Buscar

II-3-SCHLATTER, Caroline - enriquecimento sem causa_REVISADO - Copia

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 26 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 26 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 26 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

27
Enriquecimento sem causa: uma análise comparativa entre direito brasileiro, alemão e inglês
Caroline Schlatter[footnoteRef:1] [1: Mestranda em Direito Civil e Empresarial na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, orientada por Luis Renato Ferreira da Silva. Advogada. schlatter.caroline@gmail.com] 
Sumário: Introdução. 1. Ação de enriquecimento sem causa. 1.1. Requisitos comuns aos sistemas alemão, inglês e brasileiro. 1.2. O caráter subsidiário do enriquecimento sem causa. 1. Defesas. 2.1. Necessidade de atualidade do enriquecimento. 2.2. Prescrição da pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho consiste em uma análise comparativa do instituto do enriquecimento sem causa enquanto fonte de obrigações no direito brasileiro, no alemão e no inglês[footnoteRef:2]. Quanto ao método, parte-se da identificação do que é abrangido em cada um dos sistemas sob a denominação “enriquecimento sem causa”. A análise mais aprofundada se detém, porém, ao que é comparável funcionalmente com o enriquecimento sem causa enquanto fonte de obrigações no direito brasileiro, não havendo um estudo pormenorizado de temáticas que são tratadas no direito estrangeiro como enriquecimento sem causa, mas que possuem, no sistema pátrio, regramento próprio. [2: Analisar-se-á o enriquecimento sem causa apenas conforme aplicável na Inglaterra e no País de Gales; a Escócia possui regramento próprio quanto ao ponto (BURROWS, 2014, p. 29), que não será objeto de estudo.] 
Inicialmente será feita uma breve introdução sobre a temática. Após, na primeira parte do trabalho, serão expostos os requisitos para a configuração de uma obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa. Na segunda parte, analisar-se-ão duas das defesas oponíveis a uma pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa, quais sejam, a necessidade de atualidade do enriquecimento, chamada de change of position (mudança de posição) no direito inglês e de Entreicherung (“desenriquecimento”) ou Wegfall der Bereicherung (desaparecimento do enriquecimento) no direito alemão, e a prescrição da pretensão ressarcitória fundada no enriquecimento sem causa. A primeira foi selecionada por ser considerada a mais importante defesa em matéria de enriquecimento sem causa (BURROWS, 2012, p. 117), e a segunda por sua relevância prática, haja vista que, decorrido o prazo prescricional, resta extinta a pretensão, conforme o art. 189 do CC/02.
O instituto do enriquecimento sem causa serve para reverter deslocamentos de riqueza que não se deram de acordo com as regras que governam a transferência e a alocação de bens. A restituição nele fundada é distinta da que se origina do cumprimento de um acordo ou promessa, ou da prática de um ilícito civil, ou de um crime, bem como da restituição fundada no direito de propriedade (BURROWS, 2012, p. 5). Isso porque, no contexto do enriquecimento sem causa, a lógica da restituição é transferir uma vantagem indevidamente auferida para quem ela era de direito, sendo qualquer reparação de eventual dano sofrido uma consequência indireta (KONDER, 2005, p. 378).
No direito alemão, o equivalente ao enriquecimento sem causa brasileiro é o ungerechtfertigte Bereicherung (enriquecimento injustificado), o qual se origina nas condictiones do direito romano (SMITH, 1997, p. 160). No início do século dezenove, Carl Friedrich von Savigny difundiu a posição de que as diversas condictiones eram todas baseadas em um princípio comum, que seria o deslocamento de riqueza sem uma base jurídica; Savigny almejava uma definição unificada de enriquecimento sem causa e a superação da divisão dos casos por ele abrangidos em diversas condictiones específicas (BELLING, 2013, p. 48).	
O enriquecimento injustificado foi positivado em 1900, com o código civil alemão, o Bürgerliches Gesetzbuch (BGB) (SMITH, 1997, p. 161), que o regra em seus §§ 812 a 822. O § 812(1)[footnoteRef:3] contém uma regra geral de vedação ao enriquecimento sem causa, determinando que a pessoa que obtiver algo como resultado da prestação de outra, ou de algum outro modo à custa de outra, sem fundamento jurídico para tanto, está obrigada a restituir. [3: BGB § 812(1): “Wer durch die Leistung eines anderen oder in sonstiger Weise auf dessen Kosten etwas ohne rechtlichen Grund erlangt, ist ihm zur Herausgabe verpflichtet. Diese Verpflichtung besteht auch dann, wenn der rechtliche Grund später wegfällt oder der mit einer Leistung nach dem Inhalt des Rechtsgeschäfts bezweckte Erfolg nicht eintritt.”] 
Em 1934, Walter Wilburg defendeu que há casos em que o deslocamento de riqueza se dá por prestação (Leistung) – dentre os quais o pagamento indevido (MICHELON JR., 2007, p. 128) – e há casos em que esse deslocamento se dá por outros meios; estes foram, posteriormente, especificados por Ernst von Caemmerer (GALLO, 1992, p. 442), sendo o enriquecimento por intervenção (Eingriff) a espécie mais relevante[footnoteRef:4] (ZIMMERMANN; DU PLESSIS, 1994, p. 27). Essa divisão do enriquecimento sem causa teve alto grau de aceitação doutrinária e jurisprudencial (SMITH, 1997, p. 161). [4: Outros tipos de enriquecimento por outro modo que não prestação reconhecidos na Alemanha são o cumprimento de obrigação alheia e a situação em que uma pessoa incorre em gastos para a melhora de bens de outra, resultando em uma economia para o proprietário (BELLING, 2013, p. 53); estes não serão objeto do presente trabalho, uma vez que, no direito brasileiro, tais situações não são tratadas no âmbito do enriquecimento sem causa.] 
No Brasil, é reconhecida a natureza dúplice do enriquecimento sem causa – distingue-se o enriquecimento sem causa enquanto fonte de obrigações do princípio da vedação do enriquecimento sem causa (KONDER, 2005, p. 369). O referido princípio incide em diversas situações, sendo, por exemplo, apontado como fundamento para hipóteses de retorno ao status quo ante legalmente previstas (MICHELON JR. 2007, p. 176), invocado como critério de orientação do julgador para a quantificação de penalidades, de multas e de indenizações (NADER, 2016, p. 606) e, ainda, usado como critério interpretativo, dentre outras aplicações. O referido princípio era, antes da positivação do enriquecimento sem causa, tido como implícito no sistema jurídico brasileiro (KONDER, 2005, p. 370).
A obrigação de restituir o enriquecimento sem causa, por sua vez, estaria, pela literalidade do Código Civil de 1916 (CC/16), justificada somente em situações específicas, dentre as quais se destaca o pagamento indevido (KONDER, 2005, p. 369). Havia, porém, entendimento doutrinário no sentido da existência do enriquecimento sem causa enquanto fonte de obrigações; essa era a posição, por exemplo, de Pontes de Miranda (2012, p. 255). Ademais, referido instituto era já aplicado pelos tribunais brasileiros como fonte obrigacional autônoma (MICHELON JR., 2007, p. 36). Com o advento do Código Civil de 2002 (CC/02), o enriquecimento sem causa foi positivado, estando regrado nos seus artigos 884 a 886. 
Quanto à amplitude de atuação do enriquecimento sem causa enquanto fonte de obrigações, há controvérsia. Michelon Jr. (2007, p. 17-18, 22-23, 26) defende que o enriquecimento sem causa faz parte de um ramo mais amplo – o direito restituitório, o qual abrange também o pagamento indevido[footnoteRef:5] e a gestão de negócios[footnoteRef:6], bem como outras situações de restituição previstas em nosso ordenamento nas quais é possível vislumbrar a atuação do princípio da conservação estática dos patrimônios. A doutrina majoritária, porém, aloca o pagamento indevido como espécie do gênero enriquecimento sem causa[footnoteRef:7]. [5: Regrado nos arts. 876 a 883 do CC/02, trata-se da situação em que alguém (solvens), por erro ou de modo involuntário (KONDER, 2005, p. 395), efetua pagamento referente a uma obrigação inexistente ou que pode ser paralisada através de exceção (PEREIRA, 2016, p. 279), ou relativo a obrigação existente da qual ele não é o devedor, ou da qualaquele que recebeu o pagamento (accipiens) não é o credor (DINIZ, 2017, p. 262).] [6: Regrada nos arts. 861 a 875 do CC/02, trata-se da situação em que alguém (gestor), de modo espontâneo e sem autorização, age para salvaguardar interesses juridicamente relevantes de outra pessoa (dominus), a qual não se encontra em condições de promover a autotutela (NADER, 2016, p. 594).] [7: Nesse sentido, por exemplo: Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2011, p. 385), Washington de Barros Monteiro e Carlos Alberto Dabus Maluf (2010, p. 545), e Sílvio de Salvo Venosa (2017, p. 268). Em sentido diverso, além de Cláudio Michelon Jr. (2007, p. 128-129): Diogo Leonardo Machado de Melo (2011, p. 851).] 
O unjust enrichment (enriquecimento injusto) do direito inglês, por sua vez, se origina na figura dos quasi-contracts (quase-contratos) e nos writs (ordens escritas) específicos da common law; origem diversa, portanto, da origem romana do enriquecimento sem causa desenvolvido na Europa continental. Os quasi-contracts (os quais não devem ser confundidos com os quase contratos romanos) eram acordos imperfeitos que não poderiam ser considerados idôneos a gerar entre as partes um vínculo válido, por carecerem de algum dos requisitos essenciais para tanto. Originalmente, a questão era tratada como espécie de implied contract (contrato implícito), ou seja, situação quase contratual (NANNI, 2012, cap. II, 7.1). 
Em 1760, no caso Moses v Macferlan, Lorde Mansfield propôs outro fundamento para a obrigação de restituir relativa aos quasi-contracts, com base na justiça natural e na equity (equidade). Na época, tal raciocínio não foi aceito, mas, em 1943, ele foi recuperado no caso Fibrosa Spolka Akcyjna v Fairbairn Lawson Combe Barbour, Ltd., em que foi admitido o princípio de que o enriquecimento injusto deve ser restituído (NANNI, 2012, cap. I, 3.2). A partir disso, a doutrina inglesa debruçou-se sobre o tema (NANNI, 2012, cap. II, 7.1). 
O unjust enrichment foi “oficialmente” reconhecido no direito inglês com o caso Lipkin Gorman v Karpnale Ltd, julgado pela House of Lords (Câmara dos Lordes) em 1991 (BURROWS, 2012, p. IX), e a teoria do implied contract se encontra atualmente superada (SMITH, 1997, p. 148). Em 2012, foi publicado o Restatement of the English Law of Unjust Enrichment, o qual explana o unjust enrichment em uma série de proposições, complementadas com comentários explicativos e exemplos ilustrativos da sua aplicação prática (MCCAMUS, 2016, p. 210). 
O unjust enrichment inglês é significativamente mais abrangente do que o enriquecimento sem causa enquanto fonte de obrigações no direito brasileiro[footnoteRef:8], abarcando o pagamento indevido e diversas situações que, no ordenamento jurídico brasileiro, são tratadas em outros campos. Seu âmbito de aplicação é, portanto, mais comparável ao que Michelon Jr. denomina direito restituitório (embora também não seja possível ver aqui uma completa equivalência) do que ao instituto do enriquecimento sem causa em si. [8: Nesse sentido, Dickson (1995, p. 100-101) aponta como causa de boa parte da dificuldade inerente ao estudo comparativo acerca do enriquecimento sem causa o fato de que, enquanto em sistemas de civil law o enriquecimento injustificado ocupa uma posição residual no direito das obrigações, nos países de common law ele fundamenta, supostamente, todos os remédios restitutórios. O argumento permanece válido, ainda que, conforme Burrows (2012, p. 27), atualmente esteja excluída do âmbito do unjust enrichment a restitution for wrongs (restituição por ilícitos). ] 
No que tange aos requisitos necessários para que se configure uma obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa, tem-se que, no direito inglês, a estrutura conceitual básica para determinar se há, em um determinado caso concreto, um enriquecimento injusto passível de restituição consiste em quatro perguntas: o réu foi beneficiado, no sentido de ter se enriquecido? O enriquecimento foi às custas do requerente? O enriquecimento foi injusto? Há alguma defesa? (UNITED KINGDOM, 2012)[footnoteRef:9]. Para que o requerente tenha direito à restituição, é preciso que as respostas para as três primeiras perguntas sejam afirmativas, e que a resposta para a quarta seja negativa. [9: “a) Has the defendant been benefited, in the sense of being enriched? b) Was the enrichment at the claimant's expense? c) Was the enrichment unjust? d) Are there any defences?”. Cumpre ressaltar que o julgador assevera que essa estrutura conceitual serve para facilitar a explicação, e não deve ser tratada como se dotada de força normativa (UNITED KINGDOM, 2012).] 
No direito alemão, distinguem-se os requisitos para a caracterização do ungerechtfertigte Bereicherung conforme se trate de enriquecimento por prestação ou por outro modo. Na primeira situação, é necessário que haja uma prestação feita pelo requerente para o requerido, o consequente enriquecimento do requerido, e que o enriquecimento careça de base jurídica. Em se tratando de enriquecimento por outro meio, requer-se intervenção em uma posição jurídica alheia, ou cumprimento de uma obrigação alheia, ou investimento não autorizado na propriedade alheia; enriquecimento do requerido; que ele tenha sido às custas do requerente; e que não tenha havido fundamento jurídico para ele (GALLAGHER; SIYI; WOLFF, 2020, p. 345-346). Apesar de o requisito de o enriquecimento ter se dado às custas do requerente não ser listado em se tratando de enriquecimento por prestação, não parece que ele não esteja presente; isso porque seu preenchimento é garantido pela própria noção de prestação, de modo que não faz sentido suscitá-lo na análise de um caso concreto.
No direito brasileiro, para que nasça uma obrigação restituitória fundada no enriquecimento sem causa é necessária a presença de quatro requisitos[footnoteRef:10], quais sejam, o enriquecimento, que este tenha se dado às custas de outrem, a falta de causa (KONDER, 2005, p. 383-391) e a inexistência de outro remédio para corrigir o enriquecimento sem causa, ou seja, o caráter subsidiário desse instituto (MICHELON JR., 2007, p. 256). Assim, há, em relação aos requisitos, grande convergência entre os três ordenamentos em análise, com a exceção de que apenas o brasileiro atribui caráter subsidiário à fonte de obrigações objeto do presente estudo. Ao adentrar nos detalhes de cada requisito, porém, é possível perceber diferenças mais minuciosas entre os sistemas. [10: Há, na doutrina, uma certa variabilidade no modo como esses requisitos são listados; em especial, diversos autores separam a necessidade de que o enriquecimento seja às custas de outra pessoa em dois requisitos: empobrecimento e nexo causal entre empobrecimento e enriquecimento. Assim procedem, por exemplo, Paulo Nader (2016, p. 607), Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2011, p. 391-392), e Washington de Barros Monteiro e Carlos Alberto Dabus Maluf (2010, p. 549). Isso não significa, ressalte-se, que no direito brasileiro seja necessário um efetivo empobrecimento do requerente para que reste configurado o enriquecimento sem causa; não é o caso, conforme expressa o enunciado 35 da I Jornada de Direito Civil: “a expressão ‘se enriquecer à custa de outrem’ do art. 886 do novo Código Civil não significa, necessariamente, que deverá haver empobrecimento” (I JORNADA DE DIREITO CIVIL, 2020) (a referência ao art. 886 é mero equívoco, visto que a expressão “se enriquecer à custa de outrem” consta apenas no art. 884, ambos do CC/02). Quanto ao pagamento indevido, o qual tem pressupostos próprios, Konder (2005, p. 395) aponta como requisitos a inexistência da dívida e, caso tenha sido voluntário o pagamento, a prova do erro; o pagamento será involuntário se for constrangido de alguma forma, ou seja, se o requerente não poderia ter deixado de adimplir sem que isso acarretasse algum prejuízo para ele (VENOSA, 2017, p. 260-262).] 
1. AÇÃO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nesta parte do trabalho, serão expostos os requisitos para a configuração deuma obrigação restituitória fundada no enriquecimento injusto. No primeiro item, serão abordados os requisitos comuns aos sistemas alemão, inglês e brasileiro (o enriquecimento do requerido, que ele tenha sido às custas do requerente, e que tenha sido injusto). No segundo item, analisar-se-á o requisito da subsidiariedade, presente no ordenamento brasileiro.
1.1. Requisitos comuns aos sistemas alemão, inglês e brasileiro
Seguindo-se a ordem da estrutura conceitual do direito inglês, o primeiro dos requisitos a ser analisado é o de se houve enriquecimento do requerido[footnoteRef:11]. No Brasil, considera-se que a noção de enriquecimento deve ser interpretada de modo amplo, abarcando qualquer proveito obtido, bem como situações de diminuição do passivo e vantagens não patrimoniais (NANNI, 2012, cap. VI, 2.1). De modo semelhante, no direito inglês “enriquecimento” significa a obtenção de um benefício, o qual pode consistir, exemplificativamente, na propriedade ou no uso de dinheiro, bens ou terrenos; na liberação de uma dívida; na renúncia a uma pretensão; ou em propriedade imaterial (BURROWS, 2012, p. 7). Na Alemanha, do mesmo modo, considera-se que o enriquecimento consiste no aumento patrimonial, noção que abrange inclusive vantagens intangíveis, como, por exemplo, uma posição negocial mais vantajosa (SMITH, 1997, p. 162). Não há, portanto, maiores diferenças entre os sistemas no que tange àquilo que pode ser qualificado como enriquecimento. [11: Não é objeto do presente trabalho o estudo aprofundado do modo de quantificação do enriquecimento para fins de determinar o valor da restituição, de modo que não se adentrará na complexa questão de se e em que circunstâncias a valoração subjetiva do benefício pelo enriquecido deve ser levada em consideração para a determinação do valor do enriquecimento.] 
Uma vez estabelecido que houve enriquecimento do réu, a segunda indagação a ser respondida é se esse enriquecimento se deu às custas do requerente. Esse é, conforme Smith (1997, p. 151), o requisito que estabelece a legitimidade ativa do requerente para a ação de enriquecimento injusto. Ressalte-se, desde logo, que nenhum dos sistemas em análise exige, para que o enriquecimento seja considerado às custas do réu, um efetivo empobrecimento dele (BURROWS, 2012, p. 45; NANNI, 2012, cap. VI, 2.2; ZIMMERMANN, 1995, p. 418).
No direito inglês, o enriquecimento é, em regra[footnoteRef:12], considerado às custas do requerente quando o benefício foi obtido diretamente dele, e não através de terceiro (BURROWS, 2012, p. 7-8). Não é necessário, porém, que tenha havido uma conduta ativa por parte do requerente, e nem que tenha havido uma efetiva transferência de direitos do requerente para o requerido. Dessa forma, na situação em que, por exemplo, o requerente transferiu título de propriedade de bens ao requerido por erro quanto à identidade da pessoa, a transferência é inválida, mas o réu obteve um benefício (de ter a posse dos bens) do requerente (BURROWS, 2012, p. 8). [12: Há uma série de exceções; para listagem referente a elas, ver BURROWS, 2012, p. 8.] 
Para melhor esclarecimento do requisito de o enriquecimento ter se dado às custas de outrem, convém uma explicação mais completa da já referida classificação que a doutrina alemã faz do enriquecimento injustificado[footnoteRef:13]. Conforme exposto, o enriquecimento injustificado alemão é tido como subdividido em duas categorias principais, sendo a primeira delas o enriquecimento por prestação; neste, uma pessoa aumenta o patrimônio da outra de modo consciente e com um propósito específico, como, por exemplo, cumprir uma obrigação, criar uma obrigação, ou fazer uma doação (ZIMMERMANN; DU PLESSIS, 1994, p. 26). [13: Ressalte-se que no direito inglês a questão da classificação é menos pacífica e não é tratada com tanta relevância, mas há autores que trazem classificações semelhantes à alemã. Nesse sentido, Smith (1997, p. 147) afirma que a divisão de Birks das pretensões restituitórias em enriquecimento injusto por subtração e enriquecimento por wrongs se assemelha à classificação alemã. No direito brasileiro, por sua vez, dado o regramento apartado do pagamento indevido, é necessário atentar para as diferenças entre os casos que se inserem no regramento do art. 876 e seguintes e aqueles regidos pelo art. 884 e seguintes, todos do CC/02.] 
Como a situação envolve a transferência do benefício do patrimônio do requerente diretamente para o do requerido, é fácil perceber que o enriquecimento se deu às custas do primeiro, uma vez que a sua perda é imediatamente refletida no ganho do segundo (SMITH, 1997, p. 153). Assim, nessa categoria o enriquecimento se dá às custas de outra pessoa quando há uma diminuição no patrimônio dela, sendo que essa redução pode consistir tanto em uma perda efetiva (como, por exemplo, a destruição de um direito ou a diminuição de seu valor) quanto em um ganho evitado (situação em que prestado serviço não contratado, por exemplo) (MICHELON JR., 2007, p. 198).
O enriquecimento por intervenção, por sua vez, é aquele obtido através da interferência em uma posição jurídica atribuída pela ordem jurídica a outra pessoa (ZIMMERMANN; DU PLESSIS, 1994, p. 27). O enriquecimento é às custas dessa pessoa, porque apenas ela poderia ter obtido a vantagem (SMITH, 1997, p. 166). Essa intervenção não precisa, entretanto, ser resultante da conduta do próprio enriquecido; pode ser causada por terceiro[footnoteRef:14] ou mesmo por evento natural. [14: Logo, na situação em que, por exemplo, o rebanho de gado do requerido adentrou a fazenda do requerente através de portão que terceiro deixou aberto, e ali pastou, o enriquecimento do requerido se deu às custas do requerente (ZIMMERMANN; DU PLESSIS, 1994, p. 27).] 
Nesse ponto cumpre tratar do enriquecimento indireto, denominação utilizada pela doutrina brasileira para indicar a situação em que há uma pessoa interposta entre o prejudicado e o enriquecido (KONDER, 2005, p. 382) – o benefício não passa diretamente do patrimônio de um para o de outro, mas passa pelo de outra pessoa. No Brasil, predomina o entendimento de que o enriquecido indireto não está obrigado a restituir, salvo previsão legal específica; é o caso, por exemplo, do parágrafo único do art. 879 do CC/02[footnoteRef:15], referente à situação em que alguém aliena imóvel que recebeu como pagamento indevido (KONDER, 2005, p. 382). De modo semelhante, no direito alemão, admite-se ação no caso de enriquecimento indireto apenas quando o terceiro obteve o benefício a título gratuito, por considerar-se que o terceiro nessa situação é menos digno de proteção, uma vez que obteve algo sem contrapartida (ZIMMERMANN; DU PLESSIS, 1994, p. 28 e 32). [15: CC/02 art. 879, parágrafo único: “Se o imóvel foi alienado por título gratuito, ou se, alienado por título oneroso, o terceiro adquirente agiu de má-fé, cabe ao que pagou por erro o direito de reivindicação”. ] 
No direito inglês, também prevalece a ideia de que em princípio não cabe restituição nessas situações envolvendo terceiros; há, porém, exceções, as quais vêm sendo ampliadas. A questão está em desenvolvimento, de forma que ainda não foi estabelecida uma lista exaustiva de critérios para o reconhecimento de exceções[footnoteRef:16] (UNITED KINGDOM, 2012). Outrossim, a depender da situação, o caso poderá ser solucionado no âmbito das pretensões reivindicatórias, que são mais amplas no sistema inglês do que no alemão; o doador tem, ademais, a opção de invocar uma pretensão restituitória frente ao donatário, com fundamento no erro, com a consequência de que essa pretensão deverá ser transferida à pessoa às custas de quem o enriquecimento foi obtido em primeiro lugar (MÄCHTEL, 2004, p. 33). [16: Há, entretanto, mas há indicações de aspectos que devem ser levados em consideração, dentre os quais: a necessidade de uma conexão causal entre o pagamento pelo requerente e o enriquecimento do terceiro, a necessidade de evitar qualquer risco de recuperação em dobro (de modo que o requerente deve primeirobuscar receber do intermediário), e a necessidade de evitar conflitos com eventual contrato existente entre as partes (UNITED KINGDOM, 2012).] 
A resposta para a terceira pergunta, relativa a se o enriquecimento foi injusto, não envolve qualquer apelo a noções abstratas de justiça (SMITH, 1997, p. 157). Há dois métodos para respondê-la – em contraste com o adotado por sistemas de civil law, nos quais a qualificação do enriquecimento como injusto se baseia na falta de base jurídica[footnoteRef:17] (BURROWS, 2012, p. 31), no direito inglês o requerente precisa demonstrar a presença de um unjust factor (fator injusto) no caso concreto (SMITH, 1997, p. 157). [17: No Brasil, a expressão “falta de causa” é usada para denotar essa mesma ideia. O termo “causa” é polissêmico (KONDER, 2005, p. 389); no contexto do enriquecimento sem causa, deve ser entendido no sentido de causa da atribuição patrimonial, com a ressalva de que este não preenche todas as hipóteses de enriquecimento sem causa, uma vez que há situações nas quais o enriquecimento não se origina de um deslocamento patrimonial (NANNI, 2012, cap. VI, 2.4). Assim, a causa pode ser entendida como sendo qualquer título jurídico apto a justificar o enriquecimento, ou seja, idôneo a justificar a efetiva atribuição patrimonial, ou o acréscimo de valor a bem já atribuído à esfera jurídica do enriquecido, ou ainda a intervenção nos bens ou direitos de titularidade de outrem (MICHELON JR., 2007, p. 214, 217). ] 
Há uma série de unjust factors reconhecidos pela jurisprudência, os quais não são, entretanto, imutáveis (BURROWS, 2012, p. 31). Esses fatores são classificados em duas categorias; a primeira delas consiste nos casos em que o consentimento do requerente ao enriquecimento do requerido estava prejudicado, qualificado ou ausente, e abarca os seguintes fatores: mistake (erro, de fato ou de direito), duress (coação, expressa ou implícita), undue influence (influência indevida), exploitation of weakness (exploração, pelo beneficiado, de uma fraqueza), incapacity of the individual (incapacidade do indivíduo), failure of consideration (ausência de contrapartida, a qual pode consistir em uma contraprestação prometida ou em um evento ou estado de coisas), ignorance or powerlessness (falta de conhecimento acerca da conduta que acarretou o enriquecimento, ou impossibilidade de evitá-la), e fiduciary’s lack of authority (BURROWS, 2012, p. 5-6, 9-14). 
Resta claro a partir da mera listagem dos unjust factors que o unjust enrichment inglês abrange uma ampla gama de situações não cobertas pelo enriquecimento sem causa brasileiro, mesmo em se adotando a posição da doutrina majoritária de considerar o pagamento indevido – abarcado, no direito inglês, pelo erro[footnoteRef:18] (BURROWS, 2014, p. 64) – como espécie do gênero enriquecimento sem causa. É o caso, por exemplo, da situação da incapacidade do indivíduo, que no direito brasileiro é tratada no campo das invalidades do negócio jurídico, sendo eventual restituição fundada no art. 182[footnoteRef:19] do CC/02 (NANNI, 2012, cap. VI, 2.5). [18: É interessante que, no direito brasileiro, em se tratando pagamento indevido, a lógica se aproximaria, a princípio, do sistema dos unjust factors, uma vez que, sendo o pagamento voluntário, exige-se a prova do erro. O erro tende, porém, a ser considerado presumido frente à prova de que inexistente a relação jurídica e de que a realizada a prestação (MELO, 2011, p. 855-856).] [19: CC/02 art. 182: “Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.”] 
A segunda categoria de unjust factors, por vezes denominada policy-motivated restitution, abrange casos nos quais, embora o requerente tenha consentido, há uma razão válida pela qual o enriquecimento é injusto. Nessa categoria se inserem os fatores legal compulsion (situação em que o requerente enriqueceu o requerido cumprindo obrigação deste para com terceiro, sob compulsão jurídica exercida, ou exercitável, pelo terceiro), necessity (necessidade de preservar os bens ou a saúde de alguém, especialmente se o dano é iminente), factors concerned with ilegality (fatores relacionados à ilegalidade) e unlawful obtaining, or conferral, of a benefit by a public authority (ilegal obtenção, ou concessão, de um benefício por uma autoridade pública) (BURROWS, 2012, p. 5-6, 14-15). Cumpre destacar que o último fator listado equivale ao que no Brasil é denominado enriquecimento ilícito[footnoteRef:20], o qual, conforme destaca Konder (2005, p. 379), não é, no direito pátrio, considerado caso de regulação específica de hipótese de enriquecimento sem causa. [20: É possível encontrar, tanto na jurisprudência quanto na doutrina brasileiras, a expressão “enriquecimento ilícito” sendo usada como sinônimo de “enriquecimento sem causa” (SCHLATTER, 2018, p. 11-12). Nanni (2012, cap. III, 3) critica esse uso, sob dois argumentos: primeiramente porque “enriquecimento ilícito” é o nome dado para o enriquecimento decorrente dos atos de improbidade administrativa previstos no art. 9º da Lei 8.429/92; e também pela razão de que o uso do adjetivo “ilícito” poderia levar o intérprete à incorreta conclusão de que o enriquecimento precisa decorrer de um ato ilícito, ou envolver alguma ilicitude stricto sensu.] 
Trata-se de lógica distinta da adotada pelos sistemas alemão e brasileiro, nos quais o enriquecimento é injustificado – ou, para usar a terminologia adotada pelo CC/02, sem causa – quando carece de base jurídica (BELLING, 2013, p. 44). O enriquecimento será considerado injustificado não só se carecer de fundamento jurídico na sua origem, mas também quando esse fundamento, inicialmente presente, posteriormente deixar de existir, conforme o § 818(1)[footnoteRef:21] do BGB e o art. 885 do CC/02. [21: BGB § 818(1): “Wer durch die Leistung eines anderen oder in sonstiger Weise auf dessen Kosten etwas ohne rechtlichen Grund erlangt, ist ihm zur Herausgabe verpflichtet. Diese Verpflichtung besteht auch dann, wenn der rechtliche Grund später wegfällt oder der mit einer Leistung nach dem Inhalt des Rechtsgeschäfts bezweckte Erfolg nicht eintritt” (grifo nosso).] 
A doutrina alemã faz uma distinção entre a falta de causa referente ao enriquecimento por prestação e a relativa ao enriquecimento por interferência. No primeiro caso, considera-se que a transferência de riqueza tem um propósito específico; este não sendo passível de ser atingido, porque indevida a prestação, não há fundamento jurídico para o enriquecimento. Na segunda situação, a questão gira em torno de identificar a quem está atribuída a possibilidade jurídica de obter a vantagem que o enriquecido obteve – é necessário que haja alguma posição jurídica (um direito, por exemplo) atribuída pela ordem jurídica a alguém, com a qual outra pessoa interferiu, e nisso se enriqueceu. Esse enriquecimento carece de base jurídica, pelo motivo de que a única pessoa que poderia ter se enriquecido a partir dessa posição jurídica é a pessoa a quem tal posição jurídica foi atribuída pelo ordenamento (BELLING, 2013, p. 55). 
Há, desse modo, no que concerne à qualificação do enriquecimento como injusto, uma distinção de ênfase entre as duas lógicas expostas: na adotada nos sistemas alemão e brasileiro, sempre que uma transferência de riqueza ocorra sem que haja uma razão jurídica, cabe a restituição, de modo que todo enriquecimento é prima facie injustificado, a não ser que haja um fundamento jurídico para ele. A posição inglesa, por sua vez, vê todo enriquecimento como prima facie justo, cabendo restituição apenas quando presente, no caso concreto, um unjust factor (MÄCHTEL, 2004, p. 5-6). Cumpre ressaltar que, de regra, a presença de um fator injusto não irá se sobrepor a uma obrigação legal ou contratual que o requerente tenha de conferir o benefício ao requerido; a existência de tal obrigação impede que o enriquecimento seja considerado injusto (BURROWS, 2012, p. 32).
Assim, esses três requisitos– enriquecimento, este ser às custas de outrem, e sua qualificação como injusto – estão presentes nos três sistemas examinados, embora haja uma significativa diferença teórica no que concerne ao terceiro. Essa diferença é, porém, mais de perspectiva do que de substância; conforme se adote a lógica da falta de causa ou a da presença de um unjust factor, muda o modo como um caso concreto deve ser analisado e como a decisão do julgador deve ser fundamentada, mas isso não acarretará necessariamente um resultado prático diverso.
 
1.2. O caráter subsidiário do enriquecimento sem causa
Nanni (2012, cap. VI, 2.5) refere que sempre houve entre os juristas debate concernente ao campo de atuação da ação de enriquecimento sem causa – alguns autores lhe conferem amplo raio de exercício, enquanto outros restringem sua aplicabilidade às situações nas quais não há outro remédio para que uma pessoa recupere a vantagem que outra obteve de modo injustificado às suas custas. Essa segunda concepção, segundo a qual a ação de enriquecimento tem caráter subsidiário, é a que atualmente[footnoteRef:22] vigora no sistema brasileiro, por previsão expressa do art. 886 do Código Civil de 2002, o qual dispõe que “não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido”[footnoteRef:23]. Dessa forma, não é possível, no nosso sistema, a restituição por enriquecimento sem causa nas situações nas quais o enriquecimento pode ser eliminado através da aplicação de outros remédios – como, por exemplo, o direito à execução específica de determinado contrato ou à indenização por danos (MICHELON JR., 2007, p. 256). [22: Sob a vigência do CC/16, não havia qualquer disposição legal sobre o ponto, de modo que ele era altamente controvertido. Pontes de Miranda (2012, p. 261), por exemplo, defendia que a ação de enriquecimento sem causa não era subsidiária; assim, no entendimento do autor, uma vez anulado o negócio jurídico, o prejudicado poderia optar entre a restituição referida no art. 158 do CC/16 (equivalente ao art. 182 do código ora em vigor) e a repetição com fundamento no enriquecimento injustificado.] [23: A subsidiariedade é requisito próprio do enriquecimento sem causa enquanto fonte autônoma obrigacional; o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa não está sujeito a essa limitação (NANNI, 2012, cap. VI, 2.5). ] 
É possível conceber duas perspectivas sob as quais a subsidiariedade pode ser considerada. Uma interpretação excessivamente literal do texto legal acarretaria uma análise em abstrato da subsidiariedade, a qual, demasiadamente rígida, impediria que o instituto do enriquecimento sem causa tenha aplicabilidade prática (NANNI, 2012, cap. VI, 2.5). Por conseguinte, a subsidiariedade deve ser analisada sob a perspectiva concreta, ou seja, ela apenas implica o afastamento da possibilidade de restituição fundada no enriquecimento sem causa se há remédio jurídico alternativo apto a efetivamente instrumentalizar a restituição do que foi auferido de forma indevida (MICHELON JR., 2007, p. 258-259). Isso não só porque a adoção da perspectiva abstrata incorreria “precisamente no formalismo que o legislador de 2002 procurou combater”, mas também pelo motivo de que o propósito do art. 886 do CC/02 é evitar que, havendo em um caso concreto o preenchimento dos suportes fáticos de mais de uma fonte obrigacional, esteja aberta ao prejudicado a possibilidade de exercício de mais de uma ação (MICHELON JR., 2007, p. 258-259). 
O requisito da subsidiariedade não é reconhecido nem no sistema alemão[footnoteRef:24] (BELLING, 2013, p. 50), nem no inglês; quanto a este, o Restatement of English Unjust Enrichment Law inclusive informa que um direito de restituição por unjust enrichment pode ser reivindicado concorrentemente com outra pretensão (por exemplo, fundada em um ilícito civil), ressaltando, porém, que a satisfação de mais de uma pretensão não é permitida nas situações em que isso resultaria em uma dupla recuperação (BURROWS, 2012, p. 5, 28 e 29). [24: Cumpre ressaltar que, no direito alemão, embora não se tenha a subsidiariedade do enriquecimento sem causa como um todo, o enriquecimento injustificado por outro modo é considerado subsidiário em relação ao enriquecimento sem causa por prestação (DANNEMANN, 2009, p. 52).] 
Assim, conforme ressalta Gallo (1992, p. 465), nos países de common law e na Alemanha, diferentemente do que ocorre em outros sistemas, o requerente não precisa comprovar a ausência de outro meio jurídico de desfazer o enriquecimento. Essa característica, somada à desnecessidade de comprovação de um efetivo dano, ensejou, segundo o autor, uma visão mais ampla do instituto do enriquecimento sem causa na Alemanha e no Reino Unido; estimulou, também, uma maior produção de estudos sobre o tema, especialmente pelo motivo de que no direito inglês e no alemão é fundamentada no enriquecimento injustificado a restituição do que já havia sido prestado, uma vez invalidado o contrato. 
No direito inglês, isso se deve ao caráter mais amplo atribuído ao unjust enrichment, no qual se fundam situações de restituição mais diversas, em comparação com os outros dois sistemas abordados, como se pôde perceber com a breve explicação acerca dos unjust factors. No direito alemão, a questão é mais complexa – apesar de o enriquecimento sem causa receber uma conceituação mais restrita, peculiaridades do sistema de transmissão de propriedade ensejam que na Alemanha também se fundamente no enriquecimento sem causa a restituição após invalidado o negócio jurídico. 
Nesse sentido, é possível afirmar, no que tange ao sistema alemão, que as regras concernentes ao enriquecimento injustificado por prestação têm como principal função suplementar o princípio da abstração, característica peculiar do direito alemão, pelo qual a transferência da propriedade é juridicamente apartada da obrigação subjacente de fazer tal transferência (GALLAGHER; SIYI; WOLFF, 2020, p. 346). Esse mecanismo de transmissão abstrata da propriedade implica em que as situações em que exercitável a ação reivindicatória sejam distintas em relação aos sistemas de transmissão baseados na tradição (NANNI, 2012, cap. II, 1).
Assim, por exemplo, em se tratando de um contrato de compra e venda – pelo qual o vendedor se obriga a transferir a propriedade e a posse do bem ao comprador, e este se obriga a pagar o preço –, atos reais abstratos subsequentes serão necessários para cumprir essas obrigações contratuais. A declaração de invalidade da obrigação subjacente (no caso, do contrato de compra e venda) não afeta a validade dos atos reais de transferência. Esta será, porém, carecedora de base jurídica, de modo que a solução desse tipo de situação se dá através da aplicação do enriquecimento sem causa (GALLAGHER; SIYI; WOLFF, 2020, p. 346-347).
Conforme já explicitado, o mesmo não ocorre no sistema brasileiro, em que a restituição, uma vez invalidado o negócio jurídico, fundamenta-se no art. 182 do CC/02, e não nas regras atinentes ao enriquecimento sem causa. Há, na doutrina, posições divergentes – Rodrigo da Guia Silva (2020), por exemplo, entende que o fundamento é sim o enriquecimento sem causa. Também na jurisprudência, em que predomina a confusão acerca do enriquecimento sem causa, especialmente enquanto fonte de obrigações, é possível encontrar decisões no sentido de que, uma vez anulado o negócio jurídico, a subsequente restituição se funda no enriquecimento sem causa enquanto fonte de obrigações; é caso, por exemplo, dos recursos especiais 1361182/RS e 1360969/RS, julgados em conjunto sob o rito dos recursos repetitivos pela Segunda Seção do STJ em 2016 (SCHLATTER, 2018, p. 72). 
A previsão expressa da subsidiariedade do instituto ora sob análise impede, porém, que ele possa ser invocado nessa situação, haja vista a existência de outro fundamento legal para a restituição. Há decisões jurisprudenciais que se coadunam com a posição adotada no presente trabalho, como, por exemplo, o recurso especial 1532514/SP,julgado pela Primeira Seção do STJ em 2017, também sob o rito dos recursos repetitivos (SCHLATTER, 2018, p. 89-90). Ademais, esse entendimento encontra respaldo na doutrina, sendo preconizado por Michelon Jr. (2011, p. 888-889) e Nanni (2012, cap. VI, 2.5); mesmo antes do advento do CC/02, Pontes de Miranda (2012, p. 261) já distinguia a restituição decorrente da invalidade daquela fundada no enriquecimento injustificado[footnoteRef:25]. [25: Haja vista a ausência de uma regra de subsidiariedade do enriquecimento sem causa no CC/16, o autor entendia que, uma vez anulado o negócio jurídico, poder-se-ia realizar ou a restituição prevista no art. 158 do referido diploma normativo (equivalente ao art. 182 do CC/02), ou a restituição com base no enriquecimento injustificado (MIRANDA, 2012, p. 261).] 
Por conseguinte, o enriquecimento sem causa enquanto fonte de obrigações ocupa, no direito brasileiro, um espaço comparativamente menor, funcionando como uma fonte de obrigações residual para cobrir eventuais falhas na proteção jurídica, sendo atécnico buscar inserir nele outras situações de restituição presentes no ordenamento pátrio, por mais que tais situações estejam, em outros sistemas jurídicos, abarcadas pelo enriquecimento injusto. O seu caráter subsidiário impede que o instituto tenha seu campo de aplicação ampliado, por mais tentador que isso possa parecer para o aplicador do direito, pelo motivo que será clarificado no item 3.2 do presente trabalho. 
2. DEFESAS
No direito inglês, considera-se que, para que se justifique o uso mais difundido do unjust enrichment, é imprescindível que defesas sofisticadas e coerentes possam ser desenvolvidas, de modo a restringir o surgimento da obrigação restituitória aos casos em que ela é realmente merecida. O primeiro movimento nessa direção veio já com o julgamento do caso Lipkin Gorman v Karpnale Ltd, no qual a House of Lords reconheceu a defesa de change of position (SMITH, 1997, p. 158). Há, dessa forma, uma série de defesas que podem ser invocadas frente a uma ação de enriquecimento (BURROWS, 2014, p. 16-19); nesta parte do trabalho, serão abordadas duas: a necessidade de atualidade do enriquecimento e a prescrição.
2.1. Necessidade de atualidade do enriquecimento
A defesa de change of position está disponível, no direito inglês, para o requerido cuja posição se alterou de tal modo que seria injusto exigir que ele restitua (SMITH, 1997, p. 158). A existência de tal defesa se justifica em ela estar essencialmente relacionada ao “desenriquecimento” do requerido, no sentido de que ele, conquanto prima facie enriquecido, não se encontra realmente beneficiado, pela razão de que o enriquecimento foi negado, total ou parcialmente[footnoteRef:26], por uma perda causalmente relevante sofrida pelo requerido (BURROWS, 2012, p. 118). Assim, o réu pode se valer da defesa quando sua posição mudou como consequência da obtenção do benefício, ou de sua confiança nessa obtenção, de tal modo que ele ficaria em uma situação pior caso restituísse do que se nunca tivesse obtido o benefício ou confiado na sua obtenção (BURROWS, 2012, p. 16). [26: Essa defesa pode ser aplicada proporcionalmente na situação em que o réu não perdeu todo o benefício (BURROWS, 2012, p. 118).] 
Na Alemanha, a noção equivalente é a de Wegfall der Bereicherung, contida no § 818 (3)[footnoteRef:27] do BGB, o qual prevê que a obrigação de restituir resta excluída na medida em que o beneficiado não está mais enriquecido (MÄCHTEL, 2004, p. 1-2). A lógica é que não se pode exigir que o requerente restitua mais do que o ganho líquido subsistente – a ação de enriquecimento sem causa não pode forçar alguém a “gastar do seu próprio bolso” ou a reduzir seu patrimônio em mais do que o enriquecimento original (SMITH, 1997, p. 169). [27: BGB § 818 (3): “Die Verpflichtung zur Herausgabe oder zum Ersatz des Wertes ist ausgeschlossen, soweit der Empfänger nicht mehr bereichert ist.”] 
A doutrina brasileira, por sua vez, trata a necessidade de que o enriquecimento continue a existir no patrimônio do requerido como um aspecto do requisito de haver um enriquecimento. Nesse sentido, Michelon Jr. (2007, p. 196) refere a necessidade de atualidade do enriquecimento no subcapítulo referente a ele, explicando que a permanência da vantagem indevidamente obtida integra o suporte fático da obrigação restituitória em tela. Nanni (2012, cap. VI, 3) propugna uma interpretação bem restrita da exigência de que o enriquecimento seja atual, a qual deve ser interpretada, conforme o autor, no sentido de que é incabível a restituição na situação em que o enriquecimento deixou de existir por ter saído do acervo de bens do requerido por uma causa lícita; o autor traz como exemplos de esvaimento do enriquecimento este ter sido objeto de perdão por parte do empobrecido, de transação entre as partes, ou ter sido reconhecido inexistente através de decisão judicial.
Para analisar de modo mais aprofundado o tópico presente, convém distinguir duas categorias principais nas quais um benefício adquirido esvaiu-se. A primeira diz respeito ao objeto do enriquecimento em si: se ele foi perdido, furtado, destruído, transferido ou de outra forma exaurido sem que o enriquecido tenha recebido algo em troca, o requerido não está mais enriquecido e pode, em princípio, alegar mudança de posição (MÄCHTEL, 2004, p. 30).
Em tal situação, o fator decisivo nos sistemas inglês e alemão é a questão de se o objeto que foi recebido em primeiro lugar foi efetivamente excluído do patrimônio do réu, ou se ele foi de algum modo substituído, ainda que parcialmente (MÄCHTEL, 2004, p. 30). Assim, na situação em que o valor injustamente obtido foi empregado na compra de um bem, considera-se seu valor de revenda como enriquecimento ainda existente, havendo mudança de posição apenas em relação à desvalorização do bem (BURROWS, 2012, p. 119). 
É importante ressaltar que, no direito inglês, para que reste configurada change of position, não basta que o requerido demonstre que gastou o dinheiro obtido (ou adquirido com a venda do bem obtido), porque ele poderia ter tido que dispender a mesma quantidade de dinheiro de qualquer sorte, de modo que o gasto não representa uma perda – o requerido não está em uma posição pior do que estava antes da obtenção do benefício. É o caso, por exemplo, do requerido que usa o dinheiro obtido para quitar dívidas pré-existentes (BURROWS, 2012, p. 118). A perda deve, portanto, ser causalmente relevante em relação ao enriquecimento, ou seja, ser uma consequência da obtenção (ou da confiança na iminente obtenção) do benefício; não basta que o requerido tenha, posteriormente ao enriquecimento, enfrentado dificuldades financeiras[footnoteRef:28] (BURROWS, 2012, p. 119). [28: Assim, se o enriquecido sofre um acidente de trânsito e incorre em despesas médicas, isso pode tornar mais difícil que ele restitua o benefício, mas não configura change of position (BURROWS, 2012, p. 119).] 
De modo semelhante, no direito alemão, o enriquecido pode alegar que o benefício foi perdido sem contrapartida; por exemplo, uma quantia de dinheiro foi furtada ou uma garrafa de vinho foi consumida. Na hipótese de ele ter evitado certas despesas como resultado da perda, ou se ele empregou o que recebeu para um propósito útil de um ponto de vista econômico (por exemplo, pagar uma dívida[footnoteRef:29]), o enriquecimento, nessa medida, não se esvaiu (ZIMMERMANN; DU PLESSIS, 1994, p. 39). Isso porque, quando o enriquecido usa o dinheiro recebido para pagar um empréstimo, ele obtém uma vantagem econômica de mesmo valor, uma vez que resta liberado da dívida (MÄCHTEL, 2004, p. 30-31). [29: Conforme já explicado, no direito inglês essa situação não é tratada como substituição do enriquecimento no patrimônio do enriquecido por outra vantagem, mas sim como caso em que falta relação causal entre a obtenção do enriquecimento e o seu subsequente esvaimento; na prática, porém, ambos os raciocínios alcançam o mesmo resultado, qual seja, o de que o dispêndio do enriquecimentopara pagar dívidas pré-existentes (ou seu emprego nos gastos normais do cotidiano) não afasta a obrigação restituitória fundada no enriquecimento sem causa.] 
Também no direito brasileiro a necessidade de que o enriquecimento esteja presente no momento em que pleiteada a restituição não implica na imprescindibilidade de que o exato produto que foi objeto da vantagem obtida pelo enriquecido subsista (NANNI, 2012, cap. VI, 3). Desse modo, conforme ressalta Michelon Jr. (2007, p. 197), a obrigação restitutória persiste na situação em que o enriquecimento, por ter sido substituído no patrimônio do enriquecido, não é excluído do patrimônio do devedor pelo perecimento da coisa que é objeto da obrigação de restituir.
Ainda quanto ao sistema pátrio, é importante destacar que, nas situações em que o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, aplicam-se as regras concernentes à impossibilidade superveniente das obrigações de restituir coisa certa (MICHELON JR., 2007, p. 196). O perecimento total da coisa a ser restituída, sem culpa do enriquecido, acarreta, por conseguinte, a resolução ex lege da obrigação, por aplicar-se o art. 238[footnoteRef:30] do CC/02. Havendo culpa do enriquecido, porém, a situação é, por força do art. 239 do CC/02, de responsabilidade civil – o devedor responderá pelo equivalente, acrescido de perdas e danos. A solução do direito brasileiro difere, portanto, ao levar em consideração a culpa do enriquecido, a qual, como se verá adiante, não é, nos sistemas alemão e inglês, um fator relevante no que tange ao esvaimento do enriquecimento. [30: CC/02 art. 238: “Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos até o dia da perda.”] 
Há uma peculiaridade no direito brasileiro no que concerne à situação de esvaimento parcial do enriquecimento, no sentido de que ela não recebe tratamento uniforme em todas as hipóteses de enriquecimento sem causa. Conforme Michelon Jr. (2007, p. 129), uma das diferenças entre o enriquecimento sem causa enquanto fonte de obrigações e o instituto do pagamento indevido é que, conforme se trate de um ou de outro, será diferente o modo de determinar aquilo que deve ser objeto da obrigação de restituir em caso de deterioração do bem. Nas situações de pagamento indevido, a posição do accipiens se equipara à do possuidor, por força do art. 878 do CC/02, de modo que ele apenas responderá por eventual deterioração do bem em caso de má-fé (MONTEIRO; MALUF, 2010, p. 538-539). Em se tratando de outras modalidades de enriquecimento sem causa, sendo o objeto da obrigação de restituir coisa certa, aplica-se o art. 240 do CC/02, de modo que, caso o bem se deteriore sem culpa do devedor, deverá ser entregue ao credor tal qual se ache, sem qualquer indenização; havendo culpa do devedor, ele responderá pelo equivalente, acrescido de perdas e danos. 
Uma segunda situação em que se pode falar de esvaimento do enriquecimento é aquela em que o benefício permanece nas mãos do requerido, mas este usou de outros recursos seus para fazer algo que não teria feito, não fosse a existência do enriquecimento. É o caso, por exemplo, de despesas incorridas para o melhoramento ou para a conservação do bem objeto do enriquecimento, bem como da situação em que o enriquecido deixou seu emprego em vista do enriquecimento (MÄCHTEL, 2004, p. 33). No direito inglês, conforme já exposto, considera-se que a change of position abarca perdas causalmente ligadas à obtenção do enriquecimento, de modo que abrange esse tipo de situação. 
No direito alemão, por sua vez, permite-se que o enriquecido abata todas as perdas em que incorreu, desde que elas tenham conexão causal suficiente com o evento gerador do enriquecimento[footnoteRef:31], no sentido de que o enriquecido apenas tem que ser protegido na medida em que sua perda resulta da sua confiança no caráter definitivo da sua aquisição, e não contra absolutamente qualquer despesa relacionada ao enriquecimento. Assim, por exemplo, se o objeto do enriquecimento é um cachorro, o enriquecido pode se negar a devolvê-lo até que seja compensado pelas despesas com a alimentação do animal; o risco de dano ao seu carpete, por outro lado, recai sobre o enriquecido, do mesmo modo de que se tivesse havido base jurídica para a aquisição do cachorro (ZIMMERMANN; DU PLESSIS, 1994, p. 40). [31: Há uma importante exceção: trata-se da situação em que uma pessoa compra, de boa-fé, um objeto furtado, e depois o revende para um terceiro, este também de boa-fé; o ladrão não pode transferir a propriedade para a primeira pessoa, mas pode acontecer de o terceiro adquirir a propriedade, caso o legítimo proprietário autorize a última transação, ou caso a primeira pessoa tenha feito alterações substanciais no bem. Nessa hipótese, considera-se que a primeira pessoa não pode, frente a uma ação de enriquecimento movida pelo proprietário original, abater do valor a ser restituído o preço pago por ela na compra do bem furtado. Isso porque permitir que o fizesse enfraqueceria o direito de propriedade, uma vez que, se o proprietário original tivesse movido ação reivindicatória enquanto o objeto do enriquecimento ainda se encontrava na posse da primeira pessoa, não haveria tal defesa; ela ter passado o bem adiante não legitima o seu surgimento (MÄCHTEL, 2004, p. 34-35).] 
No que tange ao direito brasileiro, o art. 242 do CC/02 determina que se aplicam à obrigação de restituir coisa certa as disposições referentes às benfeitorias realizadas pelo possuidor (no caso do pagamento indevido, o mesmo é disposto pelo art. 878 do CC/02), de modo que os gastos com a conservação da coisa devem ser indenizados, por força dos artigos 1.219[footnoteRef:32] e 1.220[footnoteRef:33]. Despesas com melhorias úteis, por sua vez, só deverão ser indenizadas ao enriquecido de boa-fé, conforme os mesmos artigos. Esse regramento diferenciado de acordo com a boa ou má-fé do enriquecido, diferentemente do tratamento distinto conforme a sua culpa, converge com os sistemas alemão e inglês, nos quais a possibilidade de invocação da defesa de mudança de posição é afastada pela má-fé, conforme será esclarecido a seguir. [32: CC/02 art. 1.219: “O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.”] [33: CC/02 art. 1.220: “Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.”] 
No direito inglês, inicialmente vigorou a ideia de que, se o requerido poderia razoavelmente ter tido conhecimento do defeito, restava afastada a defesa de change of position (DUKE, 2010, p. 72). Posteriormente, veio a prevalecer a posição de que apenas desonestidade por parte do requerido demonstraria uma falta de boa-fé suficiente para afastar a defesa, e isso foi adotado pelos tribunais com o julgamento do caso Dextra Bank & Trust Co Lld v Bank of Jamaica, no qual foi definido que um requerido negligente, porém honesto, está apto a fazer uso da defesa (DUKE, 2010, p. 72-73). Atualmente considera-se, destarte, que requerentes que agem de má-fé não podem se valer da defesa (MÄCHTEL, 2004, p. 35).
De modo semelhante, por força do disposto no § 819 (1)[footnoteRef:34] do BGB, a defesa alemã restará excluída apenas pelo efetivo conhecimento da ausência de base jurídica; não é suficiente que o enriquecido tenha sido negligente, ou a ideia de que uma pessoa razoável teria tomado conhecimento da falta de base (SMITH, 1997, p. 170). Impedir apenas aqueles com efetivo conhecimento de invocar a mudança de posição é coerente com a lógica do enriquecimento injusto, no sentido de que, haja vista ser pacífico que o nível de cuidado empregado pelo requerenteé irrelevante para o estabelecimento da sua pretensão restituitória, seria injusto negar ao réu a defesa com base na sua falta de cuidado (DUKE, 2010, p. 73). [34: BGB § 819 (1): “Kennt der Empfänger den Mangel des rechtlichen Grundes bei dem Empfang oder erfährt er ihn später, so ist er von dem Empfang oder der Erlangung der Kenntnis an zur Herausgabe verpflichtet, wie wenn der Anspruch auf Herausgabe zu dieser Zeit rechtshängig geworden wäre.”] 
Uma vez que o enriquecido tenha esse conhecimento, porém, o requerido será, no sistema alemão, considerado responsável sob as normas gerais, o que implica que ele deverá ressarcir ao requerente qualquer perda relativa ao objeto, mesmo que o dano não resulte de negligência de sua parte – desse modo, o BGB vai além de excluir a defesa de mudança de posição (MÄCHTEL, 2004, p. 37). O mesmo se aplica à situação em que pendente ação de enriquecimento sem causa, conforme o § 818 (4)[footnoteRef:35] do BGB; há, no direito brasileiro, previsão semelhante: na hipótese de o perecimento ocorrer quando o devedor já se encontra em mora, ele responderá, em regra, pela impossibilidade da prestação, inclusive quando resulte de caso fortuito ou de força maior, nos termos do art. 399 do CC/02. [35: BGB § 818 (4): “Von dem Eintritt der Rechtshängigkeit an haftet der Empfänger nach den allgemeinen Vorschriften.”] 
2.2. Prescrição da pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa
Inicialmente, cumpre informar a que prazo prescricional a ação de enriquecimento sem causa se submete em cada um dos sistemas examinados. No direito alemão, salvo uma exceção que será exposta mais adiante, aplica-se ao enriquecimento injustificado o prazo prescricional geral previsto no § 195[footnoteRef:36] do BGB (NANNI, 2012, cap. II, 1). Atualmente, esse prazo é de três anos; até o final do ano de 2001, era de trinta anos (LÖWISCH, 2003, p. 141-142). Conforme o § 199[footnoteRef:37] do mesmo diploma normativo, o prazo é contado a partir do final do ano no qual a pretensão surgiu e a parte obrigada teve conhecimento – ou teria tido conhecimento, salvo negligência grave de sua parte – das circunstâncias que deram origem à pretensão e da identidade do credor. [36: BGB § 195: “Die regelmäßige Verjährungsfrist beträgt drei Jahre.”] [37: BGB § 199: “Die regelmäßige Verjährungsfrist beginnt, soweit nicht ein anderer Verjährungsbeginn bestimmt ist, mit dem Schluss des Jahres, in dem 1. der Anspruch entstanden ist und 2. der Gläubiger von den den Anspruch begründenden Umständen und der Person des Schuldners Kenntnis erlangt oder ohne grobe Fahrlässigkeit erlangen müsste”.] 
No direito inglês, por sua vez, a pretensão ressarcitória fundada no unjust enrichment prescreve, via de regra, em 6 anos, a contar da data em que o requerido é enriquecido injustamente às custas do requerente (BURROWS, 2012, p. 18). Não há previsão legal expressa quanto ao lapso prescricional do unjust enrichment em específico; considera-se aplicável o prazo referente a pretensões fundadas em simple contracts previsto na seção 5[footnoteRef:38] do Limitation Act 1980 (UNITED KINGDOM, 2018). Convém destacar uma das exceções no que tange ao seu termo inicial: se o unjust factor é erro, a prescrição corre a partir do momento em que o requerente descobriu, ou poderia razoavelmente ter descoberto, o erro, exceto na hipótese de pagamento indevido de tributo por erro de direito, na qual o termo inicial do prazo é a data da configuração do enriquecimento sem causa (BURROWS, 2012, p. 18). [38: Limitation Act 1980, 5: “An action founded on simple contract shall not be brought after the expiration of six years from the date on which the cause of action accrued.”] 
Ainda que o requerente ajuíze a ação dentro do prazo de seis anos, o julgador pode recusar restituição se considerar que houve um atraso desarrazoado pelo demandante para iniciar o procedimento. O atraso só pode ser considerado desarrazoado se o requerente já descobrira, ou poderia razoavelmente ter descoberto, que o requerido se enriquecera injustamente às suas custas; ademais, nas hipóteses em que o unjust factor for duress, undue influence, exploitation of weakness, ou incapacity of the individual, é preciso que ele tenha deixado de existir (BURROWS, 2012, p. 19).
Por fim, quanto ao direito brasileiro, a pretensão ressarcitória fundada no enriquecimento sem causa se submetia, na vigência do CC/16, ao prazo geral de vinte anos previsto em seu art. 177[footnoteRef:39] (VENOSA, 2017, p. 262). Com a positivação do instituto, este veio a receber também um prazo prescricional específico, qual seja, o trienal (art. 206, § 3.º, IV[footnoteRef:40], do CC/02). O prazo prescricional geral, por sua vez, foi reduzido para dez anos (art. 205[footnoteRef:41], CC/02). [39: CC/16 art. 177: ““As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos, as reais em 10 (dez), entre presentes, e entre ausentes, em 15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido propostas.””] [40: CC/02 art. 206, § 3.º, IV: “Prescreve: [...] Em três anos: [...] a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;”] [41: CC/02 art. 205: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.”] 
A extensão da aplicabilidade do prazo trienal referente ao enriquecimento sem causa é uma questão que suscita divergências. Na doutrina, debate-se em particular a questão de se pretensões fundadas no art. 876, referente ao pagamento indevido, configuram ou não pretensões de ressarcimento de enriquecimento sem causa. Michelon Jr. (2007, p. 129), por exemplo, sustenta que a pretensão oriunda de pagamento indevido prescreve em dez anos, nos termos do art. 205 do CC/02. Nesse sentido se posiciona também Venosa (2017, p. 262), o qual ressalta que, conquanto tenha sido expressamente limitado o lapso temporal em que permitido o exercício da ação de enriquecimento sem causa, o presente Código Civil foi silente no que tange ao pagamento indevido, de modo que à ação deste derivada segue aplicável o prazo prescricional geral. Em sentido diverso, Maria Helena Diniz (2017, p. 266) e Flávio Tartuce (MACHADO, 2008, p. 173) defendem aplicável o prazo trienal do art. 206, § 3.º, IV, do CC/02 à pretensão de repetição do pagamento indevido. Ressalte-se que o debate não se estende ao pagamento indevido de tributo, o qual prescreve em cinco anos, conforme o art. 168 do Código Tributário Nacional.
No judiciário, a questão se torna ainda mais complexa. Frente a uma percepção empírica de que o prazo geral de dez anos é por demais extenso, ganhou força na Segunda Seção do STJ uma linha interpretativa que expande o âmbito de incidência do inciso IV do § 3.º do art. 206 do CC/02, aplicando-o à pretensão ressarcitória fundada no pagamento indevido, bem como a outras situações de restituição que possam ser consideradas fundamentadas no princípio da vedação ao enriquecimento sem causa (SCHLATTER, 2018, p. 103-104). Na Primeira Seção do STJ, diferentemente, prevalece a posição de que o referido prazo é aplicável apenas a ações fundadas no art. 884 do CC/02, ficando o pagamento indevido e outras situações restituitórias que não possuam prazo específico submetidos ao prazo geral decenal (SCHLATTER, 2018, p. 103).
Uma questão que é de interesse ressaltar, para fins de comparação, é a de que, no sistema brasileiro, é vedado às partes alterar, por acordo, os prazos de prescrição (art. 192 do CC/02). Sob o direito inglês, por outro lado, as partes podem contratualmente definir o prazo prescricional referente à restituição, bem como seu termo inicial (BURROWS, 2012, p. 19); de modo semelhante, no direito alemão é admitida a possibilidade de alteração de prazo prescricional através de negócio jurídico, com as ressalvas de que ele não pode ser reduzido em se tratando de responsabilidade por dolo, e não pode ser estendido para além de trinta anos após o termo inicial do período de prescrição legal, conforme prevê o § 202[footnoteRef:42] do BGB. [42: BGB § 202: “(1) Die Verjährung kann bei Haftung wegenVorsatzes nicht im Voraus durch Rechtsgeschäft erleichtert werden. (2) Die Verjährung kann durch Rechtsgeschäft nicht über eine Verjährungsfrist von 30 Jahren ab dem gesetzlichen Verjährungsbeginn hinaus erschwert werden.”] 
Outra distinção é que, no direito brasileiro, a prescrição não corre contra os menores de dezesseis anos, conforme o art. 198, inciso I[footnoteRef:43], combinado com o art. 3º[footnoteRef:44], ambos do CC/02, correndo normalmente contra jovens com mais do que dezesseis e menos do que dezoito anos de idade. No direito inglês, por sua vez, a prescrição não corre contra a pessoa com menos de dezoito anos de idade (BURROWS, 2012, p. 18). [43: CC/02 art. 198: “Também não corre a prescrição: I - contra os incapazes de que trata o art. 3.º;”] [44: CC/02 art. 3.º: “São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.”] 
No direito alemão, diferentemente, em se tratando de pessoas sem capacidade civil plena (dentre as quais os menores de dezoito anos de idade, conforme os §§ 2[footnoteRef:45] e 106[footnoteRef:46] do BGB), a prescrição corre normalmente contra elas desde que tenham representantes legais. Na situação em que a pessoa não estiver devidamente representada, os prazos de prescrição não encerrarão até passados seis meses da data em que ela adquirir capacidade civil plena, ou for remediada a falta de representação, nos termos do § 210 (1)[footnoteRef:47] do BGB. [45: BGB § 2: “Die Volljährigkeit tritt mit der Vollendung des 18. Lebensjahres ein.”] [46: BGB § 106: “Ein Minderjähriger, der das siebente Lebensjahr vollendet hat, ist nach Maßgabe der §§ 107 bis 113 in der Geschäftsfähigkeit beschränkt.”] [47: BGB § 210 (1): “Ist eine geschäftsunfähige oder in der Geschäftsfähigkeit beschränkte Person ohne gesetzlichen Vertreter, so tritt eine für oder gegen sie laufende Verjährung nicht vor dem Ablauf von sechs Monaten nach dem Zeitpunkt ein, in dem die Person unbeschränkt geschäftsfähig oder der Mangel der Vertretung behoben wird. Ist die Verjährungsfrist kürzer als sechs Monate, so tritt der für die Verjährung bestimmte Zeitraum an die Stelle der sechs Monate.”] 
Um último ponto que deve ser destacado é que, no direito alemão, a ação de enriquecimento pode ser utilizada após prescrita outra ação apta a recuperar o enriquecimento; Nanni (2012, cap. II, 1) aponta como exemplo o seu uso após decorrido o prazo prescricional da ação delitual, que é de três anos. Nessa situação, por força do § 852[footnoteRef:48] do BGB, a ação de enriquecimento não se submeterá ao prazo geral trienal, prescrevendo, diferentemente, em dez anos contados a partir do nascimento da pretensão restituitória ou trinta anos contados da data da prática do ato ilícito ou outro fato causador do dano. [48: BGB § 852: “Hat der Ersatzpflichtige durch eine unerlaubte Handlung auf Kosten des Verletzten etwas erlangt, so ist er auch nach Eintritt der Verjährung des Anspruchs auf Ersatz des aus einer unerlaubten Handlung entstandenen Schadens zur Herausgabe nach den Vorschriften über die Herausgabe einer ungerechtfertigten Bereicherung verpflichtet. Dieser Anspruch verjährt in zehn Jahren von seiner Entstehung an, ohne Rücksicht auf die Entstehung in 30 Jahren von der Begehung der Verletzungshandlung oder dem sonstigen, den Schaden auslösenden Ereignis an.”] 
Tal possibilidade inexiste no direito brasileiro; conforme explica Konder (2005, p. 393), uma vez que há a previsão legal da subsidiariedade, não é possível fazer uso da ação de enriquecimento na hipótese de outra pretensão estar já prescrita. O autor traz como exemplo a situação em que, passado o prazo de um ano previsto no art. 206, § 1.º, II, do CC/02, segurado deseja mover ação contra segurador; ele não poderá recorrer ao enriquecimento sem causa. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos três sistemas examinados, para que haja uma pretensão ressarcitória fundada no enriquecimento sem causa, é necessário que tenha havido o enriquecimento de uma pessoa, que esse enriquecimento seja às custas de outra, e que seja qualificado como injusto. No direito brasileiro, exige-se, ademais, que não haja outro remédio jurídico apto a desfazer o enriquecimento.
Apesar das origens históricas diversas que o enriquecimento sem causa teve no Reino Unido e na Alemanha, podemos ver diversas semelhanças entre o ungerechtfertigte Bereicherung alemão e unjust enrichment inglês. A linha divisória entre common law e civil law não é, no tema, tão significativa; a ela se relaciona apenas o modo de qualificar o enriquecimento como injusto, se pela ausência de justa causa ou pela presença de um unjust factor. 
Considerando, porém, a ressalva trazida por Burrows (2012, p. 32) no sentido de que a presença de uma obrigação legal ou contratual válida e eficaz de que o requerente tenha de conferir o benefício ao requerido impede que o enriquecimento seja considerado injusto, tem-se que a etapa de identificar no caso um unjust factor configura, na prática, uma exigência adicional em relação à falta de causa, uma vez que demonstrar que há um título jurídico válido e eficaz no qual se funda a obrigação afasta a qualificação do enriquecimento como injusto. Dessa forma, conquanto o modo de qualificar o enriquecimento como injusto afete o raciocino que deve ser empregado pelo intérprete do direito, parece que o resultado concreto de se uma dada situação fática configura enriquecimento sem causa que deve ser restituído será, na maioria das situações, igual nos dois países.
A diferença mais substancial e com mais relevância prática no que concerne aos requisitos para configuração do enriquecimento sem causa, porém, não reflete a qualificação do sistema como de common law ou de civil law. Trata-se da subsidiariedade, requisito presente no direito brasileiro, mas não nos outros dois sistemas abordados. O caráter subsidiário do instituto em tela limita o seu campo de atuação no sistema pátrio, tornando-o uma fonte de obrigações verdadeiramente residual. O enriquecimento sem causa assume, por conseguinte, um papel muito menos central no direito das obrigações brasileiro do que no alemão e no inglês, em especial por não se fundamentar nele, conforme exposto no trabalho, a restituição subsequente à invalidação do negócio jurídico. 
A defesa relativa à necessidade de atualidade do enriquecimento parece ser mais restrita no direito brasileiro, uma vez que, na hipótese de o bem objeto da obrigação de restituir se perder por culpa do devedor, este responderá pelo equivalente, acrescido de perdas e danos. No direito inglês, para aplicar a change of position, não se analisa culpa do devedor, mas apenas se há conexão causal entre o enriquecimento e a subsequente perda desse enriquecimento, sendo a defesa afastada apenas em caso de má-fé. A solução brasileira parece excessivamente prejudicial ao enriquecido de boa-fé, uma vez que não se trata no caso de obrigação fundada em ato ilícito, e ele não tinha sequer conhecimento de que o bem era objeto de obrigação de restituir. Na situação em que ele causa culposamente o perecimento do bem, o qual acreditava ser seu, e não houve qualquer substituição do bem em seu patrimônio, não parece razoável exigir que responda pelo valor do bem, e muito menos por perdas e danos. Nessa hipótese, estar-se-ia deixando o requerido em uma situação pior do que ele estaria se nunca tivesse obtido o benefício em primeiro lugar, de modo incongruente com a lógica da defesa de mudança de posição. Ademais, não parece haver qualquer justificativa para o regramento diferenciado atinente à deterioração do bem conforme se trate de repetição de indébito ou de obrigação de restituir fundada em outros tipos de enriquecimento sem causa.
Por fim, no que tange à prescrição da pretensão de ressarcimento do enriquecimento sem causa, o caminho tomado na Alemanha, de uma diminuição do prazo prescricional geral, poderia, no Brasil, poupar o enriquecimento sem causa de ter seu campo de atuação indevidamente ampliado como maneira de satisfazer uma necessidadeprática de prazos prescricionais mais curtos. O seu prazo prescricional mais exíguo é, atualmente, um grande estímulo à aplicação atécnica do instituto em tela pelos tribunais brasileiros. 
REFERÊNCIAS
I Jornada de Direito Civil. Enunciado 35. Art. 884: A expressão “se enriquecer à custa de outrem” do art. 886 do novo Código Civil não significa, necessariamente, que deverá haver empobrecimento. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/689. Acesso em: 22 set. 2020.
BELLING, Detlev W. European Trends in the Law on Unjustified Enrichment – from the German Perspective. Korea University Law Review, v. 13, p. 43-60, 2013.
BRASIL. Código civil, quadro comparativo 1916/2002. Brasília, DF: Senado Federal, 2003. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/70309/704509.pdf?sequence=2&isAllowed=y. Acesso em: 13 out. 2020.
BRASIL. Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm. Acesso em: 13 out. 2020.
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 20 ago. 2020.
BURROWS, Andrew S. A Restatement of the English Law of Unjust Enrichment. England: Oxford University Press, 2012.
DANNEMANN, Gerhard. The German Law of Unjustified Enrichment and Restitution: a comparative introduction. England: Oxford University Press, 2009.
DEUTSCHLAND. BGB. Bürgerliches Gesetzbuch. Disponível em: https://www.gesetze-im-internet.de/bgb/BJNR001950896.html#. Acesso em: 25 ago. 2020.
DICKSON, Brice. Unjust Enrichment Claims: a comparative overview. Cambridge Law Journal, v. 54, n. 1, p. 100-126, 1995.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações. v. 2. 32. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017.
DUKE, Arlen. The Knowing Receipt “Knowledge” Requirement and Restitution's “Good Faith” Change of Position Defence: two sides of the same coin? University of Western Australia Law Review, Austrália, v. 35, p. 49-80, 2010. Disponível em: http://classic.austlii.edu.au/au/journals/UWALawRw/2010/3.html. Acesso em: 30 set. 2020.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: obrigações. v. II. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 
GALLAGHER, Steve; SIYI, Lin; WOLFF, Lutz-Christian. The history of mystery: the evolution of the law of unjust enrichment in Germany, England and China. International Comparative, Policy & Ethics Law Review, v. 3, n. 2, p. 337-382, 2020.
GALLO, Paolo. Unjust Enrichment: A Comparative Analysis. American Journal of Comparative Law, Estados Unidos, v. 40, n. 2, p. 431-466, 1992.
KONDER, Carlos Nelson. Enriquecimento sem causa e pagamento indevido. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 369-398. 
MACHADO, Costa et al (org.). Código Civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Barueri, SP: Manole, 2008.
MÄCHTEL, Florian. The Defence of “Change of Position” in English and German Law of Unjust Enrichment. German Law Journal, Alemanha, v. 5, n. 1, p. 23-46, 2004.
MCCAMUS, John D. A Restatement of the English Law of Unjust Enrichment. Canadian 
Business Law Journal, Canadá, v. 58, n. 2, p. 208-230, 2016.
MELO, Diogo Leonardo Machado de. Pagamento indevido. Obrigações. São Paulo: Atlas, 2011. p. 849-871.
MICHELON JR., Cláudio. Direito Restituitório: enriquecimento sem causa, pagamento indevido, gestão de negócios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado: Tomo XXVI – Direito das Obrigações: consequências do inadimplemento, exceções do contrato não adimplido ou adimplido insatisfatoriamente, e de inseguridade. Enriquecimento injustificado. Estipulação a favor de terceiro. Eficácia protectiva de terceiro. Mudanças de circunstâncias. Compromisso. Atualizado por Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Nelson Nery Jr. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
MONTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus; SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Curso de direito civil, 5: direito das obrigações, 2.ª parte. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
NADER, Paulo. Curso de direito civil, v. 3: contratos. 8. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. 
 
NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. 3. ed. Ebook. São Paulo: Saraiva, 2012.
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil, volume II: teoria geral das obrigações. 28. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
SCHLATTER, Caroline. A prescrição da pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa conforme o STJ. Dissertação (Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/189867/001086100.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 18 out. 2020.
SILVA, Rodrigo da Guia. Enriquecimento sem causa no contexto da covid-19: armadilhas e potencialidades do instituto realçadas pela pandemia. Migalhas, 2020. Disponível em: https://migalhas.uol.com.br/coluna/migalhas-contratuais/325000/enriquecimento-sem-causa-no-contexto-da-covid-19-armadilhas-e-potencialidades-do-instituto-realcadas-pela-pandemia. Acesso em: 5 ago. 2020.
SMITH, Henry. The Principle of Unjust Enrichment in English and German Law. Otago Law Review, v. 9, n. 1, p. 144-171, 1997.
UNITED KINGDOM. EWHC. Investment Trust Companies v HM Revenue and Customs. Julgamento em: 2 mar. 2012. Disponível em: https://www.bailii.org/ew/cases/EWHC/Ch/2012/458.html. Acesso em: 25 ago. 2020.
UNITED KINGDOM. EWHC. Sixteenth Ocean GmbH & Co Kg v Société Générale. Julgamento em: 6 jul. 2018. Disponível em: http://www.bailii.org/ew/cases/EWHC/Comm/2018/1731.html. Acesso em: 30 ago. 2020.
UNITED KINGDOM. Limitation Act 1980 (c. 58). Disponível em: https://www.legislation.gov.uk/ukpga/1980/58. Acesso em: 30 ago. 2020.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: obrigações e responsabilidade civil. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2017. 
LÖWISCH, Manfred. New Law of Obligations in Germany. Ritsumeikan Law Review, n. 20, p. 141-156, 2003.
ZIMMERMANN, Reinhard. Unjustified Enrichment: The Modern Civilian Approach. Oxford Journal of Legal Studies, v. 15, n. 3, p. 403-430, 1995.
ZIMMERMANN, Reinhard; DU PLESSIS, Jacques. Basic Features of the German Law of Unjustified Enrichment. Restitution Law Review, Reino Unido, v. 2, p. 14-43, 1994.

Continue navegando