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DESCRIÇÃO Definição da Toxicologia e sua importância no contexto da saúde. Classificação dos agentes tóxicos e seus efeitos, bem como a interação entre esses agentes. Análise de eventos epidemiológicos associados à Toxicologia. PROPÓSITO Reconhecer os agentes potencialmente tóxicos e suas categorias, compreender seus efeitos mais comuns e a forma como tais agentes interagem propiciando eventos clinicamente relevantes para saúde ambiental e dos seres vivos. A partir dessas informações, o profissional estará mais preparado para agir de forma imediata em casos de intoxicação, tomando as providências adequadas. OBJETIVOS MÓDULO 1 Compreender o conceito de Toxicologia, sua história e as principais características dessa ciência MÓDULO 2 Identificar os agentes tóxicos, as intoxicações e seus efeitos indesejáveis MÓDULO 3 Reconhecer os efeitos tóxicos principais e a importância da Toxicologia no contexto da Epidemiologia INTRODUÇÃO Neste conteúdo, definiremos e compreenderemos a Toxicologia como uma área de conhecimento em que exploramos os mecanismos pelos quais substâncias químicas produzem efeitos adversos nos sistemas biológicos. Por meio do estudo da Toxicologia é possível: Planejar o uso de substâncias terapêuticas prevendo de forma mais acertada os riscos. Evitar o contato com entidades químicas prejudiciais à saúde humana, à saúde animal e ao meio ambiente. E, sendo necessário esse contato, fazê-lo de forma segura. Além disso, cabe à Toxicologia estudar métodos e ou antídotos que reparem eventuais danos causados pela exposição a esses agentes. Discutiremos também a definição e a classificação de agentes tóxicos, assim como a identificação de suas ações mais conhecidas. Ainda, entenderemos conceitos importantes que definem a capacidade de atuação dos agentes por diferentes vias e em diferentes locais do nosso organismo. Serão apresentadas as principais áreas da Toxicologia e, ao longo do estudo, você compreenderá os limites de tolerância e as vias de absorção — conceitos importantes para entender os fatores de risco. MÓDULO 1 Compreender o conceito de Toxicologia, sua história e as principais características dessa ciência HISTÓRIA DA TOXICOLOGIA A Toxicologia por definição é uma ciência. Muito antes do desenvolvimento da escrita, o conhecimento dos venenos de animais e extratos vegetais era atributo importante para ter sucesso na caça e na guerra. Foi o registro de tais venenos e seus efeitos que determinou o início da Toxicologia. A história mostra que cerca de 1500 a.C, o Papiro de Ebers apresentava informações a respeito de 800 ingredientes ativos, entre eles cicuta, acônito, ópio, chumbo e antimônio. Papiro de Ebers. A morte de Sócrates, por Jacques-Louis David, 1787. A menção a flechas envenenadas (O livro de Jó, 1400 a.C.) e a condenação à morte de Sócrates por ingestão de veneno (extrato de cicuta) (470 a 399 a.C.) também foram episódios bem conhecidos na história. Para obter comprovação, experiências toxicológicas foram iniciadas provavelmente por Mitridates (133 a 63 a.C.). Por medo de ser envenenado, ele testava em seus escravos diferentes venenos na tentativa de obter seus antídotos. Desses experimentos surgiu Mithridaticum, uma mistura de gordura de víbora e enxofre, utilizada como tônico e poderoso antídoto. Ela era eficaz pois a gordura da víbora possuía uma ação protetora, impedindo que o animal se intoxicasse com seu próprio veneno. A mistura permaneceu em uso até a Idade Média. No período medieval, os escritos de Maimônides (1135–1204) relatavam tratamento de intoxicação por insetos, cobras e cachorros loucos. O leite, a manteiga e o creme de leite foram descritos como agentes retardantes da absorção intestinal. DURANTE A PRECARIEDADE CIENTÍFICA DA IDADE MÉDIA ATÉ O INÍCIO DO RENASCIMENTO, O ENVENENAMENTO ERA ACEITO NA SOCIEDADE COMO UM RISCO NORMAL. Envenenadores na Itália tornaram rotineiro o uso de venenos com propósito criminal. Em Florença, nota-se a presença de registros de contratos com nomes das vítimas e preços referentes aos serviços de envenenamento. Uma mulher em destaque nesse ramo foi madame Toffana — a mais famosa envenenadora na época do Renascimento. A partir da Acqua Toffana, cosmético a base de arsênio, mulheres envenenavam seus maridos ricos. Paracelsus (1493–1541), médico-alquimista, se propôs a dar um outro tom ao uso rotineiro dos venenos. Pelo seu ponto de vista revolucionário, estabeleceu os agentes tóxicos como entidades químicas e sua experimentação como essencial para análise de respostas. Retrato presumido do médico Paracelsus (1493–1541), de Quentin Metsys, 1466–1530. Além disso, defendeu a necessidade de se fazer a distinção entre propriedades tóxicas e terapêuticas, formulando o conceito da relação dose-resposta: TODAS AS SUBSTÂNCIAS SÃO VENENOS, NÃO HÁ NENHUMA QUE NÃO SEJA. A DOSE CORRETA DIFERENCIA O VENENO DO REMÉDIO. Paracelsus (1493–1541). A toxicologia moderna foi marcada pelos estudos de Fontana (1720–1805), realizados com veneno de serpente. Outros cientistas também se destacaram à época, principalmente por seus métodos científicos e sistemáticos. Nesse contexto, temos: Mathieu Orfila (1787–1853), toxicologista e químico espanhol considerado o “pai da Toxicologia”. Foi o primeiro toxicologista a usar material de autópsia como prova de envenenamento. François Magendie (1783–1855), neurologista e fisiologista francês, introduziu a estricnina, o iodeto, o brometo e o ópio na Medicina. javascript:void(0) javascript:void(0) Claude Bernard (1813–1878), médico e fisiologista francês, foi discípulo de Magendie e, por meio do estudo do curare, permitiu o esclarecimento do mecanismo de ação sobre a placa terminal em músculo estriado. Oswald Schmiedeberg (1838–1921), farmacologista alemão, inseriu mais de 120 pesquisadores no estudo da Toxicologia em laboratórios renomados. javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) Louis Lewin (1850–1929), farmacologista alemão, garantiu grande contribuição ao estudar sobre clorofórmio, metanol e acroleína. CURARE Chama-se de curares as misturas de ervas produzidas pelos indígenas da Amazônia e utilizadas por eles nas pontas de lanças e flechas na caça, na pesca e na defesa pessoal, pelo intenso e letal efeito paralisante. Os curares são provenientes de diferentes espécies de plantas, principalmente aquelas pertencentes às famílias Loganiaceae e Menispermáceas. Na Medicina, as substâncias que atuam de maneira semelhante aos curares (as substâncias curarizantes), são empregadas como relaxantes musculares. A toxicologia moderna como conhecemos foi, portanto, derivada de uma evolução na forma como a humanidade e os cientistas olharam para as entidades químicas e seus efeitos. A aplicabilidade focada na terapêutica dessas entidades foi bem estabelecida a partir de 1850, quando começaram a ser usadas como anestésicos, juntamente com diversos eventos de intoxicação por essas substâncias. javascript:void(0) Por isso, no início dos anos 1900, os estudos em animais se estabeleceram, principalmente nos EUA. Em 1930, foi criado o National Institute of Health (NIH) ou Instituto Nacional de Saúde, uma agência de pesquisa médica parte do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. Anos depois, alguns projetos de lei foram criados envolvendo a atuação do Food and Drug Administration (FDA), a Administração de Alimentos e Medicamentos, principalmente impulsionado pelo evento trágico da sulfanilamida, um antibacteriano que, por ser pouco hidrossolúvel, foi dissolvido em dietilenoglicol, uma substância de sabor doce comumente utilizada na indústria de alimentos, entretanto, muito tóxica. SAIBA MAIS O elixir de sulfanilamida foi responsável pela morte de mais de 100 crianças na década de 30. Os estudos de segurança e eficácia tornaram-se mais importantes e vários aditivos foram adicionados à Lei Federal de Alimentos, Medicamentos e Cosméticos. Na década de50, foi fundada a Sociedade de Toxicologia dos EUA. Na década de 60, outro evento trágico acomete a humanidade: o incidente da talidomida. RISCOS POTENCIAIS DA TALIDOMIDA A talidomida é potencialmente teratogênica aos fetos, principalmente nos primeiros meses do desenvolvimento. Nessa época, o uso em mulheres no período gestacional provocou o nascimento de milhares de crianças com defeitos congênitos. Apesar de trágico, esse episódio culminou na criação de novas legislações que visam garantir a segurança dos produtos químicos nos embriões, nos fetos e no meio ambiente. MUITAS REVISTAS CIENTÍFICAS FORAM FUNDADAS COM O OBJETIVO DE PROPAGAR INFORMAÇÕES ACERCA DA TOXICOLOGIA CELULAR E MOLECULAR, DESSA FORMA, O QUE VEMOS HOJE É A ÊNFASE DA TOXICOLOGIA VOLTADA À AVALIAÇÃO DE SEGURANÇA E RISCO NA UTILIZAÇÃO DE SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS, BEM COMO CONTROLE REGULATÓRIO DE SEU USO EM ALIMENTOS E EM LOCAIS DE TRABALHO. Em conjunto com os acontecimentos relatados, é preciso considerar que a época (Segunda Guerra Mundial) também contribuiu de forma importante para a história da Toxicologia. Autoridades governamentais de vários países tornaram obrigatórios os testes de toxicidade de medicamentos e seus registros junto a órgãos competentes. Houve fortalecimento do FDA no EUA e no Brasil iniciou-se um movimento que culminou, anos depois, na Resolução 1/88 do Conselho Nacional de Saúde estabelecendo normas para os ensaios pré-clínicos e clínicos. CONCEITOS BÁSICOS DA TOXICOLOGIA A Toxicologia é a ciência que estuda os efeitos nocivos oriundos da exposição a agentes no organismo e no meio ambiente. O toxicologista é o profissional capacitado para avaliar a probabilidade de sua ocorrência. É atribuição dessa ciência a investigação experimental da natureza dos agentes, dos mecanismos pelos quais eles atuam e os fatores de risco de efeitos nocivos. De uma forma geral, os efeitos provocados por agentes de qualquer natureza, ainda que farmacológicos, serão considerados nocivos quando: 01 Em uma exposição prolongada, resultem em transtornos da capacidade funcional. 02 Reduzam a capacidade de manutenção da homeostasia (de forma reversível ou não). 03 Aumentem a vulnerabilidade a efeitos deletérios de outros fatores (físicos, ambientais, químicos, biológicos ou sociais). HOMEOSTASIA É o estado de estabilidade das diversas variáveis do organismo, tais como temperatura, pH, pressão arterial e concentração de íons, estado no qual o organismo pode funcionar de forma adequada. Descrevemos como agente tóxico ou toxicante a entidade capaz de causar dano ao sistema biológico e, dessa forma, alterar sua função. Para entender o conceito de toxicante, precisamos avaliá-lo de forma qualitativa e quantitativa: Quantitativo Um agente tóxico no aspecto quantitativo é assim definido quando é perigoso em certas doses e desprovido de perigo em doses muito baixas. Qualitativo No aspecto qualitativo, o agente será tóxico quando nocivo para uma linhagem, ou seja, para uma espécie de ser vivo, e desprovido de perigo para outra linhagem. javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) ALÉM DISSO, A MANIFESTAÇÃO DO EFEITO NOCIVO TAMBÉM ESTÁ RELACIONADA À EXPOSIÇÃO. DEPENDERÁ, PORTANTO, DA VIA DE INTRODUÇÃO, DA DURAÇÃO DA EXPOSIÇÃO E DA FREQUÊNCIA DE EXPOSIÇÃO. Na sequência, vamos compreender melhor as definições e diferenças dos: ANTÍDOTOS TOXINA TOXICIDADE Para alguns toxicantes, é possível antagonizar os efeitos nocivos por meio da administração de antídotos, que são substâncias ou misturas que agem no organismo revertendo o efeito do toxicante, neutralizando-o quimicamente. Comumente confundida com toxicante, temos o termo toxina, que é definida como substâncias tóxicas estritamente produzidas por sistemas biológicos como plantas, animais, fungos e bactérias. As toxinas são, portanto, um grupo de toxicantes. Outro conceito importante em Toxicologia é a toxicidade. A toxicidade é uma característica inerente ao agente tóxico que causa danos em um organismo vivo. Ela pode ser aguda ou crônica, e sua intensidade varia de acordo com órgão, idade do indivíduo, genética e estado de saúde. Em animais, estudos de Toxicologia estimam a toxicidade aguda de agentes pela dose letal 50, ou DL50. A medida indica a dose necessária para promover letalidade em 50% da amostra exposta ao agente. A intoxicação é dependente da dose. Quanto menor a dose necessária para gerar letalidade, maior será a toxicidade do agente. O contato com agentes que possuem toxicidade muitas vezes é inevitável. Seja porque a manipulação é necessária nas atividades laborais, seja porque estão presentes em alimentos como conservantes, por exemplo. Dessa forma, em Toxicologia há a preocupação de se prever o risco das substâncias. O risco é a probabilidade de aparecer um efeito nocivo quando há exposição a um agente tóxico, considerando as condições da exposição (dose, via de exposição, características físico- químicas do agente, entre outros). INTOXICAÇÃO É DEFINIDA COMO A MANIFESTAÇÃO DOS EFEITOS TÓXICOS. É O PROCESSO PATOLÓGICO EFETIVAMENTE EVIDENCIADO PELOS SINAIS E SINTOMAS E PELOS EXAMES LABORATORIAIS. O MECANISMO PELO QUAL A INTOXICAÇÃO SE ESTABELECE É DEFINIDO COMO AÇÃO TÓXICA. A AÇÃO TÓXICA É A MANEIRA PELA QUAL O AGENTE TÓXICO ATUA NOS TECIDOS E ÓRGÃOS. DESCREVE- SE NA AÇÃO TÓXICA AS ALTERAÇÕES BIOQUÍMICAS, CELULARES E MOLECULARES. É ainda importante conceituar os termos xenobiótico e drogas: XENOBIÓTICO DROGA XENOBIÓTICO É o termo utilizado para definir substâncias estranhas ao organismo. Ainda que de ocorrência endógena, serão também consideradas xenobióticas substâncias em quantidades elevadas, acima do normal, que por esse motivo podem provocar intoxicação. DROGA É um termo genérico usado para definir toda e qualquer substância capaz de modificar o sistema fisiológico ou patológico, definição essa na qual os fármacos estão incluídos. Importante notar, como descrito, que mesmo fármacos, drogas com intenção benéfica, podem causar intoxicação dependendo da dose utilizada. Agora que nós vimos os principais termos utilizados em Toxicologia, vamos conceituar e entender como o processo de intoxicação acontece. A manifestação dos sinais e sintomas da intoxicação é derivada de uma cascata de eventos que se iniciam com a exposição ao agente tóxico. Podemos dividir esses eventos em quatro fases: 1ª - FASE DE EXPOSIÇÃO Momento em que o organismo entra em contato com o toxicante, interna ou externamente. É determinante para a intoxicação, pois a depender da dose, da concentração do agente, da frequência e da duração da exposição, das características individuais e da via de introdução, pode-se observar uma probabilidade maior ou menor de o agente gerar seu efeito nocivo. A seguir, ilustram-se diferentes vias de introdução possíveis para agentes tóxicos: A - ORAL B - PULMONAR C - CUTÂNEA D - MUCOSAS 2ª - FASE TOXICOCINÉTICA Fase em que estão agrupados todos os processos entre a absorção do agente até sua eliminação do organismo. Também estão sob estudo nessa fase a capacidade de distribuição e acúmulo dos agentes em tecidos particulares, bem como o comportamento do organismo no processo de biotransformação. Podemos citar quatro processos principais que são objetivo dessa fase: absorção (saída do agente do local de contato para a circulação sistêmica), distribuição (saída da circulação sistêmica para os diferentes tecidos), biotransformação (transformação sofrida pela molécula do agente, principalmente ao passar pelo fígado) e eliminação dos agentes (saída do agente do organismo). 3ª – FASE TOXICODINÂMICA Abrange o entendimento dos mecanismos da ação tóxica dos agentes. É a fase em que a interação entre o toxicante e os sítios de ligação celulares ou teciduais são analisados. A descrição dos mecanismos é importante para entendermos as alterações funcionais sofridas por órgãos e sistemas e, assim, atuarmos com propósito de contençãodos danos. 4ª – FASE CLÍNICA Momento em que os sinais e sintomas são evidenciados. Todas as alterações promovidas pelos agentes repercutem em desequilíbrio e as disfunções orgânicas se tornam aparentes. As áreas de atuação da Toxicologia podem ser bem amplas, principalmente no decorrer do tempo e dos experimentos. Acompanhe no próximo tópico. ÁREAS DE ESTUDO E DE ATUAÇÃO DA TOXICOLOGIA A ciência Toxicologia tornou-se muito praticada com o passar do tempo. Para tanto, foi necessário separá-la de modo a garantir que profissionais atuantes na área pudessem explorar minuciosamente todos os aspectos importantes no estudo dos agentes tóxicos. Vamos conhecer algumas delas? A Toxicologia Mecanicista é a área de atuação que se ocupa da identificação dos mecanismos bioquímicos, celulares e moleculares pelos quais os agentes exercem seus efeitos. Por meio dos dados obtidos nesses estudos, tornamos mais seguro o contato com substâncias potencialmente nocivas. Ainda, torna-se possível identificar ou desenvolver antídotos que antagonizem a ação dos agentes tóxicos. É uma área importante para a avaliação de risco. A Toxicogenômica é a área que visa compreender como as características individuais e genéticas afetam nossa resposta a um determinado agente tóxico, utilizando como base os dados obtidos pelos toxicologistas mecanicistas. A partir desses estudos, é possível proteger indivíduos geneticamente suscetíveis e personalizar terapias farmacológicas, evitando respostas adversas ou tóxicas desnecessárias. Uma outra área de estudo da Toxicologia é a Toxicologia Descritiva, que compreende os testes de toxicidade, tão importantes para avaliação de segurança. Tais testes, realizados em animais de laboratório, produzem informações úteis na avaliação de risco tanto para os seres humanos quanto para o meio ambiente. A partir dos ensaios executados, é possível deliberar a respeito de medicamentos ou outros produtos químicos, atestando se possuem risco baixo o suficiente para serem comercializados. Além disso, é a área que se encarrega de definir a quantidade desses agentes permitida em alimentos, medicamentos, ar, água e atmosfera industrial. A Toxicologia Forense se ocupa da aplicação da química analítica, das análises clínicas e outras áreas nos aspectos médico-legais. Essa área busca evidenciar a presença de agentes tóxicos com finalidade criminal, seja por danos à saúde e ao patrimônio, seja como causa de óbito. Quando um indivíduo está sob efeito de um agente tóxico, seus sinais e sintomas são ainda motivo de investigação da Toxicologia Clínica. Essa área se preocupa com a doença causada ou associada ao agente tóxico. Por fim, temos a Toxicologia do Desenvolvimento, que estuda os efeitos dos agentes sobre os embriões e fetos, dada a exposição dos pais antes da concepção e no período pré-natal, assim como possíveis efeitos após nascimento, durante o desenvolvimento infantil. Os diferentes ramos da Toxicologia se preocupam em identificar o risco a que todos os seres vivos e o meio ambiente estarão submetidos uma vez expostos à agentes tóxicos. Em relação aos diferentes ramos de atuação da Toxicologia, podemos estabelecer a seguinte subdivisão: TOXICOLOGIA AMBIENTAL É responsabilidade dessa área avaliar os impactos dos poluentes químicos no ambiente, no organismo humano, mas em especial em organismos não humanos como peixes, aves e plantas. TOXICOLOGIA OCUPACIONAL Dedica-se a estudar efeitos nocivos dos agentes a que os trabalhadores são expostos nas suas funções laborais. TOXICOLOGIA DE ALIMENTOS Estuda os efeitos nocivos de agentes químicos presentes nos alimentos, definindo as condições de consumo desses agentes. TOXICOLOGIA DE MEDICAMENTO E COSMÉTICOS É uma das áreas de atuação mais fortes da Toxicologia, na qual se estudam os efeitos nocivos provenientes das interações de medicamentos e cosméticos com o organismo. TOXICOLOGIA SOCIAL Nessa área, as substâncias de uso não médico são foco. Seus efeitos nocivos e mecanismos são avaliados, bem como os danos causados à saúde dos indivíduos. Podemos observar que a atuação nas diferentes áreas da Toxicologia exige grande conhecimento das Ciências Biomédicas e Biológicas, assim como de assuntos que competem às áreas criminais, de exatas e humanas. Em face dessa complexidade, o campo da Toxicologia exige trabalho multiprofissional na resolução dos problemas abordados na área. A IMPORTÂNCIA DA TOXICOLOGIA NA HISTÓRIA DA SOCIEDADE A especialista Cristiane Paiva nos apresenta uma linha do tempo com os principais marcos da história da Toxicologia e a importância dessa ciência para a sociedade: VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 2 Identificar os agentes tóxicos, as intoxicações e seus efeitos indesejáveis CLASSIFICAÇÃO DOS AGENTES TÓXICOS E ESPECTRO DE EFEITOS INDESEJÁVEIS Os agentes tóxicos são classificados dependendo das informações necessárias acerca deles. A classificação, portanto, varia de acordo com a intenção do classificador. Assim, de uma forma geral, os agentes tóxicos podem ser subdivididos em grupos de acordo com a informação de interesse, como demonstrado a seguir: Informação de interesse Exemplos Origem – Natural: vegetal (glicosídeos cianogênicos); animal (vitamina A); mineral (chumbo) – Artificial (fenobarbital) Órgão alvo – Pulmão (paraquat) – Sistema hematopoiético (benzeno) Uso – Solventes (tolueno) – Praguicidas (glifosato) – Aditivos alimentares (nitritos) Efeito – Mutagênico (aflatoxina) – Teratogênico (isotretinoína) Estado físico – Sólido (aldicarb) – Líquido (formaldeído) – Gasoso (monóxido de carbono) Classe química – Aminas aromáticas (anilina) – Hidrocarbonetos aromáticos (tolueno) Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Quadro: Classificação dos agentes tóxicos de acordo com a informação de interesse. Elaborado por: Luiza Villarinho Pereira Mendes. OS AGENTES TÓXICOS POSSUEM AMPLO ESPECTRO DE EFEITOS INDESEJÁVEIS. REAÇÕES ALÉRGICAS As reações alérgicas são observadas quando há sensibilização prévia ao agente ou a moléculas com estrutura semelhante. É resultado de reação imunológica. Termos equivalentes como sensibilização e hipersensibilidade podem ser usados para caracterizar esse tipo de efeito indesejável. Elas podem ocorrer mesmo em doses baixas, caso o indivíduo já tenha estabelecido contato com o agente previamente. A exposição subsequente pode resultar em interação antígeno-anticorpo e provocar desde manifestação alérgica leve como a urticária (irritação cutânea) à manifestação grave como o choque anafilático (manifestação de sintomas mais graves como dificuldade respiratória e choque hemorrágico). Em muitos casos, reações alérgicas são graves e podem levar a óbito. REAÇÕES IDIOSSINCRÁTICAS São respostas que ocorrem em indivíduos com determinada característica genética. A qualidade da resposta em geral não difere, mas a sensibilidade sim. Alguns indivíduos manifestam sensibilidade a doses muito baixas, ou são insensíveis mesmo em doses muito altas. TOLERÂNCIA Há ainda indivíduos que não respondem ao efeito tóxico de agentes quando são expostos previamente. É o espectro de efeito chamado Tolerância. Nessa situação, desenvolve-se a capacidade de reduzir a quantidade da substância tóxica no local onde o efeito é produzido ou reduzir a resposta do próprio tecido. Os efeitos tóxicos, quando ocorrem, podem ser reversíveis ou irreversíveis. O quadro vai depender da capacidade de regeneração do tecido exposto ao agente e da lesão patológica produzida. Lesões no sistema nervoso central são, em maioria, irreversíveis, enquanto lesões do tecido hepático podem ser reversíveis devido a sua capacidade de regeneração. SÍTIO DE AÇÃO Outra característica importante para definir a gravidade das lesões após exposição é o sítio de ação. Efeitos locais ocorrem no sítio do primeiro contato. Agentes que, mesmo não sendo absorvidos sistemicamente, gerem danos no local de exposiçãosão caracterizados por terem toxicidade local. Os efeitos sistêmicos dependem de absorção e distribuição da substância a partir do seu ponto de entrada para outro local onde produzirão efeitos nocivos. A maioria dos agentes tóxicos, se absorvidos, produzem efeitos sistêmicos. Quando isso ocorre, são caracterizados por terem toxicidade sistêmica. Ainda nesse contexto, no caso de medicamentos, que são substâncias potencialmente tóxicas, é preciso ressaltar os conceitos de reações adversas e intoxicação. As reações adversas são provocadas com doses terapêuticas do medicamento e ocorrem pois nem sempre há seletividade para um único alvo. Quando há apenas um único alvo que sofre interferência do agente, dizemos que a toxicidade é seletiva. Um exemplo comum de reação adversa é a que observamos quando o paciente alérgico a penicilina faz uso do medicamento sem saber. Apesar de utilizar dose adequada para seu peso corporal e sua faixa etária, o paciente alérgico poderá manifestar urticária, edema, chiado no peito e até mesmo choque anafilático. A INTOXICAÇÃO POR MEDICAMENTOS É DECORRENTE DE DOSES EXCESSIVAS, SEJA ACIDENTAL OU INTENCIONAL. A INTOXICAÇÃO ESTÁ, ENTÃO, RELACIONADA A DOSES ACIMA DAS ADEQUADAS, COMO OBSERVADO NA INTOXICAÇÃO CAUSADA PELO USO DE PARACETAMOL. A ADMINISTRAÇÃO DE DOSES EXCESSIVAS GERA GASTROENTERITE HORAS APÓS A INGESTÃO E HEPATOTOXICIDADE EM 1 A 3 DIAS, E O DESFECHO PODE SER LETAL SE A INTOXICAÇÃO NÃO FOR REVERTIDA. CLASSIFICAÇÃO DAS INTOXICAÇÕES Nos estudos de Toxicologia, as intoxicações que são investigadas em modelos animais podem ser divididas em aguda ou crônica, e isso dependerá do tempo de exposição e da frequência. – A INTOXICAÇÃO AGUDA É decorrente da exposição única a uma substância química por menos de 24 horas ou exposições repetidas a substâncias praticamente não tóxicas no mesmo período. Os efeitos surgem de imediato ou no máximo em duas semanas. A avaliação da toxicidade aguda é realizada experimentalmente em animais que, após a administração da dose, são observados quanto os sinais de intoxicação e letalidade. OS PARÂMETROS MAIS UTILIZADOS SÃO A DL50, JÁ MENCIONADA ANTERIORMENTE, E A DL10, QUE CORRESPONDE À DOSE RESPONSÁVEL PELA MORTE DE 10% DA AMOSTRA DE ANIMAIS EXPERIMENTAIS. ALÉM DAS DOSES LETAIS, PODEM SER DETERMINADAS AS DOSES EFICAZES, 50% E 90% (DE50 E DE90), QUE CORRESPONDEM ÀS DOSES QUE PRODUZEM RESPOSTA ESPERADA EM 50% E 90% DOS ANIMAIS SUBMETIDOS AOS ENSAIOS. A partir dos dados descritos, é possível determinar o índice terapêutico (IT) (Equação 1) e a margem de segurança (MS) (Equação 2) de agentes farmacológicos, prevendo o risco de promoverem intoxicação. Quanto maior o índice terapêutico ou a margem de segurança, menor será o risco de intoxicação. Equação 1 Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal Equação 2 Atenção! Para visualização completa da equação utilize a rolagem horizontal Para compreendermos melhor, vejamos a comparação entre duas substâncias utilizadas como princípio ativo de medicamentos: Diclofenaco de sódio Em ratazanas, possui DL50 de 53mg/kg pela via oral. Ibuprofeno Em ratazanas, possui DL50 de 636mg/kg também pela via oral. Prezado aluno: O conteúdo on-line é produzido para que você possa acessá-lo como desejar, pelo computador, pelo smartphone, por suportes de diferentes tamanhos. Assim, usamos uma tecnologia para atender a todos. Em nosso material, unidades de medida e números são escritos juntos (ex.: 25km). No entanto, o Inmetro estabelece que deve existir um espaço entre o número e a unidade (ex.: 25 km). Logo, os relatórios técnicos e demais materiais escritos por você devem seguir o padrão internacional de separação dos números e das unidades. IT = DL50 ÷DE50 MS = [(DL10 −DE90) ÷DE90] × 100 javascript:void(0) ATIVIDADE DE REFLEXÃO COMPLETAR FRASES Complete as frases selecionando a palavra correta. – A INTOXICAÇÃO CRÔNICA É derivada de exposições repetidas ao agente tóxico em períodos prolongados podendo ser meses ou até anos. A exposição repetida possui três categorias: EXPOSIÇÃO SUBAGUDA: exposição repetida a um agente durante 1 mês ou menos. EXPOSIÇÃO SUBCRÔNICA: exposição repetida a um agente de 1 a 3 meses. EXPOSIÇÃO CRÔNICA: exposição repetida a um agente por mais de 3 meses. ATENÇÃO Importante ressaltar que muitos agentes manifestam efeitos distintos dependendo da exposição. Os efeitos tóxicos observados após uma única exposição, por exemplo, a agentes rapidamente absorvidos podem ser imediatos. Outros agentes podem não manifestar efeitos após exposição única, entretanto, quando a exposição é repetida, podem promover efeitos lentos e graves como mutagenicidade e carcinogenicidade. EXEMPLO Temos o chumbinho como exemplo de um agente que é rapidamente absorvido e gera efeitos tóxicos imediatos. As manifestações são observadas logo após o contato, iniciando com dor abdominal, sudorese, vômito, evoluindo para sintomas mais graves como redução da pressão arterial e da frequência cardíaca. A intoxicação por mercúrio acontece ao contrário, ela pode manifestar seus primeiros sinais meses após o início do contato. O consumo de água ou peixes contaminados, principalmente por populações ribeirinhas de locais de garimpo, pode gerar intoxicação crônica, com manifestações de fraqueza e cansaço frequente, emagrecimento, úlceras no estômago, dentes quebradiços e alterações renais. SAIBA MAIS Os elementos contidos no cigarro como arsênio, níquel e cádmio, além do benzopireno, também exercem, com o decorrer do tempo de exposição, intoxicação crônica com ação cancerígena. A exposição a agentes tóxicos ocorre por diferentes formas: FÁBRICAS E AGRICULTURA A exposição a metais, herbicidas, inseticidas é observada de forma prolongada em trabalhadores da indústria e da agricultura. GRANDES CIDADES Pelo meio ambiente, é possível ocorrer exposição a hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e monóxido de carbono, principalmente em grandes cidades. MEDICAMENTOS Os medicamentos também são agentes aos quais indivíduos são expostos frequentemente e são grandes causadores de intoxicação. ALIMENTOS A exposição a substâncias ativas contidas em alimentos e bebidas como etanol, flavorizantes, corantes e conservantes são por vezes responsáveis por quadros de intoxicação. Ainda no contexto da exposição, é importante atentar para as diferentes vias e locais possíveis para que a exposição aconteça. Como vimos no módulo 1, as principais vias de acesso dos agentes tóxicos ao organismo são: A) (A) Gastrointestinal – por ingestão. javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) javascript:void(0) B) (B) Pulmonar – por inalação. C) (C) Cutânea – por ação tópica, percutânea ou cutânea. D) (D) Vias parenterais – por injeção intravenosa, subcutânea e intramuscular. Ainda que um agente tenha toxicidade, pode-se dizer que a probabilidade de uma intoxicação sistêmica, por exemplo, está associada à forma como a exposição foi realizada, uma vez que a absorção depende da via de administração. Um agente com ação no sistema nervoso central, se bem metabolizado pelo fígado, teria risco menor de intoxicar quando administrado pela via oral do que pela via inalatória. O próprio efeito tóxico de uma forma geral é uma resposta em função da dose, da duração da exposição, das propriedades do agente químico e da susceptibilidade do indivíduo. O risco do efeito nocivo atribuído a um agente é proporcional à exposição e a sua toxicidade. Dessa forma, entende-se que quanto maiores a exposição e a toxicidade do agente, maior o risco de a intoxicação ocorrer. A análise desses fatores é descrita como avaliação de risco. INTERAÇÃO ENTRE OS AGENTES TÓXICOS Independentemente de serem agentes tóxicos, as substâncias químicas podem interagir por meio de diferentes mecanismos. As interações ocorrem no processo de absorção, nas ligações de proteínas presentes na circulação sistêmica, durante o momento de metabolismopelo fígado ou durante a eliminação do organismo. Quando combinadas duas ou mais substâncias tóxicas, os efeitos nocivos podem aumentar ou diminuir. ATIVIDADE DE REFLEXÃO Ao administrarmos duas substâncias químicas simultaneamente, uma possibilidade de interação é a que chamamos de EFEITO ADITIVO. Nesse caso, que variação devemos ver nos efeitos nocivos? AUMENTO DIMINUIÇÃO AUMENTO Isso mesmo! O efeito aditivo é o somatório dos efeitos das substâncias individuais. DIMINUIÇÃO Não é bem assim! O efeito aditivo é o somatório dos efeitos das substâncias individuais. javascript:void(0) javascript:void(0) Suponhamos a substância A com efeito de 2 e a substância B com efeito de 3. Se observássemos um efeito aditivo em uma administração conjunta, teríamos: Um exemplo de tal interação é a que observamos quando há administração de ansiolíticos e etanol, que culmina com depressão intensa do sistema nervoso central. O efeito sinérgico ocorre quando os efeitos combinados dos dois agentes são muito mais intensos do que a simples soma dos efeitos desses agentes. No exemplo apresentado anteriormente, se observássemos efeito sinérgico, teríamos: Para esse caso, podemos citar como exemplo a interação entre o etanol e o tetracloreto de carbono, gerando altíssimo risco de hepatotoxicidade. No grupo de interações com consequente aumento de efeito, temos ainda a POTENCIAÇÃO. Essa interação ocorre quando uma substância sem efeito tóxico sobre um órgão ou sistema é adicionada a outra substância tóxica, potencializando seu efeito. Utilizando ainda o exemplo apresentado, nesse caso teríamos: A interação entre o isoproterenol e o tetracloreto de carbono é do tipo potenciação. O isopropanol não é hepatotóxico, o tetracloreto de carbono sim. Entretanto, quando administrados em conjunto, o tetracloreto de carbono torna-se muito mais hepatotóxico do que quando administrado isoladamente. Além das interações com aumento de efeito, diferentes agentes podem, quando administrados em conjunto, produzir interações com redução de efeito. Esse tipo de interação é definido como ANTAGONISMO. A (2) + B (3) = AB (5) A (2) + B (3) = AB (20) A (0) + B (3) = AB (10) O antagonismo é dividido em quatro tipos: ANTAGONISMO FUNCIONAL Gerado quando duas substâncias produzem efeitos opostos sobre a mesma função fisiológica. O uso excessivo de barbitúrico pode promover redução drástica da pressão arterial. Tal ação pode ser antagonizada com o uso de adrenalina, por exemplo. ANTAGONISMO QUÍMICO Ocorre quando uma reação entre dois agentes gera um produto final menos tóxico. Esse tipo de interação é comum com agentes quelantes, como é o caso do ácido 2,3-mercaptosuccínico, quelante dos íons chumbo e mercúrio reduzindo a toxicidade destes. ANTAGONISMO FARMACOCINÉTICO OU DISPOSICIONAL Observado quando um agente altera algum processo toxicocinético como absorção, biotransformação e eliminação do outro agente. Desse modo, a concentração do agente e sua permanência no organismo são reduzidas. É a interação que o carvão ativado promove com agentes tóxicos administrados pela via oral, por exemplo. ANTAGONISMO FARMACODINÂMICO Também descrito como antagonismo de receptores, ocorre quando dois agentes que se ligam ao mesmo receptor produzem efeito menor quando comparado à somatória de seus efeitos isolados. Aproveitando ainda o exemplo trabalhado, seria como: Algumas substâncias reduzem o efeito de outras a quase zero. São chamadas de bloqueadoras. Dessa forma, poderíamos dizer que: A (2) + B (3) = AB (4) A (0) + B (3) = AB (1) Podemos exemplificar essa interação citando a atuação da naloxona para reverter a depressão respiratória provocada pela morfina. A IMPORTÂNCIA DA TOXICOLOGIA NA HISTÓRIA DA SOCIEDADE A especialista Cristiane Paiva nos apresenta exemplos de intoxicações, associando-os aos agentes tóxicos e demonstrando a aplicação e a classificação deles: VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 3 Reconhecer os efeitos tóxicos principais e a importância da Toxicologia no contexto da Epidemiologia EFEITOS TÓXICOS E MECANISMO DE AÇÃO TÓXICA Como observamos nos módulos anteriores, a toxicidade de um agente está relacionada a sua interação com alvos moleculares nos diferentes tecidos. ESSA INTERAÇÃO INICIA UM DESEQUILÍBRIO NA ESTRUTURA CELULAR, EM PROCESSOS BIOQUÍMICOS E, POR FIM, NA FUNÇÃO DO ÓRGÃO OU SISTEMA. A FORMA COMO ESSAS ALTERAÇÕES SE INICIAM E REPERCUTEM NA FUNÇÃO DAS CÉLULAS DOS TECIDOS SOB AGRESSÃO DOS AGENTES É DESCRITA PELO MECANISMO DE TOXICIDADE. A compreensão dos mecanismos de toxicidade e dos efeitos tóxicos fundamenta a interpretação dos dados de toxicidade. Sabe-se que o processo se inicia com a exposição ao agente e, posteriormente, é preciso que ele alcance seu alvo molecular. A interação com o alvo molecular desencadeia uma série de eventos celulares que culminam no efeito tóxico. Os mecanismos gerais mais conhecidos são descritos a seguir: INTERAÇÃO DE AGENTES TÓXICOS COM RECEPTORES Os receptores são estruturas sensíveis e ativáveis que coordenam funções nas células. Podem estar no citoplasma, na membrana plasmática ou no núcleo das células. Diferentes substâncias endógenas atuam como ligantes em receptores. Essa ligação produz uma resposta fisiológica normal. ALGUMAS SUBSTÂNCIAS EXÓGENAS, ENTRETANTO, PODEM SE LIGAR A ESSES MESMOS RECEPTORES, ATIVANDO-OS (AGONISTAS) OU BLOQUEANDO-OS (ANTAGONISTA). Essas substâncias podem, dependendo da ação desencadeada pela ligação e da intensidade dessa ligação, gerar efeitos tóxicos. EXEMPLO Como exemplos temos a atropina, um alcaloide naturalmente encontrado na planta Atropa belladonna e matéria-prima de medicamentos antiespasmódicos, e a escopolamina, substância extraída de plantas da família das Solanáceas, utilizada com mesmo propósito, antiespasmódico. Ambas se ligam a receptores do tipo muscarínico nos sistemas nervosos central e periférico. O hexametônio é um bloqueador de receptores do tipo nicotínicos dos gânglios e a d-tubocurarina (alcaloide extraído de plantas) bloqueia os receptores nicotínicos na placa motora. Ao bloquearem esses receptores, todos inibem a ação da acetilcolina, um neurotransmissor importante que desencadeia tanto ações a nível de sistema nervoso central quanto a nível periférico. A acetilcolina estimula contração da musculatura lisa dos tratos gastrointestinal e geniturinário, além de aumentar a produção de secreção de glândulas como a sudorípara e a lacrimal. INTERFERÊNCIA NAS FUNÇÕES E MEMBRANAS EXCITÁVEIS Para que uma célula mantenha sua função, um dos principais requisitos é que suas membranas plasmáticas estejam íntegras e estáveis. Agentes tóxicos podem modificar essa estabilidade por alguns mecanismos. O fluxo de íons através de um axônio neuronal pode ser bloqueado pela tetrodotoxina, por exemplo. Essa substância é derivada das gônadas, fígado e pele de peixes da família Tetrodontidae. No Brasil, há uma espécie de peixe que possui a tetrodotoxina, o chamado baiacu. Ao bloquear os canais de sódio, situados nas membranas axônicas, esse agente impede as trocas iônicas e a liberação de acetilcolina pelos neurônios. A intoxicação é caracterizada por acentuada fraqueza muscular que evolui para paralisia completa e morte. Outro agente que atua por interferência nas funções de membranas excitáveis é a batrocotoxina. Ela é encontrada na pele do anfíbio sul-americano, o Phyllobates aurotaenia, membro de uma família de rãs encontradas em ambientes tropicais da América Central e América do Sul. Esse agente aumenta a permeabilidade das membranas em repouso aos íons sódio. Isso as torna inicialmente hiperexcitáveis e, em seguida, despolarizadas e inexcitáveis. No coração, observamos arritmias. A toxina botulínica produzida pelo Clostridium botulinum complexa-se irreversivelmente com a região terminal do axônio dos neurônios colinérgicos, bloqueando a liberação da acetilcolina. Alimentos enlatados contaminados com esse microrganismogeram intoxicação por paralisia parassimpática e motora progressiva, turvação da visão e paralisia respiratória. INIBIÇÃO DA FOSFORILAÇÃO OXIDATIVA A fosforilação oxidativa é uma das vias metabólicas da respiração celular aeróbica. É caracterizada pelo transporte de elétrons. Realizada na mitocôndria, é a etapa final na qual a energia proveniente da degradação das moléculas dos nutrientes, como a glicose, é utilizada para produção de ATP. Alguns agentes tóxicos interferem na capacidade das células em oxidar carboidratos e sintetizar ATP. Os nitritos, por exemplo, interferem no fornecimento de oxigênio aos tecidos, pois oxidam o ferro na hemoglobina formando a metemoglobina. A metemoglobina não consegue transportar moléculas de oxigênio. O cianeto, o sulfeto e a azida inibem a fosforilação oxidativa pois se ligam à enzima citocromo oxidase. A rotenona, uma substância de origem natural encontrada em extratos de raízes e caules de algumas plantas, utilizada como pesticida, se liga a enzimas específicas da cadeia transportadora de elétrons, comprometendo a formação final de ATP. COMPLEXAÇÃO COM BIOMOLÉCULAS Esse mecanismo de ação tóxica é extensamente observado em uma grande quantidade de agentes. É possível que um agente se complexe a componentes enzimáticos. Os inseticidas organofosforados e o N-metilcarbamato atuam por esse mecanismo: eles inativam as enzimas colinesterases, reduzindo a degradação da acetilcolina, que passa a acumular e estimular excessivamente os nervos periféricos. Muitos metais também inibem enzimas. O chumbo, o mercúrio e o arsênio se ligam aos grupamentos sulfidrilas de proteínas, impedindo-as de funcionar. Além disso, o chumbo e o mercúrio inibem as enzimas atuantes na síntese do grupamento heme, gerando intoxicação com manifestações de porfiria, uma vez que há acúmulo excessivo dessa molécula (que auxilia a proteína hemoglobina no transporte de oxigênio no sangue). Sulfeto de arsênio em formato mineral. Outro agente tóxico que se complexa com enzimas é o monóxido de carbono, que pode modular a enzima citocromo oxidase. Além disso, esse gás liberado na combustão de matérias orgânicas se fixa à forma reduzida do ferro na hemoglobina, diminuindo o transporte de oxigênio. OUTROS GRUPOS DE BIOMOLÉCULAS SÃO PASSÍVEIS DE INIBIÇÃO, COMO OS ÁCIDOS NUCLEICOS E AS PROTEÍNAS. A AFLATOXINA B, UMA TOXINA PRODUZIDA PELO ASPERGILLUS FLAVUS, QUANDO METABOLIZADA HEPATICAMENTE, PRODUZ UM METABÓLITO ATIVO, 2,3-EPÓXIDO, QUE TEM MUITA AFINIDADE PELO DNA. A 2-naftilamina, após ser metabolizada no fígado, produz um metabólito que, no momento da eliminação renal, sofre ação de beta-glicuronidases na bexiga. O íon formado interage com grupos nucleofílicos, gerando risco carcinogênico. Há muito tempo já se observou um maior número de casos de câncer de bexiga em trabalhadores expostos ao solvente. A COMPLEXAÇÃO COM PROTEÍNAS É OBSERVADA COM O METABÓLITO DO PARACETAMOL. Apesar de ser um fármaco utilizado em larga escala, principalmente no Brasil, é preciso ter cuidado com a sobredose, ou seja, o uso de doses excessivas, pois a sua eliminação depende de duas reações hepáticas. Quando há saturação desse mecanismo, o metabólito tóxico se acumula no interior da célula, ligando-se a proteínas intracelulares e gerando hepatotoxicidade. PERTURBAÇÃO DA HOMEOSTASE DO CÁLCIO Sabe-se que o cálcio é um sinalizador intracelular. Ele participa da ativação e inativação de enzimas, da organização do citoesqueleto e da remoção de fosfolipídios peroxidados. Quando a homeostase cálcica está alterada elevando o influxo de cálcio intracelular, há interferência em todos esses processos. Os nitrofenóis, quinonas, peróxidos, alcanos e alcenos halogenados são agentes tóxicos que alteram a homeostase cálcica e, por isso, são responsáveis por danos celulares em diferentes tecidos. EPIDEMIOLOGIA DAS INTOXICAÇÕES A utilização de substâncias químicas é indispensável para a realização das atividades laborais, para o diagnóstico, a prevenção e a cura de doenças, para a produção de alimentos em larga escala e para o desenvolvimento das atividades industriais. Entretanto, é importante entender que o uso inadequado e abusivo ou a exposição sem equipamentos de proteção individual a algumas substâncias tóxicas, gera efeitos adversos à saúde humana e à integridade do meio ambiente. Nesse extenso grupo de substâncias tóxicas, os medicamentos são os principais agentes envolvidos em intoxicações humanas. Acredita-se que, dentre os fatores envolvidos nessa prevalência, estão: COMERCIALIZAÇÃO DIVULGAÇÃO PRESCRIÇÃO MÉDICA ACIDENTES SUICÍDIO COMERCIALIZAÇÃO A venda indiscriminada de medicamentos em farmácias e drogarias, facilitando o acesso ao medicamento. DIVULGAÇÃO As propagandas das indústrias farmacêuticas, principalmente nas mídias, induzindo o consumo de medicamentos não necessários. PRESCRIÇÃO MÉDICA Erros de prescrição médica e de dispensação farmacêutica. ACIDENTES Os acidentes por descuido (principalmente em crianças). SUICÍDIO Tentativas de suicídio (principalmente em mulheres jovens) (NUNES et al., 2017). No Brasil, o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox) possui um banco de dados estatísticos que registra intoxicações humanas ocorridas anualmente. Os dados são obtidos nos Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIAT) presentes em vários estados do Brasil que agrupam as notificações de intoxicação. SAIBA MAIS Dados do Sinitox já mostraram em alguns estudos que os medicamentos são responsáveis por 34% das intoxicações no Brasil. Em um estudo realizado no estado do Ceará, de 214 intoxicações, 99 casos foram associados exclusivamente aos medicamentos. O Centro de Assistência Toxicológica (CEATOX-CE) chegou a notificar 1.362 casos de intoxicação medicamentosa em um período de 4 anos (CARVALHO et al., 2017). As intoxicações, de maneira geral, são consideradas um grave problema de saúde pública em todos os países do mundo. Segundo informações disponibilizadas pelo Centro de Informações Antiveneno (CIAVE) da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), a principal causa apontada para esse problema é a grande quantidade de produtos químicos lançados anualmente no mercado para consumo das populações. EM PAÍSES DESENVOLVIDOS, O PERCENTUAL DE INTOXICAÇÕES ANUAIS PODE ATINGIR 2% DA POPULAÇÃO; EM PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO, 3%. NO BRASIL, AS ESTIMATIVAS GIRAM EM TORNO DE 3 MILHÕES DE INTOXICAÇÕES ANUAIS, SEM CONSIDERAR AS SITUAÇÕES SEM REGISTRO DEVIDO À SUBNOTIFICAÇÃO E ÀS DIFICULDADES DE DIAGNÓSTICO (CIAVE, 2009). ATENÇÃO Importante notar que o perfil de intoxicação varia em função dos padrões culturais, sociais e econômicos. De maneira geral, em países desenvolvidos, a ocorrência maior de intoxicações está relacionada a produtos químicos e medicamentos. Em países em desenvolvimento, além desses agentes, observamos envenenamento por animais peçonhentos, plantas venenosas e pesticidas agrícolas. Particularmente, por ter grandes polos industriais, o Brasil registra casos em excesso de intoxicações por produtos químicos utilizados na fabricação, manipulação, transporte e descarte. Além disso, o Brasil é grande consumidor de pesticidas, o que favorece intoxicações por uso excessivo e indiscriminado desses produtos (CIAVE, 2009). A intoxicação por alimentos também é uma grande preocupação. Durante a elaboração, a armazenagem, o preparo e o consumo do alimento, diversas etapas são cumpridas e os produtos podem sofrer diversos tipos de contaminação. Isso pode levar a intoxicações alimentares. Estudos realizados nos Estados Unidos já apontaram cerca de 6,5 milhões de casos de infecções e 9 mil óbitos em consequência da contaminação de alimentos. No Brasil, já contabilizamos 25.281 óbitos por doenças transmitidas por alimentos em um período de 4 anos, com uma média de 6.320 óbitos/ano de acordo com o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) (PERESI et al., 1998). Ainda no Brasil, cerca de1.400 casos por ano são atendidos e notificados com diagnóstico de intoxicação por acidentes com animais peçonhentos e plantas tóxicas. Dentre esses casos, mais de 100 estão associados à intoxicação alimentar (ALMEIDA et al., 2008). ATENÇÃO Importante ressaltar que, no Brasil, é obrigatória a notificação de intoxicação confirmada ou suspeita às autoridades de saúde. Deve ser realizada pelos médicos, profissionais de saúde ou responsáveis pelos estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, informando a ocorrência de suspeita ou confirmação da doença, de agravo ou evento de saúde pública. A notificação é realizada com o preenchimento da “Ficha de Investigação de Intoxicação Exógena”, no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), uma plataforma de domínio do Ministério da Saúde. Diante do exposto, percebemos que a intoxicação, principalmente por medicamentos, é um problema de saúde pública e, apesar de ter um agravo evitável, apresenta alta prevalência não só no Brasil como no mundo. A exposição a diferentes agentes tóxicos é um mal necessário para a evolução da cadeia de produção industrial, principalmente a indústria de alimentos, vestuário e medicamentos, entretanto, é importante atentar na paramentação adequada à manipulação e exposição aos agentes tóxicos, evitando assim acidentes desnecessários. PRINCIPAIS MECANISMO DE AÇÃO TÓXICA Este é o último vídeo da especialista Cristiane Paiva, que explica quais são os principais mecanismos de ação tóxica: VERIFICANDO O APRENDIZADO CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Como vimos, a Toxicologia é uma ciência ampla que evoluiu muito ao longo dos anos. Historicamente, a humanidade sempre se interessou em pesquisar diferentes substâncias que pudessem curar as enfermidades que as acometiam, mas que também pudessem punir seus inimigos provocando danos, quando não a morte. Muito se aprendeu com os erros na utilização de agentes tóxicos. Alguns episódios marcaram a humanidade de forma vitalícia, a exemplo o episódio da talidomida, entretanto, foram cruciais para uma reflexão acerca da utilização segura e eficaz de substâncias desconhecidas. Esses eventos também encorajaram a criação de agências e órgãos regulamentadores que hoje em dia atuam vigiando a liberação e uso de qualquer componente novo e potencialmente tóxico. A Toxicologia absorveu o estudo de muitos agentes diferentes e isso forçou sua subdivisão. Discutimos a respeito dos efeitos tóxicos dos toxicantes e as alterações fisiológicas e bioquímicas nos tecidos e órgãos. Ainda, falou-se sobre a relação de proporcionalidade entre as lesões, a exposição e a intensidade de sua ação. Concluímos que, para evitarmos esses efeitos, deve-se evitar o contato com tais agentes. No entanto, diante da necessidade de manipulação desses agentes, o ideal é uma exposição segura, com os riscos previstos e a paramentação adequada. PODCAST Agora, a especialista Cristiane Paiva encerra o tema fazendo um apanhado geral do que foi visto por você até aqui. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS ALMEIDA, A. B. M. et al. Epidemiologia das intoxicações medicamentosas registradas no Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas de 2012-2016. Saud. Pesq., Maringá (PR), vol. 13, n. 2, p. 431-40, 2020. ALMEIDA, C. F. et al. Perfil epidemiológico das intoxicações alimentares notificadas no Centro de Atendimento Toxicológico de Campina Grande, Paraíba. Rev. Bras. Epidemiol., São Paulo, v. 11, n. 1, p. 139-46, 2008. CARVALHO, I. L. do N. et al. A intoxicação por psicofármacos com motivação suicida: uma caracterização em idosos. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol., Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 134- 42, 2017. CENTRO DE INFORMAÇÕES ANTIVENENO. CIAVE. Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Apostila de Toxicologia básica. Bahia, 2009, p. 3-70. KLAASSEN, C. D.; WATKINS III, J. B. Fundamentos em Toxicologia de Casarett e Doull. 2. ed. Porto Alegre: Mc Grraw Hill, 2012. NUNES, C. R. de M. et al. Panoramas das intoxicações por medicamentos no Brasil. Rev. e-ciência, Juazeiro do Norte, v. 5, n. 2, p. 98-103, 2017. OGA, S. Fundamentos de Toxicologia. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 2008. PERESI, J. T. M. Surtos de enfermidades transmitidas por alimentos causados por Salmonella enteritidis. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 32, n. 5, p. 477-83, 1998. SCHVARTSMAN, C. Intoxicações exógenas agudas. J. pediatr., Rio de Janeiro, v. 75, n. 2, p. 244-50, 1999. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. FIOCRUZ. Sistema Nacional de Informações Tóxico- Farmacológicas. Casos registrados de intoxicação humana, de intoxicação animal e de solicitação de informação por agente tóxico. Rio de Janeiro, 2016. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. FIOCRUZ. Sistema Nacional de Informações Tóxico- Farmacológicas. Estatística anual de casos de intoxicação e envenenamento. Rio de Janeiro, 2017. EXPLORE+ A intoxicação no exercício de atividades laborais é uma questão que há muitos anos preocupa a humanidade. Um dos episódios emblemáticos de ocorrência de intoxicação ocupacional foi pontuada no filme Alice no País das Maravilhas, de 2010, dirigido por Tim Burton. No filme, o chapeleiro, interpretado pelo ator Johnny Depp, apresentava sintomas de intoxicação por exposição ao vapor de mercúrio. Na Inglaterra dessa época (Rei Eduardo VII - 1902), os chapéus eram tratados no vapor de mercúrio metálico para atender aos requisitos de elegância. Foi daí que surgiu a expressão: mad as a hatter; ou seja, tão louco quanto um chapeleiro. Para saber mais, leia o artigo intitulado Toxicidade Mercurial - Avaliação do Sistema Visual em Indivíduos Expostos a Níveis Tóxicos de Mercúrio de Luiz Carlos L. Silveira, Dora Fix Ventura e Maria da Conceição N. Pinheiro. Assista também ao filme Alice no País das Maravilhas e perceba os sinais e sintomas do Chapeleiro Maluco. CONTEUDISTA Luiza Villarinho Pereira Mendes CURRÍCULO LATTES Direito de uso de imagem: A EnsineMe reserva ao autor o direito de se manifestar. javascript:void(0); Toxicocinética e Toxicodinâmica Profº. Diego Rissi Carvalhosa Descrição O estudo da Toxicocinética e da Toxicodinâmica como conceitos fundamentais da Toxicologia para a compreensão dos mecanismos envolvidos no processo de intoxicação. Propósito O entendimento dos conhecimentos da Toxicocinética e da Toxicodinâmica são essenciais para que os profissionais que atuam nas diversas áreas da Toxicologia possam avaliar o potencial de risco dos agentes tóxicos, propor medidas para o tratamento de intoxicações e desenvolver metodologias analíticas para a determinação desses agentes. Objetivos Módulo 1 Absorção e distribuição dos agentes tóxicos Reconhecer os fatores que influenciam na absorção e na distribuição dos agentes tóxicos. Módulo 2 Armazenamento e eliminação dos agentes tóxicos Identificar os mecanismos relacionados ao armazenamento e à eliminação dos agentes tóxicos. Módulo 3 Agentes tóxicos e seus efeitos Relacionar os mecanismos de ação dos agentes tóxicos com seus efeitos. Módulo 4 Interações toxicológicas Reconhecer os mecanismos responsáveis pelas interações toxicológicas. De acordo com os princípios básicos da toxicologia, fica claro que, para haver um efeito tóxico, é preciso que o organismo entre em contato com uma substância tóxica (exposição) e que a intensidade desse efeito seja proporcional à quantidade administrada (dose). Existem inúmeros agentes tóxicos aos quais a população pode entrar em contato no seu dia a dia, seja no ar atmosférico, nos alimentos, na água, no ambiente de trabalho, de forma recreativa, em envenenamentos intencionais ou acidentais. Essas são as chamadas formas de exposição, na qual o agente entra em contato Introdução Orientações sobre unidade de medida Em nosso material, unidades de medida e números são escritos juntos (ex.: 25km) por questões de tecnologia e didáticas. No entanto, o Inmetro estabelece que deve existir um espaço entre o número e a unidade (ex.: 25 km). Logo, os relatórios técnicose demais materiais escritos por você devem seguir o padrão internacional de separação dos números e das unidades. 1 - Absorção e distribuição dos agentes tóxicos com o organismo e depois percorre um caminho até seu local de ação. O estudo dos mecanismos e fatores que influenciam esse caminho trilhado pelo agente tóxico no organismo é chamado de Toxicocinética e compreende os processos de: absorção, distribuição, metabolização e eliminação do agente tóxico. Ao chegar a seu local de ação, o agente interage com as estruturas do organismo por um mecanismo, também chamado de ação tóxica, e que resultará em um efeito nocivo. Esses mecanismos são estudados pela Toxicodinâmica. Na prática, os conhecimentos sobre Toxicocinética e Toxicodinâmica são fundamentais para prevenir e/ou minimizar a incidência de mortes ou doenças provocadas por agentes tóxicos, bem como para desenvolver tratamentos e antídotos eficazes para os casos de intoxicação. Orientações sobre unidade de medida Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer os fatores que in�uenciam na absorção e na distribuição dos agentes tóxicos. Absorção e distribuição de agentes tóxicos A absorção e a distribuição dos agentes tóxicos são processos que compõem os estudos de Toxicocinética. Nos casos de intoxicação, após entrar em contato com o organismo, o agente tóxico precisa ter a capacidade de atravessar as membranas celulares e chegar à corrente sanguínea por onde será transportado até seu local de ação. Desse modo, podemos chamar: Absorção O processo de passagem dos agentes tóxicos através das membranas desde o local de exposição até a corrente sanguínea. Distribuição Uma vez na corrente sanguínea, os movimentos dos agentes tóxicos pelo sistema circulatório (sangue e linfa) até os tecidos. Os processos de absorção e distribuição são influenciados por diversos fatores, em geral, classificados como: Fatores ligados à via de exposição Podemos destacar as vias dérmica (pele), oral e respiratória. Fatores ligados às características físico- químicas do agente tóxico A solubilidade, grau de ionização, tamanho da partícula, grau de ligação às proteínas plasmáticas. Fatores ligados ao organismo As características das membranas biológicas, pH no local de absorção, capacidade de biotransformação. Alguns agentes tóxicos não precisam ser absorvidos para exercerem seus efeitos, pois causam efeitos tóxicos locais, como lesões na pele e mucosas. Os cáusticos (soda cáustica, ácido muriático), substâncias que são ácidos ou bases fortes, são exemplos de agentes tóxicos locais. Saiba mais Na exposição pela via intravenosa, o agente tóxico é administrado diretamente na corrente sanguínea e não passa pelo processo de absorção. Transporte através das membranas celulares O transporte através das membranas celulares é um processo fundamental, quando se trata de absorção e distribuição de agentes tóxicos. As membranas de nossas células são organizadas em uma estrutura formada por uma bicamada fosfolipídica que configura uma barreira limitante para a passagem de substâncias estranhas ao organismo. Veja na imagem a seguir. Composição da membrana plasmática. Todos os agentes tóxicos que atingem a circulação sanguínea (exceto os que são administrados pela via intravenosa) atravessam as membranas. Esse processo pode ocorrer por diferentes mecanismos que dependem, principalmente, da lipossolubilidade do agente tóxico e da diferença de sua concentração no interior e no exterior da membrana (gradiente de concentração). O quadro, a seguir, apresenta os mecanismos de transporte através das membranas e de suas principais características. Mecanismo de transporte Características gerais Transporte passivo - Sem gasto de energia. Filtração - Moléculas pequenas, polares e hidrossolúveis. Difusão lipídica - Moléculas lipossolúveis; - Depende do grau de ionização e do pH do meio; - Depende do gradiente de concentração. Difusão facilitada - Realizado por proteínas carreadoras. - Depende do gradiente de concentração. Transporte ativo - Há gasto de energia; - Pode ocorrer contra um gradiente de concentração; - Mecanismo seletivo. Pinocitose - Processo especial semelhante à fagocitose; - Passagem de agentes tóxicos solubilizados; - Formação de vesículas pinocíticas. Quadro: Mecanismos de transporte pela membrana bilipídica das células e suas características Extraído de: OGA, 2014. Dentre os mecanismos acima, o mais relevante no que diz respeito aos agentes tóxicos, é o transporte passivo, em especial, a difusão lipídica. Nesse processo, a velocidade de difusão depende da lipossolubilidade e do grau de ionização do agente no local de difusão pela membrana. A lipossolubilidade de uma substância química é determinada pelo coeficiente de partição óleo/água, um parâmetro experimental que permite estimar que: quanto maior é esse coeficiente, mais lipossolúvel é a molécula, e mais fácil é sua passagem pelas membranas celulares. Saiba mais Lipossolubilidade é a capacidade de uma molécula de se dissolver em lipídeos, ou seja, moléculas mais apolares terão maior afinidade com os lipídios e, com isso, se difundirão de forma mais rápida e intensa pelas membranas celulares. Outro fator importante é que os agentes tóxicos precisam estar na sua forma química não ionizada para se difundirem passivamente pelas membranas. O grau de ionização depende do pH do meio e da constante de dissociação (pKa) e essa relação pode ser descrita pela equação de Henderson-Hasselbalch: Para os ácidos $$$ p K_{a}-p H=\log \frac{[\text { molécula não ionizada }]}{[\text { molécula ionizada }]} $$$ Para as bases $$$ p K_{a}-p H=\log \frac{\text { [molécula ionizada }]}{\text { [molécula não ionizada }]} $$$ Na prática, esse modelo matemático permite estimar, de acordo com o pH do meio (estômago, intestino, plasma, urina), se o agente se difundirá bem pelas membranas. Em geral, ácidos fracos se difundem melhor pelas membranas em meio ácido, enquanto as bases fracas se difundem melhor em meio básico. O esquema abaixo auxilia o entendimento dessa relação. Um exemplo prático dessa relação é a absorção do ácido acetilsalicílico, um medicamento utilizado para o tratamento da dor e da febre e que, em altas doses, pode causar efeitos tóxicos, como hemorragias. Por se tratar de uma substância de caráter ácido, sua absorção ocorre também no estômago, onde o pH do meio é ácido. Curiosidade A constante de dissociação das moléculas orgânicas corresponde ao valor de pH em que as bases e os ácidos fracos se encontram 50% na forma não ionizada e são chamados de pKb e pKa respectivamente. Considerando que: pKa=14-pKb, pode-se calcular o pKa para as bases fracas também, adotando esse termo como único. Vias de exposição e fatores que in�uenciam na absorção As principais vias de exposição aos agentes tóxicos são oral, respiratória ou pulmonar, dérmica e as vias parenterais. Veja, a seguir, um pouco mais sobre as características de cada uma delas. Oral É umas das vias mais relevantes na toxicologia, visto que boa parte das intoxicações acontece por essa via. Um fator determinante para a absorção do agente por essa via é a relação de pH do meio com o pKa da substância, já apresentadas anteriormente. No trato gastrointestinal, há diferenças regionais de pH que podem determinar diferenças qualitativas para absorção dos agentes tóxicos. A via oral tem relação direta com a biodisponibilidade dos agentes tóxicos. Isso porque todas as substâncias absorvidas no trato gastrointestinal são direcionadas para o fígado, onde serão metabolizadas previamente a sua chegada na corrente sanguínea. Esse processo é chamado de “efeito ou metabolismo de primeira passagem” e pode reduzir a biodisponibilidade das substâncias. Biodisponibilidade É caracterizada pelo percentual da dose de um fármaco administrado que atinge o local de ação ou o líquido biológico a partir do qual o fármaco terá acesso aoseu local de ação. Apesar de algumas substâncias ácidas serem mais bem absorvidas no estômago, grande parte delas é, quantitativamente, mais absorvida no intestino delgado. Isso porque o intestino possui um epitélio especializado na absorção, mais vascularizado e com uma área mais extensa por conta das microvilosidades. Saiba mais Biodisponibilidade é a fração inalterada do agente tóxico que chega à corrente sanguínea após os processos de absorção, sendo expressa em forma de porcentagem. Respiratória ou pulmonar É uma via importante para entrada de agentes tóxicos, principalmente em se tratando de substâncias voláteis e gases tóxicos. O principal fator limitante para absorção pulmonar de partículas suspensas no ar é seu tamanho, apenas partículas menores que 1µm são absorvidas para circulação sanguínea. Para a absorção de gases e substâncias voláteis, o fator limitante é sua solubilidade no sangue: quanto maior a solubilidade no sangue, maior será a difusão dos alvéolos pulmonares para a corrente sanguínea. Saiba mais Os alvéolos pulmonares são compostos por estruturas enoveladas (como um rolo de lã) e altamente vascularizadas. A área absortiva dos alvéolos pode chegar a 90 metros quadrados e, por isso, substâncias tóxicas podem ser rapidamente absorvidas e alcançar concentrações sanguíneas elevadas. Dérmica Nesta via, a absorção de agentes tóxicos é limitada pelo extrato córneo da pele, uma camada de células queratinizadas que funcionam como uma barreira protetora. Apenas substâncias muito lipossolúveis são capazes de se difundir pela pele e chegarem à circulação sanguínea. A presença de lesões na pele pode facilitar a absorção por essa via. Parenterais As vias parenterais (intravenosa, intramuscular, intradérmica, por exemplo) são relevantes na terapêutica e para algumas substâncias utilizadas como drogas de abuso, a exemplo da heroína. Na via intravenosa, o início dos efeitos é mais rápido e se dá de forma mais intensa, pois a substância é administrada direto na corrente sanguínea. Nas vias parenterais, o fator limitante é a viabilidade da substância de ser administrada. Curiosidade Há relatos do uso de bebidas alcoólicas pelas vias oculares (do inglês, vodka eyeballing), vaginal e anal, através de absorventes internos embebidos com vodca, chamados vulgarmente de “tampodka”. Nesses casos, a absorção ocorre de forma mais rápida e não há o efeito de primeira passagem. Os usuários buscam novas experiências ao intensificar os efeitos das substâncias, no entanto, essa é uma condição de risco e pode causar problemas de saúde, como cegueira. Fatores que in�uenciam na distribuição dos agentes tóxicos Uma vez na corrente sanguínea, os agentes tóxicos são transportados para os diversos tecidos de nosso organismo, incluindo o local de ação e possíveis locais de armazenamento. Esse processo é chamado de distribuição. Os locais para os quais os agentes tóxicos se distribuirão dependerão de fatores como o grau de perfusão sanguínea do órgão, o grau de ligação às proteínas plasmáticas, além da capacidade da substância de se difundir pelas membranas, como já estudado. Grau de perfusão sanguínea Tecidos muito irrigados de nosso organismo (coração, fígado, rins, encéfalo) recebem grande quantidade de agentes tóxicos, os quais se difundem mais rapidamente para aqueles. Após algum tempo, tecidos pouco irrigados (ossos, unhas, dentes e tecido adiposo) podem apresentar o agente tóxico, mas isso dependerá também da afinidade da substância por tais tecidos. Grau de ligação às proteínas plasmáticas Na corrente sanguínea, os agentes tóxicos podem ser transportados com uma fração ligada às proteínas plasmáticas, como a albumina, e uma fração dissolvida no plasma e que está livre para se distribuir para os tecidos. Com isso, o grau de ligação às proteínas plasmáticas influencia no volume de distribuição, visto que, quanto mais ligado às proteínas plasmáticas, menor será a distribuição dos agentes tóxicos para os demais tecidos, e assim vice-versa. Volume de distribuição É o parâmetro toxicocinético que indica a extensão da distribuição de uma substância. Esse índice indica o volume teórico dos compartimentos do organismo onde o agente tóxico estaria uniformemente distribuído e é expresso em litros (L). Saiba mais Nosso organismo é composto de membranas especiais que servem como proteção à entrada de substâncias estranhas em alguns compartimentos. Destaca-se a barreira hematoencefálica, que protege o sistema nervoso central; e a barreira placentária, que protege o feto. Ambas são compostas por estruturas anatômicas e funcionais que permitem selecionar as substâncias que se difundem por elas. Os mecanismos e fatores envolvidos nos processos de absorção e de distribuição de agentes tóxicos estão resumidos no esquema a seguir: Absorção e distribuição dos agentes tóxicos no organismo. Absorção e distribuição de agentes tóxicos Neste vídeo, o especialista irá apresentar os principais fatores químicos dos agentes tóxicos e fisiológicos que afetam as etapas de absorção e distribuição, trazendo exemplos, aplicações práticas e comparações entre o comportamento de diferentes moléculas e as condições durante esses processos. Vem que eu te explico! Os vídeos a seguir abordam os assuntos mais relevantes do conteúdo que você acabou de estudar. MÓDULO 1 Vem que eu te explico! Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 A toxicocinética é o estudo dos processos que ocorrem entre a exposição a um agente tóxico e sua chegada no local de ação, incluindo a absorção e a distribuição. A respeito dos fatores que podem interferir no processo de absorção de agentes tóxicos introduzidos pela via oral, assinale a alternativa correta: A O grau de ionização de um agente tóxico não tem influência na absorção pela via oral, visto que todos são bem absorvidos no estômago. B Um dos fatores limitantes para a biodisponibilidade de agentes tóxicos pela via oral é o efeito de primeira passagem. C Todos os agentes tóxicos são bem absorvidos pela via oral, com biodisponibilidade de 100%. D Os agentes tóxicos introduzidos pela via oral são rapidamente metabolizados apresentando efeitos mínimos. E Um agente tóxico precisa ser muito hidrossolúvel para ser bem absorvido pela via oral. Parabéns! A alternativa B está correta. O metabolismo ou efeito de primeira passagem é um dos principais fatores que limitam a biodisponibilidade de substâncias pela via oral. Todos os agentes tóxicos introduzidos por essa via são direcionados ao fígado onde são metabolizados em um primeiro momento, reduzindo a fração inalterada que chega até a corrente sanguínea. Questão 2 A distribuição é o processo toxicocinético responsável pela transferência do agente tóxico da circulação sanguínea para os diversos tecidos e pela amplitude com que isso ocorre. Considerando que a membrana celular é lipídica, que o mecanismo de transporte utilizado é a difusão passiva; e que a transferência é diretamente proporcional ao gradiente de concentração, assinale a alternativa que corresponde aos fatores que favorecem a distribuição de um agente tóxico pelo organismo. A Associação a proteínas plasmáticas, caráter molecular apolar e hidrossolubilidade. B Associação a proteínas plasmáticas, caráter molecular polar e lipofilicidade. C Não associação a proteínas plasmáticas, caráter molecular apolar e lipofilicidade. D Não associação a proteínas plasmáticas, caráter molecular polar e hidrossolubilidade. E Não associação a proteínas plasmáticas, caráter molecular apolar e hidrossolubilidade. 2 - Armazenamento e eliminação dos agentes tóxicos Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car os mecanismos relacionados ao armazenamento e à eliminação dos agentes tóxicos. No módulo anterior, vimos que os agentes tóxicos se distribuem inicialmente para tecidos mais irrigados. Após algum tempo da exposição, outrosórgãos com menor irrigação podem acumular grande quantidade de agentes tóxicos com os quais têm alta afinidade, funcionando como um depósito de substâncias. De forma concomitante à distribuição, inicia-se a etapa de eliminação dos agentes tóxicos, que consiste nos processos de excreção e biotransformação ou metabolização. Essa etapa tem por objetivo inativar o agente (destoxificar) e facilitar sua excreção por alguma via, de preferência, a renal. Dois parâmetros toxicocinéticos são importantes na eliminação: Tempo de meia vida (t1/2) Parabéns! A alternativa C está correta. Para um agente tóxico atravessar as membranas por difusão passiva e ser bem distribuído pelos tecidos do nosso organismo, ele precisa atender algumas propriedades fundamentais: ter baixa afinidade a proteínas, para que esteja livre (dissociado) e possa se difundir; seja apolar de modo a não interagir com outros sítios de polaridade; seja lipossolúvel (ou hidrofóbica), tendo afinidade pela porção lipídica da membrana; tenha baixo peso molecular e não estar ionizado, pois o grupo ionizado representa pontos de interações polares, o que diminui a lipossolubilidade. Tempo necessário para que a concentração plasmática de um agente tóxico seja reduzida em 50%. Depuração (Dp) ou Clearance (Cl) É a capacidade do organismo de eliminar uma substância. Armazenamento e redistribuição Os agentes tóxicos acumulados são liberados novamente na corrente sanguínea, a partir dos sítios de armazenamento, conforme diminui sua concentração no sangue. Esse processo é conhecido como redistribuição. A seguir, são apresentados os principais sítios de armazenamento de agentes tóxicos. Tecido adiposo Os agentes tóxicos altamente lipossolúveis acumulam-se no tecido adiposo devido à alta afinidade por ele. O acúmulo de substâncias nesse tecido ocorre de forma lenta, uma vez que é pouco irrigado, e o processo de redistribuição também é lento. Com isso, um agente altamente lipossolúvel pode permanecer por um longo período acumulado em um organismo com grande quantidade de tecido adiposo. Um exemplo de agente tóxico que se acumula nas gorduras são os inseticidas organoclorados, que foram banidos na maioria dos países devido a seus efeitos cumulativos nos organismos vivos e no meio ambiente, sendo considerados contaminantes persistentes. Ossos Os ossos são um local de depósito de agentes tóxicos, em especial os metais que podem ocupar o lugar e a função do cálcio, causando efeitos tóxicos e doenças como a osteomalácia. O chumbo é um exemplo clássico de metal tóxico que se acumula nos ossos. Após 30 dias de uma exposição, 90% do chumbo absorvido estarão ligados aos ossos e podem permanecer acumulados por mais de 30 anos. Fígado e rins O fígado e os rins são órgãos altamente irrigados e que acumulam boa parte dos agentes tóxicos absorvidos. Nesses órgãos, há uma alta concentração de metalotioneínas, proteínas de baixo molecular que têm grande afinidade por metais. O cádmio é um exemplo de metal que se acumula nos rins e pode causar efeitos tóxicos como necrose tubular e falência renal. Osteomalácia A osteomalácia é uma doença óssea, caracterizada por ossos frágeis e quebradiços, causada por uma deficiência na síntese da vitamina D e/ou por interferências no processo de retenção do cálcio (mineralização óssea). Eliminação Os agentes tóxicos, após serem absorvidos, são excretados em sua forma química inalterada ou modificados por uma ou mais reações que são chamadas de biotransformação. Ao contrário da absorção, um agente para ser bem excretado pela urina (principal via de excreção do organismo) precisa ser polar e hidrossolúvel. Para tornar os agentes lipossolúveis mais hidrossolúveis, nosso organismo recorre a um mecanismo bioquímico chamado de biotransformação ou metabolização. Quando um agente tóxico é biotransformado e perde seu efeito tóxico, consideramos que ele foi eliminado. Em seguida, ele será expulso do organismo por alguma via de excreção, completando o processo de eliminação. Comentário A biotransformação pode formar metabólitos ativos (bioativação) e até mais tóxicos que a substância de origem. Nesses casos, a biotransformação não configura uma etapa do processo de eliminação. Reações de biotransformação A biotransformação compreende todas as alterações químicas que ocorrem nos xenobióticos e são catalisadas por enzimas endógenas, as mesmas envolvidas em processos fisiológicos. As enzimas de biotransformação são distribuídas por todo o organismo, mas o órgão de maior concentração é o fígado. As reações de biotransformação são classificadas como de fase I ou pré-sintética e de fase II ou sintética. Reações de fase I As reações de fase I compreendem os processos químicos de oxidação, redução e hidrólise. Geralmente, resultam em aumento da hidrossolubilidade, tornam os compostos mais reativos para reações de inativação de fase I e fase II, ou ainda, em espécies reativas mais tóxicas do que a substância de origem. Xenobióticos Substâncias químicas estranhas a nosso organismo. Saiba mais As principais enzimas responsáveis pelas reações de oxidação e redução de xenobióticos são as que compõem o sistema citocromo P- 450 (CYP), também conhecido como sistema oxidativo microssomal. Trata-se de uma superfamília de isoenzimas (mais de duzentas famílias identificadas) localizadas na fração microssomal da membrana do retículo endoplasmático de nossas células. A biotransformação do etanol em nosso organismo, ilustrada a seguir, é um exemplo de formação de um agente mais tóxico (acetaldeído) por ação de enzimas de fase I (álcool desidrogenase) e posterior formação de um composto menos tóxico (ácido acético), também por reação de fase I (aldeído desidrogenase). Biotransformação do etanol Reações de fase II As reações de fase II consistem na conjugação do agente tóxico com moléculas endógenas e que resultam no aumento da hidrossolubilidade, facilitando a excreção pela via renal. As reações são catalisadas por enzimas transferases e denominadas de acordo com a molécula a ser conjugada: glicuronidação, sulfonação, metilação, acetilação, conjugação com aminoácidos e conjugação com a glutationa ou mercaptúrica. Saiba mais Alguns agentes tóxicos podem ser excretados em sua forma inalterada ou, então, serem diretamente conjugados em reações de fase II, sem passar pelas reações de fase I. Como exemplo, temos a morfina e a heroína, que podem ser diretamente conjugadas ao ácido glicurônico. A codeína, por exemplo, é um fármaco analgésico utilizado no tratamento da dor aguda, mas que pode ser potencialmente tóxico devido a seus efeitos depressores no sistema nervoso central. Ela pode ser excretada inalterada ou biotransformada por diferentes vias, conforme listadas a seguir, e indicadas na imagem: Glicuronidação Pode ser diretamente conjugado em uma reação de fase II, catalisada pela enzima UDP glicuroniltransferase-2B7 (UGT2B7), originando codeína-6-glucuronídeo (C6G). O-desmetilação É biotransformada em morfina, em reação de fase I catalisada pelo CYP2D6, uma isoenzima do citocromo P450. N-desmetilação Pode também ser biotransformada pelo CYP3A4, uma outra isoenzima do citocromo P450, formando o metabólito inativo norcodeína. Biotransformação da codeína. Fatores que interferem na biotransformação Os fatores que influenciam na biotransformação são divididos em: fatores internos – genéticos, de espécie, raça, gênero, idade, estado nutricional e estado patológico e fatores externos - indução e inibição enzimática. Veja a seguir: Fatores internos As diferenças entre espécies, raça e fatores genéticos podem determinar variações qualitativas e quantitativas na biotransformação. Com relação às diferenças de gênero, podem ocorrer variações na intensidade de biotransformação. As mulheres apresentam efeitos mais intensos ao consumir bebidas alcóolicas em comparação aos homens, sendo mais suscetíveis aos efeitos indesejáveis de uma embriaguez.
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