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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE FARMÁCIA THAMIRIS CRISTINI DE LIMA ROCHA ESPOROTRICOSE: UMA DOENÇA NEGLIGENCIADA NO BRASIL E ALTAMENTE ENDÊMICA NO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO 2021 THAMIRIS CRISTINI DE LIMA ROCHA ESPOROTRICOSE: UMA DOENÇA NEGLIGENCIADA NO BRASIL E ALTAMENTE ENDÊMICA NO RIO DE JANEIRO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de bacharel em Farmácia. Orientadora: Profª Drª Livia Cristina Liporagi Lopes RIO DE JANEIRO 2021 RESUMO ROCHA, Thamiris Cristini de Lima. Esporotricose: uma doença negligenciada no Brasil e altamente endêmica no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2021. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Farmácia) - Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021. A esporotricose é uma doença causada por fungos do complexo Sporothrix, como Sporothrix schenckii, que teve seus primeiros casos descritos na literatura em 1907, e estavam relacionados a trabalhadores agrícolas e/ou profissionais que mantinham contato diretamente com o solo. Com o passar dos anos, tivemos uma mudança nesse perfil de pacientes acometidos por esta patologia. Atualmente, a maioria dos casos relatados está diretamente relacionado ao contato com felinos, e não mais com o solo. A consequência dessa mudança de perfil de contaminação foi o crescente número de casos, principalmente na região Metropolitana do Rio de Janeiro, onde vive-se uma epidemia da doença. O objetivo deste trabalho foi coletar informações atualizadas sobre o atual panorama da doença no Rio de Janeiro, buscando ressaltar a importância de medidas de ações sanitárias a serem tomadas. A metodologia aplicada para este estudo foi um levantamento bibliográfico com pesquisas em bancos de dados e coleções online da Elsevier Editora (ScienceDirect) e da biblioteca virtual de saúde do National Institutes of Health's National Library of Medicine (NIH/NLM – PubMed Central). Os critérios de inclusão foram artigos científicos que explorem o tema proposto, publicados entre os anos de 2010 e 2020, buscando as seguintes palavras-chave: Esporotricose/“Sporotricosis”, “Sporothrix”/“Sporothrix schenckii”, Negligenciada/“Neglected”, Rio de Janeiro, Brasil/“Brazil”. Adicionalmente, realizou-se uma pesquisa online para consultar documentos de organizações nacionais (ANVISA e Ministério da Saúde) e internacionais, contribuindo com dados para compor o presente estudo. Através dos levantamentos realizados, foi possível observar o aumento nos números de casos de esporotricose no estado do Rio de Janeiro a partir do ano de 2015, onde foram confirmados 792 casos, seguido pelos anos de 2016 e 2017, onde 1124 e 1375 casos foram confirmados, respectivamente. De acordo com os dados oficiais analisados, de 2013 a 2019, a esporotricose no estado do Rio de Janeiro acometeu, na maioria dos casos, pacientes do sexo feminino (64% dos acometidos), sendo a faixa etária de maior prevalência igual ou maior a 60 anos, estando esses casos mais concentrados na região metropolitana do estado do Rio de Janeiro e no município de Nova Iguaçu. Podemos concluir que houve uma mudança no perfil epidemiológico da doença, quando comparados aos anos anteriores, onde a doença era descrita por acometer trabalhadores rurais ou que tinham contato direto com o solo, e se concentrava nas regiões mais afastadas da região metropolitana. Palavras-chave: Esporotricose. Sporothrix. Negligenciada. Rio de Janeiro. Brasil. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus por ter me concedido forças para chegar até aqui. Agradeço a minha orientadora que prontamente aceitou este desafio junto comigo, sendo sempre muito solícita e motivadora. A minha família que sempre me incentivaram a dar o meu melhor, e sempre fizeram o possível e o impossível para que eu pudesse chegar até aqui. Aos meus amigos, que entenderam que minha ausência temporária era necessária, e mesmo distante, aturaram meus surtos de estresse. Principalmente aqueles que me acompanharam nessa trajetória: meu amigo e irmão que a UFRJ me deu, Ricardo; minha eterna dupla que me acompanhou do primeiro ao último período, Priscila; meu amigo mais ciumento, alegre e que sofreu junto comigo este período todo, Cleber; e ela que foi minha dupla no finalzinho, que me incentivava e segurou muito a peteca junto comigo, Babi. LISTA DE SIGLAS ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária AP – Área Programática CCZ - Centro de Controle de Zoonoses(CCZ) Paulo Darcoso Filho FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz IMMVJV- Instituto Municipal de Medicina Veterinária Jorge Vaitsman IPEC – Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas LAPCLIN-DERMZOO- Serviço de Zoonoses, atual Laboratório de Pesquisa Clínica em Dermatozoonoses em Animais Domésticos NIH/NLM - “National Institutes of Health's National Library of Medicine” SES-RJ – Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro SSKI - Solução saturada de iodeto de potássio LISTA DE FIGURAS Figura 1: Lesões de Esporotricose. A: cutânea localizada; B: linfocutânea; C: cutânea disseminada. Fonte: Nota Técnica 09 DVE/DVZ/COVISA/2020 - Vigilância e Manejo Clínico da Esporotricose Humana no Município de São Paulo, Prefeitura de São Paulo, 2020............................................................................................................................13 Figura 2: Lesões de esporotricose felina. Fonte: GREMIÃO, 2019...........................14 Figura 3: Evolução do número de casos de esporotricose em humanos no Rio de Janeiro. Dados compilados a partir dos dados oriundos de Schubach; Barros; Wanke, 2008............................................................................................................................20 Figura 4: Fluxograma de rotina para diagnóstico e tratamento da esporotricose desenhado com base nas informações consolidadas através da estrutura proposta pelo IPEC, gerado através dos dados de Barros et al, 2010............................................................................................................................21 Figura 5: Evolução dos números de casos suspeitos e confirmados de esporotricose no estado do Rio de Janeiro, de 2013 a 2019, conforme as informações consolidadas a partir dos Boletins Epidemiológicos Esporotricose 007/2016, 001/2018 e 001/2019. Dados compilados a partir dos dados oriundos dos Boletins Epidemiológicos Esporotricose 007/2016, 001/2018 e 001/2019.....................................................................................................................27 Figura 6:Representação do número de casos de esporotricose total nas populações caninas e felinas, de 2017 a 2020, com base no compilado de informações presentes no documento estatístico do Instituto Municipal de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária. Dados compilados a partir dos dados oriundos do Instituto Municipal de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária..............................................................................................................31 Figura 7: Relação entre os números de casos de esporotricose canina versus felina, de acordo com o compilado de informações presentes no documento estatístico do Instituto Municipal de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária..............................................................................................................32LISTA DE TABELAS Tabela 1. Distribuição dos Eventos de Capacitação realizados pela Vigilância e Assistência da Esporotricose Humana no estado do Rio de Janeiro, de 2011 a 2015............................................................................................................................26 Tabela 2. Compilado de informações do Perfil Epidemiológico da Esporotricose no estado do Rio de Janeiro, de 2013 a 2019, de acordo com os registros oficiais publicados pelos Boletins Epidemiológicos Esporotricose 007/2016, 001/2018 e 001/2019.....................................................................................................................28 Tabela 3. Número de casos de esporotricose total nas populações caninas e felinas, de 2017 a 2020, de acordo com a Área Programática no município do Rio de Janeiro, com base no compilado de informações presentes no documento estatístico do Instituto Municipal de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária..............................................................................................................30 Tabela 4. Dados estatísticos relacionados ao número de casos por ano de cães e felinos acometidos pela esporotricose. Informações compiladas e dados estatísticos calculados com base nas informações fornecidas pelo documento estatístico do Instituto Municipal de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária..............................................................................................................33 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 10 2. DESENVOLVIMENTO .......................................................................................................................... 11 2.1. Complexo Sporotrix schenckii ......................................................................................................... 11 2.2. Esporotricose – Transmissão da doença ......................................................................................... 11 2.3. Esporotricose – Aspectos Clínicos ................................................................................................... 12 2.4. Esporotricose – Tratamento ........................................................................................................... 15 2.5. Esporotricose – Diagnóstico...........................................................................................................16 2.6. A esporotricose e o gato/felino......................................................................................................17 2.7. A evolução da esporotricose no Rio de Janeiro .............................................................................. 19 3. OBJETIVO ............................................................................................................................................ 23 3.1. Objetivo Geral ................................................................................................................................23 3.2. Objetivo Específico ........................................................................................................................23 4. METODOLGIA.....................................................................................................................................24 5. RESULTADOS: Panorama Atual da Epidemia de Esporotricose no Rio de Janeiro ............................ 25 6. DISCUSSÃO ......................................................................................................................................... 34 7. CONCLUSÃO.......................................................................................................................................37 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................................... 38 10 1. INTRODUÇÃO A esporotricose é uma doença causada por fungos do complexo Sporothrix, como Sporothrix schenckii, que foi descrito pela primeira vez em 1898 por Benjamin Schenck, nos Estados Unidos (SCHENCK, 1898), tendo o primeiro caso descrito no Brasil em 1907 (LUTZ; SPLENDORE, 1907). Na maioria dos casos, trata-se de uma infecção benigna limitada à pele e ao tecido celular subcutâneo; porém, pode atingir ossos e órgãos internos e, em casos raros, pode ainda ser primariamente sistêmica, tendo início pulmonar (CARVALHO et al, 2002). Sua ocorrência é descrita em regiões de climas tropical e subtropical, sendo uma das micoses cutâneas mais frequentes na América Latina (CONTI DIAZ, 1989). Pode acometer indivíduos independentes do gênero, idade e/ou raça (BONIFAZ; VÁZQUEZ-GONZÁLEZ; PERUSQUÍA-ORTIZ, 2010), e é determinada, principalmente, pela possibilidade de contato com o agente etiológico, estando relacionado com certas atividades laborais (ROSA et al, 2005). A doença está relacionada a trabalhadores agrícolas e/ou profissionais que mantém contato diretamente com o solo, uma vez que o fungo se multiplica em matéria orgânica em decomposição. Enquanto mundialmente é conhecida como a doença que acomete jardineiros, agricultores e pessoas que têm contato com a terra, nos últimos anos têm sido conhecida como a doença do gato, no Rio de Janeiro, conforme descrito pelo Boletim Epidemiológico Esporotricose 007/2016. Desde 1998 o Rio de Janeiro apresenta uma hiperendemia de esporotricose por transmissão zoonótica pelo gato (BARROS et al, 2010). Na América do Sul, a maioria dos casos descritos é do Brasil (LOPES et al, 1999) onde, de acordo com Barros e colaboradores (2010), apesar do grande número de casos, apenas o estado do Rio de Janeiro alcançou proporções endêmicas. De acordo com os dados de diagnóstico da doença apresentados pelo IPEC (Instituto Pesquisa Evandro Chagas – Fundação Oswaldo Cruz), inicialmente em 1997 eram diagnosticados de 1 a 3 casos/ano, tendo atingido uma média de 43 casos/ano no ano 2000 (BARROS et al, 2010). Assim sendo, todos esses dados motivam o desenvolvimento desse estudo, com o objetivo de coletar informações atualizadas sobre o atual panorama da doença no Rio de Janeiro, ressaltando a importância de medidas e ações sanitárias a serem tomadas. 11 2. DESENVOLVIMENTO 2.1. Complexo Sporothrix schenckii Por muitos anos a esporotricose foi descrita como uma micose causada pelo fungo dimorfo Sporothrix schenckii, que está presente na natureza na sua forma filamentosa à 25°C e, quando presente no hospedeiro, na temperatura média de 37°C, se apresenta leveduriforme (GUARRO; GENE; STCHIGELI et al., 1999). A temperatura ideal para o crescimento do S. schenckii é em torno de 30 a 37°C (GOSH, 2002), enquanto a umidade relativa não pode ser inferior a 92% (KWON-CHUNG; BENNET, 1992). De acordo com Noriega e colaboradores (1993), o fungo prospera em solo rico em celulose, com uma faixa de pH de 3,5 a 9,4 e uma temperatura média de 31°C. Porém, estudos mais recentes demonstraram a existência de outras espécies de Sporothrix capazes de transmitir a doença. Utilizando sequenciamento genético, Heidriche e colaboradores em 2009 demonstraram que existe variabilidade genética entre as amostras de S. schenckii, sugerindo então que o gênero Sporothrix seja composto por um complexo de espécies. Sendo assim, foi adotada a nomenclatura de Complexo Sporothrix schenckii, o qual pertencem as espécies: S. schenckii strictu sensu, S. albicans, S. brasiliensis, S. globosa, S. luriei e S. mexicana (ZHOU et al, 2013). Essas espécies apresentam diferenças em suas distribuições geográficas e potenciais patogênico sem mamíferos. Na China encontra-se, predominantemente, S. globosa; na Áfricado Sul, S. schenckii; e no Brasil, S. brasiliensis. Destes, S. brasiliensis é considerada a espécie com maior fator de virulência, capaz de invadir tecidos animais e podendo levar o hospedeiro à morte (ZHANG et al., 2015). 2.2. Esporotricose – Transmissão da doença Muito conhecida como sendo a doença do jardineiro e/ou trabalhadores que lidam em contato com o solo, a esporotricose é transmitida através do contato com solo ou materiais orgânicos depositados no mesmo, que estejam contaminados pelo fungo Sporothrix spp. A doença pode ainda ser transmitida através de arranhões, mordidas ou contato com exsudato contaminado de lesões de gatos, quando o agente 12 etiológico é o S. brasiliensis ou S. schenckii, sendo assim, considerada uma doença zoonótica (ZHANG et al., 2015). S. schenckii é capaz de infectar o homem e diversos animais, que podem apresentar diferentes formas clínicas da doença (SCHUBAC; BARROS; WANKE, 2008). De acordo com Orofino-Costa e colaboradores (2017), atualmente o Brasil apresenta duas rotas de transmissão de esporotricose para o homem: uma rota considerada sapronótica, onde indivíduo se contamina através do contato direto com o solo e matéria orgânica em decomposição; e uma rota chamada de zoonótica, onde o indivíduo se contamina através de felinos. A forma de transmissão horizontal animal (gato-gato) é a mais difícil de ser controlada, dificultando o controle da epidemia. 2.3. Esporotricose – Aspectos Clínicos Com a epidemia de esporotricose zoonótica no estado do Rio de Janeiro, novas apresentações clínicas foram identificadas (LOPES-BEZERRA; SCHUBACH; COSTA, 2006), sendo proposta uma nova classificação para a doença. Anteriormente a esporotricose era classificada apenas de acordo com os quadros cutâneos e extra- cutâneos (BARROS et al, 2008), evoluindo posteriormente para uma classificação mais específica dentro da forma cutânea: cutânea-linfática, cutânea-localizada e cutânea-disseminada. De acordo com Lopez-Bezerra e colaboradores (2006), ainda podemos classificar clinicamente a esporotricose de acordo com a região do organismo que ela atinge. - Manifestações de pele (cutâneas): - Linfocutâneas (cutânea-linfática); - Cutâneas fixas (cutâneas localizadas); - Inoculações e Múltiplas (cutâneas disseminadas); - Manifestações nas membranas de mucosas: - Formas oculares; - Formas nasais; - Manifestações Sistêmicas: - Osteoarticular; - Disseminada; 13 - Pulmonar; - Neurológica; - Podendo evoluir para um quadro de sepse. Figura 1: Lesões de Esporotricose. A: cutânea localizada; B: linfocutânea; C: cutânea disseminada. Fonte: Nota Técnica 09 DVE/DVZ/COVISA/2020 - Vigilância e Manejo Clínico da Esporotricose Humana no Município de São Paulo. A esporotricose pode ainda apresentar uma manifestação imunorreativa ou apresentar uma regressão espontânea. Cães e humanos raramente irão desenvolver a forma disseminada da doença (SCHUBACH et al., 2015). Os gatos costumam desenvolver a forma disseminada, demonstrando assim a suscetibilidade da espécie ao agente (PIRES, 2017) (Figura 2). Em humanos, a manifestação mais frequente da doença é a cutânea (BARROS et al, 2008). 14 Figura 2: Lesões de esporotricose felina. Fonte: GREMIÃO, 2019. No geral o período de incubação da doença varia de 1 a 4 semanas, podendo durar cerca de 6 meses em casos mais raros (RAMOS-E-SILVA et al, 2007). Geralmente a forma mais comum da esporotricose é a sua forma cutânea, que neste caso, não costuma apresentar mais de 30 dias de incubação. O indivíduo desenvolve no local da inoculação um nódulo subcutâneo pequeno, firme e móvel. Posteriormente, este nódulo irá se tornar macio e formará uma úlcera ou cancro persistente. Nódulos adicionais irão se desenvolvendo à caminho dos vasos linfáticos, e irão progredindo para um ulceração. Em adultos, essa forma é mais comum nos membros superiores, enquanto que em crianças, aparece mais comumente na face(PATANGE et al, 1995). Na forma disseminada da doença, o período de incubação pode variar, sendo mais longo do que na forma cutânea. Normalmente acomete indivíduos que apresentam a saúde debilitada, seja devido a doenças de base ou por algum tipo de imunocomprometimento. Após a inoculação, ocorre a disseminação por via hematogênica apresentando lesões subcutâneas que, após algumas semanas ou meses, podem progredir para uma ulceração (CAMPBELL; ZAITZ, 2004). A apresentação mais rara da doença é a forma pulmonar que, por apresentar semelhança clínica com a tuberculose, acaba tendo um diagnóstico errôneo e/ou tardio. Nesta manifestação, o paciente pode apresentar febre, perda de peso, tosse 15 crônica, fadiga e anorexia. E devido ao diagnóstico tardio, o paciente pode acabar progredindo ao óbito (PLUSS; OPAL, 1986). 2.4. Esporotricose – Tratamento Inicialmente o tratamento da esporotricose cutânea era baseado na administração de soluções de iodo. Porém, por conta da elevada toxicidade do iodo, com o passar dos anos, o tratamento vem sendo substituído, apesar do iodo ainda ser muito utilizado, devido seu baixo custo (KAUFFMAN; HAJJEH; CHAPMAN, 2007; LOPES-BEZERRA; SCHUBACH; COSTA, 2006). O mesmo aconteceu no tratamento de formas cutâneas disseminadas, linfocutâneas recidivantes e extracutâneas, onde a anfotericina B era o fármaco mais efetivo, porém também apresentava restrições de uso devido sua baixa tolerabilidade (COSKUN et al, 2004), apresentando ainda nefrotoxicidade em até 30% dos pacientes com quadro de insuficiência renal aguda (KAUFFMAN, 1995). Além da solução de iodo e da anfotericina B, o tratamento pode ser realizado a base de itraconazol, terbinafina e fluconazol. A escolha do tratamento adequado será decidida pela condição clínica do paciente, a extensão das lesões cutâneas, a avaliação a respeito das interações medicamentosas, os possíveis eventos adversos, e a presença de envolvimento sistêmico ou não (BEZERRA; SCHUBACH; COSTA, 2006). Já o iodeto de potássio, além do elevado grau de toxicidade, apresenta um grande risco referente ao abandono do tratamento, uma vez que a posologia do mesmo se dá através de um fracionamento em muitas ingestões diárias, estando sujeito ainda ao aparecimento de vários efeitos adversos, como diarréia, vômitos, náuseas, acidose metabólica, hipertiroidismo, hipotireoidismo, dermatite herpetiforme e iododerma (STERLING; HEYMANN, 2000). O tratamento com itraconazol tem se mostrado eficaz nas formas cutânea fixa e linfocutânea da doença. Já o tratamento com fluconazol tem se mostrado menos eficaz do que itraconazol, e deve ser utilizado somente em pacientes onde não houve uma boa tolerabilidade ou haja interações medicamentosas ao itraconazol (KAUFFMAN; HAJJEH; CHAPMAN, 2000). Estudos têm demonstrado que a terbinafina tem sido eficaz e bem tolerada, assim como o itraconazol no tratamento das formas cutâneas (FRANCESCONI et al, 2011). Sua administração se dá por via 16 oral, sofrendo rápida absorção e distribuição na pele, unhas e tecido adiposo (RANG, 2004). Atualmente, o protocolo recomendado para tratamento de esporotricose se baseia na administração oral de 200mg/dia de itraconazol, durante 2-4 semanas, devendo ser mantido após o desaparecimento de lesões, geralmente com duração total de 3-6 meses de tratamento, em pacientes com lesões fixas ou linfocutâneas (BARROS et al, 2010). Já em casos nos quais o paciente não responda ao tratamento, recomenda-se a administração oral de 500mg de terbinafina duas vezes ao dia e 40- 50 gotas de solução saturada de iodeto de potássio (SSKI) três vezes ao dia. Em pacientes que não houve boa tolerabilidade de outros antifúngicos, a administração de 400-800mg/dia de fluconazol é recomendada. Para outras manifestações clínicas, como as sistêmicas, recomenda-se a combinaçãode itraconazol, terbinafina e anfotericina B (KAUFFMAN et al, 2007). 2.5. Esporotricose – Diagnóstico O diagnóstico da esporotricose se dá através da correlação de exames clínicos e laboratoriais com dados epidemiológicos regionais. Os exames laboratoriais podem ser feitos pela análise de espécimes, através de biópsia de tecidos ou pus de lesões. Para infecções disseminadas, podem ainda ser analisados materiais como escarro, urina, sangue, fluído cérebro-espinhal e fluidos sinoviais, de acordo com o órgão afetado (BARROS; PAES; SCHUBACH, 2011a). Em humanos, o exame de microscopia direto não se apresenta como uma boa alternativa, uma vez que as leveduras são pequenas, apresentando cerca de 2 a 6 m de diâmetro, bem como escassas nas lesões. Já nos casos em gatos, devido a alta carga de fungos nas lesões, esse exame apresenta uma boa eficácia no diagnóstico (BARROS; PAES; SCHUBACH, 2011a). Um dos métodos mais recomendados para diagnóstico de esporotricose é o isolamento e a identificação através da cultura celular (KWON-CHUNG; BENNET, 1992). O isolamento de S. schenckii é facilmente obtido após a sua semeadura em meio de ágar Sabouraud com cloranfenicol e cicloheximida (ágar Mycosel) (MORRIS- JONES, 2002). Levando em consideração que os métodos de cultura podem levar cerca de 5 a 7 dias para apresentar um resultado satisfatório, outros métodos foram sendo desenvolvidos para melhorar a velocidade do diagnóstico (REISS et al, 2000). 17 A detecção molecular de S. schenckii é um diagnóstico rápido e valioso nos casos nos quais há baixa carga fúngica, o que impossibilita a detecção através do exame de microscopia direta (BARROS; PAES; SCHUBACH, 2011a). Existe ainda a possibilidade de realização do teste cutâneo de esporotriquina, que detecta a hipersensibilidade tardia, sendo capaz de predizer se o indivíduo já expressou uma resposta imune celular ao agente etiológico. Porém, este teste é mais utilizado para fins de investigação epidemiológica, apresentando uma reação positiva para cerca de 90% dos casos confirmados de esporotricose, mas podendo indicar uma infecção anterior ou exposição prévia ao fungo (ITOH; OKAMOTO; KARIYA, 1986). Outra opção para o diagnóstico de esporotricose não muito utilizada é a detecção de anticorpos. De acordo com Barros e colaboradores (2011), é importante frisar que os resultados de todos os testes de detecção de anticorpos têm teor presuntivo, sendo um resultado positivo somente em casos nos quais há uma correlação clínica e epidemiológica de esporotricose. Somente após a avaliação da correlação clínica e epidemiológica pode-se determinar com precisão o diagnóstico final verdadeiramente positivo para esporotricose. 2.6. A esporotricose e o gato/felino O primeiro relato do papel dos felinos na transmissão de esporotricose ocorreu em 1980, onde relatou-se o envolvimento de cinco pessoas que mantiveram contato com um gato infectado pela doença (READ; SPERLING, 1982). Nos últimos anos têm- se notado o aumento no número de casos zoonóticos relacionado ao envolvimento de felinos. Sendo assim, se faz necessário destacar o papel dos mesmos na epidemiologia da doença (ANTUNES et al., 2009). De acordo com Barros e colaboradores (2010), de 1998 a 2009 foram registrados pelo IPEC, no estado do Rio de Janeiro, mais de 2 mil casos em humanos e mais de 3 mil em gatos, sendo a maior transmissão zoonótica desta micose já registrada. Com o aumento do número de casos de esporotricose em felinos, houve o surgimento de um novo grupo de risco, agora, composto por proprietários de gatos e veterinários (HIRANO et al., 2006, YESGNESWARAN et al., 2009). 18 Dentre os animais domésticos, os gatos são os que apresentam maior susceptibilidade a contaminação pelo S. schenckii. Não se sabe ao certo o motivo, porém acredita-se que esteja relacionado aos seus hábitos de cavar buracos e brincar com terra, além de brincarem e brigarem entre si, o que pode causar arranhões e outras lesões que podem funcionar como porta de entrada para o patógeno (ANTUNES et al., 2009). Cães também são afetados, porém não apresentam potencial significativo zoonótico (SCHUBACH et al.,2006). Uma das hipóteses levantadas por vários autores é que os gatos só possuem esse potencial de transmissão devido à grande quantidade de leveduras presentes nas lesões (TABOADA, 2000). A falta de estudos ambientais e moleculares, assim como a falta de conhecimento a respeito da resposta imune de felinos contra o fungo, não permite afirmar o motivo real dessa alta suscetibilidade dos gatos à infecção por esporotricose (BARROS et al., 2010; SCHUBACH et al., 2003). Um estudo realizado por Schubach e colaboradores (2004) analisou 347 casos de gatos com esporotricose, de 1998 a 2001. De acordo com o estudo, dos 347 casos analisados, 10 não apresentavam lesões de pele e 91 casos eram de gatos assintomáticos aparentemente saudáveis; 39,5% dos casos apresentavam múltiplas lesões, 34,9% estavam relacionados à lesões de mucosas do trato respiratório e digestivo, e apenas 19,3% dos casos desenvolveram a forma linfocutânea da doença. A esporotricose felina pode apresentar uma série de manifestações clínicas, desde uma forma subclínica que pode vir a progredir a múltiplas lesões cutâneas para forma disseminada, sendo fatal. Um dos maiores problemas da esporotricose felina é a dificuldade de manter o tratamento por um longo período, ressaltando ainda que nem todos os gatos respondem bem ao tratamento. Assim, é extremamente necessário que haja cooperação e persistência por parte do proprietário, para que o tratamento seja eficaz (SCHUBACH, MENEZES& WANKE, 2012). Atualmente, o tratamento de esporotricose felina é baseado nas administrações dos antifúngicos azólicos cetoconazol e itraconazol, os triazólicos posaconazol e fluconazol, os iodetos de sódio e potássio, a terbinafina e a anfotericina B (PEREIRA et al., 2009). A posologia do cetoconazol no tratamento de esporotricose felina varia de 5 a 27 mg/kg a cada 12 ou 24 horas por via oral (PEREIRA et al., 2010; SCHUBACH et al., 2012). Porém, este antifúngico tem sido substituído pelo itraconazol, salvo exceções, onde devido o custo do tratamento, prioriza-se o cetoconazol, que é mais 19 barato (PEREIRA et al., 2009). De acordo com Rosser e Dunstan (2006), a dose de itraconazol por via oral recomendada para a esporotricose felina varia de 5 a 10 mg/kg, a cada 12 ou 24 horas. Além disso, há certa dificuldade de realizar o diagnóstico precocemente, uma vez que as lesões de esporotricose se assemelham àquelas que ocorrem em outras dermatopatias de cães e gatos, como criptococose, leishmaniose, micobacteriose, neoplasias e piodermites, sendo importante a realização do diagnóstico diferencial (ANTUNES et al., 2009). Quanto mais rápido e preciso for feito o diagnóstico e iniciar o tratamento, maiores serão as chances de cura do animal, além de reduzir a taxa de transmissão. De acordo com Barros e colaboradores (2010), uma das principais problemáticas da epidemia zoonótica de esporotricose é que, ao detectar a contaminação do gato, principalmente quando o proprietário também se encontra infectado, o indivíduo teme que ocorram mais contaminações no seu domicílio e pode acabar abandonando o animal, ou ainda, sacrificando-o, o que favorece a disseminação da doença. O animal longe de sua residência não estará em isolamento, e acabará infectando outros animais. E naqueles casos nos quais o proprietário sacrifica o animal, o corpo do mesmo deve ser incinerado pois, caso contrário, poderá contaminar o solo que poderá servir de nova fonte de infecção para hospedeiros suscetíveis (Barros et al., 2010) . 2.7. A evolução da esporotricose no Rio de Janeiro A partir do final da década de 1990, o Rio de Janeiro começou apresentar aumento nonúmero de casos esporotricose, chegando então a assumir um status de epidemia. Dentro deste contexto, temos os felinos domésticos como maior fonte de transmissão da doença (BARROS et al., 2008; SILVA et al., 2012). Para que fique claro o quanto esses números estão aumentando cada vez mais, podemos observar a curva de crescimento abaixo (Figura 3), referente aos casos de esporotricose no estado do Rio de Janeiro de 1987 a 2017. 20 Figura 3: Evolução do número de casos de esporotricose em humanos no Rio de Janeiro. Dados compilados a partir dos dados oriundos de Schubach; Barros; Wanke, 2008. Como pudemos visualizar na figura 3, até 1998 só existiam 13 casos de esporotricose humana diagnosticados no Rio de Janeiro (SCHUBACH; BARROS; WANKE, 2008), o que corrobora com os dados de Barros e colaboradores (2010), que mostraram que até o ano de 1997 eram registrados de 1 a 3 casos/ano, tendo apresentado um pico de 9 casos em 1998. Em contrapartida, a partir do período de 1998 até 2004, tivemos um aumento no número de casos, apresentando um número 58 vezes maior do que no período anterior. Neste mesmo período, foram diagnosticados 1503 casos de esporotricose em gatos e 64 casos em cachorros (SCHUBACH; BARROS; WANKE, 2008). De 2008 a 2011 a cidade do Rio de Janeiro apresentou mais de 2340 casos em humanos, tendo uma média de 585 casos por ano, enquanto nos anos subsequentes, foram diagnosticados 1485 casos no ano de 2016 e 1741 casos no ano de 2017, que juntos totalizaram 3226 casos em apenas dois anos (SCHUBACH et al., 2012; Rio de Janeiro, Boletim Epidemiológico Situação Epidemiológica da Esporotricose, 2018). Em 1997, a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) criou dentro do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC) o Serviço de Zoonoses, atual Laboratório de Pesquisa Clínica em Dermatozoonoses em Animais Domésticos (LAPCLIN- 13 759 2340 3226 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 1987 - 1998 1998 - 2004 2008 - 2011 2016 - 2017 Número de Casos 21 DERMZOO/IPEC-FIOCRUZ), que seria destinado a estudar as leishmanioses e as micoses em animais domésticos de propriedade de pacientes assistidos no Serviço de Dermatologia Infecciosa do IPEC/Fiocruz, tendo registrado então, em 1998, o primeiro caso de um felino de propriedade de um paciente, posteriormente, identificando outros gatos na mesma residência e no entorno, também infectados pela esporotricose. Em 1999 a doença continuou avançando, apresentando um total de 29 casos, sendo 27 destes oriundos do contato com gatos doentes. No ano seguinte o IPEC diagnosticou 43 casos de esporotricose em humanos (BARROS et al., 2010). A partir do aumento no número de casos, o IPEC começou a traçar uma rotina para o diagnóstico e tratamento da esporotricose, conforme segue no fluxograma abaixo, para que fosse possível esclarecer os aspectos desta epidemia (Figura 4). Figura 4: Fluxograma de rotina para diagnóstico e tratamento da esporotricose desenhado com base nas informações consolidadas através da estrutura proposta pelo IPEC, gerado através dos dados de Barros et al, 2010. Com base nessa rotina, foram realizadas duas séries de um estudo de casos, sendo a primeira série de 1998 a 2001, tendo tido 178 pacientes atendidos, e a segunda série de 2002 a 2004, tendo atendido 572 casos. Uma das informações mais relevantes destes estudos é que o tempo de inicio de tratamento desde o aparecimento das primeiras lesões foi reduzindo. Foi possível evidenciar que a forma mais frequente da doença foi a linfocutânea, seguida da forma cutânea localizada. Como ponto de partida para o tratamento utilizava-se o itraconazol como droga de primeira opção. Porém, nos casos nos quais o paciente não apresenta condições de Exame Clínico Coleta de Dados Sociedemográfico s e Epidemiológico Coleta de Material para Diagnóstico Micológico Coleta de Material para Diagnóstico Diferencial Monitoramento de Eventos Adversos Tratamento Específico Acompanha mento Pós- Tratamento 22 acesso a essa medicação, era utilizado o iodeto de potássio. Dos 148 casos tratados com itraconazol, 89,6% apresentaram-se curados, 5,4% precisaram aumentar a dose de itraconazol (100mg/dia para 200 a 400mg/dia), e apenas 5,4% não responderam ao tratamento com itraconazol, sendo necessário a mudança para o iodeto de potássio (BARROS et al., 2010). Além do aumento no número de casos, nota-se a alteração do grupo mais acometido pela infecção. Se anteriormente tínhamos os profissionais que trabalhavam diretamente com o solo como sendo os mais acometidos, a realidade atual é outra. O grupo mais acometido pela doença são mulheres de 40 a 59 anos, de baixo nível socioeconômico, e que realizam atividades domésticas, sendo possível ainda traçar as regiões com maior ocorrência da doença no estado do Rio de Janeiro, estando essas localizadas na região metropolitana do estado, na capital e nos municípios de Nilópolis, São João de Meriti e Duque de Caxias (BARROS et al., 2010). Outro ponto que chama a atenção e contribui para a evolução desta endemia é a dificuldade de diagnóstico e tratamento para a doença, não somente em humanos, mas principalmente nos gatos. Há uma carência no diagnóstico preciso da esporotricose, devido à falta de treinamento e preparo das equipes de atenção básica de saúde, agravada pela falta de unidades suficientes que prestem serviços de diagnóstico e tratamento para os felinos. Atualmente no Rio de Janeiro temos duas unidades que prestam serviços para os felinos, ambas estão localizadas no município do Rio de Janeiro: o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) Paulo Darcoso Filho, localizado em Santa Cruz, e o Instituto Municipal de Medicina Veterinária Jorge Vaitsman (IMMVJV), na Mangueira. Tais localidades dificultam a continuidade do tratamento, pois nem todos os proprietários conseguem arcar com o transporte dos felinos até estas unidades com frequência, além de não haver a disponibilidade de tratamento gratuito para os felinos (BARROS et al., 2010). 23 3. OBJETIVO 3.1. Objetivo Geral: O objetivo deste trabalho foi coletar informações atualizadas sobre o atual panorama da doença no estado do Rio de Janeiro, buscando ressaltar a importância de medidas de ações sanitárias a serem tomadas. 3.2. Objetivos Específicos: - Descrever a ocorrência da esporotricose humana no período de 2010 a 2020; - Definir o perfil socioeconômico mais atingido pela esporotricose humana; - Definir o grupo de risco para a esporotricose humana; - Descrever a ocorrência da doença nos hospedeiros caninos e felinos; e - Descrever a dificuldade de controlar a expansão do número de casos da doença. 24 4. METOLOGIA Utilizamos como metodologia aplicada neste estudo o método observacional, através de um levantamento bibliográfico com pesquisas em bancos de dados e coleções online da Elsevier Editora (ScienceDirect) e da biblioteca virtual de saúde do National Institutes of Health's National Library of Medicine (NIH/NLM – PubMed Central). De acordo com os critérios de inclusão, foram selecionados artigos científicos que exploraram o tema proposto, publicados entre os anos de 2010 e 2020, buscando as seguintes palavras-chave: Esporotricose/“Sporotricosis”, “Sporothrix”/“Sporothrix schenckii”, Negligenciada/“Neglected”, Rio de Janeiro, Brasil/“Brazil”. Adicionalmente, realizamos uma pesquisa online para consultar documentos de organizações nacionais (ANVISA e Ministério da Saúde), contribuindo com dados oficiais acerca do panorama atual da pandemia. Ao todo, foram consultados 52 artigos, que deram embasamento para a parte de introdução e desenvolvimento deste trabalho. Porém, para fins de resultados, foram utilizados três BoletinsEpidemiológicos de Esporotricose, publicados pela Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, além do Boletim Epidemiológico publicado pela Coordenação de Vigilância de Zoonoses do município do Rio de Janeiro, e da Resolução SES Nº 674 DE 12/07/2013, ma vez que estes documentos forneceram as informações mais atualizadas a cerca do panorama atual do número de casos da doença e são as fontes oficiais para a obtenção de dados. 25 5. RESULTADOS Panorama Atual da Epidemia de Esporotricose no Rio de Janeiro No ano de 2013, devido o aumento no número de casos de esporotricose no estado do Rio de Janeiro, a doença passou a integrar a lista de agravos de notificação do estado do Rio de Janeiro, conforme estabelecido pela Resolução da Secretaria Estadual de Saúde (SERJ) n°674. Desde então, além dos números de casos estarem mais próximos à realidade vivenciada, medidas para tentar conter a expansão dos números de casos puderam começar a acontecer. Dentre as medidas tomadas desde então, destacam-se a capacitação de profissionais de saúde, bem como notas e informes técnicos contendo orientações para notificação e vigilância da doença. No do período de outubro de 2011 a julho de 2015, foram realizados 10 eventos de Capacitação pela Vigilância e Assistência da Esporotricose Humana no estado do Rio de Janeiro, contemplando 9 regiões do estado do Rio de Janeiro e impactando na capacitação de 313 funcionários das Secretarias Municipal e Estadual de Saúde. Apesar deste ciclo de capacitação ter se iniciado em 2011, só ganhou força a partir de 2013 (Tabela 1), quando a doença passou a integrar a lista de agravo de notificações compulsórias. O último ciclo de capacitação ocorreu em 2015, o I Encontro Estadual sobre Vigilância Integrada das Zoonoses e Doenças Transmitidas por Vetores, que contou com a participação de 90 profissionais lotados entre as 9 regiões onde as capacitações foram ministradas. 26 Tabela 1. Distribuição dos Eventos de Capacitação realizados pela Vigilância e Assistência da Esporotricose Humana no estado do Rio de Janeiro, de 2011 a 2015. Período: Regiões do RJ: Profissionais Capacitados: out/11 Metropolitana I e II 30 nov/13 Médio Paraíba 16 nov/13 Baixada Litorânea 21 dez/13 Metropolitana I 4 abr/14 Metropolitana I 31 ago/14 Centro Sul 32 set/14 Metropolitana I e II 23 out/14 Médio Paraíba, Baía de Ilha Grande, Centro Sul 45 nov/14 Metropolitana I 14 jul/15 Todas as 9 reigões do Estado - I Encontro Estadual sobre Vigilância Integrada das Zoonoses e Doenças Transmitidas por Vetores 97 Total: 10 eventos em 9 regiões 313 Fonte: Dados compilados a partir do Boletim Epidemiológico Esporotricose 001/2018. Através dessas rodadas de capacitação foi possível obter uma padronização das informações, gerando uma atualização contínua de dados, permitindo uma rápida tomada de decisão de acordo com o perfil da doença no estado do Rio de Janeiro. Ainda, devido à sua inserção na lista de agravos de notificação, de 2013 em diante passamos a ter um número de casos oficial publicado pelos Boletins Epidemiológicos de Esporotricose. Por se tratar de dados oficiais, utilizamos os números de casos publicados pelos Boletins Epidemiológicos de Esporotricose 007/2016, 001/2018 e 001/2019, que relatam os números de casos de 2013 a 2019, conforme demonstrados no gráfico abaixo (Figura 5). 27 Figura 5: Evolução dos números de casos suspeitos e confirmados de esporotricose no estado do Rio de Janeiro, de 2013 a 2019, conforme as informações consolidadas a partir dos Boletins Epidemiológicos Esporotricose 007/2016, 001/2018 e 001/2019. Dados compilados a partir dos dados oriundos dos Boletins Epidemiológicos Esporotricose 007/2016, 001/2018 e 001/2019. Como pudemos observar a partir de 2015, o número de casos suspeitos de esporotricose no estado do Rio de Janeiro começou a aumentar drasticamente. No mesmo ano foram registrados 1.177 casos suspeitos, no qual 792 destes tiveram diagnóstico de esporotricose confirmado. Porém, foi em 2017 que ocorreu o maior pico de casos da doença registrado: 1.741 casos suspeitos no estado, sendo 1.375 destes com diagnóstico positivo confirmado. Aparentemente os anos de 2018 e 2019 apresentaram uma queda nos números de casos suspeitos e confirmados. Porém, observa-se uma defasagem de informações entre um Boletim e outro. No Boletim Epidemiológico de Esporotricose 007/2018 foram publicados os casos de esporotricose de 2015 a 18 de maio de 2018, enquanto o Boletim Epidemiológico de Esporotricose 01/2019 não apresentou os dados atualizados referente ao ano de 2018, e incluiu apenas os casos de 2019 até 10 de dezembro de 2019. Desta forma não é possível concluir se realmente ocorreu uma queda verdadeira e significativa no número de casos nesses anos supracitados. 646 787 1177 1485 1741 319 242 564 521 792 1124 1375 219 214 0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 Casos Suspeitos Casos Confirmados 28 A partir dos Boletins Epidemiológicos de Esporotricose também concluímos que, conforme descrito na literatura, o perfil da doença tem apresentado uma mudança. Se antes a maioria dos acometidos eram homens que trabalhavam e/ou tinham contato direto com o solo, atualmente, 64% dos casos analisados durante esse período se tratava de pacientes do sexo feminino que, na maioria dos casos, exerciam atividades domésticas; e/ou ainda quando indivíduos do sexo masculino, uma maior prevalência em indivíduos maiores de 60 anos, provavelmente, já inclusos no perfil de aposentados. Com exceção do ano de 2018, que apresenta dados incompletos, os demais anos tiveram prevalência da faixa etária com maior número de casos em indivíduos com idade igual ou maior de 60 anos (Tabela 2). Tabela 2. Compilado de informações do Perfil Epidemiológico da Esporotricose no estado do Rio de Janeiro, de 2013 a 2019, de acordo com os registros oficiais publicados pelos Boletins Epidemiológicos Esporotricose 007/2016, 001/2018 e 001/2019. Ano: Número de Casos Suspeitos Número de Casos Confirmados Números de Casos Confirmados - Sexo Masculino Números de Casos Confirmados - Sexo Feminino Faixa etária com Maior Número de Casos Regiões com Maior Número de Casos 2013 646 564 34% 66% - - 2014 787 522 33,50% 66,50% - - 2015 1.177 792 34,10% 65,90% Maior ou igual 60 anos Metropolitana 1 e Nova Iguaçu 2016 1.485 1.124 35,60% 64,40% Maior ou igual 60 anos e 40-49 anos Metropolitana 1 e Nova Iguaçu 2017 1.741 1.375 38,60% 61,40% Maior ou igual 60 anos Metropolitana 1 e Nova Iguaçu 2018 319 219 37,90% 62,10% 50-59 anos Metropolitana 1 e Nova Iguaçu 2019 242 214 37,85% 62,15% Maior ou igual 60 anos e 50-59 anos Angra dos Reis Total 6397 4810 36% 64% - - Fonte: Boletins Epidemiológicos Esporotricose 007/2016, 001/2018 e 001/2019. 29 Como observado na Tabela 2, a esporotricose apresentava-se muito concentrada na região Metropolitana do Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense, principalmente no município de Nova Iguaçu, até o ano de 2018. Porém, de acordo com as informações do Boletim de Esporotricose 001/2019, neste ano, a maioria dos casos foi registrada no município de Angra dos Reis, na Costa Verde do estado do Rio de Janeiro. Dos 214 casos confirmados no ano de 2019, 81 destes foram notificados no município de Angra dos Reis, ou seja, 38% dos casos estavam concentrados nesta região, seguido pelos municípios de São Gonçalo (38 casos), Magé (37 casos) e Petrópolis (29 casos). O município do Rio de Janeiro apresentou apenas 4 casos notificados e nenhum caso registrado no município de Nova Iguaçu. Como pudemos observar no desenvolvimentodo trabalho, de acordo com os dados descritos mais atuais na literatura, uma das principais fontes de transmissão de esporotricose no estado do Rio de Janeiro têm sido os felinos. Por conta disso, achamos válido ressaltar o impacto da esporotricose nesta população. Atualmente não há um levantamento consistente em relação ao número da populações canina e felina saudável e nem acometida pela doença, não sendo possível determinar o quanto estas populações estão sendo afetadas. Porém, no município do Rio de Janeiro, o Instituto Municipal de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária apresenta uma estimativa do número de cães e felinos baseada na população humana do município registrada pelo censo do IBGE 2010. De acordo com o documento disponível no site da Prefeitura do Rio de Janeiro a população canina estimada no município representa 10% da população humana, enquanto a população felina representa 20% da população canina. Logo, podemos estimar a partir do censo do IBGE 2010 que, se tínhamos uma população humana de 6.320.446, temos então uma população de mais de 630 mil cães e 126 mil felinos. Este documento apresenta os números de casos registrados de esporotricose em cães e felinos, nos anos de 2017 a 2020 (atualizado até 30 de novembro de 2020). Estes casos foram agrupados de acordo com a Área Programática (AP), conforme a Tabela 3, o que nos permite identificar as regiões dentro do município do Rio de Janeiro, com maior prevalência da doença em cães e felinos. Assim, é possível concluir que as regiões mais acometidas pela doença nessas populações tem sido a Zona Oeste, nos bairros de Campo Grande e Guaratiba, e Santa Cruz, pertencentes às APs. 5.2 e 5.3, respectivamente. Em contrapartida, as regiões da Zona Sul (AP. 30 2.1) e Grande Tijuca (AP. 2.2), apresentaram os menores índices da doença em animais. Tabela 3. Número de casos de esporotricose total nas populações caninas e felinas, de 2017 a 2020, de acordo com a Área Programática no município do Rio de Janeiro, com base no compilado de informações presentes no documento estatístico do Instituto Municipal de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária. 2017 2018 2019 2020 Total: Área Programática (AP): Total Total Total Total Número de Casos Totais Por Região: 1.0 - Região Central 316 133 60 52 806 2.1 - Região Zona Sul 85 39 15 13 219 2.2 - Região Grande Tijuca 95 40 31 20 277 3.1 - Região da Leopoldina e Ilha do Governador 362 168 135 91 1150 3.2 - Região do Grande Méier 390 112 94 66 934 3.3 - Região de Irajá, Madureira, Anchieta e Pavuna 468 177 126 124 1322 4.0 - Região Grande Jacarepaguá e Barra da Tijuca 208 107 119 82 824 5.1 - Região de Realengo e Bangu 244 230 297 209 1716 5.2 - Região de Campo Grande e Guaratiba 919 841 1.152 802 6509 5.3 - Região de Santa Cruz 927 1000 1.109 805 6755 Total: 4.021 2.847 3.139 2.276 20545 Fonte: Instituto Municipal de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária. Assim como observamos um aumento no número de casos de esporotricose em humanos no ano de 2017, no mesmo período ocorreu o maior pico no número de esporotricose na população canina e felina durante os anos analisados (Figura 6). 31 Figura 6: Representação do número de casos de esporotricose total nas populações caninas e felinas, de 2017 a 2020, com base no compilado de informações presentes no documento estatístico do Instituto Municipal de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária. Dados compilados a partir dos dados oriundos do Instituto Municipal de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária. Quando analisamos a relação entre os números de casos entre cães e felinos é notório que o número de casos felinos prevalece (Figura 7), mesmo a população canina sendo cinco vezes maior do que população felina, de acordo com a estimativa do levantamento do Instituto Municipal de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária. 4021 2847 3139 2276 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500 2017 2018 2019 2020 Casos de Esporotricose na População Canina e Felina entre os anos de 2017 e 2020 Número de Casos Totais de Caninos e Felinos 32 Figura 7: Relação entre os números de casos de esporotricose canina versus felina, de acordo com o compilado de informações presentes no documento estatístico do Instituto Municipal de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária. Ao realizar um comparativo entre os números de casos canino versus a expectativa da população canina, temos um número inferior a 0,03% de cães acometidos por ano, enquanto a mesma comparação em felinos apresenta uma média de 2,54% da população felina acometida por ano (Tabela 4). No acumulado dos quatros anos analisados foram registrados 312 casos de esporotricose canina no município do Rio de Janeiro, enquanto no mesmo período foram registrados 12.814 casos de esporotricose felina. Esse número de casos canino e felino representa apenas aqueles que chegaram ao conhecimento das autoridades municipais, uma vez que muitos casos não são registrados, seja por falta de diagnóstico ou por serem animais de rua (abandonados/sem proprietários) (Tabela 4). 3925 2779 3055 2212 96 68 84 64 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500 2017 2018 2019 2020 Número de Casos de Esporotricose na População Canina e Felina Número de Casos Felinos Número de Casos Caninos 33 Tabela 4: Dados estatísticos relacionados ao número de casos por ano de cães e felinos acometidos pela esporotricose. Informações compiladas e dados estatísticos calculados com base nas informações fornecidas pelo documento estatístico do Instituto Municipal de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária. Ano: Número de Casos Caninos: (%) de Caninos Contaminados: Números de Casos Felinos: (%) de Felinos Contaminados: 2017 96 0,02% 3.925 3,11% 2018 68 0,01% 2.779 2,20% 2019 84 0,01% 3.055 2,42% 2020 64 0,01% 3.055 2,42% Total: 312 0,01% 12.814 2,54% 34 6. DISCUSSÃO A partir da inserção da esporotricose humana na relação de Doenças e Agravos de Notificação Compulsória no Estado do Rio de Janeiro, no ano 2013, pudemos notar o surgimento de dados cada vez mais detalhados possibilitando uma rápida tomada de decisão pelas autoridades locais, como, por exemplo, o aumento do número de eventos de Capacitação realizados para os funcionários das secretarias de saúde, que anteriormente, havia ocorrido apenas uma única vez, no ano de 2011. Ressalta- se que estes eventos contribuíram para o que número de casos diagnosticados corretamente aumentasse, uma vez que muitos casos anteriormente acabavam sendo diagnosticados de maneira errônea, o que pode ter favorecido a disseminação da doença na região. Observamos que há uma correlação entre os números de casos em humanos e população canina e felina, como visto no ano de 2017, onde ambas as populações apresentaram os maiores números de registros de casos confirmados. Mesmo as informações oficiais possuindo âmbitos diferentes, uma vez que os dados caninos e felinos são de origem municipal, enquanto os dados de humanos são de origem estadual, é notório que a partir deste ano houve um aumento no número de casos tanto na população humana quanto na população canina e felina. Como relatado anteriormente, não podemos concluir que nos anos de 2018 e 2019 o número de casos de esporotricose em humanos apresentou uma drástica queda, uma vez que os períodos analisados não contemplam o ano todo nesses dois casos. Ressalta-se ainda que não há nenhuma informação oficialsobre o número de casos de esporotricose humana no estado do Rio de Janeiro durante o ano de 2020. O ponto chave desta revisão dá-se por conta da comprovação de que o perfil epidemiológico dos pacientes acometidos pela esporotricose humana no estado do Rio de Janeiro tem sofrido alterações. Se antes tínhamos como grupo prevalente com maior número casos confirmados homens que mantinham atividades relacionadas com o solo, como colheita e plantio agrônomo ou jardinagem, conforme descrito previamente na literatura, no atual cenário temos uma prevalência dos casos em mulheres, que em sua maioria são responsáveis por atividades domésticas. Adicionalmente, a faixa etária de maior prevalência abrange indivíduos acima dos 60 anos, provavelmente na faixa da aposentadoria, passando assim um maior tempo no ambiente doméstico. 35 Esse distanciamento da prevalência dos números de casos em humanos nas regiões agrícolas/de campo acaba refletindo o aumento da prevalência nas regiões urbanas, como a região Metropolitana e os municípios da Baixada Fluminense do Rio de Janeiro. Ou seja, a mudança no perfil dos pacientes acometidos está diretamente relacionada às regiões endêmicas. Quando correlacionamos essa mudança de perfil epidemiológico com os achados literários, que já indicavam que o aumento no número de casos esporotricose em humanos estava relacionado com o aumento de número de casos felinos, concluímos que população mais acometida pela doença é a população que mais tem contato com os animais domésticos. Aposentados e mulheres que se dedicam à atividades domésticas acabam ficando responsáveis pelo cuidado de animais doméstico, como felinos, bem como pela limpeza do ambiente, aumentando assim a possibilidade de exposição e o risco de contaminação. Um dos maiores motivos que fazem com que os felinos estejam diretamente relacionados à epidemia atual é que, uma vez contaminados, facilmente se tornam um transmissor em potencial da doença. Estes podem se contaminar através do solo, fazendo movimentos para cavar na terra, de modo que ambiente contaminado serve como foco de transmissão da doença. Um segundo ponto a ser destacado é que, ao ser contaminado, o animal pode brigar com outros animais, mesmos aqueles animais domésticos que ainda tem o hábito de irem para rua, fazendo com que a população felina de rua e doméstica acabem se contaminando de maneira cruzada. E por último e mais relevante, deve-se ressaltar que o tratamento da esporotricose em felinos é longo e atualmente só existem duas unidades no Rio de Janeiro que oferecem esse tratamento de maneira gratuita para estes animais. Por conta da dificuldade de adesão ao tratamento e medo de que outras pessoas da família e/ou outros animais domésticos possam se contaminar, muitas vezes, ao ser diagnosticado com a doença, este felino acaba sendo abandonado pelas ruas, ou ainda sendo sacrificado pelo dono, e abandonado sem que seja realizada a incineração do corpo, podendo assim contaminar o solo e contribuir para o ciclo da doença. Uma das maiores problemáticas do controle da epidemia de esporotricose no estado do Rio de Janeiro é que a maioria dos casos está centralizado em regiões mais pobres do estado, tornando a esporotricose uma doença negligenciada. Na região 36 metropolitana, quando relacionamos os casos de esporotricose em felinos e caninos, de acordo com as APs, as regiões com histórico de menor poder aquisitivo apresentam a maior concentração de casos registrados, enquanto as regiões da Zona Sul, Barra da Tijuca, Jacarepaguá e Grande Tijuca, que são as regiões que apresentam uma população com maior poder aquisitivo, apresentam número de casos são menores. Este panorama de concentração da doença em regiões de menor poder aquisitivo pode ainda gerar um agravamento no empenho das grandes indústrias farmacêuticas no desenvolvimento de tratamentos mais eficazes, o que poderia reduzir o tempo de tratamento e, principalmente, o desenvolvimento de vacinas, uma vez que a população mais acometida pela doença não representa uma população de compradores de potencial para as indústrias farmacêuticas. O desenvolvimento de vacinas para cães e felinos seria de suma importância para o controle desta epidemia, uma vez que o animal contaminado não possui controle sob a disseminação desta doença, e acaba transmitindo a mesma para outros animais ao seu redor. 37 7. CONCLUSÃO Apesar de ser uma doença que, na maioria dos casos, evolui de forma branda, a esporotricose pode levar a óbito pacientes que possuam comorbidades e/ou sejam imunocomprometidos, requerindo que medidas de contenção devam ser tomadas com urgência. Para isto, é necessário que hajam esforços das organizações públicas, uma vez que não é uma área de interesse das grandes indústrias farmacêuticas. O número de casos de esporotricose em humanos está cada vez mais concentrado na região metropolitana do estado do Rio de Janeiro e nas cidades vizinhas urbanizadas, estando esta epidemia diretamente relacionada aos números de casos em felinos, tratando-se assim de uma epidemia zoonótica, necessitando que haja uma política de controle dessa zoonose com urgência. Para concluir, ressalto ainda algumas medidas que impactariam na redução do número de casos de esporotricose no estado do Rio de Janeiro: - Ampliação do número de postos de atendimento que oferecem tratamento gratuito para felinos; - Realizações de ações de controle da esporotricose em animais; - Ampliar a divulgação de informações acerca da esporotricose para a população; - Estimular as organizações públicas e privadas para o desenvolvimento de vacinas para animais e o desenvolvimento de medicamentos que permitam um tratamento a curto prazo. 38 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES T. A. et al. Micologia Veterinária. 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