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Direito Previdenciário na atualidade A p ó s R e f o r m a E C n . º 1 0 3 / 2 0 1 9Edição 38 Ano 2021 SÃO PAULO D IR ET O R IA O A B S P Gestão 2019/2021 PRESIDENTE Caio Augusto Silva Dos Santos VICE-PRESIDENTE Ricardo Toledo Santos Filho SECRETÁRIO-GERAL Aislan De Queiroga Trigo SECRETÁRIA-GERAL ADJUNTA Margarete De Cássia Lopes DIRETORA TESOUREIRA Raquel Elita Alves Preto CONSELHO SECIONAL CONSELHO SECIONAL MEMBROS EFETIVOS: Ailton José Gimenez Alessandro Biem Cunha Carvalho Alexandre Cadeu Bernardes Alexandre Cotrim Gialluca Alexandre Luís Mendonça Rollo Ana Amélia Mascarenhas Camargos Ana Carolina Moreira Santos Ana Cristina Zulian Ana Laura Simionato Victor Ane Elisa Perez Antônio Carlos Chiminazzo Antônio Carlos Delgado Lopes Carlos Fernando de Faria Kauffmann Celso Fernando Gioia Clarissa Campos Bernardo Cláudia Patrícia de Luna Silva Cristiano Ávila Maronna Daniella Meggiolaro Paes de Azevedo Danyelle da Silva Galvão Diva Gonçalves Zitto Miguel de Oliveira Edson Roberto Reis Fabiana das Graças Alves Garcia Fabrício de Oliveira Klébis Flávio Olímpio de Azevedo Gabriella Ramos de Andrade Moreira Gislaine Caresia Glauco Polachini Gonçalves Guilherme Miguel Gantus Irma Pereira Maceira Ivan da Cunha Sousa João Emílio Zola Júnior José Meirelles Filho José Pablo Cortês José Paschoal Filho José Roberto Manesco Juliana Miranda Rojas Júlio César Fiorino Vicente Keilla Dias Takahashi Vieira Leandro Sarcedo Letícia de Oliveira Catani Luciana Gerbovic Amiky Luciana Grandini Remolli Luís Augusto Braga Ramos Luís Henrique Ferraz Luiz Eugênio Marques de Souza Luiz Fernando Sá e Souza Pacheco Luiz Gonzaga Lisboa Rolim Marco César Gussoni Marcos Antônio David Marcos Rafael Flesch Maria Das Graças Perera de Mello Maria Helena Villela Autuori Rosa Maria Sylvia Aparecida de Oliveira Marina Zanatta Ganzarolli Marisa Aparecida Migli Milton José Ferreira De Mello Odinei Rogério Bianchin Orlando César Muzel Martho Regina Maria Sabia Darini Leal Renata Silva Ferrara Roberto Pereira Gonçalves Rogério Luís Adolfo Cury Ronaldo José de Andrade Rosana Maria Petrilli Roseli Oliva Rosineide Martins Lisboa Molitor Rubens Rocha Pires Sidnei Alzídio Pinto Sílvia Helena Melges Sônia Maria Pinto Catarino Suzana Helena Quintana Tayon Soffener Berlanga Thiago Testini de Mello Miller Walfrido Jorge Warde Júnior MEMBROS SUPLENTES: Acyr Mauricio Gomes Teixeira Ana Paula Mascaro José Izzi André Luiz Simões de Andrade Anna Lyvia Roberto Custódio Ribeiro Antônio José Kaxixa Francisco Arnaldo Galvão Gonçalves Augusto Gonçalves Carlos Alberto dos Santos Mattos Carlos Eduardo Boiça Marcondes Moura César Piagentini Cruz Cláudia Elisabete Schwerz Cahali Cristiano Medina da Rocha Eduardo Silveira Martins Élio Antônio Colombo Júnior Éryka Moreira Tesser Eugênio Carlo Balliano Malavasi Fábio Gindler de Oliveira Fabrício Augusto Aguiar Leme Fernando Borges Vieira Fernando Fabiani Capano Fernando Mariano da Rocha Íris Pedrozo Lippi Isabela Guimarães Del Monde Isabella Aita Maciel de Sá João Batista Muñoz Jorge Pinheiro Castelo José Luiz Da Silva Kátia De Carvalho Dias Leandro Ricardo da Silva Lia Pinheiro Romano de Carvalho Liamara Borrelli Barros Luciana Andréa Accorsi Berardi Luiz Carlos Zuchini Luiz Donato Silveira Luiz Guilherme Paiva Vianna Maitê Cazeto Lopes Marcel Afonso Barbosa Moreira Marcelo Kajiura Pereira Marcelo Tadeu Rodrigues de Omena Marcos Antônio Assumpção Cabello Marcos Fernando Lopes Marcos Guimarães Soares Marie Claire Libron Fidomanzo Mário Luiz Ribeiro Maristela Sabbag Abla Rossetti Myrian Ravanelli Scandar Karam Nilson Bélvio Camargo Pompeu Odilon Luiz de Oliveira Júnior Ozéias Paulo de Queiroz Patrícia Helena Massa Paulo Henrique de Andrade Malara Pedro Renato Lúcio Marcelino Pedro Ricardo Boareto Pedro Virgílio Flamínio Bastos Rafael Olímpio Silva De Azevedo Raquel Barbosa Renata Lorenzetti Garrido Rita Maria Costa Dias Nolasco Rodnei Jericó da Silva Rodrigo de Melo Kriguer Rosângela Ferreira da Silva Rubens Eduardo de Sousa Arouca Rutinaldo da Silva Bastos Ruy Janoni Dourado Sérgio Martins Guerreiro Sérgio Quintero Sidmar Euzébio de Oliveira Simone Henrique Stella Vicente Serafini Sueli Dias Marinha Sueli Pinheiro Sulivan Rebouças Andrade Taísa Cintra Dosso Thais Jurema Silva Thays Leite Toschi Thiago Penha de Carvalho Ferreira Thiago Rodovalho dos Santos Wagner Fuin Willey Lopes Sucasas William Nagib Filho MEMBROS HONORÁRIOS VITALÍCIOS: Antonio Claudio Mariz de Oliveira Carlos Miguel Castex Aidar José Roberto Batochio João Roberto Egydio Piza Fontes Luiz Flávio Borges D’urso Marcos Da Costa Mario Sergio Duarte Garcia MEMBROS EFETIVOS PAULISTAS NO CONSELHO FEDERAL: Alexandre Ogusuku Guilherme Octávio Batochio Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró MEMBROS SUPLENTES PAULISTAS NO CONSELHO FEDERAL: Alice Bianchini Daniela Campos Libório Fernando Calza De Salles Freire ES C O LA S U P ER IO R D E A D V O C A C IA D IR E TO R IA DIRETOR ESA OAB SP Fernando Fabiani Capano VICE-DIRETORA ESA OAB SP Letícia de Oliveira Catani CONSELHO EDITORIAL ESAOABSP Otávio Luiz Rodrigues Júnior Gianpaolo Poggio Smanio Felipe Chiarello de Souza Pinto Carlos Eduardo do Nascimento Tatiana Shirasaki Liton Lanes Pilau Sobrinho COORDENAÇÃO TÉCNICA Coordenador Geral ESAOABSP Adriano de Assis Ferreira Coordenador Acadêmico Erik Chiconelli Gomes Revisão Técnica Raíssa Moreira Lima Mendes Musarra Apoio Técnico-Operacional Marcos de Jesus Martins Izidoro CONSELHO CURADOR CONSELHO CURADOR Gestão 2019/2021 PRESIDENTE Edson Roberto Reis VICE-PRESIDENTE Sueli Aparecida de Pieri SECRETÁRIO Evandro Fabiani Capano CONSELHEIROS Cíntia Regina Portes José Meireles Filho Luciano de Freitas Santoro Marcos Antonio Madeira de Mattos Martins Silvio Luiz de Almeida REPRESENTANTE DO CORPO DOCENTE Giuliana Ghizellini Carrieri COORDENADOR DE CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO Eduardo Arantes Burihan REPRESENTANTE DO CORPO DISCENTE Ricardo Carazzai Areas Direito Previdenciário na atualidade Após Reforma EC n.º 103/2019 W W W . E S A O A B S P . E D U . B R Prefácio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Camila Ghizellini Carrieri Giuliana Ghizellini Carrieri 01. A EXCLUSÃO DIGITAL E O DESAFIO DO ACESSO AOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS NO BRASIL... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .12 Roberto de Carvalho Santos 02. ENSAIO SOBRE O MITO DA UNIVERSALIDADE DE ACESSO E COBERTURA E DA SOLIDARIEDADE DA PREVIDENCIA SOCIAL BRASILEIRA... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .28 Heloísa Helena Silva Pancotti Luiz Geraldo do Carmo Gomes 03. NOVA PREVIDÊNCIA E O ESVAZIAMENTO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .38 Marco Aurélio Serau Junior 04. MUDANÇA DE PERSPECTIVA NA TUTELA DO DIREITO SÓCIO FUNDAMENTAL À PREVIDENCIÁRIA SOCIAL: ENTERRANDO O DISCURSO ECONÔMICO... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .48 RodrigoMonteiro Pessoa Jair Aparecido Cardoso 05. O IMPACTO DA SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL NA DINÂMICA DO REGIME DE REPARTIÇÃO SIMPLES E DE “CAPITALIZAÇÃO”... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .60 Tatiana Conceição Fiore de Almeida 06. O AMOR NOS TEMPOS DO STF... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .72 Márcia Hoffmann do Amaral Silva Turri SUMÁRIO ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA São Paulo OAB SP - 2021 Coordenador de Editoração Artur José Pavan Torres Jornalista Responsável Marili Ribeiro Coordenação de Edição Fernanda Gaeta Coordenação Científica Dra. Camila Ghizellini Carrieri Dra. Giuliana Ghizellini Carrieri Dr. José Roberto Sodero Victório Arte e Diagramação Concept & Print Bureau Fale Conosco Largo da Pólvora, 141 - Sobreloja - São Paulo SP Tel. +55 11.3346.6800 Publicação Trimestral ISSN - 2175-4462. Direitos - Periódicos. Ordem Dos Advogados do Brasil Edição 38 - Ano 2021 07. A BUSCA DA EFETIVIDADE DA PROTEÇÃO SOCIAL: DA NECESSIDADE DA INSERÇÃO DA LICENÇA PARENTAL COMO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL À IGUALDADE DE GÊNERO... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .88 Miguel Horvath Júnior Juliana de Oliveira Xavier Ribeiro 08. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA DEFESA DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .106 Luiz Gustavo Boiam Pancotti Heloísa Helena Silva Pancotti 09. A CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM PARA FINS DE APOSENTADORIA NO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .120 Alessandro Cardoso Faria Eloisa Vieira de Souza Renata Tieme Shimabukuro 10. RETROCESSO NA RESSOCIALIZAÇÃO DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA ORIUNDA DA RESTRIÇÃO DE ACESSO AO BENEFÍCIO DE AUXÍLIO RECLUSÃO CAUSADO PELA LEI 13.846/2019... . . . .130 Jesus Nagib Beschizza Feres 11. OS ENUNCIADOS DO CONSELHO DE RECURSOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL SOBRE APOSENTADORIA ESPECIAL .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .138 Adriane Bramante de Castro Ladenthin 12. A REPERCUSSÃO PREVIDENCIÁRIA DO ACIDENTE DO TRABALHO NO BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE – UMA ANÁLISE DOS IMPACTOS SOFRIDOS PELOS DEPENDENTES DO SEGURADO... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .156 Priscilla Milena Simonato de Migueli 13. PLANEJAMENTO PREVIDENCIÁRIO PÓS REFORMA PREVIDENCIÁRIA E A ADVOCACIA “FULL SERVICE”... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .166 Maura Feliciano De Araújo 14. O PAPEL DO MANDADO DE SEGURANÇA NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO... . . . . . . . . . . . .178 Alexsandro Menezes Farineli 15. A PORTARIA DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E PREVIDÊNCIA MTP Nº 620, DE 1º DE NOVEMBRO DE 2021 E REPERCUSSÕES NOS ACIDENTES COLETIVOS DE TRABALHO... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .190 José Roberto Sodero Victório 16. TRANSTORNOS DAS PERÍCIAS E A INDEFINIÇÃO DO PL 3914/20... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .202 Mônica Christye Rodrigues da Silva 17. CRIMES PREVIDENCIÁRIOS:LESIVIDADE X ADEQUAÇÃO.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .212 Ricardo Alves Bento 18. OS CÁLCULOS DA NOVA PENSÃO POR MORTE, APÓS A EC Nº 103/19... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .222 Viviane Masotti 19. INSS DIGITAL E GUICHÊ VIRTUAL... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .240 Fernanda Angeli Joseane Zanardi Camila Ghizellini Carrieri Pósfacio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .247 Camila Ghizellini Carrieri Giuliana Ghizellini Carrieri 9Revista Científica Virtual - 38ª EDIÇÃO 2021 Camila Ghizellini Carrieri1 Giuliana Ghizellini Carrieri2 Recebemos a missão de organizar e coordenar uma revista eletrônica para a Escola Superior da Advocacia da OABSP dos competentes Diretores da Escola, Dr. Fenando Fabiani Capano e Dra. Letícia de Oliveira Catani, com muita honra e cientes da grande responsabilidade que nos era confiada. A eleição do tema desta Revista Eletrônica foi quase que instantânea e não poderia ser outra: a área previdenciária, de nossa predileção, sim, mas sobretudo, pelo fato de que precisávamos homenagear a Comissão de Direito Previdenciário da OABSP – durante a gestão 2019/2021, verdadeira militante do interesse da Advocacia, em especial durante a Pandemia de Covid-19. Neste contexto, nosso projeto foi recebido de forma amorosa pelo sempre Professor Dr. José Roberto Sodero Victório, que abraçou e militou para que, em um curto espaço de tempo, tivéssemos autores e autoras valorosas, de reconhecido valor e contribuição para o Direito Previdenciário e, hoje, estamos com a revista pronta e à disposição da comunidade jurídica. 1 Advogada. Especialista em Direito da Seguridade Social e Direito Constitucional. Presidente da Comissão de Seguridade Social da OAB de Ribeirão Preto. Membro da Comissão de Direito Previdenciário da OABSP. Vice-Presidente da Comissão de Assistência Judiciária da OAB de Ribeirão Preto/SP. 2 Advogada. Especialista em Direito Penal e Direito Constitucional. Membro do Conselho Curador da ESASP - gestão 2019- 2021. Presidente da Comissão de Assistência Judiciária da OAB de Ribeirão Preto/SP. Membro da Comissão de Direito Previdenciário da OABSP. Membro da Comissão Especial de Direito de Família e Sucessões da OABSP. Membro da Comissão de Assistência Judiciária da OABSP. PREFÁCIO 10 38ª EDIÇÃO 2021 - Revista Científica Virtual Neste tópico, é importante destacar que em nenhum momento da história a advocacia previdenciária e uma comissão temática do ramo previdenciário conseguiram espaço e autonomia para realizar tanto em benefício não só da advocacia, mas em particular do beneficiário do INSS, como por exemplo, o convênio INSS DIGITAL, o Guichê Virtual entre tantas outras conquistas, e aqui cabe um agradecimento ao nosso Presidente Seccional da OABSP, Dr. Caio Augusto Silva dos Santos, que soube como ninguém selecionar a melhor representação da advocacia previdenciária, primeiramente com o Dr. José Roberto Sodero Victório e, posteriormente com a Dra. Adriane Bramante de Castro Ladenthin. Mas porque o Direito Previdenciário seria um tema tão relevante para uma revista jurídica? Sabemos que é da natureza humana garantir sua sobrevivência com o esforço do seu trabalho, assim como preocupar-se com o dia de amanhã, com o futuro incerto, considerando-se, inclusive, a eventualidade de estar incapacitadode prover sua própria existência, seja em razão de alguma doença, seja em razão do avanço da idade. E é com base nessa preocupação em garantir a nossa sobrevivência no futuro que, de forma evolutiva, alcançamos, enquanto sociedade e através da intervenção estatal, o sistema de Previdência e da Seguridade Social. Na atualidade, a Seguridade e a Previdência Sociais alcançaram uma relevância sem precedentes no cenário jurídico, social e político, em razão de três fatores determinantes e distintos: 1) a Reforma Previdenciária esculpida pela EC nº 103/2019, que trouxe uma reforma estrutural do sistema de previdência social, impondo consideráveis alterações aos benefícios, à idade mínima para se aposentar, ao tempo de contribuição necessário para a implementação do direito, ao cálculo de benefícios, estabelecendo regras de transição específicas, todas à impactar as fontes de custeio do sistema e minorar alegado déficit da Previdência; 2) a edição de novas legislações e normativas administrativas, a citar como exemplo o famoso Decreto 10.410/2020, e com a finalidade de tentar regulamentar o texto da Emenda Constitucional, mas que trazem previsões em si , suficientes a provar grandes debates jurídicos e consideráveis impactos à vida e à economia do segurado brasileiro; e 3) a pandemia mundial de COVID – 19, que asseverou as necessidades e vulnerabilidades humanas e nos convidou a modificar a nossa perspectiva e cultura de Previdência e Seguridade Sociais, haja vista que centenas de óbitos impactaram as famílias brasileiras, assim como as sequelas incapacitantes deixadas pela pandemia, impactando também a capacidade laboral, a vida e o orçamento de muitas pessoas. 11Revista Científica Virtual - 38ª EDIÇÃO 2021 Sabemos que, em um passado relativamente próximo, os advogados e a advogadas previdenciaristas eram tidos como agentes de um ramo do Direito do Trabalho, mas é certo que o ramo Previdenciário, dado a sua relevância e conteúdo próprios, se consolidou como área importante da ciência jurídica moderna, exigindo de seus operadores conhecimentos cada vez mais aprofundados e específicos. Hoje, os advogados e a advogadas previdenciaristas são solicitados cada vez pela sociedade em face da crescente demanda por benefícios e, sobretudo, para atender à “nova” demanda de planejamento de sua previdência social. É neste contexto que consideramos que a advocacia previdenciarista moderna, vocacionada à especialização, possui verdadeira missão, que hoje é, essencialmente, manter-se constantemente atualizada face às cotidianas alterações legislativas e a elaboração de novos sistemas e ferramentas de acesso à grande instituição INSS, que impactam diariamente a vida do segurado. E assim, dentro deste cenário de constantes mudanças sociais, políticas e legislativas, que este compilado de artigos, selecionados entre expoentes e renomados autores e estudiosos da área previdenciária, desenvolvido com os temas mais atuais em discussão, se torna um instrumento valioso aos operadores do Direito Previdenciário, a militar como mais uma ferramenta de atualização, aprendizado e reflexão em sua jornada na defesa dos direitos sociais fundamentais. O momento é mais do que oportuno e certamente, esta revista já é um grande sucesso e será uma referência para muitos operadores do Direito. Convidamos a todos para uma excelente leitura e aproveitamos a oportunidade para externar a nossa gratidão. 12 38ª EDIÇÃO 2021 - Revista Científica Virtual 01 A EXCLUSÃO DIGITAL E O DESAFIO DO ACESSO AOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS NO BRASIL Roberto de Carvalho Santos3 RESUMO O presente texto tem como objetivo demonstrar as dificuldades impostas pelo sistema informatizado do INSS (Meu INSS) para acesso a benefícios previdenciários em face da exclusão digital no Brasil. Assim, incialmente, será feita uma introdução sobre a realidade da exclusão digital no Brasil, demonstrando suas causas e os programas desenvolvidos e em desenvolvimento para combatê-la. Em seguida, será apresentado um histórico do acesso a benefícios previdenciários no Brasil desde o início do século XXI até o atual cenário de concessão pela plataforma do Meu INSS. Por fim, observaremos como a exclusão digital tem sido um obstáculo à obtenção de benefícios pelos segurados. PALAVRAS-CHAVE Acesso a Benefícios Previdenciários; Meu INSS; Exclusão Digital. 3 Presidente do Instituto de Estudos Previdenciários – IEPREV. Advogado especialista em Direito Previdenciário. Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 13Revista Científica Virtual - 38ª EDIÇÃO 2021 1. INTRODUÇÃO O emprego de tecnologia para prestação de serviços pela Administração Pública é fenômeno que vem ganhando bastante relevo nas últimas décadas, o que foi intensificado pela crise sanitária de 2020, ocasionada pela disseminação do vírus COVID-19. Em especial a partir da publicação do Decreto Legislativo nº 6/2020, em 20 de março de 2020, que reconheceu a ocorrência do estado de calamidade pública no país, grande parte dos serviços públicos, que já passavam pela fase de digitalização, fecharam as portas de suas agências para sua prestação quase que exclusivamente por meio eletrônico. No caso do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), no mesmo dia da promulgação do Decreto Legislativo nº 06/2020, foi emitida a Portaria nº 412, que suspendeu o atendimento presencial nas agências até o dia 30 de abril, o que foi acompanhado de outras medidas, tais como a ampliação das tarefas da autarquia que poderiam ser solicitadas por meio eletrônico (Portaria nº 123 de 13 de maio de 2020) até criação de disposição legal que limita, de forma definitiva, o atendimento presencial apenas às situações excepcionais (art. 176-A do Decreto nº 3.048/1999 – incluído pelo Decreto nº 10.410/2020). Apesar do processo de digitalização do fornecimento de serviços públicos ter se acelerado com a crise sanitária, fato é que se tratava de movimento inevitável, cujo prelúdio já era notável décadas antes. Nesse contexto, em que os serviços públicos passam a ser fornecidos por meio digital, é imperioso o debate sobre o acesso da população brasileira às ferramentas tecnológicas que proporcionam o alcance aos direitos que devem ser garantidos pela Administração Pública. Esse acesso deve ser entendido não só em termos de estrutura física, com o suprimento de aparelhos eletrônicos e rede de internet, mas também no sentido de garantir à população condições intelectuais para lidar com esses instrumentos. Em outras palavras, é necessário observar se o avanço tecnológico no fornecimento de serviços pelo governo foi acompanhado do letramento digital dos brasileiros. O presente texto tem como objeto, portanto, analisar em que medida a digitalização dos serviços públicos no Brasil tem sido um problema a partir da perspectiva da exclusão digital de grande parcela da população, com foco no acesso aos direitos previdenciários, considerando que “os beneficiários do RGPS são, em sua maioria, pessoas de baixa renda, com pouco acesso a tecnologias, algumas delas com baixíssima escolaridade, sem contar com os analfabetos funcionais”4. Para melhor compreensão do tema, inicialmente, será feita uma introdução sobre a realidade da exclusão digital no Brasil, demonstrando suas causas 4 LAZZARI, João Batista; CASTRO, Carlos Alberto Pereira; KRAVCHYCHYN, Gisele Lemos e KRAVCHYCHYN, Jefferson Luis. Prática processual previdenciária: administrativa e judicial. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. 14 38ª EDIÇÃO 2021 - Revista Científica Virtual e os programas desenvolvidos e em desenvolvimento para combatê-la. Em seguida, será apresentado um histórico do acesso a benefícios previdenciários no Brasil desde o início do século até o atual cenário de concessão pela plataforma do Meu INSS. E, por fim, observaremos como a exclusão digital tem sido um obstáculo à obtenção debenefícios pelos segurados. 2. DESIGUALDADE E EXCLUSÃO DIGITAL NO BRASIL Os anos 2000 testemunharam o surgimento da preocupação do governo brasileiro com políticas públicas e programas de inclusão digital. Essa apreensão decorre diretamente da necessidade de coordenar a integração dos objetivos econômicos e sociais previstos na Constituição em uma série de práticas de inclusão digital5. Essas práticas, por sua vez, foram acompanhadas da progressiva ampliação do uso da internet, que é hoje indispensável ao funcionamento da economia e da vida em sociedade como conhecemos. Em razão disso, em 2004, por meio da publicação da Lei nº 11.012, foi criado o Programa de Inclusão Digital, que, dentre seus objetivos, buscava promover o acesso universal à seguridade social e aumentar o acesso à informação e ao conhecimento 5 POLIDO, Fabrício Bertini Pasquot. A rota oposta de uma agenda global digital inclusiva a partir do Direito e regulação: cismas de um projeto negligenciado no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 122, jan./jun. 2021, pp. 269-322. por meio da promoção da inclusão digital, meta que só seria alcançada por meio da alfabetização digital. A alfabetização digital ou letramento digital é o “conjunto de competências e capacidades que possibilitam o uso adequado das tecnologias de informação e comunicação e a própria construção do conhecimento decorrente dessas tecnologias, incluindo a internet, sistemas de computação e redes digitais”6. Trata- se, portanto, da “(...) competência em compreender, assimilar, reelaborar e chegar a um conhecimento que permita uma ação consciente, o que encontra correspondente no letramento digital”7. Nesse sentido, não basta a simples compra de computadores para a população de baixa renda, é preciso fomentar a alfabetização tecnológica, ou seja, fornecer, em um primeiro momento, compreensão e proficiência básicas e mínimas para utilização das ferramentas tecnológicas e, em uma segunda fase, habilitar o cidadão para participar ativamente do mundo digital, compreendendo seus processos de informação e transmissão 6 POLIDO, Fabrício Bertini Pasquot. A rota oposta de uma agenda global digital inclusiva a partir do Direito e regulação: cismas de um projeto negligenciado no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 122, jan./jun. 2021, pp. 269-322. 7 SILVA, Helena et al. Inclusão digital e educação para a competência informacional: uma questão de ética e cidadania e cidadania. In: Ci. Inf, vol. 34, n. 1, 2005, p. 28-36. Disponível em: <http://www.scielo.br/ pdf/ci/v34n1/a04v34n1.pdf>. Acesso em: 18 de agosto de 2021. f. 33. 15Revista Científica Virtual - 38ª EDIÇÃO 2021 de conhecimento8. O Programa de Inclusão Digital foi acompanhado por um extenso volume de outros projetos, tais como o Projeto Cidadão Conectado-Computador para Todos (Decreto nº 5.542/05), o Programa Um Computador por Aluno (PROUCA – Lei nº 12.249/10), o Programa Telecentros.BR (Decreto nº 6.991/09), o Programa Banda Larga para as Escolas (PBLE – Decreto nº 6424/08), o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL – Decreto nº 7.175/10) e o Programa Nacional de Redes de Banda Larga de Telecomunicações (REPNBL – Lei nº 12.715/12)9. Em 23 de abril de 2014 foi aprovada a Lei nº 12.965, mais conhecida como Marco Civil da Internet, com o objetivo de estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. No que diz respeito ao dever do Poder Público em promover o letramento digital, os artigos 26 e 27 desse diploma legal assim preveem: Art. 26. O cumprimento do dever constitucional do Estado na prestação da educação, em todos os níveis de ensino, inclui a capacitação, 8 ROVER, Aires José. O governo eletrônico e a inclusão digital: duas faces da mesma moeda chamada democracia. Inclusão digital e governo eletrônico. Zaragoza: Prensas Universitárias de Zaragoza, Lefis series, v. 3, p. 9-34, 2008. Disponível em: <http://egov.ufsc.br/ portal/sites/default/files/ lefis_artigo_aires.pdf>. Acesso em: 18 de agosto de 2021. 9 POLIDO, Fabrício Bertini Pasquot. A rota oposta de uma agenda global digital inclusiva a partir do Direito e regulação: cismas de um projeto negligenciado no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 122, jan./jun. 2021, pp. 269-322. integrada a outras práticas educacionais, para o uso seguro, consciente e responsável da internet como ferramenta para o exercício da cidadania, a promoção da cultura e o desenvolvimento tecnológico. Art. 27. As iniciativas públicas de fomento à cultura digital e de promoção da internet como ferramenta social devem: I - promover a inclusão digital; II - buscar reduzir as desigualdades, sobretudo entre as diferentes regiões do País, no acesso às tecnologias da informação e comunicação e no seu uso; e III - fomentar a produção e circulação de conteúdo nacional.10 Apesar dessas louváveis iniciativas, conforme o Mapa da Inclusão Digital formulado em 2012 pela Fundação Getúlio Vargas11, ainda havia bastantes cidadãos sem acesso à rede mundial de computadores. De acordo com o documento, as três principais razões que fizeram o brasileiro não utilizar a internet nos três meses que antecederam a pesquisa foram: (i) não achava necessário 10 BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Brasília, 23 de abr. de 2014. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 18 de agosto de 2021. 11 FGV, Mapa da Inclusão Digital. São Paulo: Centro de Políticas Sociais, 2012 Disponível em: <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/ viewer.html?pdfurl=https%3A%2F%2Fbibliotecadigital. fgv.br%2Fdspace%2Fbitstream%2Fhandle%2F10438% 2F20738%2FTexto-Principal-Mapa-da-Inclusao-Digital. pdf&clen=3143208>. Acesso em 17 de agosto de 2021. 16 38ª EDIÇÃO 2021 - Revista Científica Virtual ou não quis – 33,14%; (ii) não sabia utilizar a internet – 31,45%; e (iii) não tinha acesso a microcomputador – 29,79%. Dentre esses motivos, os dois últimos, que dizem respeito diretamente à exclusão digital, são mais frequentes em capitais com piores índices de desenvolvimento econômico e social do país: São Luiz (MA), Boa Vista (RR), Teresina (PI), Natal (RN) e Rio Branco (AC). Nesse ponto, é interessante notar como a exclusão social fomenta a exclusão digital na medida em que os cidadãos marginalizados são aqueles que não tem acesso ao conhecimento e às ferramentas tecnológicas. Do mesmo modo, a exclusão digital aumenta a exclusão social, uma vez que, sem o acesso à internet, os excluídos tendem a ser ainda mais excluídos por não conseguirem acesso a serviços públicos, a notícias, a conhecimento e, o que se tornou relevante com a pandemia da COVID-19, ao mercado de trabalho, ao mercado de consumo e a serviços de saúde. No que diz respeito ao mercado de trabalho especificamente, ponto sensível quando se analisa a desigualdade social, conforme Zheng e Walsham: Em outras palavras, os vários níveis de divisão entre e dentro do trabalho digitalizado e não digitalizado sob covid-19 estão associados a rupturas mais profundas de desigualdade econômica e de classe, bem como à distribuição desigual de recursos através das fronteiras geográficas ao redor do globo e dentro das nações. Embora o trabalho remoto possa ser uma opção prontamente disponível para trabalhadores digitais durante uma crise de saúde pública, a muito celebrada “flexibilidade” e “autonomia” na economia de gig baseada em plataforma pode ser terrivelmente frágil sob graves perturbações no mercado e na economia.12 O mesmo pode ser dito do acesso à educação, uma vez que a capacidade dos alunos de se beneficiarem do ensino à distância pode ser desigual devido às desigualdades relativasao acesso à Internet e aos equipamentos eletrônicos, bem como à capacidade dos pais para apoiar os filhos e à forma distinta que escolas públicas e escolas privadas foram capazes de lidar com a migração do ensino para o computador durante a pandemia13. A alfabetização digital e o acesso às ferramentas tecnológicas são, nesse contexto, imprescindíveis para a inclusão do indivíduo na sociedade, seja para ter acesso ao mercado de trabalho, seja para conseguir a devida prestação de seus 12 No original em inglês: “In other words, the multiple levels of division between and within digitalised and non- digitalised work under covid-19 are associated with deeper ruptures of class and economic inequality as well as the uneven distribution of resources across geographical boundaries around the globe and within nations. While remote working may be a readily available option for digital workers during a public health crisis, the much celebrated ‘flexibility’ and ‘autonomy’ in the platform-based gig economy could be terribly fragile under severe disruptions in the market and economy” In: ZHENG, Yingqin; WALSHAM, Geoff. Inequality of what? An intersectional approach to digital inequality under Covid-19. Information and Organization, v. 31, n. 1, 100341, 2021. f. 3. 13 UNCTAD. The COVID-19 Crisis: accentuating the need to bridge digital divides. Abril, 2020. 17Revista Científica Virtual - 38ª EDIÇÃO 2021 direitos pelo Poder Público. Atualmente vigora no país a Estratégia E-Digital, instituída pelo Decreto nº 9.319, em 21 de março de 2018, que, segundo Polido, diferentemente do Programa de Inclusão Digital de 2004, “ficam para trás em uma série de objetivos de inclusão digital relacionados, que seriam essenciais para uma transformação digital generalizada”14. Devido ao progressivo aumento da dependência da economia à tecnologia, isso se torna preocupante, sobretudo com a pandemia do COVID-19. Apesar da exclusão digital não ser o único motivo, certamente é fator que em muito influencia no atual índice de desemprego no país, que no primeiro trimestre de 2021 ficou em 14,7%, segundo o IBGE15, maior percentagem desde o início das medições do instituto em 2012. Ademais, a falta de iniciativas para promoção do letramento digital e acesso a ferramentas tecnológicas, sobretudo durante a pandemia, indubitavelmente terá reflexos na desigualdade do ensino público e particular no país. No acesso aos serviços públicos a situação não é diferente. Em 11 de 14 POLIDO, Fabrício Bertini Pasquot. A rota oposta de uma agenda global digital inclusiva a partir do Direito e regulação: cismas de um projeto negligenciado no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 122, jan./jun. 2021, pp. 269-322. 15 BRASIL. Desemprego. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em: <https:// www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php>. Acesso em: 18 de agosto de 2021. abril de 2019, foi publicado o Decreto nº 9.756, instituindo o portal “gov.br”, que unificava, no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo federal, a prestação dos serviços públicos sob um cadastro único do cidadão. Hoje, sobretudo com a pandemia do COVID-19, que forçou o fechamento físico dos estabelecimentos do Poder Público, para se ter acesso a determinado direito, o “gov.br” é, muitas vezes, a única alternativa, como se verá adiante no caso do INSS, o que é de extrema preocupação à luz da exclusão digital brasileira. 3. HISTÓRICO DO ACESSO A BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS NO BRASIL O Brasil só passou a ter verdadeiras regras de caráter geral em matéria de previdência apenas no século XX. Em períodos anteriores, apesar de previsão constitucional, apenas alguns diplomas normativos ofereciam algum tipo de proteção ao trabalhador de forma isolada. A doutrina majoritária considera como marco inicial da Previdência Social no país a edição da Lei Eloy Chaves em 1923 (Decreto Legislativo nº 4.682), que criou as Caixas de Aposentadoria e Pensões nas empresas de estrada de ferro16. 16 LAZZARI, João Batista e CASTRO, Carlos Alberto de. Manual de Direito Previdenciário. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. 18 38ª EDIÇÃO 2021 - Revista Científica Virtual A partir de então, surgiram várias outras caixas de pensão e aposentadoria, cada qual vinculada a um determinado ramo de atividade. A padronização da concessão de benefícios só foi acontecer em 1949, com a publicação do Regulamento Geral das Caixas de Aposentadorias e Pensão (Decreto nº 26.778/49), já a padronização normativa para o amparo dos segurados só foi ocorrer em 1960, com a aprovação da Lei nº 3.807, denominada Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS)17. Naquele momento, os organismos previdenciários ainda estavam descentralizados, o que só foi mudar com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS – Decreto-lei nº 72/66). Todavia, o INPS ainda não oferecia proteção social ao trabalhador rural e ao trabalhador doméstico, que só passaram a ter algum tipo de salvaguarda com a Lei Complementar nº 11/1971 (criação do FUNRURAL) e Lei nº 5.859/1976, respectivamente18. A Constituição de 1988 foi a responsável por unificar todo o sistema, criando o atual Regime Geral de Previdência Social, excluindo apenas os trabalhadores que fossem regidos por sistema próprio de previdência, tais como servidores públicos e militares, e os brasileiros que não contribuem para nenhum regime por 17 IBRAIM, Fábio Zambite. Curso de Direito Previdenciário. 25 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2020. 18 LAZZARI, João Batista e CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de Direito Previdenciário. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. não exercerem atividade laborativa, como por exemplo as crianças19. Em 1990 foi criado o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal que passou a coordenar as funções de concessão de benefícios e arrecadação previdenciários, tendo esta última função sido transferida para a Secretaria da Receita Federal em 2007 (Lei nº 11.457). No ano seguinte, foram aprovadas as Leis nº 8.212 e nº 8.213, que tratam do custeio e dos benefícios da previdência social20. Ainda que a Previdência Social tenha sofrido algumas reformas constitucionais consideráveis (EC nº 20/98, EC nº 41/03, EC nº 47/05 e EC nº 103/19), a estrutura de concessão de benefícios permaneceu a mesma, feita por meio do INSS. No final da década de 1990 e primeiros anos da de 2000, a previdência social brasileira passou a enfrentar passou a enfrentar um grande problema no que diz respeito ao atendimento do cidadão nas agências do INSS. Conforme relatório produzido pelo Dataprev21, de cada 10 pessoas que procuravam uma Agência da Previdência Social no país, sete voltavam para casa sem sequer obter as informações 19 LAZZARI, João Batista e CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Direito Previdenciário. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense; MÉTODO, 2021. 20 LAZZARI, João Batista e CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de Direito Previdenciário. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. 21 EMPRESA DE TECNOLOGIA E INFORMAÇÕES DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. A virada da previdência social: como acabaram as filas nas portas das agências. 1. ed. Brasília: DATAPREV, 2013. 19Revista Científica Virtual - 38ª EDIÇÃO 2021 básicas de que precisavam. Era urgente que se pensasse em estratégias para a humanização dos serviços prestados à população brasileira, o que veio a ser implementado, dentre outras medidas, com a criação da Central de Atendimento 135, parte do Projeto de Gestão do Atendimento (PGA). A partir da criação do telecentro, aliada a abertura da possibilidade de agendamento eletrônico do atendimento presencial (Sistema de Agendamento Eletrônico – SAE), mais pessoas puderam ser atendidas em um menor intervalo de tempo, dandofim às enormes filas que, no início dos anos 2000 estampavam os noticiários. Segundo o relatório do Dataprev, uma pesquisa realizada pelo INSS em 2008 mostrou que 80% das pessoas, que ligavam para o 135, queriam apenas informações22, demanda legítima da população, mas que, muitas vezes, na rotina das agências, representava um entrave para o atendimento e concessão de benefícios àqueles que precisavam. A partir do fim da primeira década dos anos 2000, percebeu-se a necessidade de investir em tecnologia com o objetivo de agilizar ainda mais os processos de trabalho do INSS. Nesse contexto, foi publicada a Lei Complementar nº 128, de 19 de dezembro de 2008 que, além de outras medidas, modificava o art. 29-A 22 EMPRESA DE TECNOLOGIA E INFORMAÇÕES DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. A virada da previdência social: como acabaram as filas nas portas das agências. 1. ed. Brasília: DATAPREV, 2013. da Lei nº 8.213/91 (Lei de Benefícios)23, ampliando a base de dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS)24, o que auxiliava na aferição dos dados dos segurados, evitando solicitação de diligências desnecessárias pelo INSS. Esse processo de digitalização, como já tratado, seguiu a tendência mundial na busca do uso da tecnologia em todos os aspectos da vida em sociedade. Com os avanços da tecnologia, novas oportunidades para seu uso foram criadas, com novos desafios a serem enfrentados25. Em 11 de novembro de 2011 foi instituído o processo eletrônico no âmbito do INSS, por meio da Resolução nº 166/PRES/INSS, o que demonstrava essa preocupação com a necessidade de adaptar as instituições a esse novo contexto digital. 23 Art. 29-A. O INSS utilizará as informações constantes no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS sobre os vínculos e as remunerações dos segurados, para fins de cálculo do salário-de-benefício, comprovação de filiação ao Regime Geral de Previdência Social, tempo de contribuição e relação de emprego. In: BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Brasília, 24 de jul. de 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 20 de agosto de 2021. 24 O CNIS é um banco de dados do governo federal criada em 1989 pelo Decreto 97.936, que armazena as informações dos trabalhadores brasileiros necessárias para garantir seus direitos trabalhistas e previdenciários. No cadastro constam dados relativos a vínculos, remunerações e contribuições do trabalhador, que servem como prova da filiação à previdência social e permitem a apuração do direito a benefícios e seu valor. In: LAZZARI, João Batista; CASTRO, Carlos Alberto Pereira; KRAVCHYCHYN, Gisele Lemos e KRAVCHYCHYN, Jefferson Luis. Prática processual previdenciária. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. 25 FILGUEIRAS, Fernando; ALMEIDA, Virgílio. Governance for the digital world: neither more state nor more market. Palgrave Macmillan, 2021. (Ch. 4: Governance for digital technologies, p. 75-104). 20 38ª EDIÇÃO 2021 - Revista Científica Virtual A crescente busca pela automatização dos processos culminou na criação do Meu INSS, a partir da Instrução Normativa nº 96/PRES/INSS, em 14 de maio de 2018. Trata-se de plataforma digital, vinculada ao sistema gov.br, que permite ao segurado e o INSS acessar informações sociais, bem como efetuar requerimentos, agendar perícias, realizar simulações, dentre outras funcionalidades que ao logo do tempo estão sendo inseridas na plataforma. Influenciado pelo domínio do capitalismo de vigilância, o governo brasileiro tornou-se cada vez mais dependente de entidades comerciais: a internet e as companhia de telefone, para promover os direitos básicos de seus cidadãos, em especial os previdenciários. Apesar de antes já possuir domínio dos dados dos cidadãos, a forma como isso se expandiu pelo uso da tecnologia, alterou totalmente a dinâmica do atendimento à população pelo governo26. A pandemia do COVID-19 intensificou ainda mais a necessidade de se buscar alternativas tecnológicas para o serviço público. Com o isolamento social, o atendimento presencial nas agências foi suspenso, tendo o Meu INSS se tornado o principal meio para requerimento de benefícios. 4. ACESSO A BENEFÍCIOS 26 LYON, David. The culture of surveillance: Watching as a way of life. John Wiley & Sons, 2018 (Introduction: Surveillance Culture Takes Shape, p. 9-34). PREVIDENCIÁRIOS E A EXCLUSÃO DIGITAL As instituições estão em constante transformação e mudança, se adaptando a novos contextos e promovendo mudanças de paradigmas pela introdução de novos procedimentos. Essa transformação, seja ela por acidente, evolução ou intenção, requer a observância de vários fatores e resiliência para decifrar os novos problemas e se adaptar a novas soluções. Nesse sentido, no mundo digital: “O grande desafio para a governança do mundo digital é criar uma nova ordem. Ou seja, o mundo digital precisa ser regido por uma nova gramática, com atributos para se adaptar e produzir para um mundo novo e complexo.”27 A pandemia da COVID-19 impôs ao mundo o desafio do isolamento social, o que representou a necessidade de se buscar alternativas digitais para a transposição das atividades presenciais para o meio virtual. Diante de desafio, o INSS permitiu a expansão das funcionalidades do atendimento da central 135, por meio da Portaria nº 123 (13 de maio de 2020), permitindo que os atendentes abrissem tarefas no Meu INSS dos segurados para solucionar eventuais pendências. Todavia, esse atendimento 27 Tradução minha. No original: “The big challenge for governance of the digital world is to create a new order. In other words, the digital world needs to be governed in a new grammar, with attributes to adapt and produce in order for a complex and new world.” In: FILGUEIRAS, Fernando; ALMEIDA, Virgílio. Governance for the digital world: neither more state nor more market. Palgrave Macmillan, 2021. (Ch. 4: Governance for digital technologies, p. 75-104). 21Revista Científica Virtual - 38ª EDIÇÃO 2021 pressupõe que o segurado tenha acesso a computador, rede banda larga e alguma ferramenta que lhe possibilite a digitalização de documentos. Ademais, subentende que o cidadão será capaz de compreender o sistema do Meu INSS e executar as tarefas necessárias para solucionar, sozinho, seu problema. A tendência pela busca de ferramentas tecnológicas ficou ainda mais forte a partir da publicação do Decreto 10.410, em 30 de junho de 2020, que acrescentou ao Decreto 3.048/99, o art. 176-A, com a seguinte redação: Art. 176-A. O requerimento de benefícios e de serviços administrados pelo INSS será formulado por meio de canais de atendimento eletrônico, observados os procedimentos previstos em ato do INSS. § 1º O requerimento formulado será processado em meio eletrônico em todas as fases do processo administrativo, ressalvados os atos que exijam a presença do requerente. § 2º Excepcionalmente, caso o requerente não disponha de meios adequados para apresentação da solicitação pelos canais de atendimento eletrônico, o requerimento e o agendamento de serviços poderão ser feitos presencialmente nas Agências da Previdência Social.28 28 Grifo meu. BRASIL. Decreto 3.048, de 6 de maio de 1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto. Depreende-se do dispositivo supracitado que, em caráter permanente, os meios eletrônicos serão o canal principal dos segurados para o requerimento de benefícios, sendo aceito o atendimento presencial apenas na hipótese de atos que exijam a presença do requerente ou quando o segurado não possui meios para o atendimento eletrônico. Todavia, em função dessa presunção de acesso a meios digitais, não há qualquer informação sobre como o segurado poderá agendar um atendimentopresencial. Na prática, isso tem se tornado quase impossível. Há, assim, uma crescente rigidez no âmbito do INSS, que, em prol da celeridade dos processos administrativos, que desconsidera o direito fundamental dos segurados ao acesso aos benefícios previdenciários. Ademais, é necessário fazer algumas ponderações acerca da transparência do algoritmo que orienta o sistema do Meu INSS. Transparência é o elemento por meio do qual os cidadãos podem tomar conhecimento acerca do modo como os sistemas de decisão fazem escolhas que afetam suas vidas29. É por meio dessa compreensão que é possível responsabilizar os coordenadores dos gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm. Acesso em: 23 de agosto de 2021. 29 FILGUEIRAS, Fernando; ALMEIDA, Virgílio. Governance for the digital world: neither more state nor more market. Palgrave Macmillan, 2021. (Ch. 4: Governance for digital technologies, p. 75-104). 22 38ª EDIÇÃO 2021 - Revista Científica Virtual sistemas para que sejam aprimorados. Ao se analisar o Meu INSS e os diplomas normativos que o regem, observam-se enormes problemas que atingem não só o segurado ordinário, mas que trazem dificuldades até mesmo aos advogados previdenciaristas, que, em tese, estão mais bem preparados para lidar com esse sistema. Exemplo disso é a Portaria DIRBEN/ INSS nº 902, de 23 de junho de 2021, que disciplina e a rotina de tratamento prévio de tarefas de reconhecimento inicial de direitos, que é feita exclusivamente por inteligência artificial. Esse diploma normativo é responsável pelo indeferimento de inúmeros requerimentos administrativos e não está disponível em nenhum canal oficial do governo. A única forma de ter acesso à portaria é pagando a assinatura do sítio eletrônico de um servidor da autarquia previdenciária. Outra forma de ilustrar esse cenário hostil é observando-se as próprias mudanças institucionais dentro do INSS e, em consequência, do sistema do Meu INSS. A todo o tempo o governo cria e extingue secretarias dentro da autarquia, desloca funcionários de outros setores para tentar lidar com o déficit de servidores sem qualquer treinamento, aumenta ou diminui competências da autarquia e, como ocorreu nas últimas semanas recria o Ministério do Trabalho e da Previdência através de medida provisória. A desorganização institucional é extremamente confusa e frágil, o que provoca reflexos dentro das ferramentas do INSS, tal como o Meu INSS. Não é incomum, por exemplo, lidar com a instabilidade do sistema ou com mudanças na interface e nomenclatura de opções de serviço. Como exemplo, temos o ícone de acesso ao CNIS, que antes possuía o título de “Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS)”, depois passou a ser chamado de “Extrato de Contribuições” e, atualmente, é nomeado de “Extrato de Contribuições (CNIS)”. Essa realidade se agrava principalmente ao pensarmos na população que mais depende do INSS, pois, se advogados tem dificuldade para entender essas contínuas mudanças organizacionais, quem dirá pessoas de baixa renda e idosos, com pouco acesso a tecnologias, com baixa escolaridade e, em sua grande parte, analfabetos funcionais e/ou digitais. A tecnologia atende a uma análise exclusivamente matemática de eficiência, o que nem sempre converge com as necessidades do público que mais depende do INSS: “muito comumente os segurados e dependentes são hipossuficientes, não apenas do ponto de vista financeiro, mas igualmente nos aspectos informacionais e culturais, com idade elevada, baixo grau de instrução e por vezes dificuldades de compreensão dos itens da vida moderna”30. Ainda que a autarquia previdenciária 30 SERAU JÚNIOR, Marco Aurélio. Operação pente-fino e minirreforma previdência: Lei 13.846/2019. Porto Alegre: Paixão, 2019. f. 132-133. 23Revista Científica Virtual - 38ª EDIÇÃO 2021 tenha firmado acordos de colaboração para ampliar o acesso dos segurados mais vulneráveis aos benefícios, tais como o INSS Digital (parceria OAB-INSS), esses acordos não são de amplo conhecimento da população e, mesmo que fossem, não seriam capazes de atender a todos que precisam. Há, nesse sentido, uma progressiva privatização do serviço informacional do INSS, que fica a cargo dos advogados, quando e se consultados. Além disso, o INSS Digital acentua ainda mais as desigualdades regionais de acesso digital, pois depende de convênios individuais com cada uma das seções estaduais da OAB, o que, na prática, significa que estados como São Paulo e Minas Gerais tem acesso uma gama de serviços maior do que estados com menor índice de desenvolvimento. Por fim, destaca-se que a plataforma do Meu INSS foi implantada e tem sido ampliada sem qualquer campanha governamental que informe a população de suas funcionalidades. O que se percebe são apenas eventuais propagandas que apenas indicam, de forma tímida, a existência da plataforma. Diante desse cenário, é possível perceber que o INSS caminha por um ambiente cada vez mais inacessível para grande parcela da população, sobretudo considerando o enorme abismo que o iletramento digital impõe ao público da autarquia previdenciária. Não se propõe, por óbvio, que o INSS deixe de usar a tecnologia na análise de benefícios. Há que se reconhecer que o sistema Meu INSS se provou bastante eficaz para vários casos, sobretudo com em virtude do número de requerimentos administrativos, a imposição de isolamento social na pandemia do COVID-19 e o consequente aumento na demanda por auxílio-doença. Todavia, é necessário um olhar crítico sobre como essa plataforma tem sido utilizada e seus reflexos na vida de milhares de brasileiros que, além de muitas vezes terem acesso precário à internet, não possuem conhecimento técnico suficiente para avaliar se o sistema está analisando seu caso sob a melhor ótica legal. A implementação dos deveres e direitos políticos, civis e sociais dependem do livre acesso à informação sobre esses deveres e direitos. Em outras palavras, dependem da ampla disseminação e circulação da informação, que possibilite um processo comunicativo de discussão crítica sobre a forma como os problemas em torno da implementação desses deveres e direitos devem ser solucionados para a construção de uma sociedade mais justa e, portanto, com maiores oportunidades para todos os cidadãos31. Trata-se de direito fundamental do cidadão, definido no inciso XXXIII do art. 5º da Constituição: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, 31 SILVA, Helena et al. Inclusão digital e educação para a competência informacional: uma questão de ética e cidadania e cidadania. In: Ci. Inf, vol. 34, n. 1, 2005, p. 28-36. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ ci/v34n1/a04v34n1.pdf>. Acesso em: 18 de agosto de 2021. 24 38ª EDIÇÃO 2021 - Revista Científica Virtual ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”32. Em um país com índices de desigualdade social e digital tão acentuadas, como demonstrado anteriormente, é imprescindível que o Meu INSS seja pensado não como a ferramenta principal de concessão de benefícios, mas sim como uma alternativa, pelo menos até que se promovam inciativas no sentido de fornecer aos segurados meios materiais e intelectuais para que efetivamente utilizem o sistema para o seu melhor interesse. 5. CONCLUSÃO A partir desse artigo, pretendeu-se analisar como a exclusão digital no Brasil tem interferido no acesso a benefícios previdenciários pelo sistema informatizado do INSS (MeuINSS). Em uma primeira análise, foi feito um estudo acerca dos programas para o fomento do letramento digital, bem como o fornecimento de ferramentas tecnológicas à população e os deveres legais do Estado para combater a exclusão digital. Demonstrou-se queas iniciativas atuais do governo estão aquém das necessidades dos brasileiros. Em seguida, examinou-se o histórico do 32 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05.10.1988. Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao>. Acesso em: 26 de agosto de 2021. acesso a benefícios previdenciários no Brasil, demonstrando como as ferramentas tecnológicas auxiliaram a combater as enormes filas das agências do INSS. Por fim, foi explorado o funcionamento do Meu INSS e as dificuldades que os excluídos digitais enfrentam na concessão de benefícios previdenciários, levando em conta que, a partir da publicação do Decreto nº 10.410/2020, os atendimentos presenciais se tornaram uma exceção. Não se discute aqui os evidentes benefícios que a tecnologia pode trazer à Administração Pública na prestação de serviços à população, principalmente tendo-se em vista o isolamento que a pandemia do COVID-19 impôs a todos. Todavia, o uso de ferramentas tecnológicas deve ser pensado em uma perspectiva que permita o efetivo acesso do cidadão a seus direitos. No caso dos benefícios previdenciários, que por sua natureza são concedidos a pessoas comumente hipossuficientes – inválidos e idosos –, a digitalização dos serviços do INSS deve ser ainda mais cautelosa no que diz respeito à exclusão digital, a fim de que esta não produza maiores impactos na exclusão social, por impedir o acesso a direitos básicos do cidadão. R E FE R Ê N C IA S B IB LI O G R Á FI C A S 25Revista Científica Virtual - 38ª EDIÇÃO 2021 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05.10.1988. Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao>. Acesso em: 26 de agosto de 2021. BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Brasília, 23 de abr. de 2014. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 18 de agosto de 2021. BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Brasília, 24 de jul. de 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 20 de agosto de 2021. BRASIL. Decreto 3.048, de 6 de maio de 1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências. Disponível em http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm. Acesso em: 23 de agosto de 2021. BRASIL. Desemprego. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego. php>. Acesso em: 18 de agosto de 2021. EMPRESA DE TECNOLOGIA E INFORMAÇÕES DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. A virada da previdência social: como acabaram as filas nas portas das agências. 1. ed. Brasília: DATAPREV, 2013. FILGUEIRAS, Fernando; ALMEIDA, Virgílio. Governance for the digital world: neither more state nor more market. Palgrave Macmillan, 2021. (Ch. 4: Governance for digital technologies, p. 75-104). 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The culture of surveillance: Watching as a way of life. John Wiley & Sons, 2018 (Introduction: Surveillance Culture Takes Shape, p. 9-34). UNCTAD. The COVID-19 Crisis: accentuating the need to bridge digital divides. Abril, 2020. POLIDO, Fabrício Bertini Pasquot. A rota oposta de uma agenda global digital inclusiva a partir do Direito e regulação: cismas de um projeto negligenciado no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 122, jan./jun. 2021, pp. 269-322. ROVER, Aires José. O governo eletrônico e a inclusão digital: duas faces da mesma moeda chamada democracia. Inclusão digital e governo eletrônico. Zaragoza: Prensas Universitárias de Zaragoza, Lefis series, v. 3, p. 9-34, 2008. Disponível em: <http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/ lefis_artigo_ aires.pdf>. Acesso em: 18 de agosto de 2021. SERAU JÚNIOR, Marco Aurélio. Operação pente-fino e minirreforma previdência: Lei 13.846/2019. Porto Alegre: Paixão, 2019. SILVA, Helena et al. 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No âmbito do texto, propõe-se analisar como as estruturas de biopoder atuam recolhendo contribuições das classes sociais economicamente mais vulneráveis para sustentar os benefícios das classes mais abastadas. Para tanto será utilizada uma pesquisa realizada na cidade de São Paulo pela Rede Nossa São Paulo, que é realizada desde 2012 e traz dados sobre os 96 distritos da cidade de São Paulo, abordando indicadores de várias áreas da administração pública com base em dados oficiais publicados anualmente. Ao final, os indicadores serão contrapostos aos dados de renda, expectativa de vida, tomando por base o de melhores e piores índices para que se observe em quais distritos os indivíduos contribuem mais, por mais tempo e quais conseguem acesso e por quanto tempo aos benefícios, dividindo os indivíduos em razão da identidade de gênero. PALAVRAS-CHAVE Solidariedade, Universalidade, Direito Previdenciário, Vulnerabilidades. 33 Mestre- UNIVEM. Doutorado em andamento UENP- Universidade Estadual do Norte do Paraná. Diretora Científica do IEPREV- Instituto de Estudos Previdenciários. Parecerista da Revista Científica da DPU. Conselheira Editorial da Revista de Prática Previdenciária da Editora Paixão. Autora de Livros, Capítulos de Livros e Artigos Científicos. 34 Doutor em Função Social do Direito, Mestre em Ciências Jurídicas. Post-doctorarte training no programa de LLM in Laws da School of Law na University of Limerick. Visiting Lecturer da School of Law da University of Limerick (Irlanda). Foi pesquisador visitante do Dipartimento di Scienze Giuridiche da Università di Bologna (Itália) e do Dipartimento Giurisprudenza da Università degli Studi di Siena (Itália). Segundo vice presidente da comissão de assuntos acadêmicos do IBDFAM- Instituto Brasileiro de Direito de Família e membro do IDB- Instituto de Direito e Bioética. Autor de diversos artigos e capítulos de livros. 29Revista Científica Virtual - 38ª EDIÇÃO 2021 1. INTRODUÇÃOO Direito Previdenciário é um direito social fundamental, tem status constitucional e consta de vários tratados internacionais de direitos humanos em que o Brasil figura como signatário, incorporando-se ao sistema legislativo nacional com status de norma constitucional à partir de 1.988 por força do exposto no artigo 5º § 2º da CRFB que dispõe que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros direitos decorrentes dos tratados internacionais. É de suma importância na proteção de seus segurados e beneficiários em momentos de vicissitudes que possam impedir a manutenção do sustento e vincula de maneira obrigatória todos que percebem renda em razão de atividade laborativa. É cediço afirmar que incide sobre toda forma de renda obtida em razão da própria força do trabalho e tem natureza parafiscal. A maioria destes sistemas mescla inspirações no modelo alemão bismarquiano, que é mais primitivo, não universal e com menor rol protetivo e no modelo inglês, que visa a universalidade de atendimento, financiado por meio de impostos arrecadados de toda a sociedade.35 Quando as discussões acerca da reforma da previdência começaram a ganhar corpo na agenda política brasileira, trazia premissas discutíveis como a instabilidade financeira do sistema que 35 IBRAHIM, Fábio Zambite. 2020, p. 50. se dizia deficitário, muito embora não faltassem dados empíricos que revelassem o contrário36. Da mesma forma, o principal foco era o abandono total do modelo beveridgeano solidário, para a adoção do modelo capitalizado bismarquiano e com coberturas limitadas. Esta foi a principal pedra de toque do plano reformista e o ponto em que não houve possibilidade de aprovação. Contudo, muito embora a solidariedade e a universalidade de cobertura e atendimento sejam princípios basilares que sustentam nosso sistema de previdência social, ao menos na teoria, se analisado pela perspectiva foucaultiana, é possível perceber que se trata de um modelo que perpetua as desigualdades sociais e de gênero, é mais eficiente quanto mais alta a classe dos segurados e é incapaz de oferecer proteção à toda sociedade, desconectando-se dos princípios aos quais deveria se ancorar. No primeiro capítulo, analisaremos os princípios da universalidade de cobertura e atendimento e da solidariedade ante os marcadores sociais revelados pelo Mapa da Desigualdade produzido na cidade de São Paulo, maior cidade do país, que oferece um microcosmos de amostragem suficiente para reproduzir formas de atuação em todo território nacional, em razão da diversidade de gênero, etnia e sócio econômica presentes. No segundo capítulo, serão contrapostas as regras de acesso aos benefícios pós reforma, que vinculam 36 MÜLLER, Piatã. 2016. 30 38ª EDIÇÃO 2021 - Revista Científica Virtual idade, tempo contributivo, capacidade de recolhimento em valores e em prazo suficientes, fidelidade contributiva, aos marcadores de renda, gênero, raça e distrito da cidade, o que oferecerá um panorama acerca da possibilidade de acesso aos benefícios e tempo de fruição. No terceiro capítulo, passaremos a abordar os resultados obtidos no primeiro e segundo capítulo aos dados de expectativa de vida, empregabilidade e adequação legal das pessoas trans- assim consideradas as pessoas transexuais e travestis- bem como à população intersexo. Ao final, pretende-se comprovar que a estruturação do modelo de seguridade social não é capaz de atender à sua finalidade de proteção ante a vulnerabilidade social ocasionada pela perda da renda e capacidade de prover o próprio sustento, assim como tem sido transformada, por meio das reformas legislativas, de maneira a servir como eficiente arrecadador das fontes de custeio nas camadas mais vulneráveis que, contudo, tem menores chances de acessar os benefícios e quando o fazem, se dá por tempo menor. 2. O MITO DA SOLIDARIEDADE E DA UNIVERSALIDADE DE COBERTURA E ATENDIMENTO O primeiro princípio que se tem contato ao dedicar-se ao estudo do direito previdenciário é o da solidariedade. Previsto no artigo 3º, I da CFRB, deveria refletir os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil que prevê a construção de uma sociedade livre justa e solidária, comprometida com a erradicação da pobreza, marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, assim como a promoção do bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Para tanto, delineou-se que o sistema de seguridade social do qual a previdência social faz parte, seria financiado por meio de uma ampla e diversificada fonte de custeio, que dentre outras rubricas, arrecadaria contribuições sociais, escalonadas de forma diferentes de acordo com a espécie de segurados e as faixas distintas de contribuição. Com isso, acreditava-se buscar uma equidade na forma de participação e custeio. Contudo as faixas progressivas somente são aplicáveis aos trabalhadores formais, domésticos e avulsos (aqueles que geralmente trabalham mediante a intermediação de entidades sindicais ou órgãos gestores de mão de obra). 37 Num cenário de amplo desemprego, os informais (que podem ser enquadrados como contribuintes individuais e os facultativos (que não exercem atividade remunerada) se sujeitam ainda às regras antigas de tributação que preveem alíquotas fixas de 20% para o plano completo, 11% ´para o plano simplificado e 5% para o facultativo de baixa renda.38 37 Lei 8.212/91, artigo 20. 38 Lei 8.212/91, artigo 21. 31Revista Científica Virtual - 38ª EDIÇÃO 2021 Sobre o plano relativo aos facultativos de baixa renda, é importante salientar que a necessidade de validação das contribuições periodicamente, burocratiza e inviabiliza o acesso aos benefícios, criando um limbo protetivo e consequente judicialização de demandas, já que as regras para pagamento de contribuições em atraso trazidas na EC 103/2019, ai incluídas as relativas ao desenquadramento do contribuinte na condição de baixa renda. Uma outra observação é de suma importância para que se compreenda como a solidariedade atua de forma perversa quanto mais vulnerável o segurado, é que os benefícios previdenciários somente são acessíveis ao rol de segurados e seus dependentes. Quanto menor a renda e maior a informalidade do trabalho desempenhado, menores as chances de manter-se segurado dado que no desenho legislativo atual, com o advento do Decreto nº 10.410/20 que alterou substancialmente o Decreto n º 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social), somente são consideradas as contribuições realizadas pontualmente e em valor suficiente para fins de manutenção da qualidade de segurado. Da mesma forma, o beneficiário do auxílio acidente não mais mantém a qualidade de segurado em razão da percepção deste benefício, que é devido em caso de perda parcial da capacidade laborativa, sendo pago até o momento da aposentadoria. Ocorre que o benefício tem valor reduzido, caráter indenizatório, não sendo suficiente para subsistência. Convém aqui fazer um aparte, dada a interdisciplinaridade proposta neste ensaio, salientar que verbas que possuem natureza indenizatória não são tributáveis, contudo, o legislador previdenciário notabilizou-se por colocar o segurado diante de uma escolha diabólica: ou contribui em razão da renda oriunda deste benefício, ou aceita a perda da qualidade de segurado, que o tornará inapto à percepção dos demais benefícios previdenciários. É possível perceber, pensando numa sociedade estratificada por renda, que quanto maior a estabilidade, renda e longevidade, mais apto está o segurado a fruir dos benefícios previdenciários e com maior tempo de gozo. Contrário senso, quanto menor a estabilidade empregatícia, a informalidade e a renda, menores são as chances de acesso ao rol de benefícios. Como tudo que envolve o Brasil, dadas as peculiaridades advindasda imensa desigualdade social e heterogeneidade da distribuição de renda, há um complicador de suma importância, nesta correlação contributiva. Desde que se instalou a instabilidade democrática nos idos de 2015/2016, a normatização das relações de trabalho sofreu imensa flexibilização e com a instabilidade econômica e muitos trabalhadores migraram do trabalho celetista ou regulado, para o trabalho precário ou uberizado. 32 38ª EDIÇÃO 2021 - Revista Científica Virtual Além dos trabalhos para aplicativos, os trabalhadores intermitentes, herança maldita da Reforma Trabalhista, passaram a pertencer à classe dos que, apesar de pertencer a uma categoria de trabalhador formal, percebe intervalos que podem durar até meses em sua jornada de trabalho. Deveria ser utilizada somente por empresas que exercem atividades sazonais, contudo, disseminou-se pelo país. Quatro anos após a Reforma Trabalhista, o emprego informal aumentou, assim como o desemprego e os índices de trabalho formal continuam a despencar. Houve a desmobilização dos sindicatos pelo sufocamento de seus recursos e a economia nacional se debela, em razão do desparecimento da circulação do dinheiro. O Mapa da Desigualdade reflete esse cenário e é possível alcançar essa dinâmica pela verificação dos dados colhidos ano a ano. A população mais vulnerável vive em bairros mais densamente populados, de maioria feminina, preta ou parda, com menos oferta de emprego formal à população economicamente ativa (290 vezes menor que a média paulista), recebendo remunerações 3,8 vezes menor que a média paulista (R$ 7.620,00 em São Domingos e R$ 1.990,00 em Cidade Líder). O acesso ao transporte em massa é 194 vezes menor, o acesso à internet móvel e 2.513 vezes, as ocorrências de violência contra a mulher são 15 vezes maiores, contra a população LGBTQIAP+ é 56 vezes maior, A violência racial é 57 vezes maior, a taxa de homicídio de jovens é 24 vezes maior, a idade média ao morrer é absurdamente desigual (80,9 anos no Alto de Pinheiros e 58,3 anos em Cidade Tiradentes).39 Os casos de gravidez na adolescência são 60 vezes maiores em Marsilac com relação a Moema, bairro onde há a menor incidência de casos.40 No próximo capítulo, observaremos de que forma, essas diferenças abissais vão impactar a cobertura previdenciária dos segurados. 3. IMPACTOS DA DESIGUALDADE NA COBERTURA PREVIDENCIÁRIA. Em primeiro lugar, para fins didáticos e metodológicos, cumpre esclarecer que no âmbito deste ensaio, apenas trataremos das regras transitórias relacionadas à Reforma da Previdência, posto que a menção a regras de transição, que são várias, levaria à superação dos limites de espaço do trabalho. Adolescentes grávidas não possuem proteção previdenciária, por decorrência não perceberão auxílio maternidade, a menos que contribuam na condição de facultativo, o que é impensável para a população de baixa renda. Da mesma forma, as chances de que esteja exercendo atividade remunerada ou possua emprego são remotas. 39 Rede Nossa São Paulo (2021). 40 Ibidem. 33Revista Científica Virtual - 38ª EDIÇÃO 2021 Isso não vem a ser um grande problema para as adolescentes residentes em Moema, bairro de classe alta, já que a renda familiar é capaz de suprir a proteção estatal. Para a população vulnerável, uma nova adição ao grupo familiar pode significar fome. Não há previsão de qualquer auxílio assistencial (modalidade universal e acessível aos não contribuintes) de benefício de proteção à gestante ou ao nascituro com rendimentos condizentes com os do salário maternidade, que ofereça proteção equiparada. Um outro ponto importante, é que a EC 103/20019 adotou uma nova sistemática para os benefícios programáveis. Passou a exigir idade mínima para os benefícios de tempo de contribuição, o que obriga o segurado a permanecer um tempo maior vertendo contribuições. Além de instituir a idade mínima, passou também a determinar percentuais mínimos incidentes no Salário de Benefício de 60% cumprida a carência da aposentadoria por idade, com possibilidade de acréscimo de 2% para cada ano de contribuição excedentes à carência. As idades mínimas foram fixadas em 62 anos para a mulher e 65 para o homem. Cabe aqui tecer algumas correlações entre os indicadores do mapa da desigualdade e a nova redação constitucional dos benefícios programáveis da previdência social. Na região periférica (Anhanguera, Iguatemi) a oferta de emprego formal é 290 vezes menor, o que significa dizer que os residentes na periferia possuem maior chance de desemprego o de exercer atividades informais, que são complicadores à manutenção da fidelidade contributiva ao sistema previdenciário. Com a intermitência contributiva, as chances de atingir a carência necessária para a aposentadoria programável (15 anos para a mulher e 20 anos para o homem) é menor. Exceder esse tempo contributivo, o que garantiria melhor renda mensal inicial de benefício, é uma tarefa ainda mais árdua. Retomando o raciocínio, se a menor renda se concentra na região periférica, assim como o emprego informal, a população periférica contribui mais, pois não tem acesso às escalas contributivas progressivas. Contribuem em percentuais que são aplicados de forma indistinta tanto ao piso quanto ao teto contributivo. Seria redundante apontar que o impacto financeiro desta contribuição em uma família de baixa renda é superior ao impacto em uma família de alta renda, sobretudo no RGPS com o teto contributivo. É cediço dizer que a incidência da contribuição previdenciária nas menores rendas dos trabalhadores informais incide sobre a totalidade, enquanto para os trabalhadores com remunerações acima do teto, apenas parcialmente. Assim, evidencia-se ainda mais a forma como o desenho do sistema contributivo previdenciário é mais cruel quanto maior a vulnerabilidade. 34 38ª EDIÇÃO 2021 - Revista Científica Virtual Se tomarmos como exemplo a incidência de casos de violência contra a mulher, ante os índices 42 vezes maior em Guaianazes, com relação ao Alto de Pinheiros, antevemos que a mulher que tiver maior dificuldade em se manter segurada ao regime de previdência social, terá menores chances de percepção de beneficio por incapacidade temporária decorrente das lesões resultantes de violência. Novamente, todas as mulheres trabalhadoras formais ou informais devem obrigatoriamente contribuir ao sistema previdenciário, contudo, as condições sócio econômicas exercem importante força excludente para as classes mais baixas e vulneráveis da população economicamente ativa. O mesmo raciocínio é aplicável à população LGBTQIAP+ e à população preta e parda. A contraposição dos indicadores demográficos, econômicos e sociais das populações pertencentes às classes altas e baixas, escancara que nem mesmo a Previdência Social escapa à lógica do biopoder, que assegura que as classes vulneráveis permaneçam à margem da sociedade, sem acesso à mesma proteção que os demais membros da sociedade, reforçando os processos excludentes, numa lógica absolutamente paradoxal à finalidade constitucional de assegurar a proteção face às vicissitudes, diminuir a pobreza e fomentar o desenvolvimento social. Na análise dos benefícios programáveis, encontramos a maior lacuna protetiva na aposentadoria por idade. A diferença da idade ao morrer de um morador do distrito de Alto de Pinheiros é 80,9 e de cidade Tiradentes é e 58,3. Levando-se em consideração a confluência de todos os índices já analisados, o segurado do Alto de Pinheiros homem, terá vertido um número maior de contribuição e em valores maiores, dada a estabilidade financeira decorrente da menor dificuldade em obter renda formal. Permanecerá por mais tendo recebendo as parcelas previdenciárias, enquanto que o segurado de Cidade Tiradentes, se conseguir atingir a carência necessária para acesso ao beneficio de aposentadoria por
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