê-lo; b. O caso tiver sido objeto de inquérito por um Estado com a jurisdição sobre ele e tal estado tenha decidido não dar seguimento ao procedimento criminal contra a pessoa em causa, a menos que esta decisão resulte do fato de esse Estado não ter vontade de proceder criminalmente ou da sua incapacidade real para o fazer; c. A pessoa em causa já tiver sido julgada pela conduta a que se refere a denúncia, e não puder ser julgada pelo Tribunal em virtude do disposto no § 3, do Artigo 205; e d. O caso não for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do Tribunal. 5 Artigo 20 [...] 3. O Tribunal não poderá julgar uma pessoa que já tenha sido julgada por outro tribunal, por atos também punidos pelos artigos 6º, 7º ou 8º, a menos que o processo nesse outro tribunal: a) Tenha tido por objetivo subtrair o acusado à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal; ou b) Não tenha sido conduzido de forma independente ou imparcial, em conformidade com as garantias de um processo eqüitativo reconhecidas pelo direito internacional, ou tenha sido conduzido de uma maneira que, no caso concreto, se revele incompatível com a intenção de submeter a pessoa à ação da justiça. PROJETO DELTA – CADERNO DE RESUMO – PROCESSO PENAL A fim de determinar se há ou não vontade de agir num determinado caso, o TPI, tendo em consideração as garantias de um processo equitativo reconhecidas pelo direito internacional, verificará a existência de uma ou mais das seguintes circunstâncias: a. O processo dever ser instaurado ou estar pendente ou a decisão ter sido proferida no Estado com o propósito de subtrair a pessoa em causa à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do TPI; b. Deve ter havido demora injustificada no processamento, a qual, dadas circunstâncias, se mostra incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causas perante a justiça; e c. O processo não ter sido ou não estar sendo conduzido de maneira independente ou imparcial, e ter estado ou estar sendo conduzido de uma maneira, que dadas circunstâncias, seja incompatível com a intenção de levar a pessoa me causa perante a justiça. O TPI verificará ainda se o Estado, por colapso total ou substancial da respectiva administração da justiça ou por indisponibilidade desta, não estará em condições de fazer comparecer o acusado, de reunir os meios de prova e depoimentos necessários ou não estará, por outros motivos, em condições de concluir o processo. A jurisdição o TPI está restrito aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Assim, podemos apontar que o TPI é competente para julgar as seguintes condutas: a. Crime de genocídio; b. Crimes contra a humanidade; c. Crimes de guerra; e d. Crimes de agressão. Os crimes de guerra, contra a humanidade e de agressão ainda não estão previstos em nossa legislação e demandam regulamentação legal. O Estatuto de Roma submete à jurisdição dessa Alta Corte judiciária qualquer pessoa que haja incidido na prática de crimes de genocídio, de guerra, contra a humanidade e de agressão, independentemente da sua qualidade oficial. A jurisdição do TPI não alcança pessoas menores de 18 anos. O pedido de entrega (surrender) não se confunde com a demanda extradicional. Por entrega entende-se a entrega de uma pessoa por um Estado ao TPI, nos termos do Estatuto de Roma; por extradição entende-se a entrega de uma pessoa por um Estado à outro Estado, conforme previsão de tratado ou convenção ou no direito interno. CAPITULO II – COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA 1. Competência Criminal da Justiça Militar I. Justiça Militar da União e Justiça Militar dos Estados É de fundamental relevância a análise da estrutura da Justiça Militar, estabelecendo as diferenças existentes entre a Justiça Militar da União e a Justiça Militar dos Estados. A. Quanto a competência criminal Tanta a justiça militar da união quanto a justiça militar dos estados só têm competência para julgar crimes militares. À Justiça Militar da União compete processar e julgar os crimes militares definidos por lei; por sua vez a justiça militar dos estados compete julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei. Considerando que à Justiça Militar compete tão somente o julgamento de crimes militares, mesmo que haja conexão entre um crime comum e um militar, deverá haver a separação dos processos. Nesse sentido a Súmula 90 do STJ: Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele. PROJETO DELTA – CADERNO DE RESUMO – PROCESSO PENAL Mas e se o crime militar for absorvido pelo crime comum pelo princípio da consunção? Em tal situação deverá ser afastada a competência da Justiça Militar. Ainda em relação à distinção entre as duas Justiças Militares no tocante à competência criminal, é de todo conveniente destacar que a Justiça Militar Estadual não tem competência para o processo e julgamento de eventual crime doloso contra a vida cometido por militar estadual, ainda que em serviço, contra civis. Em sentido diverso, ao tratar da competência da Justiça Militar da União, o art. 124 da Carta Magna não contempla ressalva semelhante. Não por outro motivo, a Lei n. 13.491/17 deliberou por ampliar a competência da Justiça Militar da União para o processo e julgamento de crimes dolosos contra a vida cometidos por militares das ForçasArmadas contra civis. B. Quanto a competência para o processo e julgamento de ações judiciais contra atos disciplinares militares A competência da Justiça Militar da União está circunscrita ao processo e julgamento dos crimes militares. Competência idêntica possuía a Justiça Militar dos Estados, entretanto, com a entrada em vigor da EC 45/2004, a justiça militar estadual teve sua competência ampliada, passando a julgar além dos crimes militares cometidos pelos militares do Estado, ação judiciais contra atos disciplinares militares. Nos Estados que não tenham Justiça Militar estadual constituída, uma vez estabelecido pela lei estadual (lei de organização e divisão judiciárias) ou por resolução quem é o juiz de direito que atua no juízo militar, ele também será o competente para tais ações judiciais contra atos disciplinares. Quanto à competência para processar e julgar ação cível pública por ato de improbidade administrativa contra policiais militares, a jurisprudência já se firmou que compete a Justiça Comum, e não a Justiça Militar Estadual. No âmbito das forças armadas, caberá à Justiça Militar. C. Quanto ao acusado A Justiça Militar Estadual só tem competência para processar e julgar os militares dos Estados: policiais militares e integrante do corpo de bombeiros, bem como os integrantes da Polícia Rodoviária Militar. Estadual, sejam eles praças ou oficiais. Integrantes da Guarda Metropolitana não são considerados policiais militares nem bombeiros militares, motivo pelo qual estão sujeitos à Justiça Comum, ainda que venham a praticar crimes no horário de serviço. Como o civil não pode ser processado e julgado pela Justiça Militar, caso pratique determinado delito contra as instituições militares estaduais, será processado na Justiça Comum se os fatos por ele praticados encontrarem a definição na legislação penal comum; nesse sentido o teor da Súmula 53 do STJ: Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar civil acusado de prática de crime contra instituições militares estaduais; e a Súmula 30 do TFR: Conexos os crimes praticados por policial militar e por civil, ou acusados estes como co-autores pela mesma infração, compete à Justiça Militar Estadual processar e julgar o policial militar pelo crime militar (CPM, art. 9º) e à Justiça Comum, o civil. Mesmo que determinado delito seja praticado em coautoria, deverá haver a separação de processos, sendo o militar estadual julgado pela prática do crime militar perante a Justiça Militar, e o civil pela prática do crime comum perante a Justiça Comum. Entretanto, se esse civil é autor ou coautor de um crime militar contra as referidas corporações estaduais sem correspondente com a lei penal comum, não pratica qualquer crime, na medida em que a Justiça Comum jamais poderá julgar o agente pela prática de um crime militar. Essa condição de militar estadual deve ser considerada na data da prática do fato delituoso. Quando a constituição faz menção aos militares dos Estados, refere-se tão somente àqueles indivíduos regularmente incorporados à Polícias Militares e aos Corpos de Bombeiros, não podendo ser considerado militar estadual, para fins de fixação da competência da Justiça Militar Estadual, o policial militar voluntário. No tocante a competência da Justiça Militar da União, a esta compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei. Diversamente da Justiça Militar Estadual, a Justiça Militar da União tem competência para processar e julgar tanto militares quanto civis. A competência da Justiça Militar da União é fixada tão somente em razão da matéria, pouco importando a condição pessoal do acusado, se civil ou militar. PROJETO DELTA – CADERNO DE RESUMO – PROCESSO PENAL D. Quanto ao órgão jurisdicional competente Todo e qualquer crime de competência da justiça militar da união será processado e julgado por um Conselho de Justiça. De maneira diversa, na justiça militar dos estados a competência poderá ser exercida tanto por um conselho de justiça, quanto, singularmente, pelo juiz de direito do juízo militar. O Conselho de Justiça é composto, na forma de escabinato, pelo juiz-auditor ou juiz-auditor substituto (Justiça Militar da União), ou pelo juiz de direito do juízo militar (Justiça Militar Estadual), e por mais quatro juízes militares, os quais são sorteados dentre oficiais da carreira. No âmbito do Conselho de Justiça, cabe a todos os integrantes a decisão sobre o crime, bem como sobre a aplicação da sanção penal. O conselho de justiça pode ser de duas espécies: a. Conselho Especial de Justiça: é constituído pelo Juiz-Auditor e 4 Juízes Militares, sobre a presidência, dentre estes, de 1 oficial-general ou oficial superior, de posto mais elevado que o dos juízes, ou de maior antiguidade, no caso de igualdade. Tem competência para processar e julgar crimes militares cometidos por oficiais (exceto oficiais-generais, cuja competência é do STM), mesmo que na ação penal figurem praças ou civis como corréus. No âmbito da justiça militar da união, o conselho será composto por oficiais da Arma a qual pertence o oficial acusado. Caso haja mais de um acusado, v.g. um pertencente ao Exército e outro a Marinha, o Conselho Especial de Justiça será composto por oficiais da Corporação do corréu de maior posto. É constituído para cada processo e dissolvido após a conclusão dos trabalhos, reunindo-se, novamente, se sobrevier nulidade do processo ou do julgamento, ou diligência determinada pela Instância Superior; b. Conselho permanente de Justiça: é constituído pelo Juiz Federal da Justiça Militar, que o presidirá, e por 4 juízes militares, dentre os quais pelo menos 1 oficial superior. Uma vez constituído, funcionará durante 3 meses consecutivos, coincidindo com os trimestres do ano civil, podendo o prazo de sua jurisdição ser prorrogado nos casos previstos em lei. Com a entrada em vigor da Lei n. 13.774/18, os Conselhos Permanentes passaram a ter competência para processar e julgar apenas os militares que não sejam oficiais pela prática dos delitos previstos na legislação penal militar. Não detém mais a competência para o processo e julgamento de civis (somente perante a Justiça Militar da União). No âmbito da Justiça Militar da União, esse Conselho será constituído por oficiais da Arma cujos bens e interesses tutelados foram lesados pela prática do crime militar. Caso mais de uma Arma tenha sofrido a ofensa, ou se o crime foi praticado por militares de diferentes corporações, será competente o Conselho Permanente composto por oficiais da Arma cujo IPM foi recebido em primeiro lugar na Auditoria, ou aquele em que o Juiz praticou algum ato do processo ou medida a ele relativa, ainda que anterior à denúncia. Antes da entrada em vigor da Lei n. 13.774/18, os conselhos de Justiça na Justiça Militar da União eram presididos pelo oficial de posto mais elevado, ou de maior antiguidade, no caso de igualdade. Com a vigência do referido diploma normativo, essa presidência foi outorgada ao Juiz Federal da Justiça Militar. No âmbito da Justiça Militar dos Estados, essa presidência recai sobre o Juiz de Direito do juízo militar desde a entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 45/04 (CF, art. 125, § 5º). Tanto o Conselho Especial quanto o Conselho Permanente de Justiça poderão instalar-se e funcionar com a maioria de seus membros, sendo obrigatória a presença do Juiz Federal da Justiça Militar. Na sessão de julgamento, todavia, são obrigatórios a presença e o voto de todos os juízes. Devido às alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45/04, compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares (CF, art. 125, § 5º). E. Quanto ao órgão jurisdicional adquem São órgãos da Justiça Militar da União o Superior Tribunal Militar e os Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei. A justiça militar da união não é dotada de Tribunais Regionais Militares, em que pese o Art. 122, da CF, referir- se a tribunais militares, razão pela qual as funções de 2ª instância são exercidas pelo STM. PROJETO DELTA – CADERNO DE RESUMO – PROCESSO PENAL Ao STM, a par de algumas atribuições originárias, tais como a de processar e julgar oficiais-generais pela pratica de crimes militares, bem como julgar os feitos originários dos Conselhos de Justificação6, também lhe compete o julgamento das apelações e os recursos de decisões dos Conselhos de Justiça (Especial e Permanente). Compete originalmente ao STM, julgar e processar o comandante do teatro de operações pela prática de crime militar em tempos de guerra, condicionada a instauração da ação penal à requisição do Presidente da República. Eventual acordão condenatório ou absolutório do STM não poderá ser impugnado mediante REsp ao STJ, haja vista que a própria CF dispõe que ao STJ compete julgar em Recurso Especial, as causas decididas, em única ou última instancia, pelos tribunais regionais federais ou pelos tribunais dos estados e do Distrito Federal e Territórios. Nada impede, todavia, a interposição de RE contra decisões do STM. No âmbito da Justiça Militar dos estados, as funções de 2ª instância são desempenhadas pelo Tribunal de Justiça Militar nos estados que o possuírem (Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul), ou pelo próprio Tribunal de Justiça, nos estados que não possuírem um Tribunal de Justiça Militar. A eles compete julgar os recursos interpostos das decisões proferidas pelo Juiz de Direito do Juízo Militar, nos processos de sua competência singular (inclusive em relação às ações judiciais contra atos disciplinares militares), e pelos Conselhos de Justiça. O Superior Tribunal Militar não exerce qualquer competência recursal em relação a feitos que tramitam perante a Justiça Militar Estadual. Eventual decisão de um Conselho da Justiça Militar estadual (ou do juiz de direito do juízo militar) somente poderá ser impugnada por meio de apelação ao Tribunal de Justiça Militar (RS, MG e SP) ou ao Tribunal de Justiça do Estado, sem prejuízo, obviamente, da interposição de Recurso Extraordinário ou Especial ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, respectivamente. Quadro comparativo entre a Justiça Militar da União e a Justiça Militar dos Estados Justiça Militar da União Justiça Militar Estadual Competência criminal: crimes militares Competência criminal: crimes militares Competência Cível: não tem competência para o processo e julgamento de ações judiciais contra atos disciplinares militares Competência Cível: é dotada de competência para o processo e julgamento de ações judiciais contra atos disciplinares militares Acusado: pode processar e julgar tanto civis quanto militares Acusado: pode processar e julgar somente os militares dos Estados Critérios de fixação da competência: competência ratione materiae (crimes militares). Critérios de fixação da competência: competência ratione materiae (crimes militares + ações judiciais contra atos disciplinares militares) e ratione personae (militares do estado) Órgãos jurisdicionais de 1ª instancia: a) Juízes Federais da Justiça Militar: têm competência monocrática para o processo e julgamento de civis, e militares, quando estes forem acusados juntamente com aqueles no mesmo processo; b) Conselhos Especial e Permanente de Justiça: julgam os crimes militares praticados apenas por militares federais. Órgãos jurisdicionais de 1ª instancia: a) juiz de direito do juízo militar: julga, monocraticamente, os crimes militares cometido contra civil, e as ações judiciais contra atos disciplinares militares; e b) Conselhos Especial e Permanente de Justiça: julgam os demais crimes militares. Presidência dos Conselhos de Justiça: Juiz Federal da Justiça Militar Presidência dos Conselhos de Justiça: Juiz de Direito do Juízo Militar. Órgão jurisdicional de 2ª Instância: Superior Tribunal Militar Órgão jurisdicional de 2ª Instância: Tribunal de Justiça Militar, nos estados de MG, SP e RS; Tribunal de Justiça dos Estados, nos demais estados da Federação. II. Crimes Militares A. Crimes propriamente militar e crime impropriamente militar 6 O Conselho de Justificação é destinado a julgar, através de processo especial, da incapacidade do oficial das Forças Armadas – militar de carreira – para permanecer na ativa, criando-lhe, ao mesmo tempo, condições para se justificar. PROJETO DELTA – CADERNO DE RESUMO – PROCESSO PENAL Apesar de o Código Penal Militar não estabelecer essa distinção, a doutrina se viu obrigada a fazê-lo, haja vista que a Constituição Federal e o Código Penal apontam para a importância de se estabelecer o conceito de crime propriamente militar. a. Crime propriamente militar: é aquele que só pode ser praticado por militar, pois consiste na violação de deveres restritos, que lhe são próprios, sendo identificado por dois elementos: a qualidade do agente (militar) e a natureza da conduta (prática funcional). Diz respeito à vida militar. Expressões sinônimas de crime propriamente militar, podemos citar crime puramente militar, crime meramente militar, crime essencialmente militar, crime exclusivamente militar, e crime militar próprio. O conceito de crime propriamente militar não se confunde com crime próprio militar; crimes próprios são aqueles que exigem uma qualidade especial do agente, tais como no CP, os delitos de peculato, infanticídio. Assim crime propriamente militar seria aquele crime militar que não poderia ser praticado em por qualquer militar, mas somente pelos que se encontrem em determinada posição. Em outras palavras enquanto o crime propriamente militar exige apenas a qualidade de militar para o agente, o crime próprio militar, além da referida qualidade exige um plus, uma particular posição jurídica para o agente. b. Crime impropriamente militar: (também conhecido como crime acidentalmente militar ou crime militar misto) é a infração penal prevista no COM que, não sendo especifica e funcional do soldado, lesiona bens ou interesses militares. É aquele tipo cuja pratica é possível a qualquer cidadão (civil ou militar), passando a ser considerado militar porque praticado em certas condições. Conquanto tenha havido uma ampliação da competência da Justiça Militar pela Lei n. 13.491/17, este conceito continua válido. Aliás, com fundamento nas mudanças produzidas pelo referido diploma normativo, é possível extrair do art. 9º, incisos I, II e III, do CPM, pelo menos 4 (quatro) espécies de crimes impropriamente militares: a) os previstos exclusivamente no Código Penal Militar (ex: ingresso clandestino – CPM, art. 302); b) os previstos de forma diversa na lei penal comum (ex: desacato a militar – CPM, art. 299); c) os previstos com igual definição na lei penal comum (ex: furto – CPM, art. 240); d) os crimes previstos na legislação penal (v.g., tortura), quando praticados numa das condições dos incisos II e III do art. 9º do CPM. O conceito de crime militar impróprio dado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 93.076, Rel. Min. Celso de Mello (vide informativo nº 517), ao asseverar que crime militar impróprio seria aquele crime militar cometido contra civil. a suprema conte teria definido o crime militar impróprio a partir da circunstância de a infração penal ter sido praticada contra civil, B. Crime militar de tipificação direta e crime militar de tipificação indireta a. Crime militar de tipificação direta: são aqueles mencionados no Art. 9º, inciso I, do CPM7. Versando esse inciso acerca dos crimes que trata o CPM, quando definidos de modo diverso da lei penal comum, ou nela não são previstos,qualquer que seja o agente, salvo disposição especial, verifica-se que, para o juízo de tipicidade de tais delitos, basta a descrição típica da parte especial do CPM, na medida em que o inciso I do Art. 9º não contém qualquer circunstância que possa ser constitutiva de um tipo penal; b. Crime militar de tipificação indireta: são aqueles previstos no art. 9º, incisos II e III8. Como tais delitos também são previstos na lei penal comum, afigura-se indispensável a conjugação dos elementos da descrição típica da Parte Especial do CPM com os elementos dos incisos II e III, do Art. 9º do CPM. 7 Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial; 8 Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar; III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar; b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo; c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras; d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquêle fim, ou em obediência a determinação legal superior. PROJETO DELTA – CADERNO DE RESUMO – PROCESSO PENAL Estabelecendo um paralelo entre os conceitos de crimes propriamente/impropriamente militares e crimes militares de tipificação direta/indireta, podemos chegar às seguintes conclusões: 1) Todo crime propriamente militar é crime militar de tipificação direta – de fato, se o crime propriamente militar é a infração específica e funcional do militar, só pode estar previsto no Código Penal Militar; 2) Nem todo crime militar de tipificação direta é crime propriamente militar – como vimos, os crimes militares de tipificação direta podem ser praticados tanto por militar (ex: deserção), quanto por civis (ex: ingresso clandestino); 3) O crime impropriamente militar pode ser de tipificação direta ou indireta. C. Crimes militares extravagantes (crimes militares por equiparação à legislação penal comum ou crimes militares por extensão): a nova competência da Justiça Militar (Lei n. 13.491/17) A Lei n. 13.491 produziu, grosso modo, duas mudanças significativas no Código Penal Militar. A primeira em relação à ampliação da competência da Justiça Militar para julgar não apenas os crimes previstos no Código Penal Militar, mas também aqueles previstos na legislação penal (CPM, art. 9º, II). A segunda no sentido de ampliar a competência da Justiça Militar da União para o processo e julgamento de crimes dolosos contra a vida praticados por militares federais contra civis em determinados contextos (CPM, art. 9º, §2º). Mister se faz, então, procedermos à análise dessas mudanças, separadamente: a. Crimes previstos na Legislação Penal: com a nova redação conferida ao art. 9º, II, in fine, do Código Penal Militar (CPM), pela Lei n. 13.491/17, a Justiça Militar passou a ter competência para julgar não apenas os crimes previstos no Código Penal Militar – como já ocorria antes –, mas também aqueles previstos na Legislação Penal, se acaso praticados numa das condições do referido dispositivo. Algumas observações pontuais devem ser feitas quanto a essa nova competência da Justiça Militar: i. Antes do advento da Lei n. 13.491/17, crimes militares eram apenas aqueles previstos no Código Penal Militar. Logo, ainda que o crime fosse cometido por um militar em serviço e em lugar sujeito à administração militar, tal crime não seria considerado militar se acaso não constasse do Código Penal Militar. Daí os dizeres da súmula n. 172 do STJ: “Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço”. Ora, como o crime de abuso de autoridade não estava tipificado no CPM, jamais poderia ser tratado como crime militar, ainda que praticado em serviço. Com as mudanças produzidas pela Lei n. 13.491/17, serão considerados crimes militares os crimes previstos no Código Penal Militar e os previstos na Legislação penal, se acaso praticados por militares da ativa em uma das condições do inciso II do art. 9º do CPM (v.g., em lugar sujeito à administração militar, por militar em serviço, etc.). Encontra-se superado, portanto, o referido verbete sumular; ii. A expressão legislação penal utilizada na parte final do inciso II do art. 9º do CPM refere-se não apenas aos crimes previstos no Código Penal Comum, mas também àqueles previstos na Legislação Especial. Destarte, com a vigência da Lei n. 13.491/2017, crimes praticados por militares em serviço que até então não eram considerados crimes militares pelo simples fato de não estarem previstos no Código Penal Militar passaram a adquirir esse status. Por consequência, também se operou o overruling da súmula n. 6 do STJ (“Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar delito decorrente de acidente de trânsito envolvendo viatura de Polícia Militar, salvo se autor e vítima forem policiais militares em situação de atividade”). iii. Deve ser lido com cautela, portanto, o enunciado da súmula n. 75 do STJ (“Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar o policial militar por crime de promover ou facilitar a fuga de preso de estabelecimento penal”). Até a vigência da Lei n. 13.491/17, referido enunciado era interpretado no seguinte sentido: se o militar em serviço promovesse ou facilitasse a fuga de preso de estabelecimento penal de natureza, o agente seria processado perante a Justiça Militar pela prática do crime do art. 178 do CPM; se o estabelecimento penal em questão não fosse militar, o delito seria o do art. 351 do Código Penal Comum, logo, de natureza comum. Com as mudanças produzidas pela Lei n. 13.491/2017, esse crime previsto na legislação penal, in casu, no art. 351 do Código Penal, também poderá ser julgado pela Justiça Militar, se acaso praticado numa das condições do inciso II do art. 9º do CPM. Portanto, com as mudanças produzidas pela Lei n. 13.491/2017, a súmula n. 75 do STJ deve ser lida nos seguintes termos: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar o policial militar pelo crime de promover ou facilitar a fuga de preso de estabelecimento penal (CP, art. 351), mas desde que o agente não se encontre em uma das hipóteses do inciso II do art. 9º do Código Penal Militar”; PROJETO DELTA – CADERNO DE RESUMO– PROCESSO PENAL iv. O inciso II do art. 9º do Código Penal Militar passou a ter a seguinte redação: “os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados”. Interessante notar que a Lei n. 13.491/17 não reproduziu a expressão crimes previstos na legislação penal. Porém, como a palavra crimes já consta do inciso II quando o dispositivo faz menção àqueles previstos no Código Penal Militar, é de se concluir que foi acrescida à Justiça Militar exclusivamente a competência para julgar os crimes previstos na legislação penal. E nem poderia ser diferente. Afinal, é a própria Constituição Federal que delimita a competência da Justiça Militar (da União e dos Estados) ao julgamento dos crimes militares. Logo, não há falar em contravenção militar. Assim, na eventualidade de uma contravenção ser praticada por um militar federal ou estadual em serviço (v.g., jogo do bicho), ainda que em lugar sujeito à administração militar, a competência será sempre da Justiça Comum Estadual – de se lembrar que a Constituição Federal (art. 109, IV) explicitamente afasta a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento de contravenções penais (súmula n. 38 do STJ) v. Ao fazer referência aos crimes previstos na legislação penal, o art. 9º, inciso II, in fine, do CPM, não faz qualquer ressalva. Poder-se-ia concluir, então, que todo e qualquer crime previsto na legislação penal será considerado crime militar, ainda que referida competência seja outorgada a outra Justiça por norma constitucional ou por outra lei ordinária. Com tal assertiva não podemos concordar. A uma porque, como espécie de lei ordinária, a Lei n. 13.491/17 não pode se sobrepor à Constituição Federal no tocante à fixação de competência. A título de exemplo, se a Constituição Federal dispõe que à Justiça Eleitoral compete o processo e julgamento dos crimes eleitorais (CF, art. 121), é de todo evidente que o fato de um crime eleitoral ser praticado por militar em serviço jamais terá o condão de atrair tal competência para a Justiça Militar. A duas porque a Lei n. 13.491/17 e o Código Penal Militar hão de ser tratados como normas gerais em relação à competência. Logo, se a própria legislação especial em questão outorgar a competência para o processo e julgamento dos crimes nela previstos à outra Justiça, parece-nos indevido o deslocamento da competência para Justiça Militar. Enfim, eventual norma especial sobre competência prevista na própria legislação penal deve prevalecer sobre a norma geral, leia-se, ao Código Penal Militar. É o que ocorre, por exemplo, com os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Se a própria Lei n. 7.492/86 (art. 26) dispõe que recai sobre a Justiça Federal a competência para o processo e julgamento de tais delitos, o que o faz com base no permissivo do art. 109, VI, da Constituição Federal, é de se concluir que tal dispositivo funciona como norma especial sobre o art. 9º, inciso II, do CPM. Destarte, sem embargo de opiniões em sentido contrário, a leitura mais adequada do inciso II do art. 9º do CPM deve ser a seguinte: “os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, mas desde que não haja previsão constitucional e/ou legal outorgando referida competência à outra Justiça, quando praticados:”; vi. A súmula n. 90 do STJ (“Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele”) continua válida, porém deve ser interpretada com certa cautela. Antes da Lei n. 13.491/17, justificava-se a separação dos processos porque nem sempre esse crime simultâneo ao delito militar estava previsto no Código Penal Militar. Logo, se o militar praticasse em serviço, por exemplo, um crime de lesão corporal e outro de abuso de autoridade, dar-se-ia a separação dos processos. Por se tratar de crime previsto no CPM (art. 209), a lesão corporal era julgada pela Justiça Militar. Por se tratar de crime que não estava previsto no CPM, mas sim na legislação especial (Lei n. 13.869/19), o abuso de autoridade era crime comum, logo, da competência da Justiça Comum. Com as mudanças produzidas pela Lei n. 13.491/17, essa conduta delituosa – no nosso exemplo, abuso de autoridade – simultânea ao crime militar (v.g., lesão corporal) também passa a funcionar como crime militar. Deveras, se o militar praticou um crime militar, é porque provavelmente se encontra em uma das hipóteses do inciso II do art. 9º do CPM (v.g., militar em serviço). Logo, dificilmente este crime simultâneo não terá sido praticado nas mesmas condições. Destarte, se esse crime simultâneo ao crime militar for praticado numa das condições do inciso II do art. 9º, é de se concluir que a Lei n. 13.491/17 passou a lhe conferir a natureza de crime militar. Por conseguinte, não haverá mais a necessidade de desmembramento dos feitos, porque ambas as condutas delituosas passaram a ser crimes militares. De todo modo, é possível que esse crime simultâneo ao crime militar continue ostentando natureza comum, mesmo após o advento da Lei n. 13.491/17. É o que ocorre, por exemplo, com os crimes de lavagem de capitais, porquanto a própria Lei n. 9.613/98 (art. 2º, III) outorga a competência para o processo e julgamento desses delitos à Justiça Estadual, salvo se praticado em detrimento do sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, ou quando a infração penal antecedente for da competência da Justiça Federal. Supondo, assim, que um militar pratique um crime militar de peculato em detrimento do patrimônio sob a administração militar (CPM, art. 303, c/c art. 9º, II, “e”), eventual lavagem subsequente jamais poderá ser tratada PROJETO DELTA – CADERNO DE RESUMO – PROCESSO PENAL como crime militar, porquanto a própria Lei n. 9.613/98 outorga a referida competência à outra Justiça. Logo, por se tratar de crime comum, continuam válidos os dizeres da súmula n. 90 do STJ. É dizer, a lavagem será julgada pela Justiça Comum, ao passo que o crime militar de peculato deverá ser julgado pela Justiça Militar. Afinal, da mesma forma que a Justiça Militar não pode julgar um crime comum, ainda que conexo ao crime militar, a Justiça Comum também não pode julgar um delito militar, mesmo que conexo ao ilícito comum; vii. À primeira vista, fica a impressão de que o acréscimo dessa nova competência da Justiça Militar para o processo e julgamento dos crimes previstos na legislação penal não poderia ser aplicado aos crimes militares cometidos por civis, definidos no inciso III do art. 9º do CPM.96 Isso porque a mudança legislativa produzida pela Lei n. 13.491/17 ficou restrita ao inciso II do art. 9º, que trata dos crimes militares cometidos por militares da ativa. No entanto, não podemos nos olvidar que, ao se referir aos crimes militares cujo sujeito ativo pode ser um civil, o inciso III do art. 9º do CPM preceitua que serão considerados crimes militares aqueles praticados contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos casos ali mencionados. Como se percebe, o inciso III do art. 9º do CPM traz para si o conceito de crimes militares do inciso II. Logo, a mudança legislativa produzida neste inciso também irá repercutir em relação ao inciso III, do que se pode concluir que os crimes militares cometidos por civis da competência da Justiça Militar da União abrangem não apenas aqueles previstos no Código Penal Militar, mas também os previstos na legislação especial; b. Crimes dolosos contra a vida cometidos por militares das Forças Armadas em serviço contra civis: com o acréscimo do §2º ao art. 9º do CPM, a competência da Justiça Militar da União para o processo e julgamento de crimes dolosos contra a vida cometidos por militares das Forças
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