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E C O N O M I A 251829 de janeiro de 2021www.expresso.ptIMOBILIÁRIO & EMPREGO OPINIÃO PESSOAS Afinal, poupar é bom? JOÃO DUQUE E5 A ‘maldição’ liberal LUÍS MARQUES E8 Porque é que as bolsas se comportam como se não houvesse pandemia? JOÃO SILVESTRE E3 > Dicas Como apoiar os profissionais em teletrabalho E28 > André Reis é o novo administrador comercial da Bosch Car Multimedia Portugal E28 ATRASO NO 5G Portugal é um dos quatro países sem oferta comercial. Mas há 17 países com leilões por fazer em 2021 E3 Conheça as complexas regras do novo apoio social E25 PRIVATIZAÇÃO DA EFACEC PREVÊ SAÍDA DE CENTENAS DE TRABALHADORES FO T O R U I D U A RT E SI LV ACandidatos à compra receberam memorando com plano que aponta para despedimento de cerca de 500 funcionários E5 Siza Vieira assessorou criação do Novo Banco Atas de reuniões e documen- tos entregues no Parlamento para a comissão de inquérito ao BES/GES ajudam a recons- tituir os momentos decisivos do nascimento do Novo Banco, que, em breve, vai ser nova- mente escrutinado pelos de- putados. E16 Ministro da Economia participou como advogado em reuniões decisivas do banco que nasceu da resolução do BES PANDEMIA DUPLICA DESPEDIMENTOS COLETIVOS O Governo apostou tudo para travar a destruição de empre- go. Mas os apoios criados não evitaram um aumento dos des- pedimentos coletivos em 2020. Até dezembro, houve 698 em- presas a fazê-lo, despedindo 8299 trabalhadores, mais do dobro do que em 2019. E6 Número de empresas a avançar com despedimentos supera o registado em 2014, ano em que a troika saiu do país EDP Distribuição muda marca e é agora E-Redes O CEO da empresa, João Torres, revela ao Expresso que um milhão de famílias já tem acesso a leituras digitais em tempo real A digitalização é uma das prio- ridades da empresa da EDP para a distribuição de eletrici- dade. Mas João Torres reclama uma revisão em alta da remu- neração regulada. E8 “É INJUSTO APOIAR A TAP E DEIXAR OS PRIVADOS DE FORA” E10 Presidente da euroAtlantic Eugénio Fernandes Está aberta a guerra à especulação imobiliária Parlamento Europeu quer mobilizar os fundos comunitários para apoiar habitação digna e a preços acessíveis E18 Rendeiro volta a escapar a coima de €1,5 milhões do BdP > Tribunal falha cobrança da condenação do Banco de Portugal porque ex-banqueiro tem os bens arrestados em processos-crime > João Rendeiro também não pagou coima de €1 milhão da CMVM > Recurso do Ministério Público arrasta-se na Relação há ano e meio E9 Informe-se em santander.pt A relação do futuro é a que anda sempre consigo O seu Balcão Digital Expresso, 29 de janeiro de 2021ECONOMIA2 RANKING DOS CLUBES MILIONÁRIOS Receitas em milhões de euros 1 FC Barcelona 715,1 2 Real Madrid 714,9 3 Bayern Munich 634,1 4 Manchester United 580,4 5 Liverpool 558,6 6 Manchester City 549,2 7 Paris Saint-Germain 540,6 8 Chelsea 469,7 9 Tottenham Hotspur 445,7 10 Juventus 397,9 ... 23 Benfica 170,3 FONTE: DELOITTE Alemanha escolhe as suas máscaras e a indústria têxtil lusa ressente-se A chanceler alemã Angela Merkel anunciou que a população do país passa a usar máscaras FFP2, com níveis de filtração superiores a 95%, nos transportes, trabalho e lojas. A medida, justificada pela taxa de incidência da pandemia e pela mutação do vírus, foi seguida em diferentes formatos pela Áustria, França e Suíça e poderá ganhar novos adeptos, mas a indústria têxtil lusa, com mais de mil empresas a fazer máscaras sociais, quer ver o Governo usar a presidência portuguesa da UE para unir a Europa nesta matéria. Há mais de 20 mil postos de trabalho em risco e as máscaras têxteis de nível 2 têm capacidade de filtração superior a 95%, argumenta. FO T O R EU T ER S Teletrabalho: ACT já detetou 200 infrações A Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) tem no terreno uma operação nacional de fiscalização ao cumprimento da obrigatoriedade do teletrabalho, imposta pelo Governo. Ao longo da última semana foram fiscalizadas mais de 500 empresas de norte a sul do país, em 200 a ACT identificou infrações. Recorde-se que o Executivo elevou de “grave” para “muito grave” o regime de contraordenações a aplicar ao teletrabalho. Coimas podem agora chegar aos €61.200. BENFICA É O 23º CLUBE EUROPEU QUE MAIS FATURA Com uma receita estimada em €170,3 milhões, o Benfica é o único clube português a constar do ranking Money League, da auditora Delloite, e liderado pelo Barcelona. Os encarnados surgem na 23ª posição e, a par do holandês Ajax (27ª), são os únicos que não pertencem às cinco principais ligas europeias. A pandemia custou mais de mil milhões de euros em receitas dos 20 maiores clubes europeus, que caíram 12%, para €8,2 mil milhões. Segundo a Delloite, a quebra nas receitas televisivas dos jogos suspensos foi de €937 milhões e a falta de público custou €257 milhões aos cofres dos clubes. Porto é a melhor cidade da Europa para viver em família O Porto é a melhor cidade da Europa para criar uma família e Lisboa a terceira, revela um estudo da norueguesa Sumo Finans, que abrange 50 cidades europeias. O Índice Global da Paz 2020, o custo das creches, a pontuação média de desempenho escolar do PISA, o custo de vida para uma família de quatro pessoas e o de arrendamento de um apartamento T3 são alguns dos critérios utilizados pela empresa norueguesa. Acrescem ainda para a elaboração do ranking o número de atrações “boas para crianças”, “natureza e parques” e atividades para fazer na cidade. Com uma pontuação de 75,28 pontos em 100 possíveis, a cidade do Porto ocupa o primeiro lugar, seguida por Barcelona (68,60) e Lisboa (68,12). O estudo revela que o Porto tem muitas coisas para fazer em família, incluindo quase 1 parque natural e 1,69 de atrações infantis por quilómetro quadrado, enquanto Portugal tem o segundo melhor índice de paz (1,247), a seguir à Islândia, entre os 50 países europeus analisados. Na Invicta, o estudo aponta ainda €1930,75 como os gastos de uma família de quatro pessoas, o custo de creches na ordem dos €336 e de uma renda de um T3 na ordem dos €1042,6. Já em termos do índice PISA (avaliação de desempenho escolar, elaborado pela OCDE), o Porto tem uma pontuação de 492. Lisboa ocupa o terceiro lugar da classificação da lista da Sumo Fins com uma pontuação total de 68,12. A capital também pontua de forma significativa no domínio das atrações para a família, com 1,22 atividades “boas para crianças” por quilómetro quadrado. Quanto ao custo de vida médio para uma família de quatro pessoas na capital, o estudo aponta o valor de €1946,15, um pouco acima do registado no Porto, tal como nos gastos com creches (€420,6) e na renda de um T3 (€1308,5). Em termos de custo de vida, Istambul surge como a cidade mais barata para se viver em família, com um custo mensal médio estimado para uma família de quatro pessoas da ordem dos €1781,6, incluindo preço da creche e de aluguer. Seguem-se Budapeste, na Hungria, com €2715,89, e Vilnius, na Lituânia, com €2904,49 de custos mensais. 4,3% META DO DÉFICE PARA 2021 NEM UM MÊS DUROU João Leão já não cumprirá a meta de 4,3% do PIB que prometeu para o défice deste ano. “A segunda vaga da pandemia, mais intensa do que o esperado, e as medidas restritivas de confinamento associadas, com maiores apoios ao rendimento das famílias e às empresas, deverão conduzir a uma revisão em baixa do cenário macroeconómico e do saldo orçamental para 2021”, alerta o Ministério das Finanças. O IVAUCHER, PROGRAMA QUE O GOVERNO DESENHOU PARA PROMOVER O CONSUMO EM PORTUGAL DE FORMA A CONTER A CRISE CAUSADA PELA PANDEMIA, TEVE UM NOVO VOLTE-FACE. ESTA SEMANA, A AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA ALERTOU, PELA SEGUNDA VEZ, O MINISTÉRIO DAS FINANÇAS PARA PROBLEMAS NO CONCURSO PARA DESENVOLVER O IVAUCHER, POR PODER SER UM FATO ÀMEDIDA DA SIBS. CONTUDO, ESTA EMPRESA, QUE É A PROPRIETÁRIA DA REDE MULTIBANCO, INFORMA QUE, AFINAL, NÃO PARTICIPOU NO CONCURSO Decorrido um ano sobre o início das pressões impostas pela pandemia à logística global, a vida de quem depende da grande fábrica da China continua difícil e não vai melhorar nos próximos tempos. Na rota Ásia-Europa, há falta de contentores, atrasos, escalada de preços, alertam diferentes sectores da economia. E se a primeira escala do problema é a indústria, a braços com curtos circuitos nas cadeias de produção, os consumidores começam a ter, também, menos opções de compra e prazos de entrega dilatados numa gama alargada de artigos. “Se uma viagem entre a China e Roterdão tem mais 12 dias, um circuito de ida e volta soma mais 20 dias”, precisa Mário de Sousa, da PortoCargo, empresa dedicada ao transporte de mercadorias. Quanto aos preços, já multiplicaram por cinco: um contentor de 40 pés que custava 2 mil dólares (€1600), passou para os 11 mil. Falta perceber exatamente como se vai refletir tudo isto no preço final dos produtos e no esforço de reindustrialização da Europa. A ‘PANDEMIA’ DOS CONTENTORES PODE CHEGAR À PRATELEIRA DO SUPERMERCADO IL U ST R A Ç Ã O P A U LO B U C H IN H O ALTOS Mário Ferreira Empresário Os reguladores (Concorrência, ERC e Anacom) deram autoriza- ção à aquisição da Media Capital pela Pluris Investments. O empre- sário já detém 30% do capital da empresa que detém a TVI e pode avançar com a OPA assim que o preço estiver definido. António Mendonça Mendes Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Era da mais elementar justiça e até lógica económica que também as empresas com dívidas ao Fisco, desde que enquadradas e em pro- cesso de regularização, pudessem aceder aos apoios do Estado na pandemia. Até porque, sem isso, nem as dívidas pagavam. Bruno Le Maire Ministro das Finanças francês Em entrevista ao jornal “Finan- cial Times”, alertou para a ne- cessidade de acelerar a chegada do dinheiro do Fundo de Recu- peração aos países e também de estender o prazo de suspensão das regras orçamentais. A dívida está a disparar, mas os juros são historicamente baixos. E os tem- pos não estão para brincadeiras: tal como na gestão da pandemia, também na economia todos os segundos contam. E BAIXOS João Rendeiro Ex-presidente do Banco Privado Português O Supremo Tribunal de Justiça confirmou a sua condenação e po- de, em breve, ter mesmo de cum- prir os cinco anos e oito meses de prisão da sentença. Entretanto, continua a escapar ao pagamento da coima de €1,5 milhões a que foi condenado pelo Banco de Portu- gal em 2013 (ver pág. 9). Margarida Matos Rosa Presidente da Autoridade da Concorrência Faz bem a presidente da Autori- dade da Concorrência em preocu- par-se que no concurso do IVAu- cher haja regras básicas de con- corrência. E que não sejam feitos concursos à medida. Mas preocu- par-se com um concorrente alega- damente beneficiado que nem se- quer participou pode ser exagero. João Silvestre jsilvestre@expresso.impresa.pt Expresso, 29 de janeiro de 2021 ECONOMIA 3 Utilidade Marginal João Silvestre jsilvestre@expresso.impresa.pt O s mercados financeiros têm uma relação com o tempo e o espaço que escapa ao comum dos mortais. Enquanto a pan- demia avança a grande velocidade e a recessão afunda como há muito não se via, nas bolsas vivem-se tempos de euforia. “Exuberância irracional”, como disse o ex-presidente da Reser- va Federal dos EUA, Alan Greenspan, noutros tempos de loucura bolsista, é curto para descrever o que se passa hoje. Em particular nos EUA. À hora que escrevo, as ações da GameStop, uma rede de lojas de jogos criada na década de 80, negociava com um ga- nho de 135% em Nova Iorque. A cota- ção mais do que duplicou em 24 horas e leva um salto de 1700% este ano, o que custou muitos milhões aos hedge funds que apostaram na sua queda. Apenas algumas praças europeias, como Lisboa, Madrid, Paris ou Milão, estão a cair neste início de 2021. Alguns números ajudam a enqua- drar a onda gigante que os investido- res têm estado a surfar. Nas primeiras três semanas de janeiro, as empresas colocaram 400 mil milhões de dólares em ações e obrigações no mercado. A média para esta altura do ano, diz o “Financial Times” que fez as contas, são 170 mil milhões. Há 79 empresas cotadas nos EUA cuja cotação dupli- cou nos últimos três meses, algo que não se via há anos e a fazer lembrar as dot.com. E o rácio price-earnings do Nobel Robert Shiller, que mede a relação entre a cotação das empresas do S&P500 e os seus lucros, está no nível mais alto desde 2001. Os mercados parecem comportar-se como se não existisse uma pandemia. A questão é: porquê? É difícil explicar principalmente quando enfrentamos a terceira vaga da covid-19 e do que se fala em muitos países é de uma recaída na recessão. Mas há várias ex- plicações diferentes para este compor- tamento: as boas, as racionais e as que têm a ver com a atração pelo abismo. Primeiro as boas. Há empresas, como as tecnológicas, que prosperam nesta pandemia e beneficiam de alte- rações de comportamento que vieram para ficar. As empresas valem mais hoje do que antes e é normal que as suas ações reflitam essa valorização. Ao mesmo tempo, há outros sectores que, mesmo não beneficiando, podem sofrer pouco ou nada desde que a crise não se prolongue demasiado tempo. Depois as razões racionais. As taxas de juro estão em mínimos históricos e os investidores, para terem algum retorno, deslocam o seu dinheiro para ativos mais arriscados. Fogem de apli- cações sem risco, de dívida mais segu- ra (como a dívida pública) e de fundos de investimento mais conservadores para ações, imobiliário ou ativos mais especulativos. É natural, é expectá- vel, é racional e, diga-se em abono da verdade, é um dos efeitos esperados destas políticas de quantitative easing dos bancos centrais. Por fim, o fascínio pelas lotarias. Há quem esteja a aplicar o seu dinheiro em alternativas onde, em condições normais, não o faria. Ou, pelo menos, não o faria de forma tão destemida. É o que explica o recorde da bitcoin, sem que a esta criptomoeda tenha funda- mentos económicos que o justifiquem, ou a aposta em dívida (de Estados ou empresas) com rating ‘lixo’. E há casos ainda piores. Quase ao nível do casino. Numa das últimas edições, a revista britânica “The Economist” dava conta de uma subida do volume de transações de opções nas bolsas americanas por parte de particulares e, pior, fazendo apostas de alto risco em contratos demasiado out-of-the- -money (cujo preço de exercício re- presenta uma perda se exercido no momento da compra). Parece tudo demasiado arriscado para tanta gente apostar. Nomeada- mente investidores que não são pro- fissionais. E até esses podem perder. Claro que não se espera uma mudança brusca nos mercados. Mas os juros não ficam negativos para sempre, nem estes ativos continuarão a subir indefi- nidamente. Haverá um momento em que a normalidade irá regressar e, nessa altura, quem estiver demasiado lançado na bolha acabar por ser apa- nhado desprevenido. Nos mercados, o longo prazo pode ser daqui a apenas alguns minutos. E, já se sabe, quanto mais alto, maior a queda. Arrebenta a bolha As bolsas comportam-se como se não existisse uma pandemia. Há boas razões para isso, mas também há atração pelo abismo KPMG: absolvição e recurso Tribunal de Santarém arrasou condenação do BdP, que diz que há erros notórios de apreciação. Relação terá palavra a dizer 1 Quais as condenações à auditora do BES? Em junho de 2019, o Banco de Portugal (BdP) condenou a auditora KPMG e cinco associados por ausência de dever de informação e prestação de informação falsa quanto à qualidade do crédito e risco associado à carteira do BES Angola. À KPMG aplicou uma coima de €3 milhões e aos cinco associados, entre os quais o presidente da auditora,Sikander Sattar, uma coima de €450 mil, a Inês Viegas, €425 mil, a Fernando Antunes, €400 mil, a Inês Filipe, €375 mil, e a Sílvia Gomes, €225 mil. Os arguidos recorreram para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém. O julgamento começou a 3 de setembro de 2020 e a sentença foi lida a 15 de dezembro, absolvendo todos os arguidos. 2 O que valeu para a absolvição da KPMG? A decisão do TCRS arrasa a condenação do BdP. A juíza Vanda Miguel concluiu que não havia provas quanto à violação das normas que deveriam ter levado à emissão de reservas às contas consolidadas do BES. Face ao dever de informação, o momento em que devem ser comunicados factos suscetíveis de gerarem reservas às contas não é, para o tribunal, o mesmo que defende o BdP. A juíza disse mesmo que a KPMG não pode ser “um mera estafeta” do supervisor, defendendo não fazer sentido que, “logo que se conheça um facto que por si só revele uma mera potencialidade abstrata de vir a originar uma mera reserva, tenha de existir uma comunicação ao supervisor”. 3 Quais os argumentos do recurso do BdP para a Relação? As interpretações do TCRS e do BdP sobre as normas que são exigidas às auditoras não podiam ser mais contraditórias. Desde logo, na interpretação do que dizem as normas do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras quanto ao dever de informação. Nos argumentos apontados pelo BdP no recurso para o Tribunal da Relação estão, entre outras matérias, o facto de a auditora KPMG e os restantes responsáveis não terem alertado o supervisor de que entre 2011 e dezembro de 2013 não tinham acesso a informação essencial sobre a carteira de crédito do BES Angola, e deviam tê-lo comunicado com “a maior brevidade possível”. O supervisor considera que o entendimento do tribunal esvazia o conteúdo do dever de informação por parte das auditoras. 4 O que vai acontecer daqui para a frente? O BdP acredita que o que o Tribunal da Relação vier a decidir — manter a absolvição ou reverter a decisão do TCRS — vai determinar o futuro sobre a interpretação das normas quanto ao momento em que os auditores terão de fazer a comunicação. Se só quando exista informação suficiente para emitir um direito de reserva às contas ou sempre que não tenha informação sobre matérias que podem levar à emissão de reservas às contas. Os factos prescrevem em maio de 2022. Dependendo da decisão do Tribunal da Relação, quer o BdP quer os arguidos podem recorrer para as instâncias superiores. Se houver reversão da decisão, é quase certo o recurso da KPMG. Descodificador por Isabel Vicente A semana em dois minutos > O Ministério das Finanças prevê que o défice deste ano seja superior aos 4,3% do PIB previstos no Orçamento do Estado para 2021. Já o défice de 2020 será próximo dos 6,3% do PIB. > Em janeiro, 22.700 empresas regressaram ao lay-off simplificado. > Mais de 500 empresas foram alvo de fiscalização por parte da Autoridade para as Condições de Trabalho por causa do teletrabalho. Cerca de 200 foram apanhadas em infração. > Foi publicada a portaria que executa a aplicação do novo apoio social criado pelo Governo para trabalhadores que ficaram em situação de desproteção económica e social devido à pandemia. > A norte-americana GameStop disparou em bolsa, com um movimento de pequenos investidores a combater os fundos que apostavam na queda das ações. É uma história de uma aposta que correu muito mal aos fundos de Wall Street. > A empresária angolana Isabel dos Santos perdeu a ação de recurso no Tribunal de Recurso de Paris e vai ter de pagar 339,4 milhões de dólares de indemnização à PT Ventures (PTV), detida pela Sonangol, na sequência de um contencioso em torno da operadora Unitel. > A Autoridade da Concorrência alertou o Ministério das Finanças para problemas no concurso para desenvolver o IVAucher, por poder ser considerado um fato à medida da SIBS, mas esta empresa, proprietária do multibanco, decidiu não ir a concurso. > Portugal atrasou-se no 5G e é um dos quatro países da União Europeia que não tem uma oferta comercial de quinta geração. > A Autoridade Nacional das Comunicações divulgou um estudo que apontava Portugal como o quinto país da União Europeia com preços médios por gigabyte mais elevados na internet móvel, mas a Apritel, que representa os operadores de telecomunicações, considera que se trata de uma visão “distorcida”. > A Autoridade da Concorrência aprovou a oferta pública de aquisição de Mário Ferreira sobre a Media Capital. > A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos aplicou à Galp Power uma coima de €752 mil pela prática de 125 contraordenações no mercado de eletricidade e gás natural. > A recessão mundial em 2020 foi menos severa do que se temia, diz o FMI. E a zona euro vai levar dois anos a recuperar da crise. > Os lucros da Navigator caíram 35,1% em 2020, face a 2019, para €109,2 milhões, e o volume de negócios ascendeu a €1385 milhões, menos 17,9%. Só há mais três países sem oferta comercial. A maioria dos Estados optou por um leilão parcial, a Anacom disponibilizou o espectro de uma só vez Portugal optou por leilão global e atrasou oferta Portugal atrasou-se na quinta geração de rede móvel (5G) e hoje é um dos quatro países da União Europeia (UE) que não tem uma oferta comercial. A pandemia é um dos argumentos para que o leilão das licenças de 5G tenha resvalado de 2020 para 2021. Mas não há ainda uma data para o arranque das ofertas comerciais — vai depender da data da conclusão do leilão. Embora vários países da UE estejam mais avançados do que Portugal, parte fez apenas leilões parciais e ainda há faixas por atribuir. 17 países vão avan- çar com novos leilões de faixas este ano. A Anacom escolheu um modelo diferente e optou por um leilão global, cedendo todo o espectro disponível de uma só vez. O regulador defende o seu modelo: “A inclusão de várias faixas de frequências no mesmo procedi- mento traz benefícios às empresas, que assim podem tomar decisões com uma visão mais global do espectro disponível”, justificou fonte oficial. O regulador nega atraso. “Existem diversos países com situações equiva- lentes à de Portugal”, afirma. Estudo do IDATE Além de Portugal, só Lituânia, Chipre e Malta não têm uma oferta comercial de 5G, a próxima revolução tecnológi- ca. Os dados constam de um relatório feito para a Comissão Europeia pela organização IDATE — Digiworld, no- ticiado pelo “Público”. Segundo a aná- lise deste grupo de reflexão, há ofertas comerciais de 5G em várias cidades da UE, nomeadamente em 23 Estados- -membros. A Alemanha, que lançou a oferta no verão de 2019, cobria um ano depois 40 milhões de habitantes em 3 mil cidades. Em Portugal há apenas experiências-piloto dos três grandes operadores — a NOS em Matosinhos, a Altice em Aveiro e a Vodafone em Lisboa —, com licenças de 5G cedidas temporariamente pela Anacom. Portugal não foi o único país a atra- sar o leilão por causa da pandemia, Espanha e França também adiaram a licitação de algumas frequências. Na realidade, só três países atribuíram es- pectro nas principais faixas: 700 MHz, 3,4-3,8 GHz e 26 GHz. A Anacom su- blinha a diferença: “Existem diversos países europeus que ainda não atribuí- ram as frequências relevantes para o 5G, os 700 MHz e os 3,6 GHz. Estão nessa situação Malta e Lituânia, mas também Polónia, Eslovénia, Bulgária, Croácia e Estónia. E outros, embora tenham atribuído uma das faixas, ain- da não atribuíram as duas faixas de frequências. É o caso de Espanha, por exemplo, que tem previsto atribuir a faixa dos 700 Mhz em 2021.” A Altice, a NOS e a Vodafone têm su- blinhando que o país vai ficar na cauda da Europa, depois de lançarem críticas cerradas ao regulamento do leilão de 5G, exigindo igualdade de tratamen- to entrequem já está no mercado e os novos entrantes — o que, conside- ram, não aconteceu. Tem sido uma guerra dura. Em causa está um dos mais relevantes saltos tecnológicos dos últimos anos e investimentos de muitas centenas de milhões. Há, aliás, processos em tribunal considerando o regulamento do 5G “ilegal e discrimi- natório”, mas até agora sem sucesso. Apesar dos processos em tribunal, os operadores não deixaram de se apresentar no leilão. Depois de uma primeira fase limitada a novos ope- radores que rendeu mais de €84 mi- lhões, a fase principal arrancou já em 2021. Na quarta-feira, esta fase já ha- via superado os €208 milhões no total das licitações. A maioria dos lotes apa- renta ter as licitações fechadas — com exceção dos lotes nas frequências dos 3,6 Ghz e 2,6 GHz. Anabela Campos e Hugo Séneca acampos@expresso.impresa.pt Entrega das licenças de 5G está prevista para o primeiro trimestre FO T O S ER G IO P ER EZ /R EU T ER S Expresso, 29 de janeiro de 2021ECONOMIA4 Estado da Noção Francisco Louçã francisco.lou66@gmail.com Opinião R ao Quadrado Ricardo Reis rquadrado.expresso@gmail.com Todos diferentes, tudo igual? N ão houve grandes surpresas nas eleições de domingo. Marcelo ganhou com 50 pontos de van- tagem sobre a segunda classi- ficada. Ana Gomes passou Ventura, uma vitória simbólica de grande valia. Ventura subiu, levando consigo os tais votos “zangados”, arrasando o CDS e comboiando uma parte do PSD. A esquerda foi nisto derrotada, tam- bém aqui há pouca surpresa. Ana Go- mes mostrou-o num discurso ressentido na noite de domingo, culpando toda a gente por não a ter apoiado. As duas ou- tras candidaturas da esquerda, que mos- traram combatividade e preparação, sofreram com a polarização para Ana Gomes (e para Marcelo, é melhor não fingir que não aconteceu). Marisa, apesar da brilhante última semana de campanha, perdeu votos. E João Ferreira, apresentado como candi- dato a secretário-geral do PCP, ficou colado à pior votação de sempre do seu partido. E, assim, as esquerdas enfrentam três desafios maiores. O primeiro é o que fará Costa. Ga- nhou com Marcelo, ganhou com a colagem de Ana Gomes a uma futu- ra disputa sucessória, ganhou com as perdas das esquerdas e, sobretu- do, ganhou com Ventura. Ventura vai ser o seu principal argumento para disputar o centro ao PSD, na busca de uma maio- ria absoluta. O risco deste desenho é que embebeda. Se o PS se entusiasmar com a ideia de que o Governo pode continuar a prometer e a não cumprir, como fez nas contratações médicas ou nos apoios aos trabalhadores a recibo verde, aos desempregados, aos pequenos empre- sários, para se dedicar alegremente a um jogo político para atrapalhar Rui Rio, vai favorecer uma tempestade so cial, ofere- cendo anúncios publicitários em vez de medidas sociais consistentes num país que espera e desespera. O segundo problema é a direitização da direita. O CDS vai migrar para o Chega e para o IL, e o PSD acomoda-se à ideia de que a aliança com a extrema-direita é para ficar. E há duas respostas para isso: ou a sobranceria de centro, a solução de pôr a cartola em nome de ilustres prin- cípios institucionais, ou a solução demo- crática, que importa para a gente, a que cuida da vida de quem passa dificuldades, ou saúde, emprego e proteção social. O terceiro, o mais difícil, é escolher prioridades de Governo. Começa agora a fase crítica da pandemia, mais um ano de emergência sanitária e um furacão económico. O reajustamento exige tudo o que tem faltado: competência na ação, recursos adequados, transformações estruturais nos serviços de referência para o dia a dia da população. Veremos quem percebe que o país está aflito e que precisa de respostas para ontem. U m filósofo e político que viveu nos séculos XVI e XVII, Francis Bacon, ficou famoso por ter ex- plicado que a ciência moderna consiste em “torturar a natureza para que ela confesse”. No nosso tempo, outro Prémio Nobel da Economia que descon- fiava das técnicas que simplificassem a realidade, Ronald Coase, adaptou a frase para “torturar os números para que eles confessem”. Não sei se era isto que o primeiro-ministro tinha em men- te quando explicou candidamente no Parlamento que, se forem “alisados” os dados trimestrais, temos agora mais mé- dicos no SNS do que no início de 2020. O problema é que essa tortura não muda a realidade, mesmo que conforte a ideia de que não é preciso fazer nada a respeito da contratação, carreiras e exclusivida- de nas profissões de saúde, visto que, “alisados”, haveria mais médicos agora. Se fosse verdade, era boa notícia; mas é simplesmente falso, e em dezembro, segundo os números oficiais do portal Transparência — SNS, temos no SNS muito menos médicos do que em janeiro de 2020. A técnica estatística do “alisamento” dos dados, por exemplo através de uma média móvel, é usada para salientar a tendência de fundo, ignorando os- cilações ocasionais. É, portanto, uma forma de apresentação gráfica, e nada mais. Não é um retrato do que se passa em cada instante. Ora, se em outubro tínhamos menos 1029 médicos do que em janeiro, em novembro menos 961 e em dezembro menos 945, conclui- -se que houve algumas contratações de emergência, ainda bem, mas nunca que há mais do que no início do ano. O défice de profissionais no SNS é enorme. Esta dificuldade, cria da pelas aposentações, mas também pela saída para os priva- Como alisar os dados que se portam mal dos, é uma grave limitação dos serviços de saúde. Pode ser resolvida ou ignora- da. O primeiro-ministro escolhe negar um problema que diz que não existe, uma vez “alisados” os números. Faz mal. Em janeiro deverão entrar no SNS os jovens licenciados do verão passado. Começarão as primeiras semanas da sua formação, que dura vários anos. Aqui está uma esperança. Mas nos próximos três anos poderão sair mais 2800 médi- cos dos centros de saúde e hospitais. Há mesmo um problema. Torturar ou alisar os números não o resolve. Portugal tem vindo a reduzir o investimento líquido em todo o período do euro. Assim sendo, estamos a reduzir a infraestrutura a cada ano que passa Se não é agora que investimos, será quando? P ortugal emitiu dívida pú- blica a 10 anos a juro ne- gativo. O mar de liquidez nos mercados financeiros e a proteção do Banco Central Europeu favore- cem a descida do custo da dívida, ao ponto de o Es- tado português ser agora pago pelos credores para lhe empres- tarem dinheiro. No entanto, segundo as contas do Expresso, essa vantagem não está a ser utilizada para promover o investimento público, a principal âncora que numa recessão permite criar empre- go, na falta de investimento privado, que se retrai. Segundo este jornal, apurando o investimento líquido, ou seja, a diferen- ça entre os gastos públicos anuais e a des- valorização decorrente da degradação dos bens de capital, Portugal tem vindo a reduzir esse valor em todo o período do euro. Este saldo desceu de cerca de 2,5% do PIB em 1999 para um valor atual de 1% negativo. Assim sendo, estamos a reduzir a infraestrutura de Portugal a cada ano que passa. A dívida é boa, o investimento é melhor No meio da estagnação destes últimos 10 anos, Paul Krugman, um Prémio Nobel da Economia que não tem medo das pa- lavras, escreveu um artigo com um apelo provocatório, a dívida é boa. A conta não é difícil de fazer: se for bem usado, o mo- mento excecional em que se pode fazer investimentos com juros negativos é uma oportunidade para renovar infraestrutu- ras, criando emprego agora e poupando gastos futuros. Assim, é o momento de construir ou reequipar hospitais e escolas, reparar pontes e desenvolver os caminhos de ferro, ou iniciar a adaptação energéti- ca, por exemplo. Depois será mais caro e a perda de tempo é também um preço para a estupidez. Com o plano aprovado nos primeiros dias da administração Biden, os gastos públicos nos EUA em resposta à pan- demia elevam-sea 27% do PIB, um va- lor que mostra a insensatez da restrição europeia, com uma ‘bazuca’ medíocre e que, aliás, ainda nem está em andamento. O FMI, cujo conservadorismo é lendário e cuja carreira de condenação do inves- timento público é uma certeza, veio há um par de meses aplaudir esta viragem e mesmo propor uma conta para os be- nefícios do gasto dos Estados: o efeito multiplicador desse investimento trans- formaria cada euro do dinheiro público em 2,7 euros de crescimento do PIB. Um mau ano para a Europa Entretanto, as previsões do FMI para a evolução económica revelam mais amea- ças do que alívio para a Europa. Na sua análise, revelada esta semana, a institui- ção conclui que a recessão em 2020 terá sido menor do que o que se antecipava, com uma queda do PIB mundial de 3,5%, e não dos previstos 4,4%, em grande par- te devido a uma melhor recuperação da China, que foi de 2,3%. Continua a ser a pior recessão dos últimos 75 anos, e a comparação com a de 2009 (menos 0,1% no PIB mundial) é reveladora. No entanto, a zona euro foi das mais atingidas, com uma queda global de 7,5% (e a Espanha de 11%, o que é relevante para o comércio externo nacional). E, diz o FMI, a recuperação em 2021 será pior do que o previsto, terá que se esperar pelo final de 2022 para voltar aos níveis pré-crise, e, entretanto, as regras euro- peias apertam, quando deviam ajudar a relançar a economia. Em todo o caso, que se espera para relançar o investimento, financiado por dívida a juro negativo? A o fim de quase 11 me- ses de pandemia, já morreram 10.721 por- tugueses. Em compa- ração, morreram 8830 sol- dados portugueses durante 14 anos de guerra colonial. Durante este flagelo, o Go- verno português tem ouvido os conselhos dos especialistas reunidos no Infarmed e nou- tros grupos. Mas, sempre que toma uma decisão, surgem críticas que devia ter seguido mais as suas recomendações. Alguns afirmam mesmo que deveriam ser os especialis- tas a decidir as medidas. Su- perficialmente, parece fazer sentido. Mas basta pensar um pouco mais para perceber que isto está profundamente er- rado, quer do lado da política quer do lado da ciência. Numa pandemia, os cien- tistas são essenciais para explicar os mecanismos de contágio, para medir quantos doentes temos, e para listar as consequências de diferentes políticas. Mas, quando se tem de decidir entre elas, é preciso lidar com o facto de as me- dições em tempo real serem imperfeitas. As previsões da evolução nos próximos me- ses têm muita incerteza, não só estatística, mas também entre diferentes modelos ci- entíficos. E toda e qualquer política de saúde pública tem múltiplas consequências. A principal tarefa dos cien- tistas nestas alturas é, antes de tudo, dissuadir os decisores de algumas péssimas ideias que claramente tornariam tudo pior. Já não é pouco, so- bretudo tendo em conta a ten- dência humana para ignorar problemas e rezar para que desapareçam por si. Depois, os cientistas tentam medir e prever com a maior confian- ça possível, mas sendo claro sobre a incerteza e as mar- gens de erro das estimativas. Por fim, os cientistas elencam as diferentes consequências de diferentes políticas. Para qualquer situação, há sempre um conjunto de opções com diferentes prós e contras. Um especialista pode preferir uma delas, porque prefere um mo- delo e um conjunto de medi- ções, ou porque acha que se deve pôr mais peso nalguns prós em vez de outros contras. Mas o especialista tem de ter a humildade de perceber que há incerteza e que outros têm ou- tros pesos. Para o bem e para o mal, são os decisores políti- cos, eleitos numa democracia, que representam o povo. Só eles devem tomar decisões. O estado calamitoso atual mostra claramente que o Go- Não deixem os especialistas decidir verno português decidiu mal no último mês. Só fechámos a 15 de janeiro e com muitas exceções que só foram remo- vidas no dia 22, quase um mês depois da nova estirpe britâ- nica do vírus ser detetada. Os vírus espalham-se a um ritmo exponencial. Se um grão no primeiro quadrado do tabu- leiro de xadrez mágico que duplica a cada quadrado se transforma em 65,536 grãos ao fim de duas filas, já se pu- sermos esse primeiro grau só no início da segunda fila, aca- bamos com apenas 256 grãos. Quando uns dias apenas fa- zem a diferença, um mês in- teiro tem um impacto brutal. Por outro lado, imagine que em vez de duplicar, o tabu- leiro só acrescenta 10% em cada quadrado. Então, ao fim de duas filas, só teremos 4,6 grãos e, começar com uma fila de atraso, produz 2,1 grãos. Há quatro semanas, nenhum especialista podia dizer com enorme certeza que o factor R a que o vírus se exponencia estava tão acima de 1 como os dados acabaram por revelar. O Governo pesou riscos e be- nefícios, e decidiu atrasar o confinamento. Decidiu mal. Mas decidiu, consciente da in- certeza e pesando riscos e be- nefícios. Não seria por temos especialistas a decidir que o resultado teria sido melhor. Aliás, uma decisão impor- tante ficou na mão dos espe- cialistas e levou a maus re- sultados. Demorou-se muitos meses a aprovar as vacinas. Os cientistas nas agências re- gulatórias usaram os critérios estatísticos que usam para to- das as vacinas, e que exigem um altíssimo nível de confi- ança na eficácia e ausência de efeitos secundários graves. Mas um uso correto da teo- ria estatística põe um peso no risco de ter uma vacina ine- ficaz ou mesmo perniciosa, contra o peso dos milhares de pessoas que morrem e os milhões que ficam na pobreza por cada dia que passa. Nesta pandemia, que tantos danos está a causar, parece-me que os pesos dos especialistas não refletiram as prioridades da população com consequênci- as graves: se tivéssemos apro- vado as vacinas dois meses mais cedo, podíamos ter evi- tado esta vaga de mortes de janeiro. Há um mês, o famoso dr. Fauci reviu a sua estimativa da imunidade de grupo de 60% a 70% da população, para perto de 90%, depois de já a ter revisto em novembro para 75% a 80%. Quando lhe per- guntaram porquê, ele admitiu sem pudor que disse números mais baixos anteriormente para convencer as pessoas a vacinarem-se. Para um mé- dico, isto pode ser normal: assustar os pacientes é por vezes a melhor forma de co- meçar a cura. Mas um decisor político sabe que mentir tem custos, que exagerar hoje leva a ser ignorado amanhã, e que se paga por isso nos desafios futuros que a nação vai en- frentar. Por vezes, elegemos polí- ticos cobardes. Eles adoram que os especialistas lhes di- gam o que fazer. Mas um cien- tista responsável raramente deve decidir. Antes, ele apre- senta escolhas, as vantagens e desvantagens. Cabe ao políti- co decidir, bem ou mal, e cabe ao Parlamento, aos tribunais e, por fim, aos eleitores, julgá- -lo por isso. Demorou-se muitos meses a aprovar as vacinas Para o bem e para o mal, são os decisores políticos que representam o povo Expresso, 29 de janeiro de 2021 ECONOMIA 5 “Confusion de Confusiones” João Duque jduque@iseg.ulisboa.pt Q uando aprendi finan- ças públicas recordo bem as lições dos meus docentes de esquerda, keynesianos convictos, a cari- caturarem e ridicularizarem a atitude do “Botas”. Era assim que tratavam António Salazar, por ter um apego sem fim a um velho par de botas de elás- tico que usou além do limite do aceitável a um chefe de Estado. O tal “Botas” era então adepto de orçamentos equilibrados e eu, estudando Keynes, fui aprendendo as virtudes dos orçamentos desequilibrados e aprendendo a desapreciar a política orçamental do velho ditador. De um modo simples a polí- tica orçamental recomenda-se contracíclica, isto é, sugerindo orçamentos desequilibrados negativamente (quando possí- vel) para estimular as economi- as em períodos de recessão, e equilibrados ou positivos para períodos de crescimento eco- nómico. O ano de 2020 foi um ano de recessão profunda. E por isso todos os economistasre- comendaram que o Estado de- veria aproveitar ao máximo a margem que tivesse para dese- quilibrar o Orçamento e assim apoiar as empresas e as famíli- as na mitigação desta crise sem memória. Foi nesse enquadra- mento que, apesar de negado inicialmente (recordo as várias vezes que Mário Centeno afir- mou que o Orçamento apro- vado para 2020 era suficiente para acomodar as medidas de ataque à crise), o Parlamento acabou por aprovar uma nova versão do Orçamento. Nesta versão previa-se um aumento de 4,6% da despesa e uma redu- ção de 7,6% da receita. O saldo final (negativo) previa-se que chegasse a €13,7 mil milhões. Acabado o ano, o que temos: afinal a execução do Orçamen- to permitiu uma poupança de €3 mil milhões. Isso significa menos despesa e mais receita. Significa que o Estado consu- miu menos e que por isso em- presas deixaram de lhe com- prar, famílias de receber e esta poupança contribuiu para agra- var a recessão económica geral. Será então bom? Não me pa- rece. O Ministério das Finan- ças congratula-se com aumen- tos de despesa que já estavam orçamentadas mas ao divul- gar o seu resultado só deveria acrescentar uma nota sobre o mau desempenho dessa sua execução orçamental, a qual ajudou a agravar a crise atual. Há coisas admiráveis. Ima- ginar que o Ministério das Finanças de um Governo de esquerda com um Orçamento apoiado no Parlamento pelo PCP consegue em tempo de pandemia e de recessão his- tórica apresentar sem vergo- nha uma poupança da despesa pública e um Orçamento mais equilibrado do que o previsto. Confesso que não me passaria pela cabeça. Afinal, poupar é bom? O Estado consumiu menos, e esta poupança contribuiu para agravar a recessão económica EFACEC Privatização avança com corte de custos e despedimentos na mira Efacec com plano para 2021 agressivo. Previsto corte de custos laborais de €15 milhões Textos Anabela Campos e Isabel Vivente Está dado um novo tiro de partida para a reprivatização da Efacec. A urgência é gran- de, pois as contas da empresa estão a deteriorar-se. Os can- didatos à compra já têm os números de 2020 e terão de avançar com uma proposta não vinculativa até ao dia 1 de março. Foi na semana passada que os candidatos receberam um memorando de informação com os dados provisórios de 2020, perspetivas para os anos que se seguem e um agressivo plano de atividade, onde está incluída uma rees- truturação para começar a aplicar ainda antes da con- clusão da privatização, pre- vista para meados deste ano, sabe o Expresso. No corte de custos proposto, os grandes sacrificados são os trabalha- dores — a empresa liderada por Ângelo Ramalho prevê que a fatura dos custos labo- rais desça de cerca de €65 milhões em 2020 para €50 milhões em 2021 (menos €15 milhões). O memorando de informa- ção aponta para um corte de cerca de cinco centenas de trabalhadores, a somar aos que já saíram. Uma informa- ção que nem a Parpública nem a Efacec, questionadas pelo Expresso, confirmam. “Existe um plano de ativida- des que reflete uma melhoria em 2021 face a 2020”, escla- rece apenas a Parpública, gestora das participações do Estado. E acrescenta: “A Efacec tem atualmente 2353 trabalhadores, que irá ajustar às necessidades do negócio, como tem vindo a fazer ao longo do tempo.” Fonte oficial da empresa aponta no mesmo sentido. “A Efacec ajustará sempre os seus recursos, humanos, financeiros e patrimoniais, às necessidades do negó- cio.” E não quis fazer mais comentários, alegando que a informação distribuída aos potenciais candidatos é pro- tegida por acordos de confi- dencialidade. Com 2353 trabalhadores, se o despedimento avançar será uma redução superior a 1/5 (21%) da força de traba- lho. É um tema sensível para o Governo de António Costa e para o ministro da Econo- mia, Siza Vieira, já que com a nacionalização da partici- pação de Isabel dos Santos, a 2 de julho, o Estado passou a controlar 71,73% da Efacec. É uma empresa pública a despedir. Mas será o corte no número de trabalhadores que permitirá reduzir os custos e que, de acordo com o plano apresentado aos candidatos, fará com que o EBITDA (re- sultado operacional) recupere dos €20 milhões negativos de 2020 para €28 milhões positi- vos em 2021. A verdade é que o tempo corre contra a Efacec, e dentro da empresa o nervo- sismo é grande face àquela que é uma das indústrias de engenharia portuguesas mais importantes. 2020 foi um ano particular- mente difícil para a empresa, com as investigações no âmbi- to do Luanda Leaks, que pro- vocaram a saída da investidora angolana, mas também por- que a asfixia financeira con- dicionou a relação da Efacec com os fornecedores e a par- ticipação em novos concursos. Na verdade, as receitas têm vindo a cair. Em 2019 eram de €350 milhões, recuando para €220 milhões em 2020. Asfixia financeira Em agosto do ano passado en- traram na empresa — já com a atividade limitada por falta de pagamento aos fornecedores — €50 milhões de empréstimo dos €70 milhões contratados junto da banca por quatro anos. Em setembro entraram mais €5 milhões e em novembro ou- tros €5 milhões, esclareceu a Parpública. Faltam ainda €10 milhões do financia do concedi- do, com o objetivo de ser utiliza- do como colateral para emissão de garantias. A Parpública afir- ma que “não foi ainda necessá- rio utilizá-los”. Mas o Expresso sabe que a empresa tem atra- sado a entrega de encomendas a alguns clientes relevantes por falta de capacidade financeira para comprar material neces- sário para concluir o trabalho, nomeadamente no segmento dos transformadores. O dinhei- ro que já entrou foi usado para salários e para pagar aos forne- cedores as dívidas em atraso, numa estratégia já criticada por antigos administradores, como Rui Lopes, que defendia um pa- gamento faseado, para poder continuar a receber material. A dívida (bruta) da Efacec — €189 milhões em 2020 — pode ser um entrave para alguns candidatos, já que é um peso grande para a empresa. O Ex- presso sabe que para alguns esta rubrica é um problema difícil de ultrapassar. Há quem defenda inclusive, entre os can- didatos, que o Estado deveria limpar a Efacec através de um Processo Especial de Revitali- zação (PER) e só depois colocá- -la no mercado. E considere, aliás, que esta questão não é inultrapassável, uma vez que os bancos já têm a dívida provi- sionada. Seria, defendem, mais importante esta limpeza da dí- vida do que despedir pessoas, até porque um dos ativos mais importantes da Efacec são os trabalhadores qualificados, di- fíceis de encontrar no mercado português. Há também quem considere que não faz sentido despedir antes da venda, já que deverão ser os novos investido- res a fazê-lo, tendo em conta o aporte de capital e a dimensão que querem para a empresa. Apesar dos problemas, a lis- ta dos potenciais interessados mantém-se viva, e haverá até novos candidatos, asiáticos e europeus. O ministro da Economia, Pedro Siza Viei- ra, disse recentemente que “teve novas manifestações de interesse”, mas não avançou com nomes. Poderá no en- tanto haver desistências face à lista inicial, onde estavam empresas como a Sodecia, a Iberdrola, a egípcia Elsewedy (considerada uma das melho- res propostas), os fundos Al- pac e First Reserve, a Oaktree e a Ormazabal. Começou a contagem decrescente para a privatização, que Siza Vieira prometeu a 2 de julho de 2020 que ia ser rápida. acampos@expresso.impresa.pt Tudo se encaminha para que a Efacec possa ter um novo dono em meados deste ano. Candidatos entregam propostas até março FOTO RUI DUARTE SILVA €20 milhões negativos de EBITDA (resultado operacional em 2020). O objetivo é ter contas positivas já este ano Gestora ligada a Isabel dos Santos saiu Vanessa Loureiro, um dos quadros ligados a Isabel dos Santos e com grande influência dentro da Efacec, saiu em janeiro. Chegou à Efacec em 2017. Foi administradora nãoexecutiva, mas nunca fez parte da Comissão Executiva, embora participasse em reuniões. É o último quadro relevante ligado à investidora angolana a sair da Efacec. Mário Leite da Silva, o braço direito de Isabel dos Santos nos negócios em Portugal, saiu há um ano. Vanessa Loureiro era até agora diretora da área de planeamento e estratégia, um gabinete onde estavam cerca de uma dezena de pessoas e que foi desmantelado após a sua saída. Tinha também sob a sua dependência a relevante área de sistemas de informação. Vanessa Loureiro foi administradora da Santoro Finance e do EuroBic (não executiva). O laço de Isabel dos Santos à Efacec começou a ser cortado em janeiro de 2020. Mas ainda há contas por acertar: o Estado pediu uma avaliação para o eventual pagamento da indemnização pela nacionalização, cujo valor não foi ainda revelado. Em setembro, a investidora fez entrar no tribunal administrativo uma ação de impugnação contra a nacionalização da sua participação. Ainda vai correr muita tinta. CRONOLOGIA Outubro de 2015 Isabel dos Santos entra na Efacec, através da Winterfell Industries, com financiamento de um consórcio de bancos (CGD, BCP, BPI, Montepio e Banco BIC) no montante de €195 milhões Janeiro de 2020 Investidora anuncia venda, depois do furacão Luanda Leaks e dos arrestos às suas participações pela Justiça Julho de 2020 O Governo nacionaliza os 71,73% de Isabel dos Santos. Banca negoceia com Estado injeção de €70 milhões Dezembro de 2020 É publicado o caderno de encargos da reprivatização. Será feita por venda direta, podendo ser acompanhada por aumento de capital pelo comprador Janeiro de 2021 Potenciais interessados recebem novo memorando de informação. Terão de apresentar propostas até março Expresso, 29 de janeiro de 2021ECONOMIA6 Pandemia fez duplicar processos face a 2019. Até dezembro, 698 empresas iniciaram despedimentos coletivos. Número supera 2014, ano em que a troika saiu do país Despedimentos coletivos mais do que duplicam em 2020 Cátia Mateus Logo no início da pandemia o Governo apostou todas as fichas no objetivo de travar a destruição de emprego, num tecido empresarial que foi forçado a travar a fundo, mergulhando numa crise nunca antes vista. Mas apesar dos vários instrumentos de apoio que, nos últimos meses, colocou ao serviço das empresas, a estratégia do Executivo não foi suficiente para evitar uma es- calada de despedimentos coletivos no país. Os dados fornecidos ao Expresso pelo Ministério do Trabalho, Solida- riedade e Segurança Social (MTSSS) contabilizam 48 novos despedimentos coletivos iniciados em dezembro. O nú- mero eleva para 698 o total de proces- sos iniciados em 2020, abrangendo um universo total de 8299 trabalhadores. Mais do dobro do número de processos e trabalhadores registados em 2019 e 5% acima dos processos iniciados 2014, último ano da troika em Portugal. Os apoios ao emprego que foram sendo lançados pelo Governo como resposta à crise gerada pela pandemia tinham como denominador comum a proibição de despedimento por parte das empresas, durante a vigência do apoio e até 60 dias após o seu fim. Foi assim com o lay-off simplificado — que abrangeu entre março e julho mais de 115 mil empresas em situação de crise económica e 900 mil trabalhadores —, é assim com o apoio à retoma e tam- bém o incentivo extraordinário à nor- malização de atividade. Às empresas é permitido não renovar contratos a termo, mas despedir (seja por despedi- mento coletivo ou extinção de posto de trabalho) determina o incumprimento das regras e obriga à devolução inte- gral do apoio. Os números indicam, porém, que apesar desta norma-travão muitas empresas terão acabado por avançar para despedimento coletivo. Pequenas empresas lideram Os 48 processos de despedimento cole- tivo iniciados em dezembro traduzem uma diminuição face ao que foi a média mensal desde o início da pandemia, mas isso não impediu que 2020 fosse o ano mais negro dos últimos sete. Nos 12 meses de 2020, foram comunicados 698 processos de despedimento cole- tivo abrangendo um universo total de 8299 trabalhadores a despedir. Micro (37%) e pequenas empresas (39,5%) respondem pela maioria dos processos iniciados até novembro, último mês com dados desagregados por dimensão da organização já disponíveis. Os números comparam com os dis- ponibilizados pela Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) para 2019: 308 processos iniciados abrangendo 3720 trabalha- dores. Menos de metade do número total de processos contabilizados em 2020. Recuando nos dados da DGERT, é possível perceber que os números de 2020 estão próximos dos registados em 2014. Nesse ano foram contabili- zados 664 despedimentos coletivos no país, menos 5% do que no ano passado. Mas é no número de trabalhadores abrangidos que a diferença mais se nota: 6051 em 2014, menos 37,2% do que no ano em que a pandemia trocou as voltas à economia. Se recuarmos mais nas estatísticas é fácil perceber que o país fecha 2020 com a sua pior marca em matéria de despedimentos coletivos desde 2013, ano em que se contabilizaram 990 processos, com um total de 9167 tra- balhadores a despedir. Considerando a varia ção homóloga, ou seja, a compa- ração face ao ano anterior, desde 2006 que a subida não era tão acentuada, quer em número de processos inicia- dos quer em trabalhadores abrangidos. Situação pode agravar-se O mês de abril, o primeiro completo de confinamento e paragem da economia no país, ficou marcado como o pior de 2020, tanto em número de processos (140) como em trabalhadores abran- gidos (1324). Ao longo dos últimos meses, os sindicatos e advogados espe- cialistas em direito laboral contactados pelo Expresso foram sinalizando a pos- sibilidade de um agravar da situação, à medida que os apoios à manutenção do emprego fossem terminando. Os dados confirmam-no. Em outu- bro, primeiro mês em que as empresas que beneficiaram do lay-off simplifi- cado na primeira vaga da pandemia — apoio terminou em julho para a mai- oria das empresas e foi agora recupe- rado — deixavam de estar limitadas no despedimento, o número de processos iniciados foi além dos 60, abrangendo 1007 trabalhadores, o número mais elevado de profissionais a despedir desde abril. E os próximos meses, apesar do re- forço das medidas de apoio anunciado pelo Governo, podem agravar os des- pedimentos. Depois de sindicatos e advogados sinalizarem publicamente que há empresas a desistir dos apoios e a devolver montantes recebidos para poderem despedir, porque não conse- guem aguentar a estrutura de custos no atual contexto económico, a própria Associação Empresarial de Portugal vem alertar para o risco do novo con- finamento geral em vigor acentuar o aumento de insolvências e despedi- mentos, caso as medidas de apoio do Governo não se revelem suficientes. cmateus@expresso.impresa.pt CRISE *Dados relativos à distribuição dos despedimentos coletivos por dimensão de empresa em 2020, reportam a 30 de novembro, última desagregação disponível Medidas lançadas pelo Governo contiveram a subida do desemprego em 2020 e receita deve repetir-se este ano Apoios devem conter subida do desemprego A economia portuguesa terá sofrido em 2020 uma queda inédita, na casa dos 8%. Apesar disso, a subida do desemprego foi pequena. Os economistas ouvidos pelo Expresso anteci- pam uma taxa anual em torno de 6,8%, o que compara com 6,5% em 2019. E a explicação, dizem, reside nas medidas pú- blicas de apoio ao emprego e às empresas, que travam os des- pedimentos. Uma receita que esperam que se repita em 2021. A projeção do NECEP/Cató- lica Lisbon é que a taxa de de- semprego tenha ficado em 7,2% no quarto trimestre de 2020 e 6,8% no conjunto do ano. “Tendo em conta a evolução da economia, o desemprego de- veria ter subido muito mais. As medidas de apoio ao emprego, em particular o lay-off simplifi- cadoe as suas variantes, deram uma forte ajuda”, vinca João Borges de Assunção, professor da Católica Lisbon. A posição é partilhada pelo Santander, que aponta para 7,5% nos últimos três meses de 2020 e de 6,8% no conjunto do ano. Agora, o confinamento decre- tado em janeiro e “as perspeti- vas da necessidade de uma mai- or duração do mesmo deverá refletir-se numa subida da taxa de desemprego”, diz Bruno Fer- nandes, economista do Santan- der. Contudo, as medidas de apoio lançadas pelo Governo “contribuirão para mitigar uma subida abrupta do número de desempregados”, defende. O Santander espera uma subida do desemprego este ano para o intervalo entre 8% a 10% e a Católica aponta para 7,6%. Contratações adiadas Como resultado das novas restrições à atividade, “prova- velmente, as intenções de in- vestimento e contratação das empresas serão adiadas”, aler- ta João Cerejeira, professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho. Isso mesmo sinalizam os recrutado- res ouvidos pelo Expresso. “A mudança de planos de recruta- mento depende essencialmente de quanto tempo vai durar o confinamento e de eventuais alterações legislativas em sede de estado de emergência que tenham impacto na atividade de determinados sectores”, explica José Miguel Leonardo, diretor executivo da Randstad Portugal, que reconhece que “o novo confinamento vai ter impacto imediato nas empresas, mas também nos trabalhadores e candidatos”. Também Álvaro Fernandéz, diretor-geral da Michael Page, admite impasses. “Algumas empresas poderão reavaliar os seus timings de recrutamento, mas acreditamos que o mer- cado não estagnará”, refere. Seguramente, diz, “haverá uma deterioração de sectores que já passavam por dificuldades, como o turismo e o retalho alimentar, mas de uma forma geral, grande parte dos secto- res continuará a precisar de recrutar”, sinaliza. C.M. e S.M.L. Situação agravou-se no quarto trimestre. Informação sobre 2021 ainda é muito escassa, mas os sinais são negativos Indicadores sinalizam nova queda da economia Quase um ano depois da chegada da covid-19 a Portugal, o país voltou ao ponto de partida. Ou seja, a novo con- finamento geral e severo, e os eco- nomistas consideram já inevitável uma queda da economia portuguesa nos primeiros três meses do ano. Um recuo que pode chegar aos 7% face aos três meses anteriores. Ao mesmo tempo, apontam para que o produto interno bruto (PIB) já terá caído tam- bém no quarto trimestre de 2020 — antecipando a estimativa rápida que o Instituto Nacional de Estatística (INE) divulga na próxima semana. Caso este cenário se confirme, Por- tugal sofre nova recessão técnica (dois trimestres consecutivos de queda em cadeia do PIB ), depois do trambolhão inédito na primeira metade de 2020. E as notícias de fora também causam preocupação. O Fundo Monetário In- ternacional reviu em baixa as perspe- tivas de crescimento da zona euro para 4,2% (menos um ponto percentual). Para monitorizar o impacto da crise e como a atividade económica está a evoluir, foi publicado esta semana no Expresso online um painel com mais de 40 indicadores. Os números mostram que, depois da forte recuperação no ve- rão, a situação voltou a degradar-se no outono. Com destaque para novembro, quando muitos concelhos do país esti- veram em confinamento parcial. Sobre janeiro, a informação ainda é muito escassa. Mas a degradação de novem- bro não deixa margem para dúvidas do preço que o confinamento cobra à atividade económica. Confinamento que agora é muito mais severo. A utilização de cartões em terminais de pagamento automático da rede mul- tibanco é um dos indicadores a seguir, já que permite monitorizar de perto o consumo, e mostra uma degradação nos últimos meses de 2020, apesar de alguma recuperação em dezembro. Os dados solicitados pelo Expresso à SIBS mostram que na segunda meta- de de dezembro a quebra homóloga ficou pelos 7%, agravando-se para 10% na primeira metade de janeiro. A res- tauração tem sido particularmente afetada pela crise e o índice de volume de negócios em novembro de 2020 ficou cerca de 40% abaixo de janei- ro desse ano, antes da pandemia. Os sinais de alarme também voltaram a soar no turismo. A queda nas dormidas agravou-se, atingindo 77% em termos homólogos. Quanto ao mercado de trabalho, as medidas de apoio ao emprego aju- daram a travar a escalada do desem- prego. Os números do Instituto do Emprego e Formação Profissional agravaram-se na primeira vaga da pandemia, depois registaram alguma melhoria, mas voltaram a piorar no final do ano passado. Sónia M. Lourenço slourenco@expresso.impresa.pt 2012 13 14 15 16 17 18 19 2020 DESPEDIMENTOS COLETIVOS EM NÍVEIS DE 2014 Nº de processos iniciados 1500 1000 500 0 698 FONTE: DIREÇÃO-GERAL DO EMPREGO E RELAÇÕES DE TRABALHO (DGERT) 2012 13 14 15 16 17 18 19 2020 DESPEDIMENTOS INICIADOS POR DIMENSÃO DA EMPRESA 15 12 9 6 0 Micro Pequenas Médias Grandes TURISMO: DORMIDAS Em milhões 8 6 4 2 0 CONSUMO DE ELETRICIDADE Em GWh 4600 4200 3800 3400 3000 MERCADO DE TRABALHO Novas colocações 8000 6000 4000 2000 0 UTILIZAÇÃO DE CARTÕES EM PAGAMENTOS MULTIBANCO Em milhões de operações em todos os sectores 1200 900 600 300 0 VOLUME DE NEGÓCIOS NA RESTAURAÇÃO Janeiro de 2020 = 100 120 90 60 20 0 FONTES: ICA, SIBS ANALYTICS, BDP (DADOS DA DIREÇÃO-GERAL DE ENERGIA), INE, IEFP JAN. 2020 JAN. 2021 COVID-19 JAN. 2019 JAN. 2020 JAN. 2021 COVID-19 JAN. 2019 JAN. 2020 JAN. 2021 COVID-19 JAN. 2019 JAN. 2020 JAN. 2021 COVID-19 JAN. 2019 JAN. 2020 JAN. 2021 COVID-19 JAN. 2019 JAN. 2020 JAN. 2021 COVID-19 ESPECTADORES DE CINEMA Em milhares de bilhetes emitidos 300 225 150 75 0 Expresso, 29 de janeiro de 2021 ECONOMIA 7 Expresso, 29 de janeiro de 2021ECONOMIA8 Massa Crítica Luís Marques l.s.marques@sapo.pt É pouco provável que al- guém recorde uma única proposta do candidato li- beral Tiago Mayan Gon- çalves, uma semana depois das eleições presidenciais. Ele será recordado, não pelas ideias, mas pela forma como colocou a nu a demagogia e vacuidade das pro- postas do candidato da extre- ma-direita, o que não é pouco. Incluindo na afirmação do libe- ralismo. Em relação às ideias, no entanto, o esquecimento não será novidade. As ideias liberais não têm grande fama em Portu- gal, embora elas sejam funda- doras da ordem internacional, a ordem liberal, a que felizmente pertencemos. Alguns políticos já sofreram na pele a associação ao liberalismo, como se fosse um crime. Foi o caso de Passos Coelho que pas- sou quatro anos a garantir que era social-democrata, enquanto os seus inimigos o acusavam de ser um perigoso liberal e até, crime dos crimes, um perigo- síssimo neoliberal. Uma leitu- ra mesmo resumida daquilo de Passos Coelho escreveu seria su- ficiente para confirmar as suas convicções. Mas, como agora até as líderes do Bloco de Esquerda são sociais-democratas, isso não lhe serviu de nada. Longe vai o tempo em que o ideólogo socialista e atual minis- tro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, escrevia, e cito de memória, que “a esquer- da não deve deixar à direita o património liberal”. Nos tempos que correm nem a esquerda nem muita da direita reivindicam a herança desse espólio político. Bem pelo contrário. Ainda re- centemente o primeiro-ministro afirmou a importância do Estado contra o liberalismo e o neoli- beralismo, provavelmente para defender a ministra da Saúde pela forma como tem tratado o sector privado. É estranho que assim seja. A ordem liberal, instituída a seguir à II Guerra Mundial, é respon- sável por um dos mais longos períodos de paz e prosperidade da história. Herda o legado po- lítico liberal assente na lei, no Estado de direito, nas liberdades individuais, na separação dos po- deres, na defesa e salvaguarda da propriedade, no livre comércio, no governo legitimado pelo voto contra todos os abusos, incluin-do os praticados pelo Estado. É provável que este “património”, chamem-lhe liberal ou o que qui- serem, tenha menos defensores do que aquilo que imaginamos, a avaliar pela forma como é tra- tado e, muitas vezes, esquecido. Em Portugal confunde-se di- mensão do Estado com o papel do Estado. Quando se discute a primeira, dizem alguns, ataca-se a segunda. Entre nós, a discus- são sobre o liberalismo está re- sumida a isto. É pouco. É triste. Discutir a dimensão do Estado não é sinónimo de questionar o Estado, atitude própria dos anar- quistas. “O Estado é uma socie- dade de homens constituída uni- camente com o fim de conservar e promover os seus bens civis”, escreveu John Locke, um dos fundadores do liberalismo. Tre- zentos anos depois muita coisa mudou. Mas a ideia luminosa de que o Estado é um instrumento ao serviço do bem comum e não de interesses pessoais e econó- micos de indivíduos, grupos ou aparelhos partidários não mu- dou, nem pode mudar. Agora, com a pandemia e depois dela, mais do que nunca. A ‘maldição’ liberal ELETRICIDADE EDP Distribuição é agora E-Redes e acelera digitalização Empresa já disponibiliza dados em tempo real a um milhão de consumidores Textos Miguel Prado Foto Tiago Miranda A velha EDP Distribuição pas- sou à história e a partir de ago- ra tudo o que tenha a ver com as leituras dos consumos de eletricidade ou reparação de avarias na rede de distri buição em Portugal continental passa a ser tratado pela E-Redes. A empresa é a mesma e os fun- cionários também, mas muda a marca e a designação socie- tária, de forma a pôr termo a even tuais confusões com o negócio de comercialização do grupo EDP, operado pela EDP Comercial. No momento da mudan- ça, o Expresso falou com o presidente da empresa, João Torres, que revelou que mes- mo em contexto de pandemia foi possível implementar um muito esperado avanço: mas- sificar o acesso dos consumi- dores de eletricidade aos seus dados de consumo, em tempo real, nas plataformas digitais do distribuidor. No final do ano passado, a EDP Distribuição (agora E-Redes) criou uma funcio- nalidade que permite ao con- sumidor consultar em suporte digital o seu consumo de 15 em 15 minutos, e assim co- nhecer melhor o seu perfil de consumo. Com mais infor- mação, o consumidor poderá saber quanto gasta nos vários períodos horários, se lhe com- pensa uma tarifa bi-horária e ficar mais sensibilizado para a importância da eficiência energética e da rotulagem dos equipamentos. De acordo com o presidente da empresa, essas leituras em tempo real já cobrem um mi- lhão de clientes domésticos (to- dos os consumidores empresa- riais já têm essa telecontagem) e o objetivo para este ano é elevar essa cobertura para 2,5 milhões de famílias. Para tal, é preciso a E-Redes reforçar a capacidade de processamento dos dados. “Estamos a dar pas- sos seguros”, explica. Atualmente, 51% dos mais de seis milhões de clientes de eletricidade têm contado- res inteligentes, isto é, que comunicam de forma re- mota as suas leituras para o distribui dor de eletricidade. São 3,2 milhões de casas com os equipamentos digitais. E a programação para este ano levará a E-Redes a instalar mais 620 mil equipamentos de medição inteligente. O país deverá estar totalmente coberto com estes modernos contadores em 2024, dois anos antes do prazo inicial- mente previsto. João Torres diz que a instala- ção de contadores inteligentes “está a correr bastante bem” e que nos inquéritos de satisfa- ção feitos após as instalações a empresa tem obtido uma pon- tuação média de 8,4 em 10. De acordo com o presidente da E-Redes, a substituição de equipamentos tem sido feita de forma dispersa pelo terri- tório. “Instalámos de norte a sul do país, e dos sete distritos que estão acima da média de 51% de cobertura quatro são do interior”, explica. Para o gestor, esta digitali- zação é crucial, não só para melhorar a gestão da rede e monitorização da procura e da oferta, mas também para bene- ficiar o consumidor. “Não basta dizer que o consumidor está no centro da transição energética e depois não lhe dar informa- ção para decidir”, realça. Este ano, a Entidade Regu- ladora dos Serviços Energéti- cos (ERSE) deverá promover uma revisão dos parâmetros regulatórios do sector elétrico para vigorar de 2022 a 2024, e a E-Redes antecipa desde já uma reivindicação: aumen- tar a taxa de remuneração regulada do distribuidor de eletricidade. “A nossa remuneração é das mais baixas da Europa” “A taxa de remuneração dos ativos da EDP Distribuição [4,9%] é das mais baixas da Europa. E ainda temos a CESE [contribuição extraor- dinária sobre o sector energé- tico] a incidir sobre os resul- tados da empresa. É preciso olhar para esta nossa taxa, que é inferior à de Espanha (6%) e de Itália (5,9%). Isso é fundamental quando temos de olhar para planos de in- João Torres tem-se dividido entre o teletrabalho e o trabalho presencial na EDP Distribuição, agora E-Redes vestimento a longo prazo”, argumenta João Torres, que já trabalhou na EDP Distri- buição com remunerações reguladas de 10,5%. “É nas comparações com os pares europeus que entendemos que não estamos a ser bem tratados”, acrescenta. Mas é importante notar que qualquer revisão em alta das receitas da E-Redes acaba- rá por ser paga pelo consu- midor de eletricidade. Com uma base regulada de ativos de quase €3 mil milhões, uma subida de um ponto percen- tual na taxa de remuneração da empresa implicaria um custo acrescido para o sis- tema elétrico (leia-se, para o consumidor) próximo dos €30 milhões por ano (mais €5 anuais por família). João Torres defende a jus- tiça de uma revisão em alta da remuneração da E-Redes com o esforço de eficiência já feito pela empresa. Segundo o responsável, a agora deno- minada E-Redes reduziu os proveitos anuais por cliente de €109 em 2006 para €66 atualmente. E com isso tam- bém baixou o peso da distri- buição de eletricidade na fatu- ra da luz, rondando agora os 16% (o resto é o custo de pro- dução da eletricidade, o seu transporte na rede da REN e os vários custos de política energética em vigor). Nova marca sem custo acrescido João Torres assegura que a mudança de marca para E-Redes foi conseguida com “neutralidade de custos”. Isto é, a empresa canalizou para a nova marca despesas que estavam previstas para ou- tras áreas. E será por isso que os encargos desta mudança, próximos dos €2 milhões, não vão agravar a fatura da luz dos portugueses. Os 23 pontos de atendimen- to físico da EDP Distribuição reabrirão segunda-feira com a imagem da E-Redes e todas as cartas e correspondência com os consumidores passam a ter a nova marca, bem como as pla- taformas digitais. Para evitar comprar novas fardas de ime- diato, a empresa adquiriu cole- tes para quem está no terreno (cerca de metade dos três mil funcionários). E para câmaras municipais, juntas de freguesia e outros interlocutores segui- ram 20 mil brochuras, para divulgar a nova marca e tentar que ela chegue às comunidades locais sem que os consumido- res estranhem que lhes batam à porta técnicos com a nova marca amarela da E-Redes, em vez do tradicional e encarnado logótipo da EDP Distribuição. A mudança de marca acon- tece por imposição do regu- lador (de forma a separar claramente as atividades de distribuição e comercializa- ção) e dá-se num ano em que estão a ser preparados con- cursos para a operação das redes de baixa tensão. João Torres diz ao Expresso que a EDP quer concorrer e conti- nuar a ser a concessionária da distribuição de eletricidade em Portugal, estando a seguir o dossiê “muito atentamente”. mprado@expresso.impresa.pt Este ano, a E-Redes deverá instalar mais 620 mil contadores inteligentes, a somar aos 3,2 milhões atuais TRÊS PERGUNTAS A João Torres Presidente da E-Redes P Quais foram os maiores desafios no processo da mudança de marca? R Preparámos o planoem outubro, recebemos o acordo da entidade reguladora e o maior desafio foi conseguir implementar num contexto de pandemia, com muitas limitações, aquilo que tínhamos prometido fazer acontecer no dia 29 de janeiro. Tudo o que fosse visibilidade externa tinha de estar alterado nesta data. Além das equipas da EDP, tivemos dezenas de empresas externas [a colaborar], que corresponderam de forma excecional. P O que é que muda já e o que é que só vai mudar mais tarde? R O que vai já mudar é o que tem mais impacto. Todas as cartas e documentos que saem da EDP Distribuição são alteradas e aparece a E-Redes. O site e a app também estarão alterados. Também o contact center, para os operadores passarem a atender como E-Redes. Os 23 postos de atendimento terão um novo visual quando reabrirem na segunda-feira. Onde fomos mais moderados foi na adaptação do fardamento, porque tínhamos um stock relevante de fardamentos EDP Distribuição e vamos usar uns coletes [com a identificação E-Redes] que adquirimos para o efeito. Na frota, algumas viaturas já estão identificadas como E-Redes, mas não vamos identificar viaturas que vamos substituir no final do ano. P Qual foi o custo desta mudança de marca? R Se fosse feita sem fazermos a revisão dos outros custos ia para próximo de €2 milhões. A verdade é que fizemos uma revisão dos nossos custos para fazer uma implementação suave que permita a neutralidade de custos pedida pela ERSE. Algumas campanhas nos media que tínhamos associadas à vegetação, à app e à qualidade de serviço foram redirecionadas para a nova marca. Vamos cumprir o requisito da neutralidade de custos. Expresso, 29 de janeiro de 2021ECONOMIA10 “É injusto apoiar a TAP e deixar de fora os privados” Textos Anabela Campos Foto Ana Baião Dez meses depois de, juntamente com outras empresas do sector da aviação, ter pedido apoio ao Governo para en- frentar o impacto da gravíssima crise provocada pela pandemia de Covid-19, a euroAtlantic continua sem resposta. “Não digo que haja um cheque, mas que haja decisões face a medidas de apoio e metas”, pede o presidente da euroAtlantic Airways, a maior compa- nhia de aviação privada portuguesa, em entrevista ao Expresso. O gestor considera inaceitável a canalização de apoios exclusivamente para a TAP, deixando de fora os privados. “Nos outros países não é assim”, diz. O Go- verno, defende, tem feito uma “muito má gestão” do dossiê da aviação. P Vivemos tempos dramáticos para a aviação. Espera melhorias em 2021? R Vai ser um ano tanto ou mais difícil. Aplicámos medidas duras e extensas para sobreviver a uma redução de ven- das de 70%. Deixámos de ter lucros, passámos a ter prejuízos. Os esforços e sacrifícios vão continuar. Não vejo 2021 como um ano de recuperação. Muito menos para empresas como a euroAtlantic. Operamos nos voos de longo curso, que vão recuperar mais tarde. E vamos ter de esperar que os nossos clientes sobrevivam, e preci- sem de nós. P A euroAtlantic vai sobreviver? R Se continuar a não haver negócio e não houver apoio do Governo ao sector privado ninguém sobrevive. Precisamos de ser apoiados. P No início da pandemia juntaram-se todos para propor um pacote de me- didas de apoio ao sector, mas nunca avançou... R Foi decidido pelo Governo que quem faria a recolha das necessida- des do sector seria a ANAC. Todos contribuímos. Soube pela imprensa que não haveria medidas de apoio para o sector transversalmente. Fo- mos obrigados a agir individualmente. Demorou algum tempo até sermos re- cebidos, mas fomos. Tive uma reunião com o ministro das Infraestruturas. A reunião foi produtiva, aberta. Expu- semos as nossas necessidades para os próximos dois anos. Foi em outubro. Desde lá estamos à espera de ter reu- niões técnicas. P Estimam precisar de entre €40 mi- lhões a €50 milhões. R São montantes que resultariam da isenção da taxa social única, isenção do pagamento especial por conta do IRC, majoração dos custos de manutenção que são bastante elevados para a avia- ção. Ou ainda, entre outros, o alarga- mento do prazo para a recuperação dos prejuízos fiscais. Juntamos tudo e che- gamos a esse montante. Não seria um apoio financeiro, mas far-nos-ia poupar e não queimar a caixa. P Como é que é que vê o apoio que tem sido dado à TAP? R Obviamente não posso estar de acor- do. O sector não é só a TAP. E um apoio destinado a uma só empresa destrói a concorrência e é injusto. Nós concorre- mos com a TAP e a com a SATA, ambas empresas públicas. P Até quando podem esperar? R Se demorar muito já não vale a pena, não vou dizer que precisamos nos próximos dias ou semanas, mas é coisa que andamos a falar desde mar- ço, e já estamos em janeiro... Já chega. Não digo que haja um cheque, mas que haja decisões e metas. Não podemos é viver na incerteza. Para as empresas é melhor saber se têm ou não ajuda, porque aí ou fecham ou despedem ou mudam de negócio. Agora, esta inde- finição e falta de compromisso mata. P A TAP vai sobreviver? R Depende do que vier de Bruxelas, e vai ser muito duro. Tem de haver vontade e entendimento de todos, e o sector pode ajudar nessa recuperação, fazendo aquilo que a TAP vai ser pro- ibida de fazer. Mas a TAP pode conti- nuar a ser um parceiro comercial. Não queremos o bolo todo para nós. Há ro- tas que podem ser rentáveis para uns e não para outros, e podemos colaborar aqui. Do ponto de vista operacional e comercial há muita coisa que pode ser feita. Podemos criar um cluster, ENTREVISTA Eugénio Fernandes Presidente da euroAtlantic um grupo de trabalho, onde cada um na sua área dê o seu contributo. Isto depende das empresas, mas se o Es- tado der um empurrão é mais fácil. Há determinadas áreas em que a TAP tem força, que se permitir que outras empresas entrem saem todos benefici- ados. E o Governo politicamente pode dizer que está a apoiar o sector. P Como ficaria o país sem a TAP? O que aconteceria ao sector? R Seria trágico, seria penoso para to- dos, inclusivamente para o sector, mas não seria o fim do mundo. Há muitas empresas que dependem da TAP. Nós dependemos da TAP como cliente e fornecedor. Obrigar-nos-ia a procurar novos clientes. Seria atravessar um deserto, mas algures a longo prazo, tudo retomaria. Ninguém quer que a TAP desapareça. P Custa mais ao país perder a TAP ou investir até €3,7 mil milhões? R Não vou discutir o valor, até porque isso é político. Era importante que se fizessem as contas, e se apostasse um valor-limite para aplicar na TAP e quanto isso custaria a cada português. P Portugal tem gerido bem o dossiê? R A incerteza que se vive na TAP tem muito a ver com a forma como este processo tem sido gerido. É injusto apoiar a TAP e deixar de fora o sec- tor privado. Olhamos para o resto do mundo e o apoio ao sector tem sido transversal, não foi só dirigido ape- nas às empresas com capital público, como em Portugal. Por isso, tudo isto tem sido pessimamente mal gerido. Mas só não erra quem não decide. Tem de haver capacidade dos nos- sos governantes para apoiar o sector transversalmente. P Como é que os acionistas da euroA- tlantic estão a reagir? R Para eles é dececionante a ajuda estar a ser direcionada apenas para a TAP. O sentimento é expectante e preocupado. acampos@expresso.impresa.pt Presidente da euroAtlantic apela a que haja um apoio transversal a todo o sector e não apenas às empresas públicas Criar um cluster, liderado pela TAP, era vantajoso para todo o sector. Inação face ao aeroporto é mau sinal, defende o líder da euroAtlantic Fusão entre TAP e SATA seria bom para todos Grandes crises podem criar boas oportunidades, e é isso que Eugé- nio Fernandes acredita que a pan- demia poderá trazer para o sector da aviação em Portugal. O gestor considera que o país não tem di- mensão para ter duas companhias de aviação públicas e defende a fu- são entre a TAP e a açoriana
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