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COSMOVISAO_INDIGENA_E_AFRICANA_AULA 01

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COSMOVISÃO INDÍGENA E 
AFRICANA 
AULA 1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Awaju Poty 
 
 
2 
 
 
CONVERSA INICIAL 
No curso que estamos iniciando, vamos abordar a cosmovisão dos 
povos indígenas dando foco ao estudo da cosmovisão dos povos indígenas 
brasileiros e africanos. 
 Serão seis momentos, sendo que, neste primeiro, teremos uma 
apreciação introdutória à cosmovisão indígena. No segundo, veremos como os 
povos indígenas, dentro da sua visão de mundo, tratam a dor e a doença. No 
terceiro, colocaremos o foco na cosmovisão das principais nações indígenas 
brasileiras. No quarto, colocaremos o foco na cosmovisão das principais 
nações africanas. No quinto, veremos como a cosmovisão indígena se 
apresenta na contemporaneidade. E, no sexto e último momento, faremos o 
encerramento do curso tirando as nossas conclusões sobre os tópicos 
abordados, destacando o que de mais importante aprendemos com a 
cosmovisão dos povos indígenas, principalmente com os povos indígenas 
brasileiros e africanos. 
 Nesta primeira abordagem, faremos um estudo introdutório à 
“cosmovisão indígena brasileira e africana”, onde iremos buscar entender a 
maneira de ver e viver o mundo das culturas nativas do Brasil e da África. 
 O diálogo com as culturas ancestrais muito pode nos ajudar. Somente 
compreendendo este universo, iremos ampliar a nossa maneira de enxergar as 
coisas. Estudar a cosmovisão dos povos indígenas nos permite a rara 
oportunidade de trazer novos conceitos para a nossa vida e nos livrarmos de 
possíveis pré-conceitos. 
 Primeiramente, para compreender esta maneira diferente de ver o 
mundo, que possibilita a estas culturas um grau alto de conhecimento o qual as 
torna saudáveis, harmônicas com o meio ambiente e as perceptivas de outras 
realidades, e que, por nós, são pouco ou totalmente desconhecidas, teremos 
que apreciar alguns tópicos que nortearão a nossa investigação, tais como: 
saber que povos são estes que denominamos indígenas; conhecer quais são 
os elementos que caracterizam a sua cosmovisão; compreender a sua relação 
com o meio ambiente; e saber que conhecimentos são estes que os ajudam a 
 
 
3 
manterem-se saudáveis. Precisamos, também, aprender as características que 
distinguem um povo indígena da África de um povo indígena do Brasil. 
 
CONTEXTUALIZANDO 
A primeira vista, pode parecer que vamos apreciar um tema distante da 
nossa realidade cotidiana, mas, veremos que isso não é verdade. Trataremos 
de uma realidade que também permeia a nossa realidade cotidiana. 
 Esta realidade entra em nossas vidas quando tomamos um chazinho 
para ajudar na digestão, quando fazemos uma simpatia para afastar mal 
olhado, quando proferimos um dito popular. Também quando participamos de 
um folguedo, de uma festividade ou de uma dança tradicional. 
 Pode ainda estar no nome da cidade em que você mora, ou na 
montanha próxima ao lugar onde você vive, bem como no lago, ou no rio. 
Enfim, vamos estudar algo na qual a sua vida esta inserida, mesmo que você, 
até o presente momento, não tenha notado totalmente estes aspectos. 
 Vamos juntos descortinar uma realidade que parece pertencer ao mundo 
dos mistérios, dos seres encantados, mas que, como lhes alertei, é algo para o 
qual precisamos abrir os olhos, pois se encontra onde nós nos encontramos. 
 Esta realidade faz parte mais intensamente de povos que vivem junto à 
natureza, seja ela uma floresta, um deserto ou uma região glacial. Assim a eles 
e aos seus familiares, foi dado o nome de indígenas. Quanto à maneira como 
eles vivem e percebem o mundo, foi dado o nome de cosmovisão. 
 Trabalharemos com um foco especial na cosmovisão dos povos 
indígenas do Brasil e da África, por serem os que mais impactam a nossa 
própria maneira de perceber o mundo. Desta forma, ela será colocada em 
contraste com a maneira “ocidental e oriental”, por serem as outras duas 
realidades que nos perpassam. 
Para compreendermos a cosmovisão dos povos indígenas, algumas 
questões se destacam e precisaremos respondê-las para termos o 
entendimento deste tema. Neste primeiro momento, nos deteremos nas 
questões que são introdutórias ao estudo da cosmovisão indígena, pois, 
 
 
4 
somente compreendendo e respondendo estes conceitos iniciais, poderemos 
nos aprofundar nesse universo de conhecimento. As questões no caso são as 
seguintes: 
1. Que povos são esses que nós chamamos indígenas? 
2. Que elementos caracterizam a cosmovisão dos povos indígenas? 
3. Por que os lugares aonde eles vivem possui ar puro, água pura e 
ambiente preservado? A hipótese que traremos diz respeito às suas 
cosmovisões e a relação delas com a educação ambiental. 
4. Por que, assim como o ar é puro, a água é pura e a terra é preservada, 
os povos, que neste ambiente vivem, também possuem corpos e mentes 
saudáveis? Como no item anterior, traremos aqui também a assertiva de 
que este fator se deve à relação da sua cosmovisão e a preservação da 
memória ancestral e do que podemos denominar de “ecopsicologia”, ou 
seja, de uma psique envolvida com o meio ambiente, em que: corpo, 
mente, espírito e meio ambiente são partes de uma mesma unidade. 
5. Além disso, precisamos aprender a distinguir o que é similar e o que é 
diferente, nas várias cosmovisões dos povos indígenas do mundo e, em 
especial, dos povos indígenas brasileiros e africanos por serem os que 
estão mais próximos de nós. 
 
TEMA 1: POVOS INDÍGENAS 
Ficaram conhecidos como povos indígenas todos os povos tradicionais e 
nativos, isto é, povos que possuem sua identidade vinculada à natureza de um 
determinado lugar. São considerados indígenas brasileiros os povos que aqui 
habitavam antes da chegada dos colonizadores e que mantêm seu sistema de 
vida diferenciado do sistema de vida trazido pelo colonizador, o que não 
significa que com ele não tenha dialogado. 
Distingue-se o sistema de vida dos índios do dos colonizadores e seus 
descendentes, pelo impacto causado ao meio ambiente, por um e por outro, 
assim como a maneira de se relacionar social e espiritualmente com o mundo, 
com o seu semelhante e com os seus irmãos dessemelhantes, representantes 
dos outros reinos da natureza. 
 
 
5 
O mesmo acontece na África, o termo indígena é atribuído aos povos 
tradicionais em oposição aos residentes nas grandes cidades de perfil ocidental 
como, Cidade do Cabo, Johanesburgo, Nairóbi e outras metrópoles africanas 
(exemplo: cidade do Cairo). Outra diferenciação diz respeito ao complexo 
religioso e cultural, considerando-se povos indígenas os que se convencionou 
denominar de povos “xamânicos”, em oposição aos muçulmanos e cristãos. 
Atribuir à denominação de povos xamânicos, à sua cultura; de 
xamanismo, à sua maneira de compreender e viver a vida; e de xamã, aos 
sábios ou condutores deste saber, é outra maneira de se referir a uma mesma 
postura de vida. 
Esta posição, que bem define o que é um povo indígena, fica esclarecida 
pela declaração feita pelos participantes, em Buenos Aires, em 1996, da 
‘Conferência de las Partes Del Convênio sobre Diversidade Biológica’, os 
indígenas emitiram a seguinte nota: 
El conocimiento íntimo sobre abundancia biológica que los pueblos 
indígenas hemos tenído a lo largo de nuestra evolución ancestral 
forma parte de nuestras culturas. Por lo tanto existe uma 
interdependência inviolable: La naturaleza es um elemento vital para 
la supervivência de nuestras culturas; y esas culturas poseen um 
vasto conocimiento sobre la naturaleza, vital para la supervivência de 
la biodiversidad. Nuestra existencia cultural es vana, se convierte em 
folclore, si se rompe nuestra relación armoniosa com la naturaleza; es 
dicir, si no se reconoce a los pueblos indígenas como parte de la 
diversidade biológica. (MANDER, 2002, p.107) 
 
TEMA 2: COSMOVISÃO DOS POVOS INDÍGENAS 
Na busca de entendimento e na transformação dos entendimentos sobre 
o mundo que nos rodeia,temos de levar em conta que, ao mesmo tempo em 
que atuamos sobre o mundo físico, este atua sobre nós, de modo que nos 
encontramos ligados em um constante circuito de atividades e sensações. 
Porém, nem nós, enquanto humanidade, nem tudo o que nos rodeia, 
contemplam significados e definições suficientes se ignorarmos a relação com 
o outro, ou seja, sem ou outro, ou tudo aquilo que coexiste no universo, não 
seríamos nada, e vice-versa. A este fenômeno, de interdependência dos 
significantes, Vitebsky denomina “imagem de dependência mútua”: 
Esta imagem de dependência mútua caracteriza uma posição 
ecológica avançada, mas integra também a visão xamânica do 
 
 
6 
mundo em que todas as coisas possuem espírito próprio – e não 
apenas os animais, mas também as plantas e as rochas, o vento e a 
chuva. Em qualquer dos sistemas de crenças, a compreensão da 
natureza do espírito é um profundo problema teológico e psicológico. 
(VITEBSKY, 2001, p.12). 
 
Este tipo de cultura religiosa representa o fruto de milênios de 
experiência, e, simultaneamente, proporciona um modo de atuar sobre o 
mundo. O xamanismo é uma religião prática e pragmática e nunca apenas 
mística. O sentido de unidade que proporciona, não nega a identidade 
separada de fenômenos distintos. 
São muitas as categorias no interior do íntegro universo indígena. Há 
inúmeros espíritos individuais com forma, nomes e características que lhes são 
próprias. O sol e a lua talvez sejam irmãos, como no caso dos guaranis mbya, 
ou pai e mãe (Kwaray ru’ete e Jaxy, ou seja, pai e sagrada mãe), como no caso 
dos guaranis ñandewa. Porém, suas relações com os humanos serão 
salientadas e determinadas pelos mitos que explicam como surgiram, como se 
transformaram no que são e como afetam as nossas vidas. 
Entretanto, há um conceito fundamental para se compreender as 
sociedades africanas. Este conceito é um diferencial com relação às 
sociedades indígenas brasileiras e, também, com relação às outras sociedades 
indígenas do mundo, trata-se do conceito da “força vital”. No próximo módulo, 
nas aulas três e quatro, vou abordar mais detalhadamente as especificidades 
das visões indígenas, mas já, neste momento, é interessante conhecer este 
conceito, na medida em que é uma particularidade da cultura africana. 
A Força Vital sempre foi associada aos bantos. A importância desta 
categoria, porém, não se restringe a eles, podendo ser encontrada entre os 
povos da África Ocidental e Setentrional. Fábio Leite, por exemplo, pesquisou 
sobre a Força Vital entre os Agni - grupo Akan - e Senufos, civilizações 
agrárias da África Ocidental, na região habitada pelos iorubas. 
Segundo LEITE (1984, p. 34), Força Vital “refere-se àquela energia 
inerente aos seres que faz configurar o ser-força ou força-ser, não havendo 
separação possível entre as duas instâncias, que, dessa forma, constituem 
uma única realidade”. 
 
 
7 
A Força Vital, como vitalidade universal, não abrange apenas a relação 
do homem com a natureza, mas é capaz de individualizar-se nas relações 
entre o homem e a natureza. A profunda relação está nela sedimentada, uma 
vez que ela é a força capaz de gerir tal relação. Estas relações não se 
restringem apenas à relação homem-natureza, mas também incide sobre a 
realidade social, bem como sobre a relação do Homem com o sobrenatural, 
posto que é a fonte primordial da energia que engendra a ordem natural do 
universo. (OLIVEIRA, 2005, p.20) 
 
TEMA 3: COSMOVISÃO INDÍGENA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL 
Ser escolhido pelos espíritos, ensinado por estes a entrar em transe e a 
voar com as almas das pessoas até outros mundos, no céu, ou a descer por 
meio de enormes fendas até os mundos sob a terra, é uma atribuição delegada 
ao xamã ou ao pajé, mestres de uma tradição ancestral. Adquirir o poder de 
combater os espíritos e curar as vítimas, de enfrentar os inimigos e de livrar 
seu povo da doença e da fome, são aspectos das religiões vinculadas à 
natureza que ocorrem em muitas partes do mundo. 
Porém, quando um pajé (xamã indígena brasileiro do tronco Karai-Tupi-
Guarani) fala para outro mundo, ou fala de Ywy’marã’heym, a Terra-Sem-
Males, não pretende significar que ele esteja desligado deste mundo. Muito 
pelo contrário, estes mundos representam a verdadeira causa dos 
acontecimentos na sociedade em que vivemos. É um conhecimento 
largamente divulgado na comunidade que o integra. Assim, há muitas pessoas 
que podem ser pajé, em maior ou menor grau, conforme a sua capacidade de 
entendimento e a sua visão dentro desta mesma realidade. Esta é uma 
característica comum aos xamãs das muitas comunidades indígenas dispersas 
pelas florestas, desertos e geleiras de nosso planeta, aonde a terra, o ar e a 
água ainda são puros. 
Precisamos considerar que não é ao acaso que as regiões preservadas 
de nosso planeta estão em território indígena. São resultado de milênios de 
seleção, adaptação e cultivo de gerações que se sucederam, fazendo do seu 
meio ambiente, o que eles são hoje: as florestas são antropomórficas, ou seja, 
resultado do manejo consciente e de uma apurada tecnologia de preservação 
 
 
8 
ambiental, passada de geração em geração, por meio de um processo 
educativo presente nos mitos e sagas cantadas em versos pelos mestres da 
tradição. 
Em Sete de maio de 2002, o povo U’wa fez a seguinte declaração, 
quando da retirada da Occidental Oil Company de suas terras, após longa e 
penosa luta por seus direitos: “Nuestros princípios culturales incluyen la 
defensa del derecho a uma vida digna, y el respecto por La Madre Terra y el 
medioambiente. son los elementos esenciales y sagrados que dejamos como 
herencia a nuestros hijos, a nuestros nietos y a sus descendientes.” (MANDER, 
2002, p.108). 
Mandu’a Karai, minha amiga do povo Ñandewa, do Uruguai, coloca de 
uma maneira muito clara seu ponto de vista que esclarece com relação à 
consciência necessária para entendermos que fazemos parte de um todo, 
sendo que cada escolha que fazemos, em cada momento de nossas vidas, 
gera um efeito nessa totalidade da qual fazemos parte. Assim, somos 
responsáveis pelas consequências das decisões que tomamos. Diz: 
Ver al planeta em que vivimos como uma totalidad, como um 
organismo vivo, que es mucho más que la suma de sus partes. Todas 
las partes de este organismo se interrelacioban unas com otras, y de 
estas interrelaciones depende la vida de todos y cada uno de los 
seres vivos (...) mirarnos a nosotros mismos desde um lugar 
diferente, desde La naturaleza, que está em continua renovación, y 
desde esta nueva mirada, mirarla com otros ojos. Cambiar El punto 
de vista desde donde nos explicamos cotidianamente La vida. 
(Dominguez, 2016, p. 20). 
Nas culturas tradicionais da África, as coisas não acontecem de forma 
diferente, o mesmo respeito e consideração pela mãe terra, que encontramos 
entre os indígenas do Brasil, também é manifesto entre os quilombolas, 
afrodescendentes, e entre os nativos do continente africano, conforme bem 
observou Eduardo Oliveira: 
Com relação às sociedades africanas, uma das principais 
características também é a não apropriação individual do solo e o 
dever de transmiti-lo da mesma forma às próximas gerações. O 
homem deve ocupar o solo de acordo com os pactos com a terra 
selados por seus ancestrais. Esses pactos demonstram o profundo 
respeito e a importância arraigada na cultura desses povos no que se 
refere aos ancestrais. Esses pactos são respeitados, o que não 
impede que possam ocorrer pequenas transformações nesse espaço, 
como por exemplo, a terra pode ser repartida com terceiros (que não 
fazem parte da família) desde que a unidade produtiva mantenha o 
sustento da família extensa. Essas transformações, no entanto, não 
podem desestruturar o modelo tradicionalmente existente. 
 
 
9 
Quanto aos instrumentos de trabalho, também eles devem ser 
confeccionados da terra, ou seja, somente podem-se utilizar osinstrumentos que têm como matéria prima à própria terra e, por 
extensão, a natureza. Isso também é fruto do pacto estabelecido 
entre o Homem (sobretudo os ancestrais fundadores) e a terra 
(elemento natural fundamental e elemento sagrado por excelência). 
Os instrumentos de trabalho assim concebidos servem apenas para 
suprir o necessário à comunidade. Não há excedente na produção 
africana. O meio de produção (a terra) e os modos de produção (os 
instrumentos utilizados) destinam-se tão somente ao suprimento das 
necessidades vitais do grupo. Isso impede o desenvolvimento de 
tecnologias que favoreçam a acumulação do excedente a partir de 
técnicas artificiais de produção. (OLIVEIRA, 2005, P. 30). 
 
 Em suma, o que podemos observar entre os dizeres dos povos 
indígenas brasileiros e africanos, e a sua prática de vida, que preserva a 
natureza, e a pratica ocidental com seus desastres ecológicos, é o que nos 
sugere Teresita Domínguez (2016, p. 22): “Podemos ver los abusos que 
cometemos contra El médio ambiente como proyecciones de nuestra 
destrucctividad inconsciente”. 
 
TEMA 4: COSMOVISÃO INDÍGENA E SUA RELAÇÃO COM A MEMÓRIA 
ANCESTRAL 
Nas sociedades indígenas, sejam elas brasileiras ou africanas, é por 
meio da oralidade que se difunde o conhecimento desenvolvido pelos 
antepassados, sendo por este meio que, um agente muito importante, o 
contador de histórias, repassa os acervos ancestrais, tornando o processo de 
assimilação um ato partilhado pela comunidade. Como dinâmica social, a arte 
de contar é uma prática cerimonial, um ato de iniciação à cosmovisão de um 
povo. O contador, ao narrar os mitos, traz uma compreensão sobre a lógica 
dos mistérios. 
As narrativas também compreendem os mitos de origem. Estes são 
muito importantes para a sobrevivência dos índios que se encontram sobre o 
julgo de povos invasores (colonizadores), porque ajudam esses povos a tecer 
uma historia alternativa ou uma contra narrativa a narrativa dominante, que 
habitualmente, é depreciativa à sua cosmovisão. Os mitos de origem 
inauguram sempre um novo recomeçar do presente. 
Nessa difusão feita pelo contador, percebemos as vozes ancestrais, a 
memória, que se faz presente. Assim, a visão sobre o mundo se rearticula, 
 
 
10 
preservando ou renovando o vasto manancial do saber de um povo sobre si e 
sobre o outro. Neste esparso universo em que o índio esta inserido, ele busca 
preencher as lacunas que cabem ao mistério com um gesto de prazer pelo qual 
o mundo possível dá lugar ao meramente existente e que, feito voz, é tecido 
em narrativas. 
Edward Said tem uma excelente percepção sobre esse aspecto da 
memória, nos diz: 
A inovação do passado constitui uma das estratégias mais comuns 
nas interpretações do presente. O que inspira tais apelos não é 
apenas a divergência quanto ao que ocorreu no passado, mas 
também a incerteza se o passado é de fato passado, morto e 
enterrado, ou se persiste, mesmo que talvez sob outras formas. 
(SAID, 1995, p. 11) 
Por outro lado, precisamos considerar que a memória não diz respeito 
apenas ao tempo, mas também ao espaço. Isso porque, na sociedade 
moderna, temos o fenômeno do índio destribalizado e deslocado do seu lugar 
original, seja no caso do confinamento em reservas, ou do índio acoplado na 
periferia das grandes cidades. 
Não podemos desconsiderar que hoje o sujeito cria certeza de si 
mesmo/a, em contextos que estão em constante modificação, este contexto é 
uma categoria do espaço e da localização. 
 O fato de que memórias não dominantes (de índios, pessoas de cor, 
mulheres, homossexuais, migrantes) estão lutando por reconhecimento 
político-público faz com que o “fazer memória” ganhe uma nova vitalidade e, 
assim, a tensão entre perda e revitalização da memória torna-se objeto de 
suma importância para o entendimento da sociedade contemporânea e a lida 
com tradições. Isto acontece porque o diagnóstico possível tem consequência 
para a compreensão da nossa própria realidade. 
 
TEMA 5: RELAÇÃO ENTRE AS COSMOVISÕES DOS POVOS INDÍGENAS E, 
EM ESPECIAL, DOS POVOS INDÍGENAS BRASILEIROS E AFRICANOS 
A similaridade entre as culturas autóctones do Brasil e da África são bem 
maiores do que as suas dessemelhanças. As diferenças estão mais 
relacionadas com o meio ambiente, ou seja, com a diferenciação da fauna e da 
flora, do que com as suas visões de mundo. 
 
 
11 
A diferenciação apresenta-se, também, na expressão da sua 
compreensão do mundo, muito embora os fundamentos sejam semelhantes. 
Quero dizer com isso que são corpos diferentes que reagem de forma diferente 
às impressões que o mundo lhes causa. Como exemplo podemos dizer que 
interpretam musicalmente o mundo diferenciadamente. 
Os africanos apresentam uma música mais sincopada, ao passo que os 
índios brasileiros apresentam uma música mais tética (com rítmica constante e 
marcada nos tempos fortes). Mas as suas funções são semelhantes, pois tem o 
papel de dar vida ao canto e a dança, assim como de expressarem, 
musicalmente, os seus sentimentos e compreensões frente aos fenômenos da 
vida que os impacta. 
Os indígenas brasileiros possuem danças marcadas nos pés e pouco 
movimentam os quadris, ao passo que as danças africanas apresentam-se 
dando destaque ao arsis (deslocamento dos tempos fortes), dando ênfase no 
gingado do corpo (movimento dos quadris). Entretanto, as funções são 
similares e contemplam a ideia de integrar a comunidade em uma linguagem 
de movimentos, que os leva a uma comunhão com o universo em movimento e 
com a vida em constante mutação (dia e noite, estações, períodos de 
abundância e de escassez). 
As similaridades são grandes. Ambas as sociedades enxergam que tal 
como todas as pessoas são únicas e, no entanto, todas têm algo em comum, 
também todas as correntes de água e todas as montanhas têm um espírito 
único, com um nome e característica, e efeitos próprios sobre os seres 
humanos. Tais alternativas refletem as propriedades ambíguas do meio em que 
os animais, a paisagem e o clima nos podem alimentar ou destruir, em função 
da sua particular disposição no momento. 
Esta visão de mundo impregna determinantemente a concepção 
religiosa dos povos indígenas, dentro de uma catalogação que se 
convencionou denominar xamanismo. O xamanismo é uma religião prática e 
pragmática, e nunca apenas mística porque a sua função implica em uma 
interação com o meio ambiente, no sentido de que é possível a interferência 
humana nos fenômenos do espírito, do sobrenatural e do natural, seja com o 
uso de ervas, do canto ou da dança entre outros artifícios. 
 
 
12 
Poderíamos dizer que os africanos usam mais o sacrifício e os amuletos, 
enquanto os indígenas brasileiros fazem maior uso das ervas enteógenas e 
das defumações, mas isso se relativiza entre os diversos povos que 
compreendem a gama de índios, tanto africanos como brasileiros. 
Prefiro dizer, então, que a diferença entre as duas culturas esta na 
natureza dos corpos, dos climas e do meio ambiente, mais do que, 
essencialmente, na cosmovisão. Embora esta se expresse de maneira 
diferenciada, seja com relação ao panteão mítico, seja com relação à maneira 
de interagir com este panteão. Esta grande similaridade de percepção do 
mundo, no universo brasileiro, permitiu que houvesse grande interação entre as 
duas culturas nos ambientes de encontro, dando origem a muitas religiões 
sincréticas, onde os dois panteões se sobrepõem ou se complementam. 
 
SÍNTESE 
Neste primeiro momento do nosso curso, trouxemos alguns conceitos e 
um pouco da cosmovisão dos povos nativos do Brasil e da África e pudemos 
compreender porque estes povos vivem em harmonia com o seu meio 
ambiente. 
Certamente, quando você tomar um chazinho, ou participar de um 
folguedo tradicional, saberá da origem deste evento e irá compreender a que 
tipo de cosmovisão ele pertence. 
Agora, você sabe que é com ervas, tratamento fitoterápicoe com 
incenso, danças e rezas que os povos tradicionais e nativos, isto é, povos que 
possuem sua identidade vinculada à natureza de um determinado lugar, fazem 
a cura e restabelecem a harmonia de um individuo ou de um grupo tribal. 
Aprendeu, também, a perceber que um executivo do Cairo ou de São 
Paulo, com sua vida totalmente imersa no mercado de consumo, toda vez que 
torce para que seus negócios vão bem, é perpassado por uma cosmovisão 
indígena porque, por milhares de anos, esta foi a nossa postura perante o 
mundo. 
A falta de fé na vida, com a consequente depressão e pânico, é um 
fenômeno recente, faz parte da modernidade. Temos que levar em conta que 
 
 
13 
trazemos o indígena em nos, e que tanto mais saudáveis seremos quanto mais 
vivo ele se mantiver em nós. O indígena em nós é a natureza que possuímos 
com toda a sua pulsão de vida. 
O conhecimento da cosmovisão indígena traz o conhecimento de um 
paradigma complementar para a nossa sociedade urbana e abre um diálogo 
que muito pode ajudar na busca de soluções para a superação dos 
desequilíbrios que tanto prejudicam a saúde do homem contemporâneo e a 
natureza do planeta terra. 
 
REFERÊNCIAS 
DOMINGUEZ, Teresita. Así como adentro, afuera. Ed. Psicolibros, 
Montevideo, 2016. 
MANDER, Jerry. Guerra de paradigmas. Ed. Mander, Califórnia, 2002. 
OLIVEIRA, Eduardo David. Cosmovisão africana no Brasil. AM by Cassius 
for everyone. 2005. 
SAID, Edward. Cultura e Imperialismo. Cia das Letras, São Paulo, 1995. 
VITEBSKY, Piers. O Xamã. Ed. Evergreen, Koln, 2001.

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