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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/326190002 Fisiopatologia da diabetes mellitus tipo 1 e tipo 2 (100 perguntas chave na diabetes) Article · March 2018 CITATION 1 READS 19,243 1 author: Some of the authors of this publication are also working on these related projects: Body composition in non-alcoholic fatty liver disease patients View project Guidelines on Treatment of Cardiovascular Disease in Patients with Diabetes View project José Silva-Nunes Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central 70 PUBLICATIONS 217 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by José Silva-Nunes on 04 July 2018. The user has requested enhancement of the downloaded file. https://www.researchgate.net/publication/326190002_Fisiopatologia_da_diabetes_mellitus_tipo_1_e_tipo_2_100_perguntas_chave_na_diabetes?enrichId=rgreq-523912f92acd66e3730436a3868b45e7-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNjE5MDAwMjtBUzo2NDQ3MTc4NjM3NzIxNjBAMTUzMDcyNDEyNTI2OQ%3D%3D&el=1_x_2&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/publication/326190002_Fisiopatologia_da_diabetes_mellitus_tipo_1_e_tipo_2_100_perguntas_chave_na_diabetes?enrichId=rgreq-523912f92acd66e3730436a3868b45e7-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNjE5MDAwMjtBUzo2NDQ3MTc4NjM3NzIxNjBAMTUzMDcyNDEyNTI2OQ%3D%3D&el=1_x_3&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/Body-composition-in-non-alcoholic-fatty-liver-disease-patients?enrichId=rgreq-523912f92acd66e3730436a3868b45e7-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNjE5MDAwMjtBUzo2NDQ3MTc4NjM3NzIxNjBAMTUzMDcyNDEyNTI2OQ%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/Guidelines-on-Treatment-of-Cardiovascular-Disease-in-Patients-with-Diabetes?enrichId=rgreq-523912f92acd66e3730436a3868b45e7-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNjE5MDAwMjtBUzo2NDQ3MTc4NjM3NzIxNjBAMTUzMDcyNDEyNTI2OQ%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/?enrichId=rgreq-523912f92acd66e3730436a3868b45e7-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNjE5MDAwMjtBUzo2NDQ3MTc4NjM3NzIxNjBAMTUzMDcyNDEyNTI2OQ%3D%3D&el=1_x_1&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Jose-Silva-Nunes?enrichId=rgreq-523912f92acd66e3730436a3868b45e7-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNjE5MDAwMjtBUzo2NDQ3MTc4NjM3NzIxNjBAMTUzMDcyNDEyNTI2OQ%3D%3D&el=1_x_4&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Jose-Silva-Nunes?enrichId=rgreq-523912f92acd66e3730436a3868b45e7-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNjE5MDAwMjtBUzo2NDQ3MTc4NjM3NzIxNjBAMTUzMDcyNDEyNTI2OQ%3D%3D&el=1_x_5&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/institution/Centro-Hospitalar-Universitario-de-Lisboa-Central?enrichId=rgreq-523912f92acd66e3730436a3868b45e7-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNjE5MDAwMjtBUzo2NDQ3MTc4NjM3NzIxNjBAMTUzMDcyNDEyNTI2OQ%3D%3D&el=1_x_6&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Jose-Silva-Nunes?enrichId=rgreq-523912f92acd66e3730436a3868b45e7-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNjE5MDAwMjtBUzo2NDQ3MTc4NjM3NzIxNjBAMTUzMDcyNDEyNTI2OQ%3D%3D&el=1_x_7&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Jose-Silva-Nunes?enrichId=rgreq-523912f92acd66e3730436a3868b45e7-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNjE5MDAwMjtBUzo2NDQ3MTc4NjM3NzIxNjBAMTUzMDcyNDEyNTI2OQ%3D%3D&el=1_x_10&_esc=publicationCoverPdf 100 perguntas chave na diabetes 1 A diabetes tipo 1 é uma doença hereditária? A diabetes tipo 1 tem uma forte predisposição genética. A demonstração do caráter hereditário da diabetes tipo 1 resultou, inicialmente, da de- monstração de uma maior incidência da doença em familiares de primeiro grau. Entre a população geral, o risco de desenvolver diabetes tipo 1 é de 0,4%. Contudo, consoante a diabetes tipo 1 es- teja presente em irmãos, na mãe ou no pai, o risco de desenvolver a doença é de 6-7%, de 1,3-4% e de 6-9%, respetivamente. A maior ex- pressão deste determinismo genético, como seria de esperar, ocorre entre gémeos monozigóticos (50 a 70% de risco de desenvolvimento da doença). Cerca de 50% da hereditariedade da diabetes tipo 1 é representada pela região do antigénio leucocitário humano (human leukocyte antigen – HLA), no cromossoma 6p21. O maior risco de doença está ligado aos haplótipos de HLA classe II, em particular os haplótipos DR4-DQ8 e DR3-DQ2. Cerca de 90% dos indivíduos com diabetes tipo 1 apresentam um destes haplótipos e a presença concomitante de ambos ocorre em cerca de 30-40% das pessoas portadoras da doença. Também exis- tem haplótipos protetores, como o DRB1*15:- 01-DQA1*0102-DQB1*0602 (que está presente em cerca de 20% da população geral mas apenas em 1% das crianças com diabetes tipo 1), o DRB1 14:01-DQA1 01:01-DQB1 05:03 e o DRB1*04:03. Os alelos HLA de classe I também estão ligados ao risco de diabetes tipo 1 e interagem com os Fisiopatologia da diabetes mellitus tipo 1 e tipo 2 J. Silva Nunes genes da classe II. Por exemplo, os haplótipos B*5701 e A*03 conferem proteção, enquanto o B*3906 aumenta o risco de diabetes tipo 1. Todos os fatores genéticos identificados até à atualidade podem explicar cerca de 80% da he- reditariedade da diabetes tipo 1. Além do HLA, outros fatores genéticos como o gene da insulina (localizado no cromossoma 11p15), da helicase induzida por interferão (IFH1), da subunidade a do recetor da interleucina-2 (IL2αR), da SUMO4 (small ubiquitin-like modifier 4 protein), do BACH2 (basic leucine zipper transcription factor 2) e o polimorfismo rs2476601 da PTPN22 (protein ty- rosine phosphatase non-receptor type 22) tam- bém influenciam o risco de diabetes tipo 11,2,3. Existem fatores ambientais envolvidos na génese da diabetes tipo 1? Os fatores ambientais parecem desempenhar um papel importante na patogénese da diabetes tipo 1. Entre estes incluem-se vírus, toxinas e nutrientes mas o seu real papel na etiopatogéne- se da doença permanece obscuro. A implicação de infeções virais resultou de observações epidemiológicas. As crianças expos- tas à rubéola durante a vida fetal tinham uma maior incidência de diabetes tipo 1. Por outro lado, foi demonstrada a existência de ácido ri- bonucleico (ARN) viral no seu pâncreas. Os ente- rovírus também podem desempenhar um papel importante na fase inicial do desenvolvimento da diabetes tipo 1 através de ativação da imunidade Capítulo 2 J. Silva Nunes 2 100 perguntas chave na diabetes inata. Outro mecanismo pelo qual a resposta au- toimune pode ser induzida pelos vírus é o do mimetismo molecular, em que a resposta imune é dirigida contra antigénios pancreáticos, devido a homologia estrutural com antigénios virais, re- sultando em destruição celular. Por exemplo, exis- te uma semelhança significativa na sequência de aminoácidos entre a proteína P2-C do vírus Cox- sackie B4 e a descarboxilase do ácido glutâmico (GAD65) das células β pancreáticas. A importância da dieta no desenvolvimento da diabetes tipo 1 continua controversa. Em vários estudos, foram relatadas associações de introdu- ção precoce na dieta infantil de leite de vaca com risco aumentado para a doença. Estudos experi- mentais demonstraram que uma parte particular da albumina, contida no leite de vaca e conhe- cida como ABBOS, assemelha-se à proteína p69 encontrada na superfície das células β pancreá- ticas, explicando a ocorrência de reação cruzada. A integração precoce dos cereais na dieta da criança, a exposição a nitrato, o deficiente aporte de ácidos gordos ómega-3, a deficiência de vita- mina D, alteração da microflora intestinal (com uma proporção reduzida de firmicutes vs. bacte- roidetes) e o tipo de parto (risco aumentado de diabetes tipo 1 em crianças nascidas por cesaria- na) também foram implicados. A vacinação (se- guindo o Plano Nacional de Vacinação) não pa- rece estar associada a um risco aumentado de desenvolvimento da doença4,5. Quais os mecanismos envolvidos no desenvolvimento da diabetes tipo 1? A diabetes tipo 1 é uma doença autoimune que está associadaao aparecimento de autoanti- corpos contra epítopos das células β pancreáticas, muitos meses, ou anos, antes do início dos sinto- mas. Os autoanticorpos carateristicamente asso- ciados à diabetes tipo 1 são aqueles que visam a insulina (anticorpos anti-insulina), a descarboxilase de ácido glutâmico de 65 kDa (anticorpos anti- GAD65), a proteína 2 associada ao insulinoma (anticorpos anti-IA 2) ou o transportador de zinco 8 (anticorpos anti-ZNT8). A destruição das células β do pâncreas en- dócrino ocorre muito provavelmente através da apoptose, um mecanismo também conhecido como morte celular programada. A indução da reação inflamatória, com altos níveis de citocinas pró-inflamatórias interleucina 1 (IL-1), fator de ne- crose tumoral-α (TNF-α) e interferão-γ (INF-γ), é induzida pelos linfócitos T autorreativos dentro do microambiente dos ilhéus de Langerhans. A apop- tose também pode ser induzida, diretamente, pelo contacto de linfócitos T ativados com as células β através da interação com o ligando Fas/Fas. Antes do início clínico da diabetes tipo 1, é observada uma inflamação crónica dentro dos ilhéus de Lang- erhans, com a participação de linfócitos T, macró- fagos, linfócitos B e células dendríticas, com con- sequente atrofia das células β. A patogénese da diabetes tipo 1 tem sido sugerida como um contínuo que pode ser dividido em vários estádios relacionados com os níveis de autoanticorpos e com o progresso na destruição das células β, com consequente redução progres- siva na capacidade secretora pancreática e surgi- mento de sintomatologia associada à hiperglice- mia e ao aumento dos níveis de corpos cetónicos6. A diabetes tipo 1 associa-se frequentemente a outras doenças? Sendo a diabetes tipo 1 uma doença autoimu- ne, aquela autoimunidade pode, igualmente, en- volver outros órgãos. As doenças autoimunes específicas destes órgãos podem fazer parte de uma síndrome poliglandular autoimune, definida como uma desordem funcional de duas ou mais glândulas. As síndromes poliglandulares autoimu- nes são caraterizadas por insuficiência funcional de múltiplos órgãos endócrinos secundários a um processo destrutivo imunologicamente mediado. Contudo, a autoimunidade também se pode estender a órgãos não endócrinos. Os proces- sos autoimunes destes distúrbios parecem estar associados a uma resposta progressiva, dirigida por células T, resultando na produção de au- toanticorpos específicos de órgãos e sua sub- sequente destruição, fenómeno semelhante ao 10 Perguntas sobre a fisiopatologia da diabetes mellitus tipo 1 e tipo 2 100 perguntas chave na diabetes 3 observado na diabetes tipo 1 isolada (fora des- tas síndromes). A síndrome poliglandular autoimune mais fre- quente, a de tipo 2, pode apresentar-se com doença de Addison, tiroidite autoimune e diabetes tipo 1, podendo, eventualmente, acompanhar-se de hi- pogonadismo, vitiligo, miastenia gravis ou alope- cia. Mais raras são a Immunodeficiency, Polyendo- crinopathy, and Enteropathy, X-Linked Syndrome (IPEX) e a síndrome poliglandular autoimune de tipo 1 (caraterizada pela presença de doença de Addison, candidíase mucocutânea e hipo- paratiroidismo autoimune; adicionalmente, pode ocorrer diabetes tipo 1, doença de Graves, hipo- gonadismo, vitiligo ou anemia perniciosa) 7. A diabetes tipo 1 é uma doença passível de ser prevenida? Vários estudos tentaram a prevenção primária da diabetes tipo 1 através da modificação da dieta, através de enriquecimento em ácidos gor- dos ómega-3 ou tratamento com insulina em crianças familiares de pessoas com a doença, an- tes do aparecimento de autoanticorpos anti-ilhéus. Contudo, em nenhum deles foi demonstrada uma evidência inequívoca de sucesso. Também foram desenvolvidos estudos de pre- venção secundária, com intervenções após o apa- recimento de um ou mais autoanticorpos anti-i- lhéus, envolvendo administração de insulina (oral ou subcutânea), fármacos imunossupressores (aba- tacept, teplizumab, etc.), formulações de GAD65 com alumínio e formulações de nicotinamida. Em- bora a administração de insulina oral tenha atra- sado o início da diabetes tipo 1 em indivíduos com altos níveis de autoanticorpos anti-insulina, não foram demonstrados efeitos protetores naqueles estudos de prevenção da diabetes tipo 18. Qual a influência da hereditariedade no desenvolvimento da diabetes tipo 2? A diabetes tipo 2 tem um forte componente hereditário. O risco relativo de diabetes tipo 2 em irmãos de uma pessoa com a doença, em com- paração com famílias em que nenhum dos ir- mãos a tem, é duas a três vezes maior; o risco aumenta para 30 se dois dos irmãos tiverem diabetes tipo 2. O risco de passar a diabetes tipo 2 à descendência é maior quando é a mãe que tem a doença e menor quando é o pai. Contudo, se ambos os progenitores desenvolverem diabe- tes tipo 2, o risco de doença entre a sua descen- dência aumenta exponencialmente. A identifica- ção dos genes que são responsáveis por doenças poligénicas complexas, como a diabetes tipo 2, tem sido um desafio. Embora a associação mais forte seja com o polimorfismo rs7903146 do gene transcription factor 7 like 2 (TCF7L2), outros po- limorfismos nos genes SLC30A8 (que codifica um transportador de zinco que é necessário para ar- mazenar insulina); fat mass and obesity-associa- ted (FTO – gene associado ao risco de obesidade); o gene que codifica uma proteína reguladora de glicocinase (GCKR); que codifica canais de potás- sio dependentes de ATP (KCNJ11), entre outros, mostraram estar associados a risco aumentado de diabetes tipo 2. Estas variantes genéticas têm efei- tos modestos, aumentando o risco em 10-20% e, por outro lado, grande parte da população sem diabetes tipo 2 apresenta variantes de risco para a doença (a frequência média de um alelo de risco associado a diabetes tipo 2 é de 54%). Assim, a hereditariedade não pode ser expli- cada pelos polimorfismos atualmente identifica- dos. Outras hipóteses explicativas para a heredi- tariedade verificada na diabetes tipo 2 seriam estarmos perante uma doença poligénica ou o facto de surgir com maior frequência dentro de cada família resultar de interação do material ge- nético com o ambiente, resultando em alterações epigenéticas (metilação do DNA e/ou modifica- ções da cromatina)9,10. Quais os fatores ambientais mais importantes na génese da diabetes tipo 2? As pessoas que apresentam alto risco gené- tico de diabetes tipo 2 poderão desenvolver a J. Silva Nunes 4 100 perguntas chave na diabetes doença mediante exposição a determinadas con- dições ambientais. As alterações alimentares (com consumo calórico exagerado) e de atividade física (com aumento do sedentarismo) aumentam o risco de diabetes tipo 2 por aumento na adiposi- dade corporal. A epidemia global de obesidade será, provavelmente, a principal causa para a epi- demia de diabetes tipo 2. No entanto, a adiposi- dade excessiva parece não explicar, na totalidade, o aumento do risco de diabetes tipo 2, deixando espaço para outros potenciais fatores contributivos: – A quantidade total e o tipo de alimentos con- sumidos (independentemente das implicações sobre a adiposidade corporal) – uma alimen- tação rica em fibras está associada a um me- nor risco de diabetes; o consumo de alimentos de alta densidade energética, farinhas refina- das e bebidas açucaradas aumenta o risco de desenvolver a doença; – O tempo de inatividade física (também inde- pendentemente das implicações sobre a adi- posidade corporal) – o sedentarismo parece aumentar o risco de diabetes tipo 2 em cerca de 30 a 50%; – A duração e qualidade do sono – para que não seja aumentado o risco de diabetes, cada pessoa deveria ter sete a oito horas por noite de sono de boa qualidade; o seu encurtamen- to, de forma mantida, está associado a maior risco de diabetes tipo 2; – O nível de stresse emocional, a ansiedade e a depressão são fatores que aceleram a evolu- ção para a diabetes; – O status socioeconómico associa-se,inversa- mente, ao risco de diabetes; – Consumo regular de café – parece existir uma relação inversa entre a dose regular de café (normal ou descafeinado) e o risco de diabe- tes tipo 2; – O consumo moderado de álcool está associa- do a menor risco de diabetes; – Presença de hábitos tabágicos – quando com- parado com os não fumadores, a exposição ao fumo de cigarro (ativa ou passiva) encon- tra-se associada a aumento do risco de dia- betes tipo 211. À luz do conhecimento atual, quais os mecanismos fisiopatológicos envolvidos na génese da diabetes tipo 2? A resistência à ação da insulina a nível do músculo e do fígado e o compromisso na secre- ção de insulina pelas células β dos ilhéus de Lan- gerhans são os principais defeitos fisiopatológicos envolvidos na génese da diabetes tipo 2. A menor capacidade secretora é o resultado da morte ce- lular programada (apoptose) das células β, do efeito de glicotoxicidade e lipotoxicidade sobre as células β remanescentes e da resistência daquelas à ação estimulatória do péptido 1 semelhante ao glucagon (glucagon-like peptide 1 [GLP-1]). Por outro lado, a diabetes tipo 2 carateriza-se pela presença de uma hiperglucagonemia relativa (ní- veis de glucagon mais elevados do que seria pre- sumível face aos níveis de glicose circulante) e um aumento na sensibilidade hepática ao glucagon, resultando em aumento na produção hepática de glicose. A insulinorresistência periférica, a nível dos adipócitos, resulta em aumento da lipólise e con- sequente aumento dos níveis de ácidos gordos livres circulantes (FFA). Estes vão agravar a resis- tência à ação da insulina a nível muscular e hepática e exercem um efeito tóxico (lipotoxici- dade) sobre a capacidade secretora das células β pancreáticas. A maior reabsorção renal de gli- cose por aumento da atividade dos cotranspor- tadores tipo 2 de sódio-glicose (SGLT2), com consequente aumento do limiar renal de glico- se, contribui para o aumento da glicemia. Também, o processo inflamatório subclínico e a resistência vascular à ação vasodilatadora da insulina (com compromisso na chegada da glico- se e da insulina aos tecidos) comprometem a normal resposta à ação da insulina, a nível dos vários tecidos e órgãos-alvo. Por outro lado, também se verifica uma resis- tência à ação inibidora do apetite exercida pela insulina, leptina, GLP-1, amilina e péptido YY, bem como uma diminuição nos níveis de dopamina e aumento nos de serotonina a nível do sistema 10 Perguntas sobre a fisiopatologia da diabetes mellitus tipo 1 e tipo 2 100 perguntas chave na diabetes 5 nervoso central (SNC) contribuem para o aumen- to de peso, exacerbando a insulinorresistência10. A que outras patologias a diabetes tipo 2 está habitualmente associada? A diabetes tipo 2 tem, na sua fisiopatologia, uma alteração na resposta periférica à ação da insulina e encontra-se, frequentemente, associada a outras condições associadas a insulinorresistência: obesidade de tipo central; hipertensão arterial; dis- lipidemia aterogénica; esteatose hepática/esteato- -hepatite não-alcoólica e aceleração no fenómeno aterogénico, entre outras. A maior probabilidade de apresentação concomitante, num mesmo indi- víduo, de patologias que têm na insulinorresistên- cia o seu denominador comum, deu origem ao conceito de síndrome metabólica. A marcada asso- ciação entre obesidade e diabetes tipo 2 traduz-se na evidência de que, após a influência da heredi- tariedade, a primeira condição seja o principal fator de risco para o aparecimento da segunda. Por ou- tro lado, mais de 80% das pessoas com diabetes tipo 2 apresenta obesidade/pré-obesidade. A diabetes tipo 2 também pode ocorrer como parte de várias síndromes hereditárias, incluindo as síndromes de Turner, Klinefelter, Prader-Willi, Down e Wolfram, entre outras. Os defeitos ge- néticos e metabólicos envolvidos são heterogé- neos mas, geralmente, resultam em deficiência da função das células β pancreáticas. A insulinor- resistência secundária à obesidade (condição fre- quentemente associada a muitas dessas síndro- mes) também contribui12. Em populações em risco de desenvolver a diabetes tipo 2, esta pode ser prevenida? As pessoas com glicemia moderadamente ele- vada (hiperglicemia intermédia) estão em risco au- mentado de desenvolver diabetes tipo 2. Tem sido demonstrado, de forma inequívoca, que interven- ções intensivas no estilo de vida e intervenções farmacológicas são eficazes na prevenção (ou atra- so) da diabetes tipo 2, em indivíduos de alto risco: – As intervenções sobre o estilo de vida (no com- portamento alimentar e de atividade física), associadas a perda de peso corporal, podem reduzir o risco de diabetes tipo 2 em até 58%; – A terapêutica com metformina reduz o risco de diabetes tipo 2 em 26 a 31%; – A terapêutica com inibidores das α-glicosida- ses intestinais reduzem aquele risco em 25%; – A terapêutica com tiazolidinedionas está as- sociada a redução de entre 55 a 72% na evolução para diabetes tipo 2. Na atualidade, é universalmente recomenda- do que todas as pessoas com maior risco de desenvolver diabetes tipo 2 devam otimizar o seu estilo de vida (em termos de hábitos alimentares e de atividade física)10. BIBLIOGRAFIA 1. Dorman JS, Steenkiste AR, O’Leary LA, McCarthy BJ, Lorenzen T, Foley TP. Type 1 diabetes in offspring of parents with type 1 diabetes: the tip of an autoimmune iceberg? Pediatr Diabetes. 2000;1(1):17-22. 2. Redondo MJ, Jeffrey J, Fain PR, Eisenbarth GS, Orban T. Concor- dance for islet autoimmunity among monozygotic twins. N Engl J Med. 2008;359(26):2849-50. 3. Steck AK, Armstrong TK, Babu SR, Eisenbarth GS, Type 1 Dia- betes Genetics Consortium. Stepwise or linear decrease in pen- etrance of type 1 diabetes with lower-risk HLA genotypes over the past 40 years. Diabetes. 2011;60(3):1045-9. 4. Szopa TM, Titchener PA, Portwood ND, Taylor KW. Diabetes mellitus due to viruses – some recent developments. Diabetolo- gia. 1993;36(8):687-95. 5. Karlsson MG, Ludvigsson J. 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