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Política na Rússia Mateus Godoi 3 POLÍTICA NA RÚSSIA “(...) a Rússia reconhece plenamente a sua responsabilidade pela manutenção de segurança quer global quer regionalmente e está preparada para tomar medidas conjuntas com outros Estados no sentido de encontrar soluções para problemas comuns. Mas se os nossos parceiros se revelarem mal preparados para desenvolverem esforços conjuntos, a Rússia, de modo a proteger os seus interesses nacionais, terá que agir unilateralmente, mas sempre tendo como base o direito internacional.” (Federação Russa, 2008) Introdução Em 1991, todo o sistema, a integridade territorial soviética, a sua identidade jurídico-política e as suas instituições governamentais foram postos em causa. A desintegração da URSS foi profundamente marcante para a população russa. Do desmembramento da União Soviética, as quinze repúblicas tornaram-se independentes. Desde o colapso da União Soviética, a Rússia enfrentou sérios desafios no seu esforço para criar um sistema político, após 75 anos de governo socialista. As principais figuras nos ramos legislativos e executivos defendiam visões distintas da direção política da Rússia e dos instrumentos governamentais que deveriam ser utilizados. O conflito alcançou o seu auge em setembro de 1993, quando o presidente Boris Ieltsin usou força militar para dis- solver o parlamento e convocou novas eleições legislativas. Uma nova constituição, criando uma presidência forte, foi aprovada em referendo, em dezembro do mesmo ano. Com uma nova constituição e um novo parlamento multipartidário, a estrutura política russa demonstrou sinais de estabilidade. Como o período de transição se estendeu pela primeira metade da década de 1990, a centralização do poder, a nível nacional, continuou a declinar, já que as regiões passaram a desfrutar de certa autonomia política. Apesar do fim do conflito entre os Poderes Executivo e Legislativo, ambos permaneceram como representantes de duas visões distintas sobre o futuro do país. Vladimir Vladimirovitch Putin tem governado a Rússia desde a renúncia de Boris Iéltsin, em 1999. Seu pri- meiro governo foi marcado por profundas reformas políticas e econômicas, pelo estadismo, por novas tensões com 4 os Estados Unidos e com Europa ocidental, pela rigidez com os rebeldes chechenos e pelo resgate do naciona- lismo russo, atitudes que lembram em parte o regime soviético e o czarismo. Entre os eventos mais notáveis de seu governo, estão: o decreto que permite a indicação dos governa- dores dos distritos russos pelo próprio presidente; a restauração do controle russo sobre a repúbli- ca separatista da Chechênia; os assassinatos não esclarecidos de seus oposi- tores políticos – Anna Politkovskaia e Alexander Litvinenko; o fim do colapso econômico russo; a estatização de setores estratégicos, que até então estavam nas mãos dos oligarcas russos, e as consequentes prisões de muitos deles; e vários desacordos diplomáticos com a Otan, sendo os mais memoráveis a discussão quanto ao estabelecimento de mísseis no leste europeu, que levou Putin a criticar publicamente a política internacional dos EUA, e o apoio russo aos sepa- ratistas na Ucrânia, após este país ter se alinha- do à Aliança Atlântica. Por dezesseis anos, Putin foi oficial do KGB, o serviço secreto da União Soviética, chegando à patente de tenente-coronel. Aposentou-se das atividades mili- tares para ingressar na política, em sua cidade, São Pe- tersburgo, em 1991. Mudou-se para Moscou, em 1996, para fazer parte da administração do então presidente Boris Iéltsin, na qual cresceu rapidamente, tornando-se presidente interino em 31 de dezembro de 1999, quan- do o presidente Iéltsin renunciou ao cargo. Venceu as eleições do ano seguinte, tornando-se, de fato, presidente da Rússia, sendo reeleito em 2004. Foi impedido de concorrer a um terceiro mandato em 2008, já que, na época, a constituição russa só permitia dois mandatos consecutivos. Assim sendo, seu aliado Dmitri Medvedev seria seu sucessor, o que levaria à escolha de Putin como primeiro-ministro do país, cargo que ele manteve até o final da presidência de Medvedev. Em se- tembro de 2011, Putin anunciou que concorreria a um terceiro mandato nas eleições do ano seguinte, gerando diversos protestos nas principais cidades do país. Como esperado, foi reeleito por mais seis anos, em seu terceiro mandato, com fim previsto para 2018. Putin tem sido amplamente responsabilizado pelo retorno da estabilidade política e do progres- so econômico da Rússia, pondo fim à crise dos anos 1990. Durante sua primeira gestão (1999-2008), o lu- cro real aumentou e os salários mais que triplicaram, o desemprego e a pobreza caíram em mais da metade e a satisfação de vida da população russa aumentou significativamente. O seu primeiro governo foi marcado pelo grande crescimento econômico: a economia russa cresceu diretamente em oito anos, observando um au- mento de 72% no PIB. Essas conquistas foram atribu- ídas pelos analistas à boa gestão macroeconômica, a importantes reformas fiscais, ao aumento do fluxo de capitais, ao acesso às finanças externas de baixo custo e a um aumento de cinco vezes no preço do petróleo e gás, que constituem os principais produtos de exporta- ção da Rússia. Como presidente da Rússia, Putin transformou em lei um aumento de 13% na taxa proporcional da receita, uma taxa reduzida de impostos sobre a recei- ta e novos códigos legais territoriais. Como primeiro- -ministro, foi responsável por reformas militar e policial de larga escala. Sua política energética afirmou a po- sição da Rússia como superpotência em energia. Putin apoiou indústrias de alta tecnologia, como as nucleares e de defesa. Um aumento no investimento de capital estrangeiro contribuiu pela explosão em certos setores, como na indústria automotiva. Somado a esse desen- volvimento, inclui-se a construção de oleodutos e ga- sodutos, a restauração do sistema de navegação por satélite Glonass e a construção de infraestrutura para eventos internacionais. Na Rússia, a liderança de Putin goza de conside- rável popularidade, com altas taxas de aprovação geral. Por outro lado, várias de suas ações têm sido caracte- rizadas pela oposição como antidemocráticas. Obser- vadores ocidentais e organizações também juntaram vozes para criticar o governo de Putin. A classificação de 2011 do Índice de Democracia apontou que a Rús- sia está em ”um longo processo de regressão graças à mudança de um governo híbrido para um regime auto- ritário”. Os cabos diplomáticos vazados pelo WikiLeaks alegam que a Rússia se tornou um ”Estado mafioso virtual”, devido à corrupção sistemática. Alguns críticos o descrevem como ditador – alegações que o próprio Putin nega incondicionalmente. Sob Putin, a Rússia mo- 5 dificou suas relações com os Estados Unidos e o Reino Unido, já que adotou uma postura mais independente, caracterizada pela política de não intervenção, contrária à dos estadunidenses e britânicos. Putin projeta uma imagem pública de aventureiro, homem viril, sempre engajado em atividades perigosas e incomuns. Algumas destas jogadas publicitárias são criticadas ocasional- mente. Assíduo praticante de artes marciais, teve ampla participação no desenvolvimento do esporte russo, sen- do o exemplo mais notável a colaboração para fazer da cidade de Sochi a sede dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014. Política interna A política interna de Putin, principalmente du- rante seu primeiro mandato, visou a criação de um ”po- der vertical”. Em 13 de maio de 2000, ele sancionou um decreto dividindo as 89 subdivisões da Rússia entre sete distritos comandados por representantes nomeados por ele mesmo, de forma a facilitar a administração federal. Putin também desenvolveu uma política de crescimento das subdivisões: o número caiu de 89, em 2000, para os atuais 83, apósa fusão dos okrugs com demais sub- divisões próximas. Em julho de 2000, de acordo com uma lei propos- ta por Putin e aprovada pelo Soviete Federal, o presidente ganhou o direito de despedir chefes das subdivisões fe- derais e, no ano de 2004, as eleições para governadores por voto direto foi extinta, estratégia essa que foi vista como necessária por Putin, para dar um fim às tendên- cias separatistas e livrar-se daqueles governadores que estavam conectados com o crime organizado. A medida, de fato, parece ter sido temporária, já que, em 2012, se- gundo proposta do presidente Dmitri Medvedev, sucessor de Putin, as eleições para governadores foram reintrodu- zidas e, junto delas, as reformas de Medvedev também simplificaram o registro de partidos políticos e reduziram o número de assinaturas necessárias por candidatos de partidos não parlamentares para lançar candidatos inde- pendentes à presidência, afrouxando a rigidez e restri- ções impostas pela antiga legislação de Putin. A rígida le- gislação eleitoral foi outro motivo para a crítica da mídia independente russa e de observadores estrangeiros, que a chamaram de ”antidemocrática”. Em seu primeiro mandato, Putin se esforçou para inibir as ambições políticas de boa parte dos oligarcas russos, resultando no exílio e/ou na prisão de muitos deles, como Boris Berezovski e Mikhail Khodorkovski. Intimidados, outros oligarcas logo se aproximaram do círculo de Putin. Na política russa, a carga negativa do comunismo é mais pesada que seu legado. Putin governou diante de uma intensa luta com o crime organizado e o terrorismo, que resultou em uma taxa de assassinatos duas vezes menor em 2011, assim como uma redução no número de ações de terroristas no final dos anos 2000. Também obteve êxito nos códi- gos das legislações sobre terra e impostos e promulgou novos códigos acerca das legislações trabalhista, admi- nistrativa, criminal, comercial e civil. Sob a presidência de Medvedev, o governo de Putin implementou diversas reformas na área da segurança de Estado, além da re- forma na polícia e no exército. Política externa No final de agosto de 2014, Putin afirmou: ”As pessoas que têm suas próprias opiniões sobre a história e a história do nosso país podem discutir comigo, mas me parece que os povos russo e ucraniano são prati- camente um povo”. Depois de fazer uma declaração semelhante no final de dezembro de 2015, Putin disse: ”(...) a cultura ucraniana, bem como a literatura ucra- niana, certamente tem uma fonte própria”. Apesar das tensões existentes ou passadas entre a Rússia e a maioria das ex-repúblicas soviéticas, Putin seguiu a política de integração euro-asiática, endossando a ideia de uma União Eurasiática, em 2011 – o conceito foi proposto pelo presidente do Cazaquistão, em 1994. Em 18 de novem- bro de 2011, os presidentes da Bielorrússia, do Cazaquistão e da Rússia assinaram um acordo determinando o objetivo de estabelecer a União Eurasiática até 2015. 6 Conflito entre a Rússia e a Georgia Um ponto culminante para a eclosão do foco de tensão entre Rússia e Geórgia foi desencadeado pelo interesse dos países citados em anexar o território da República de Ossétia do Sul aos seus domínios. Em 20 de setembro de 1990, surgiu a República da Ossétia do Sul. Apesar de estar dentro do território da Geórgia, alcançou sua autonomia. No entanto, os líderes da Geórgia não aceitaram o fato, declarando ser inconstitucional. A partir da autonomia da República da Ossétia do Sul, houve o surgimento de um foco de tensão, uma vez que a Geórgia não desistiu de reintegrar a região. A Rússia, por sua vez, apoia a decisão da Ossétia do Sul em continuar independente. No dia 8 de agosto, as tropas da Geórgia realizaram uma ofensiva apoderando-se da Ossétia do Sul. Segundo o presidente da Geórgia, Mikhail Saakashuili, a Rússia executou bombardeios em seu território, figurando como uma invasão que fere a soberania nacional. O principal motivo que envolve a Rússia nessa questão é que a Ossétia do Sul pretende ser anexada ao ter- ritório russo para se juntar ao restante de sua etnia, que se encontra na Ossétia do Norte, localizada em território russo, indo totalmente contra os interesses da Geórgia. O presidente da Geórgia afirmou que a Rússia enviou veículos militares para a Geórgia e a Ossétia do Sul, com a finalidade de impedir a entrada das forças militares georgianas. Esses fatos levam a crer que essa divergên- cia geopolítica pode conduzir a uma guerra, tendo em vista que já ocorreram confrontos armados com vítimas. Segundo o dirigente da república, Eduard Kokoiti, a Geórgia tem objetivos de realizar uma limpeza étnica na Ossétia do Sul, sendo que esse último ataque figura o terceiro genocídio promovido pelas forças militares georgianas. Esse conflito está alicerçado na troca de acusações entre Rússia e Geórgia. A Rússia afirma que a Geórgia destruiu uma cidade na Ossétia do Sul por meio de ataques aéreos. A Geórgia acusa a Rússia de atacar sua base e se defende afirmando às autoridades internacionais que está sendo vítima das forças armadas russas. De forma genérica, esse é mais um problema geopolítico desenvolvido no leste europeu, quase sempre mo- tivado pela intolerância étnica, cultural e religiosa. A Ossétia do Sul é um território de mais ou menos 4 mil km2 localizado a cerca de 100 km ao norte da capital da Geórgia, Tbilisi, na encosta sul das montanhas do Cáucaso. O colapso da União Soviética alimentou o nascimento de um movimento separatista na Ossétia do Sul, que sempre se sentiu mais próxima da Rússia que da Geórgia. A região livrou-se do controle georgiano durante uma guerra travada em 1991 e 1992 e na qual milhares de pessoas morreram. A Ossétia do Sul mantém uma estreita relação com a vizinha russa Ossétia do Norte, que fica do lado norte do Cáucaso. A maior parte de seus quase 70 mil habitantes é etnicamente distinta dos georgianos e fala sua própria língua, parecida com o persa. Essas pessoas afirmam terem sido absorvidas à força pela Geórgia, durante o regime soviético, e almejavam exercer seu direito à autodeterminação. Cerca de dois terços do orçamento anual da região, aproximadamente de US$ 30 milhões, vêm do governo russo. Quase todos os moradores dali exibem passaportes russos e usam o rublo russo como moeda. O estado de ”cristalização” do conflito na Ossétia do Sul, assim como o da outra região separatista georgiana, a Abkházia, permitiu à Rússia preservar um instrumento vital de influência sobre seu vizinho do sul. 7 A Rússia e as ex-repúblicas Após a anexação da península da Crimeia à Federação Russa, observadores se perguntam se o presidente Vladimir Putin terá na mira outros países na periferia da Rússia. Estônia: cerca de um quarto de seus 1,3 milhão de habitantes é de origem russa. O Estado no extremo nordeste da Europa tem muitas florestas, possui mais de 1.500 ilhas e é considerado local promissor para empresas de internet. Letônia: um pouco maior, era altamente industrializada na época soviética e atraiu muitos imigrantes rus- sos. Mais de um quarto de seus atuais 2 milhões de habitantes fala russo. A agricultura, a pesca e a silvicul- tura são os principais pilares da economia local. Lituânia: com 3 milhões de habitantes, foi a primeira república a se declarar independente da URSS. No entanto, até hoje mantém laços econômicos estreitos com a Rússia, sua principal parceira de negócios, para onde vai quase 18% das exportações lituanas. Moscou observa o país com atenção especial, pois ele faz fronteira com o enclave russo Caliningrado. Vizinhos na União Europeia Mais para o sul, Belarus, Ucrânia e a República da Moldávia formam uma zona-tampão entre a Rússia e a UE, que há alguns anos vêm se expandindo em direção a leste. Enquanto Belarus aderiu à União Aduaneira Russa, a Ucrânia e a Moldávia são do interesse ativo da UE. Belarus: após o colapso da União Soviética,tornou-se independente em 1991. Desde 1994, o presiden- te Alexander Lukashenko governa o país com punho de ferro. Ele se opõe à privatização das empresas estatais – economia privada é praticamente inexistente – e tem grande interesse no estreitamente das relações com Moscou. O país depende muito do petróleo russo. Grande parte do transporte do petróleo e gás da Rússia para a Europa Ocidental se dá através de Belarus. Ucrânia: há bastante tempo, o país está nas manchetes, devido a meses de protestos, deposição do presi- dente, novo governo interino e o referendo na Crimeia, que definiu a anexação da península pela Rússia. A Ucrânia tem uma longa história de submissão a potências estrangeiras: segundo certos estudiosos, seu nome significaria ”terra fronteiriça”. No tocante ao idioma, história e política, o país é profundamente dividido. Um terço dos habitantes têm o russo como língua materna, e o leste é fundamentalmente pró- -russo. A Ucrânia é vital para o abastecimento da Rússia com gêneros alimentícios e também um ponto nodal para as exportações russas de energia, além de importante fornecedora de água e eletricidade para a Crimeia. O país e a UE trabalham em direção a um acordo de associação, que já foi em parte assinado. República da Moldávia: até ser anexada pela União Soviética em 1940, pertencia à Romênia. Com 4 milhões de habitantes, luta contra tendências separatistas internas, sobretudo nas regiões da Transnístria e da Gagaúzia. Em seus esforços por um contato mais estreito com a Moldávia, a UE está negociando um acordo de associação. Em contrapartida, Moscou tenta forçar a república a aderir a sua união aduaneira, por exemplo, boicotando as exportações moldávias de vinho e produtos agrícolas. Cáucaso O Cáucaso, na interface entre a Europa e a Ásia, é uma das regiões de maior diversidade linguística e cultural do Planeta, mas também é um viveiro de conflitos. Com exceção do Azerbaijão – rico em petróleo –, a maioria dos países da região não conseguiu se firmar economicamente na era pós-soviética, o que origina grandes conflitos sociais. A influência russa continua sendo enorme. Os principais focos de crise são: Abkházia, Ossétia do Sul, Inguchétia, Tchetchênia e Daguestão. 8 Abkházia: em 1999, declarou sua indepen- dência em relação à Geórgia, que não reco- nhece a separação. Porém, a economia do país de 250 mil habitantes foi prejudicada na luta pela autonomia. A Rússia procura intensificar sua influência e, recentemente, aumentou seus investimentos na Abkházia, além de usar o país desde 2010 para esta- cionar seus mísseis antiaéreos. Ossétia do Sul: reconhecida pela Rússia como Estado independente depois da guer- ra na Geórgia, ela é hoje um enclave de 70 mil habitantes, extremamente dependente de verbas russas. Sua cota de desemprego é alta, assim como seu custo de vida. Há anos, ela se empenha pelo ingresso na Fe- deração Russa. Inguchétia: república autônoma dentro da Federação Russa, com 400 mil habitan- tes, na maioria muçulmanos. As origens étnicas são de grande importância em sua sociedade. Tchetchênia: em 1991, após o fim da URSS, declarou sua independência em relação à Rússia. Três anos mais tarde, o Kremlin enviou tropas para o país para res- tabelecer sua autoridade, resultando na pri- meira guerra da Tchetchênia, terminada em 1996 com a fragorosa derrota da Rússia. Em 1999, os militares russos retornaram ao país. A taxa de desemprego e a pobreza são grandes entre os 1,25 milhão de tche- tchenos, apesar das injeções financeiras de Moscou para a reconstrução. Daguestão: assim como a Inguchétia e a Tchetchênia, é uma república autônoma dentro da Rússia, com quase 3 milhões de habitantes e maioria muçulmana. O russo é a primeira língua oficial, embora apenas 3,5% da população seja de etnia russa. A extração de petróleo e gás são os setores econômicos mais importantes, ao lado da pesca. As autoridades do país são avalia- das como basicamente fiéis a Moscou, mas também extremamente corruptas. As eleições de 2018 Ao longo do último século, apenas um político russo permaneceu no poder mais tempo que Vladimir Putin: Josef Stalin, que ocupou por 31 anos, entre 1922 e 1953, o cargo de secretário-geral do Partido Comunis- ta na extinta União Soviética. Com a vitória nas eleições de março de 2018, Putin será presidente da Rússia, pela quarta vez, até 2024, quando somará 25 anos no poder – se contados os quase cinco anos em que foi primeiro-ministro. De acordo com os resultados oficiais, ele obte- ve mais de 76% dos votos. O segundo colocado, Pável Grudinin, do Partido Comunista, só alcançou 12% dos votos. O resultado não causou surpresa, já que Putin liderava as pesquisas com margem ampla. Vale destacar que o principal líder da oposição, Alexei Navalny, esta- va impossibilitado de concorrer por ter sido condenado em um caso de desvio de recursos públicos. Navalny assegura que a condenação teve motivações políticas, gerada por seu protagonismo nas manifestações contra Putin nas eleições de 2012. No Ocidente, o presidente russo é visto por mui- tos como um autocrata que rejeita valores democráticos e direitos humanos. Mas na Rússia, ele tem altos índices de popularidade e sua política externa é motivo de or- gulho para muitos russos. A queda da União Soviética no final de 1991 provocou ”confusão e ressentimento” entre os russos. A União Soviética, que havia sido uma das maiores po- tências mundiais, de repente se desmembrava, perdia território e renunciava a postulados políticos e ideoló- gicos para adotar práticas que, durante décadas, havia desprezado. 9 A maior parte dos russos enxerga ações de for- ça – por exemplo, a anexação da Crimeia – como o retorno da ”Grande Rússia”. Além disso, ao abandonar o controle estatal sobre os preços, a sociedade sofreu, na época, com a hiperinflação, agravada pela alta dívida externa. No entanto, durante os últimos anos, o nacio- nalismo ressurgiu na Rússia, e muitos especialistas o atribuem a Putin e a seu discurso, que evoca a grandeza do passado. Um em cada três russos acredita que seu país não integra a cultura europeia nem asiática, sendo uma ”civilização única”, conforme levantamento feito em 2014 pela agência russa Romir. O governo russo ”utiliza a história, elegendo as partes do passado que quer ressaltar ou menosprezar”. Algo que ajuda a explicar porque, na Rússia de Putin, o czar Nicolau II, convertido em santo pela Igreja ortodo- xa russa, é amplamente admirado, assim como o princi- pal suspeito de ordenar seu assassinato, Vladimir Lênin, o principal líder da Revolução Comunista de 1917. Putin passou, nos últimos anos, de uma popularidade de 60% para 89%. O êxito de Putin recai no fato de ter conseguido construir uma identidade nacional em uma sociedade tão étnica e culturalmente diversa como a Rússia. Para unir grupos tão diferentes, como os tártaros e os russos da capital, ele não focou em ressaltar o que esses dois povos têm em comum, mas sim o que os separam de dissidentes. O argumento de Putin é o de que oposito- res não compartilham ”valores tradicionais russos” de patriotismo e moral. Antes do conflito com a Ucrânia – que resultou na anexação da Crimeia pela Rússia –, a popularidade de Putin vivia seu ”pior momento”, girando em torno de 60%. Um ano depois, disparou para 89%, segundo o instituto de pesquisa de opinião russo Centro Levada. Os atritos atuais com países europeus e a inter- venção no conflito da Síria (a Rússia é a principal aliada do presidente Bashar al-Assad) parecem ter devolvido ao país, aos olhos da população local, o lugar de desta- que em temas geopolíticos que costumava ter na época da União Soviética. Todos esses fatores têm contribuído para restau- rar o orgulho de um povo que, no começo do milênio, sofria uma grave crise de identidade. A economia e o medode reviver os anos 1990 A queda da União Soviética foi um duro golpe econômico para a sociedade russa. O produto interno bruto (PIB) per capita se reduziu de US$ 3.485,00, em 1991, para US$ 1.330,00, em 1999, uma queda de 38%, segundo dados do Banco Mundial estimados em função do valor atual do dólar. No entanto, nos anos 2000, quando a era Putin teve início, a economia voltou a crescer. O PIB per capita aumentou até alcançar, em 2013, o valor recorde de US$ 16 mil (R$ 52 mil, aproximadamente). A proporção de russos que vivem na pobreza passou de 33,5%, em 1992, para 13,4%, em 2016, segundo o Serviço Federal Russo de Estatísticas. Durante o governo de Putin, também surgiram os primeiros multimilionários russos. Desde 2013, co- meçou a haver um retrocesso na expansão e na redução da pobreza. No entanto, a sociedade russa ainda asso- cia a bonança a Putin e não se esqueceu das ”penúrias” sofridas na década de 1990. Valores como democracia e liberdades parecem ocupar o segundo plano, atrás de bem-estar econômico, na Rússia. 10 Aos seus 66 anos, o presidente russo não hesita na hora de tirar a blusa e exibir os músculos. Ele se dei- xa fotografar enquanto faz exercícios, nada, voa de asa delta, pratica caratê, sai para pescar, caçar ou montar a cavalo. Essas atividades tradicionalmente associadas à força e ao domínio contribuíram para criar uma imagem de ”macho alfa”– alguém forte e capaz de governar com firmeza, o que inspira a segurança e a confiança em muitos russos. ”Sem Putin não há Rússia”, disse, recentemente, o presidente do parla- mento russo Oleo Sokolov, que integra um grupo jovem de simpatizantes de Putin. Mas nem todos os que votam por Putin simpa- tizam com suas políticas. Alguns russos simplesmente optam por manter o status quo diante do temor de que um novo cenário seja pior. Na Rússia de hoje, o poder e a liderança estão centralizados na figura de Putin. A equipe dele se en- carregou de construir essa dinâmica, como demonstram declarações do atual presidente da Duma (parlamento russo), Vyacheslav Volodin: ”Na atualidade, sem Putin não há Rússia” ou ”Qualquer ataque a Putin é um ata- que à Rússia”. Alguns russos temem que, sem Putin, a Rússia se desmorone. ”Se Putin morresse, ninguém saberia o que acon- teceria no dia seguinte. Seria como no filme A morte de Stalin”, afirmam os editores do serviço russo da BBC, em referência ao filme que narra de maneira cômica as traições e disputas pelo poder, após a morte do líder soviético. Para quem pensa assim, ter Putin novamente como presidente seria um mal menor. A expulsão de diplomatas russos Até então, 14 países da União Europeia, Ca- nadá, EUA e Ucrânia se aliaram ao Reino Unido, no que diz respeito à acusação contra a Rússia – até então sem provas – do envenenamento perto de um shopping em Salisbury. Em especial, a Alemanha mandou embo- ra quatro diplomatas russos; já a Dinamarca e a Ho-landa mandaram de volta para casa dois di- plomatas russos, cada. Países bálticos, no total, mandaram embora cinco diplomatas russos, en- quanto os governos italiano, romeno, croata, sueco e finlandês optaram por expulsar um diplomata russo, cada. Além disso, quatro funcionários russos desaíram da Polônia, sendo esta quantidade igual aos que deixaram a França. Quanto à Ucrânia, o governo mandou expulsar treze diplomatas, e no caso da República Tcheca são três. Trump, por sua vez, ordenou a expulsão de 60 diplomatas, entre os quais, 48 trabalhavam na embaixada russa, e outros doze na ONU. No entanto, o embaixador da Rússia nos EUA, Anatoly Antonov, frisou que a responsabilidade das consequências da fratura das relações russo-- -americanas cabe aos EUA. Antonov acrescentou: ”(...) por sua vez, expresso protesto rigoroso em relação às ações ilegais dos EUA, ressalto que hoje em dia não há nenhuma prova sobre a intervenção da Federação da Rússia na investigação do caso, bem como sobre envolvimento da Rússia na tragé- dia em Salisbury”. 11 A influência de Putin na Venezuela A Rússia emergiu como um ator influente na crise na Venezuela, quando Washington acusou Moscou de convencer o presidente Nicolás Maduro a não fugir para Cuba. Além de ser um dos poucos aliados na América latina, Moscou investiu milhões na economia venezuelana. A tensão na Venezuela foi acentuada desde que Juan Guaidó se autoproclamou presidente interino em janeiro, afirmando que a reeleição de Maduro no ano passado era ilegítima e baseada em três artigos da Constitui- ção. Mais de 50 países, liderados pelos Estados Unidos, apoiaram o presidente da Assembleia Nacional, enquanto China e Rússia deram seu apoio a Maduro. Atingida pelas sanções ocidentais, a Rússia rapidamente percebeu uma oportunidade, mesmo que isso sig- nifique abrir um confronto com os Estados Unidos na América latina, tradicional esfera de influência de Washing- ton. Os laços entre a Rússia e os países ocidentais se deterioram muito desde a anexação da Crimeia, em 2014, por parte de Moscou e de seu apoio aos separatistas no leste da Ucrânia e do presidente Bashar al-Assad na Síria. ”A Rússia está fazendo a seguinte jogada em nosso hemisfério, e a Otan está rejeitada”, escreveu no mês passado o presidente do Think Tank Atlantic Council, Frederick Kempe. Rússia e Venezuela mantêm vínculos há algum tempo, e o antecessor de Maduro, Hugo Chávez, era muito bem quisto pelo Kremlin. Após a morte de Chávez, em 2013, a relação com o país com as maiores reservas de petróleo do mundo continuou a ganhar força. A Rússia é o segundo credor mais importante em Caracas depois da China, e Moscou investiu pesadamente em recursos petrolíferos da Venezuela. Política na Rússia
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