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CRUZ, Bárbara_Confluencias_e_Transfluencias_no_Tereco

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Universidade Federal do Rio de Janeiro 
Museu Nacional 
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social 
 
 
 
 
 
 
 
 
CONFLUÊNCIAS E TRANSFLUÊNCIAS 
NO TERECÔ, 
RELIGIÃO DE MATRIZ AFRICANA DE CODÓ, MARANHÃO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BARBARA PIMENTEL DA SILVA CRUZ 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2018 
	 ii 
CONFLUÊNCIAS E TRANSFLUÊNCIAS 
NO TERECÔ, 
RELIGIÃO DE MATRIZ AFRICANA DE CODÓ, MARANHÃO 
 
 
 
 
BARBARA PIMENTEL DA SILVA CRUZ 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação de mestrado apresentada ao 
Programa de Pós-Graduação em 
Antropologia Social do Museu Nacional da 
Universidade Federal do Rio de Janeiro 
como requisito parcial à obtenção do título 
de Mestre em Antropologia Social 
 
 
 
 
Orientador: MARCIO GOLDMAN 
 
 
 
 
 
 
Fevereiro 
2018	 	
	 iii 
	 	
	 iv 	
	 v 
	
	
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
REENCONTRO COM GOTAS 
 
sofrimento é uma inexplicabilidade. 
para ser um SER 
há que verter sangue 
de nós para o mundo. 
solidão é uma esteira 
onde se evite cochilar. 
depois de se morrer interiormente 
para voltar a ser um SER 
há que procurar nosso sangue no mundo 
e auto-entorná-lo cuidadosamente, 
em arretorno de essências. 
paz é uma sapiência. 
sapiência é uma conquista. 
conquista é água rara 
de ser ingerida 
a contar as gotas. 
... 
tranquilidade é 
uma gota de sangue reencontrado. 
 
 
- Ondjaki (2011) 
	 vi 
AGRADECIMENTOS 
 
amizade: há preferências que seja húmida, pois 
mundo está isolar pessoas; assim amizade procura 
por ela que pessoas se escorreguem para algum 
encontro. 
- Ondjaki (2011) 
 
 Talvez para o leitor a seção dos agradecimentos seja um tanto repetitiva, pois ela toca 
muito mais as pessoas envolvidas em um processo intenso e que via de regra fica restrito aos 
bastidores da produção acadêmica; particularmente, gosto bastante de ler essa parte que 
antecede os argumentos de uma dissertação ou de uma tese, e junto com isso imaginar a 
jornada que culminou naquele estudo. Por outro lado, escrever na direção das pessoas todas 
que nos sustentam ao longo da empreitada que constitui a escrita é parte especial da escrita, 
momento de rememorar afetos, felicidades e dificuldades superadas. 
 
 Em primeiro lugar, agradeço aos meus anfitriões e amigos em Codó que, ao 
compartilharem partes especiais de suas vidas, viabilizaram meu trabalho de campo, mas 
antes disso provocaram as torções de pensamento e sentimento que me deram o impulso de 
promover uma virada profissional que me levou a mudanças profundas e me aproximou da 
Antropologia e do Museu Nacional. A Vera, Moisés, seu Osmar, Wagner e toda a família 
Coqueiro Serra Salazar, pela acolhida como um membro da família, pelas portas abertas, os 
colos, os chás e cuidados para curar as dores da distância, pelos almoços de domingo, os 
ensinamentos e palavras de carinho, mesmo quando a vida era dura. Meu profundo amor por 
essa que de uma maneira inesperada tornou-se também a minha família, no sentido mais 
bonito dessa palavra. A dona Maria do Santo pelo abraço acolhedor, as longas conversas e o 
sorriso sempre aberto nos encontros combinados ou surpreendentes; a dona Teresinha por 
abrir sua casa e compartilhar seus saberes com muita paciência e carinho nas tardes com 
cheiro de café doce e Claudina, que também nunca se furtou a me explicar as coisas mais 
simples que alguém leigo possa perguntar. A Francisca, Nayrine, Ayla Lavínia - e a Izabel, 
César, Rosa, Marli, Marinete e todos as pessoas que participam da tenda Nossa Senhora da 
Conceição e sempre me convidam a lhes acompanhar nos festejos, cantando doutrinas e 
explicando os acontecimentos; a seu Domingueiro pelas conversas na beira da rua, 
acompanhando o movimento e refletindo sobre a vida, e a todas as pessoas que compõem sua 
	 vii 
tenda Santa Bárbara. Aos encantados, voduns, orixás e santos que povoam as encantorias. A 
seu Wildelano e dona Fátima, por me mostrarem Codó a partir da União Artística que carrega 
história tão nobre e importante para as comunidades trabalhadoras de Codó. À rezadeira 
Mariana pelo bom humor e o leque enorme de histórias para contar. A dona Julia, dona 
Iracema, seu Pedro d'Oxum, Claudia, Raifran, Zé de Brito, e todos os pais, mães e filhos de 
santo que me apoiaram desde a minha chegada em Codó em 2014, compartilharam comigo 
momentos muito especiais e me ensinaram muito sobre o terecô e seus saberes sobre a vida. A 
Cândido Sousa pelo excelente trabalho documentando as manifestações culturais 
maranhenses. A Edmilson, mototaxista das estrelas, sempre viabilizando a presença nos 
festejos. 
 
 Agradeço à AUCAC, Mãe Nilza, Marcelo Senzala, Beth d'Oxum, Socorro, Chica e 
todas as pessoas que sonharam a organização que me levou a conhecer Codó de uma maneira 
privilegiada, convivendo intensamente com o povo de terreiro, os jovens integrantes dos 
grupos culturais, os movimentos ligados a manifestações de matriz africana e fizeram daquela 
uma experiência verdadeiramente transformadora. 
 
 A todos os integrantes da Diretoria de Igualdade Racial de Codó, na pessoa de 
Augusto Serra, por manterem as portas abertas e a disposição de auxiliar no meu trabalho, 
além de viabilizarem oportunidades especiais de circular pela cidade e tomar parte em suas 
atividades. 
 
 Ao Coletivo Núcleo pelas trocas sempre intensas e por nunca esquecer que "somos 
movimento". A Dácia Abreu pela amizade, os ensinamentos e a companhia. A Noelson 
Moreira Trindade pelo companheirismo desde os meus primeiros dias em Codó, por fazer 
companhia nas noites viradas nos festejos, as fotos preciosas e a generosidade que o fizeram, 
além de tudo, um valoroso assistente de pesquisa. 
 
 Ao meu orientador, Marcio Goldman, pela orientação generosa e brilhante, 
desafiadora na medida certa, provocando sempre a ir além. Devo agradecer também pela 
atuação conjunta por uma universidade - e um mundo - um pouco menos desiguais, pela 
defesa das ações afirmativas que aportam tantos ganhos para toda a coletividade e que me 
fizeram reaproximar do universo acadêmico. 
 
	viii 
 A Luiz Antonio Simas, que me incentivou a fazer a prova do Museu, por todos os 
aprendizados. A Daiane Ciriáco e Margarida Mattos pela grande ajuda nos dados sobre a 
cidade e a população de Codó. A Bianca Arruda por todo o incentivo e por gentilmente abrir 
caminho. 
 
 Por aceitarem compor minha banca, agradeço a Martina Ahlert - que, além de tudo, 
junto de Conceição Lima, me recebeu em São Luís - e a Maria da Consolação Lucinda, em 
uma "coincidência" muito produtiva. A Clara Flaksman e Luisa Elvira Belaunde por 
igualmente aceitarem compor minha banca como suplentes e pelas boas trocas constantes. A 
Gabriel Banaggia pelos comentários sempre muito instigantes e a disposição generosa em 
compartilhar ideias. 
 
 Aos professores do Museu Nacional, agradeço nas figuras de John Comerford, 
Eduardo Viveiros de Castro, Edmundo Pereira, Luiz Fernando Dias Duarte, assim como a 
Nicole Soares, Dibe Ayoub e Suzane Vieira, pelos cursos que tive a sorte de assistir. Aos 
funcionários do Museu, da Biblioteca e da Secretaria, em especial a Marcio, Dulce, Adriana e 
Anderson. À CAPES por financiar meu segundo ano de mestrado. 
 
 A todos os meus amigos do Museu. Em especial a Anderson Pereira, Lucas Marques, 
Gustavo Fialho, Sandra Benites, Cristiane Julião, Pedro Ferraz, João Alípio e Rafael Moreira. 
A Juliana Oliveira e sua família por me abrirem as portas de sua casa. A Helena Assunção por 
sempre trazer equilíbrio e leveza. A Noshua Amoras pelos cafés, tapiocas e lições de 
antropologia, pela paciência e generosidade tamanhas que por vezes torna difícil definir de 
quem partiu alguma ideia. A Olavo Souza por toda a amizade nos momentos difíceis e 
naqueles muitos felizes. A Aline Maia Nascimento, mestra em vários sentidos, parceira em 
tantos outros. A Humberto Manoel por me ajudar a organizar e encontrar eco nas ideias. 
Certamente contribuíram profundamente paraque esta dissertação tomasse forma. Vida longa 
aos bons encontros. Assim também ao Coletivo Negro Marlene Cunha, dispositivo contra a 
solidão, rede de fortalecimento e de ação diante do intolerável. A Marlene Cunha (in 
memoriam) e a todos os acadêmicos negros e negras que abriram caminhos dentro e fora das 
universidades para que estejamos aqui. 
 
 Ao Mestre Celio Gomes, à contramestra Fátima Cária e ao grupo de Capoeira Angola 
Aluandê por me mostrar aquilo que eu julgava já ter visto e ensinar o que eu achava que já 
	 ix 
tinha aprendido. Em particular ao contramestre Leandro Bicicleta, que é minha grande 
referência na capoeira, com a humildade de aprender constantemente com seus alunos e se 
reinventar, assim como a paciência infindável para trocar ideia sobre debates acadêmicos, 
saberes tradicionais ou tipos de cerveja, sempre com fundamento e bom humor. A Ludmilla 
Almeida pelo espaço de fortalecimento e trabalho sensível que alimenta a alma daqueles que 
se aproximam. 
 
 A todos os meus amigos. Flora Barcellos, que me abriu as portas para Codó, Marcelo 
Spolidoro, Camila Issa e Catarina Pedroso. A Ana Paula Braga por me ajudar a fluir. A 
Luciana Schirmer, Marcela Americano, Tamires Alves, Flavia Trizotto, Luisa Mizarela, Luisa 
Henke, Laís Dias, Mariana Solis, Bruna Bevilacqua, Fernanda Pougy, Julia Parada e a toda 
essa lista imensa de pessoas muito amadas que se fazem presentes de formas tantas e com 
quem aprendo constantemente. 
 
 À minha família, agradeço na figura de minha bisavó Damiana, que nos ensinou 
"quem tem o conhecimento, tem o poder" e fez com que perseguíssemos arduamente os 
estudos com o senso de responsabilidade coletiva sempre alerta, para que nunca nos 
esqueçamos dos passos que abriram os nossos caminhos. A meu pai Eloá, minhas tias Edmar, 
Elmar e Einar, meus irmãos Eliana, Adriana e Paulo Vicente, meus sobrinhos Jorge e Julia. À 
Tenda de Umbanda Casa de Celina pelos meus primeiros ensinamentos acerca da Umbanda e 
das religiões de matriz africana. 
 
 À Cristina Pimentel da Silva, minha mãe, meu guia, minha amiga, meu suporte, que 
sempre me apoiou, mesmo quando não entendia as viradas no caminho. Por ser quem é e 
ajudar a me fazer quem eu sou. 
 
 Ao meu amor, meu companheiro e parceiro de caminhada, que sempre me abraça e 
está comigo mesmo quando fica difícil. Por me acompanhar tantas vezes na realização dos 
meus trabalhos em Codó, embarcar junto e registrar essas experiências, além de me ajudar a 
construir um espaço de tranquilidade para me inspirar e escrever. Respeitamos as lágrimas, 
mas ainda mais as risadas. Obrigada por iluminar meus dias e tornar cada passo mais doce. 
 
	 x 
Resumo 
 
 
CRUZ, Barbara Pimentel da Silva. 
2018. Confluências e Transfluências no Terecô, Religião de Matriz Africana de 
Codó, Maranhão. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social. Rio de 
Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. 
 
Esta dissertação consiste em um estudo etnográfico do terecô, a partir de um trabalho de 
campo curto realizado em algumas casas de religiões de matriz africana em Codó, no 
Maranhão. Com base nesse trabalho de campo, guardado o seu viés eminentemente 
etnográfico, trata-se de evitar as sobrecodificações que por vezes permeiam as análises do 
terecô e costumam encará-lo tendo por referência outras vertentes religiosas, em particular o 
tambor de mina, tal qual praticado em São Luís do Maranhão. Desse modo, busca-se trazer 
para o centro da narrativa as práticas e a circulação dos brincantes de terecô entre as diversas 
tendas de religiões de matriz africana em Codó, que indicam uma troca de fluxos e 
informações em níveis variados (entre pessoas, grupos, práticas, forças, casas, vertentes 
religiosas, entidades), dando lugar a uma composição que não pressupõe uma síntese ou 
amálgama de diversos elementos, mas relaciona domínios distintos a partir de suas diferenças 
articuladas enquanto diferenças. Nesse sentido, esta dissertação contrapõe aos discursos 
ainda correntes sobre sincretismo e mestiçagem outros discursos possíveis sobre encontros e 
misturas. 
 
 
 
Palavras-chave: Terecô, Codó, Maranhão, Religião de matriz africana, Contramestiçagem. 
	 xi 
Abstract 
 
 
CRUZ, Barbara Pimentel da Silva. 
2018. Confluências e Transfluências no Terecô, Religião de Matriz Africana de 
Codó, Maranhão. Dissertation for Master of Arts in Social Anthropology. Rio de 
Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. 
 
This dissertation consists of an ethnographic study of terecô based on a short fieldwork 
carried out in some African-matrix religious temples in the city of Codó, 
Maranhão. Grounded in such fieldwork and considering it’s ethnographic character its 
purpose is to avoid the overcoding which sometimes percolate the analysis of terecô and 
ordinarily considers it by the references of other religious trends, particularly tambor de mina 
as practised in São Luís do Maranhão. Thus, the aim is to center the narrative on the praxis 
and circulation of the terecô's brincantes between the tents of African-matrix religions in 
Codó which indicates an exchange of information flows in diferent levels (between people, 
groups, práxis, energy/power, temples, religious trends, spiritual entities), giving place to a 
composition that doesn’t presume a synthesis or an amalgam of different elements but puts in 
relation diverse domains as of their differences articulated while differences. In such sense 
this dissertation opposes still current discourses about syncretism and miscegenation to other 
possible discourses about encounter and mixtures. 
 
 
 
 
 
 
 
 
	 xii 
Convenções 
 
 Antes de prosseguir, devo informar as minhas opções de escrita. O primeiro ponto 
talvez seja dizer que os nomes não são ficções. Pedi licença às pessoas e às entidades com 
quem convivi em Codó, como vou desenvolver na introdução, e assim elas me autorizaram a 
contar aquilo que eu tinha visto e compartilhado. De maneira geral, alegram-se em se verem 
retratadas nos trabalhos feitos sobre o terecô, embora eu tenha ouvido algumas histórias de 
pessoas que sofreram algum tipo de discriminação ou dificuldades no trabalho por terem 
aparecido na televisão vestidas com as roupas de brincantes. O problema, em geral reputado à 
intolerância, ao preconceito e ao desconhecimento das pessoas, dificilmente inibia alguém, 
mas procurei ter tais questões em mente no curso da escrita. Quando julguei que a situação 
expunha de algum modo as pessoas retratadas - seja pelos motivos já expostos ou pelas 
relações pessoais - ou eu não tinha certeza da autorização para explicitá-lo no bojo da 
dissertação, omiti a identidade dos envolvidos sem, contudo, trocá-los por nomes fictícios. 
 
 A grande maioria dos textos em língua estrangeira foram por mim traduzidos para o 
português, na intenção de tornar a leitura mais acessível. Em itálico estão os termos utilizados 
por meus interlocutores, incluindo aí as falas e as doutrinas, ladainhas, rezas e canções em 
geral que registrei nessa convivência. Optei por grafar em itálico particularmente os termos 
referentes às religiões tambor da mata e tambor de mina - assim como seus sinônimos, mata e 
mina, para diferenciá-las do instrumento tambor (que pode ser da mina ou da mata) ou da 
mata enquanto vegetação/localização geográfica, e assim facilitar a leitura. Não utilizo esse 
recurso para as demais religiões (catolicismo, umbanda, candomblé, etc) por julgar que não 
demandavam essa diferenciação. Utilizo as aspas duplas para indicar conceitos, falas e 
citações de outros autores, ou para indicar alguma relativização ou destaque do termo. Dentro 
das citações, no entanto, busquei respeitar as opções feitas pelos autores no original. 
 
 
	 xiii 
Lista de Figuras e Fotos 
 
Figura 1: Mapa do Maranhão com a cidade de Codó em destaque. Fonte: IBGE. 
Figura 2: Mapa da cidade de Codó.Foto 1: Salão da Tenda Santa Bárbara da mãe-de-santo Maria dos Santos. 
Foto 2: Crianças da comunidade quilombola Eira dos Coqueiros em oficina da AUCAC 
(2014). 
Foto 3: Mãe-de-santo Maria dos Santos em frente ao seu altar, no salão da Tenda Santa 
Bárbara. 
Foto 4: Brincante em processo de incorporação. 
Foto 5: Aniversário da encantada Maria Moça, incorporada no pai-de-santo Domingueiro. 
Foto 6: Tambores na fogueira para aquecer o couro. 
Foto 7: Mãe-de-santo Teresinha puxando o Louvariê na abertura do festejo de 
novembro/2017. 
Foto 8: Abatazeiro (seu Piauí) e maracazeiro durante o festejo da Tenda Nossa Senhora da 
Conceição. 
Foto 9: Salão da Tenda Nossa Senhora da Conceição. 
Foto 10: Passeata de encantados. 
 
	 xiv 
Sumário 
	
 
Introdução	 1	
Codó, cidade encantada	 7	
Organização dos capítulos	 16	
1. Antropologias do Maranhão e do Terecô	 21	
1.1 Estudos de aculturação no Maranhão	 22	
1.2 Encantaria de Barba Soeira e uma perspectiva mais sociológica	 35	
1.3 Cidade Relicário	 44	
2. Tempo de Baiar Terecô	 54	
2.1 Depois da quaresma	 64	
2.2 Festejo na Tenda Espírita de Umbanda Nossa Senhora da Conceição	 69	
2.2.1	Abrindo	os	trabalhos	 69	
2.2.2	Obrigações	 77	
2.2.3	Pagar	visita,	ganhar	visita	 80	
2.2.4	Da	procissão	devota	à	passeata	encantada	 86	
3. Encontros e Misturas	 92	
3.1 Virar para a mina	 92	
3.2 Verequete, operador de confluências	 98	
Conclusão	 106	
Ajuntar e Misturar	 106	
Referências	 111	
Anexo I	 119	
Caderno de Fotografias	 119	
	
 
	 1 
Introdução 
 
 Começo pedindo licença aos Orixás e Encantados, aos ancestrais e entidades, assim 
como aos pais e mães de santo de Codó e aos brincantes que compartilharam comigo parte do 
seu mundo. Inicio assim esta introdução não por mera formalidade pela qual passamos 
rapidamente para prosseguir no que seria "mais importante". Tomo a expressão na seriedade 
que ela impõe, reafirmando uma conexão incontornável com as pessoas - incluindo aí as 
entidades - com aqueles e aquelas com quem convivi em campo e que, no compartilhar de 
suas visões de mundo, me deram autorização para falar do terecô. Tal conexão não se 
restringe ao campo, mas se desdobra em diversos níveis. A encantada cabocla Mariana certa 
feita me disse: "Você está num trabalho com a gente, você sabia? Você está num trabalho 
com a gente. Só em você pesquisar, escrever, você está com a gente.". 
 
 A fala da cabocla sublinha aquilo que talvez pareça óbvio, mas, penso, temos muito a 
ganhar em considerar seriamente as implicações: a escrita de um trabalho acadêmico não se 
descola dos diferentes modos de produção de conhecimento expressos nas mais variadas 
formas espalhadas pelo mundo e nem paira acima das consequências daquilo que é enunciado 
- nem para si, nem para "os outros". 
 
 Desse modo, assim como nos lembra Stengers (2007) a partir de uma ideia de 
Deleuze, é preciso escrever em presença de, ou seja, na presença daqueles que de algum 
modo enfrentam as consequências daquilo que é enunciado. O ato de escrever em presença, 
uma presença “ativa, objetante, proponente”, que nos faça hesitar diante das fórmulas rápidas 
que tendem a laminar as divergências e têm o mau costume de ignorar as assimetrias 
presentes e que, por outro lado, nos leve a considerar o impacto ético, político e filosófico dos 
saberes não-hegemônicos (ou contra-hegemônicos), no sentido de “experimentar uma outra 
relação com o discurso e práticas nativas, suas possibilidades de emergência no espaço 
acadêmico” (Anjos 2008: 78). A esse respeito, vale recordar que em Codó se diz que os 
encantados vem sempre que seus nomes são mencionados e que há consequências caso não 
gostem daquilo que é dito sobre eles (M. Ferretti 1993; Lima 2017). Assim, trata-se de 
"[c]olocar uma filosofia não-ocidental numa posição de simetria com as filosofias ocidentais 
[e] fazê-la ressoar no interior do discurso antropológico. Na linguagem dos terreiros seria 
liorz
Realce
	 2 
fazer com que a filosofia nativa se ocupe da antropologia como um espírito se ocupa de um 
cavalo de santo." (Anjos 2008: 78). 
 
 Penso, portanto, que os dizeres da cabocla se referem à dinâmica engendrada no seio 
das comunidades de matriz africana da qual o trabalho acadêmico em contato com esse 
contexto não se aparta. Hampâte Bá já nos disse que "[n]a tradição africana, a fala, que tira do 
sagrado o seu poder criador e operativo, encontra-se em relação direta com a conservação ou 
com a ruptura da harmonia no homem e no mundo que o cerca." (2010: 174). Com isso a 
encantada põe em relevo aquela conexão que gera consequências para todos os lados, pois 
"[s]e a fala é força, é porque ela cria uma ligação de vaivém (...) que gera movimento e ritmo, 
e, portanto, vida e ação." (Bá 2010: 172): o que é feito no contexto do terecô em uma vivência 
da qual eu tomo parte de algum modo gera efeitos no que vou desenvolver nesta dissertação e 
seus desdobramentos; por outro lado, aquilo que escrevo também gera algum tipo de 
consequência entre os terecozeiros - consequências essas de variadas ordens. Se escrevo, 
portanto, devo escrever na presença deles, dos praticantes de terecô, das pessoas com quem 
me relaciono em Codó, e também dos encantados, os seres invisíveis que compõem o 
universo da encantaria maranhense, todos esses que compartilham também das consequências 
do que é enunciado aqui. 
 
Eu sou filha de Deus 
Dá licença de eu entrar no seu salão 
Eu sou filha de Deus 
Me dá licença eu baiar no seu salão 
Me dê licença 
Me dê licença 
Me dê licença eu baiar no seu salão 
(Doutrina de terecô) 
 
 Por tal perspectiva, pedir licença tomada como uma "filosofia no sentido de 
especialização erudita de um pensamento sobre o mundo" (Anjos 2008: 79), é expressão que 
aciona múltiplos significados e implicações; a prática é muito presente em comunidades 
negras onde se cultiva o costume de pedir licença1 aos mais velhos, ou seja, aqueles que 
vieram antes, mas também àqueles que se debruçaram antes sobre o assunto a ser comentado 
																																																								
1 É comum que nas manifestações de matriz africana haja músicas que façam referência a "pedir licença". Por 
exemplo: "Dona da casa me dê licença/Seu salão para vadiar", "Dá licença aê/Dá licençá/Dá licença meu povo 
de rua, meu povo angoleiro/Eu quero vadiar" (corridos de capoeira); "Dá licença aí/Dá licençá!/Aos donos da 
casa/Peço licença pra jongar" (ponto de abertura de jongo); "Dona da casa me dê licença/Pra falar com a 
senhora/Pra falar na língua ligeira/Passei na roseira/Peguei uma rosa/Dei meu amor (pra cheirar)/Óia dei meu 
amor (pra cheirar)" (samba de roda); "Oi bom dia, boa noite, meus senhor/Me dê licença esses cavaleiros/Eu 
venho de longe, eu venho/Maculelê, nós é brasileiro" (maculelê). 
liorz
Realce
	 3 
ou que habitam ou adentraram o território que vai ser tocado com o que será enunciado a 
seguir. Pede-se licença, por vezes, também aos mais novos, o que nos leva a pensar que há a 
consideração sobre quem vem depois e que habitará um mundo marcado por aquilo que já foi 
enunciado - lembrete de que as consequências das palavras e das ações continuam 
reverberando e se desdobram no tempo. Bá nos contou que "[e]m todos os ramos do 
conhecimento tradicional, a cadeia de transmissão se reveste de uma importância primordial" 
(2010: 181). Expressa-se, assim, a consciência de estar-se adentrando um espaço habitado e 
aproxima-se o que será enunciado daquilo que já foi construído e vivido anteriormente, mas 
também do que virá a ser. Nesse sentido, o pedir licença expressa respeito, mas também age 
como lembrete das implicações e da necessidade de atenção e cuidado ao adentrar um 
território já habitado. Pedir licença é, portanto, outro modo de nos lembrar da necessidade de 
falar ou escrever em presença de não no sentido de uma questão moral, mas sobretudo como 
procedimento epistemológico. 
 
 Retomando a fala daCabocla, a noção de trabalho aparece como elemento 
fundamental - e pode mobilizar uma concepção de mundo sobre a qual vale nos determos por 
um momento. Roy Wagner (2015) já colocou em questão a própria noção de trabalho: nas 
sociedades ocidentais, trabalho é sinônimo de produtividade em um sistema que coloca 
"dinheiro" e "riqueza" como símbolos de um esforço voltado para "produção de coisas e 
serviços" (2015: 82), enquanto nas sociedades como a dos melanésios, o "trabalho" envolve 
todas as atividades desenvolvidas de modo a formar uma mesma totalidade que, em última 
instância, produz pessoas (Wagner 2015: 86). Diante desse constraste, a colocação da 
encantada faz pensar que noção de trabalho está em jogo quando adentramos o campo das 
religiões de matriz africana. Nessa perspectiva, Goldman diz: "[t]rata-se, percebe-se, de uma 
forma de pensar o processo criativo distinta daquela que concede um lugar central ao modelo 
da produção e da propriedade" em uma dinâmica que "sobrecodifica os nossos modos de 
pensar e de estabelecer relações". Assim, como lhe contou a mãe-de-santo Hilsa Mukalê2, a 
																																																								
2 Sobre os pedidos de licença, Mãe Hilsa Mukalê conta: “Porque eu sou do tempo que quando a gente ia em um 
candomblé, chegava e esperava na porta. A mãe ou o pai-de-santo via a gente, os atabaques paravam, dobravam 
os couros e de lá de fora os tatas cantavam, primeiro, três licenças, “Oi dai-me licença, oi dai-me licença, alô 
de…” Aí dizia o nome do inquice. Depois que cantavam essas três, cantavam uma zuela, um barravento, que é a 
mesma que cantamos no início dos nossos toques, quando me chamam para entrar. Aí é que a mãe-de-santo 
entrava com a comitiva dela toda. Entrava, louvava o fundamento da casa, depois os atabaques; falava com o 
dono da casa, depois com o pessoal todo e acomodava as pessoas. Todos sentavam e apreciavam o candomblé, o 
xirê da casa todo. Só depois que a pessoa acabava de fazer o xirê é que oferecia para as visitas. As pessoas que 
quisessem cantar, cantavam, dançavam e ajudavam a fazer o candomblé” (Mukalê 2011) 
 
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	 4 
questão é mais de "lapidação" do que de produção, de modo que é possível perceber o 
candomblé como uma forma de arte que cria objetos, pessoas e deuses - atravessa-lhe, 
entretanto, uma grande particularidade, já que os "entes já existem antes de serem criados, o 
que faz com que o processo de criação envolvido só possa ser entendido como a revelação das 
virtualidades que as atualizações dominantes contêm, no duplo sentido do termo" (2009: 134). 
Ouso dizer que, além de objetos, pessoas e deuses, criam-se também formas singulares de 
relação, elementos postos em uma composição que exige um saber profundo, construído ao 
longo de muito tempo. 
 
 Por esse ângulo, não creio que a fala esteja no sentido de que o trabalho acadêmico 
seja exatamente o mesmo que um trabalho espiritual, nem mesmo que haja a necessidade de 
completar algo em falta naquele contexto; a questão me parece mais se referir a algum tipo de 
composição que aproxima os elementos em jogo de tal maneira que é preciso ter em mente os 
efeitos mútuos produzidos nessa relação. No caso, a cabocla me chama à responsabilidade 
quanto ao que escreverei e reafirma que a presença daqueles entes todos acompanha essa 
escrita; em contrapartida, o que faço também ecoa no universo dos terecozeiros, em uma 
propagação que não sou capaz de medir - apenas meus amigos de Codó podem dizer. Mesmo 
assim, talvez seja impossível alcançar uma explicação ou rastrear os desdobramentos que 
dêem conta da totalidade dessa relação e dos efeitos produzidos por esse encontro; sem 
dúvidas fica a lição que traz para o centro a arte de se encontrar e de levar o encontro a sério. 
 
 É certo, ainda, que esse fazer negro que constitui o pedir licença perpassa toda a 
minha relação com o campo e vai além. Frequentemente ouvia que "se você procurar, tem 
parente, algum antepassado aqui em Codó, tenho certeza", o que se somava ao fato de que 
Vera me apresentava como parte de sua família, muitas vezes como sua filha - para além dos 
traços fenotípicos, essas relações me colocavam em um lugar que não exclusivamente o de 
professora ou pesquisadora. No entanto, penso que quanto mais estreitos os laços, maiores os 
cuidados e por isso mesmo pedi licença muitas vezes - sem que tivesse elaborado de início 
todos esses desdobramentos, mas ciente da necessidade de deixar explícitos os meus objetivos 
(e eventualmente algum "excesso de cuidado" era respondido com "como você é tímida! vem 
aqui, pode ouvir, pode gravar e contar o que você viu" ou alguma frase análoga). Pedido esse 
para registrar algo, para lembrar sobre a intenção de incluir alguma informação ou situação 
vivida na pesquisa ou por força de um fazer que me ultrapassa e marca minhas interações 
justamente porque é traço de um fazer coletivo que expressa respeito ao adentrar a casa de 
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	 5 
alguém - casa aí em um sentido amplo, talvez aquele dos territórios existenciais habitados. Tal 
prática ressoa ainda na habilidade de conduzir essa arte do encontro onde os cuidados são 
necessários para que as misturas não se tornem amálgamas laminadores das diferenças, como 
veremos adiante. Assim como peço licença para entrar nas tendas de Codó - costume sempre 
muito bem visto, embora via de regra ninguém seja mal recebido -, para entrar em uma roda 
de capoeira ou na casa de alguém, tal prática atravessa meu deslocamento pelo mundo, não 
por uma perspectiva essencialista ou superficialmente identitária, mas justamente pelo que diz 
Anjos: "os corpos não têm raças, raças são perspectivas que circulam por uma multiplicidade 
de corpos". Raça como o lugar "de onde emanam as perspectivas" ou os espíritos, esses 
"pontos de vista que encarnam corpos" (2008: 78). 
 
 Por fim, talvez provoque algum estranhamento a transposição de uma prática utilizada 
por ocasião de comunicações orais para a forma de um texto, uma dissertação. Souza Pinto 
(2015: 36-37) propõe pensar a relação entre os domínios da oralidade e da escrita enquanto 
movimento, com base na ideia de "obviação" de Wagner (2015). De outra parte, Bá já 
afirmou que 
 
Não faz a oralidade nascer a escrita, tanto no decorrer dos séculos como no 
próprio indivíduo? Os primeiros arquivos ou bibliotecas do mundo foram o 
cérebro dos homens. Antes de colocar seus pensamentos no papel, o escritor 
ou o estudioso mantém um diálogo secreto consigo mesmo." (Bá 2010: 168) 
 
 Desse modo, "sendo a fala a exteriorização das vibrações das forças, toda 
manifestação de uma só força, seja qual for a forma que assuma, deve ser considerada como 
sua fala. É por isso que no universo tudo fala: tudo é fala que ganhou corpo e forma" (2010: 
172). Falam os corpos, os espíritos, a língua e o texto acadêmico. À luz dessas ideias, espero 
fazer desta dissertação "um espaço de ressonância do discurso político-filosófico afro-
brasileiro" (Anjos 2008: 78). Para tanto, pretendo fazer um movimento de hesitação diante de 
um campo - o da literatura acerca das religiões de matriz africana e mais especificamente o 
Maranhão e o terecô - marcado pelo risco de colar automaticamente dinâmicas próprias de 
outros contextos que à primeira vista parecem semelhantes, mas que não dão necessariamente 
conta dos processos que ocorrem em Codó, como veremos mais à frente ainda nesta 
introdução. 
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	 6 
 Faço, portanto, uma breve descrição do terecô e da cidade de Codó, sem qualquer 
pretensão de esgotar o tema, que aprofundaremos ao longo desta dissertação. O tambor da 
mata é religião de matriz africana, organizada em tendas comandadas por pais e mães de 
santo. O ritmo da mata é predominante nos toques, que chegam a durar várias noites seguidas. 
Na narrativa local, a comunidade quilombola de Santo Antônio dos Pretos3 é o berço do 
terecô, que teria nascido pelos idos do séculoXVIII. A cidade de Codó é considerada centro 
fundamental para a religião, também identificada como brinquedo de Santa Bárbara, 
Verequete, encantaria de Barba Soeira, tambor da mata ou mata. Trata-se de religião de 
possessão que concebe a incorporação sobretudo de encantados da mata, pessoas que viveram 
e que não morreram, mas em dado momento desapareceram e se encantaram. Tais entidades 
formam um conjunto heterogêneo de seres que, além da incorporação, podem ser notados em 
sensações, sonhos ou ainda se materializar em lugares e objetos (Ahlert 2016). Há uma 
intensa circulação entre as tendas através da prática de pagar visita ou pagar noite, já 
explicitada em outros trabalhos (Ahlert 2013; Lima 2017), onde uma casa vai ao festejo de 
outra para que quando for sua vez tenha também muitos convidados, como veremos adiante. 
 
 Foto 1: Salão da Tenda Santa Bárbara da mãe-de-santo Maria dos Santos. 
																																																								
3 Santo Antonio dos Pretos é um povoado situado a cerca de 60km da cidade de Codó e consiste em uma 
comunidade quilombola titulada. Há um grande número de comunidades quilombolas nos arredores e Santo 
Antonio figura como uma das maiores em termos de número de moradores, além de ser conhecida nas narrativas 
locais como espaço de nascimento do terecô e fonte de uma energia muito forte. 
	 7 
Codó, cidade encantada 
 
 Codó é um município do estado do Maranhão, localizado na Região dos Cocais, Leste 
Maranhense, a cerca de 290km de São Luís do Maranhão e 176km de Teresina, capital do 
Piauí. É a sexta cidade mais populosa do estado, com cerca de 120 mil habitantes4, dos quais 
68% habitam a área urbana. A cidade não conta com um sistema regular de transporte 
público, de modo que a maior parte da população se desloca a pé, guardando o hábito de 
caminhar longas distâncias, ou utilizar bicicletas e motos. O inverno, que corresponde aos 
meses de chuva, se concentra entre os meses de janeiro e abril, mas a temperatura média anual 
se mantém acima dos 30 graus. O calor intenso leva os moradores a passarem os fins de tarde, 
quando a casa ainda está quente, do lado de fora, conversando com a vizinhança e observando 
o movimento. 
Figura 1: Mapa do Maranhão com a cidade de Codó em destaque. Fonte: IBGE. 
 
 De acordo com os dados de 2010, 85% da população é negra, 14% branca e há o 
registro de uma centena de indígenas5. Sua fama de "cidade dos feitiços"6 - contestada por 
aqueles que preferem vê-la como "cidade de Deus", como se lê em seu portal de entrada -, 
guarda alguma relação com seus mais de 200 terreiros de umbanda, terecô e candomblé no 
																																																								
4 Em 2017, a estimativa era de 120.810 pessoas. 
5 Dados retirados do sistema SIDRA/IBGE e do IBGE Cidades, com base no Censo de 2010. 
6 Abordada por M. Ferretti, 2001, Barros, 2000, e Ahlert, 2013. 
	 8 
município, além de 5 paróquias católicas, 2 centros kardecistas e cerca de 30 diferentes 
denominações evangélicas de variados tipos, de acordo com estimativa da Secretaria de 
Cultura e Igualdade Racial local (Ahlert 2013: 23)7. A primeira casa de candomblé data da 
década de 1980, sendo cinco existentes atualmente, das quais quatro tocam também o tambor 
da mata e de mina (2013: 23). Destaque-se que as denominações atinentes às religiões de 
matriz africana partem da autoidentificação das tendas e seus componentes e não implica em 
uma rigidez absoluta: como se costuma dizer em Codó, mesmo os terreiros de candomblé 
batem terecô, pelo menos de vez em quando. 
 
 Conta-se que a chegada da umbanda remete ao final da década de 1930 através da mãe 
de santo Maria Piauí, fundadora da Tenda Espírita de Umbanda Santo Antônio (há alguma 
divergência em torno da data de sua fundação8) e cuja chegada na cidade teria disseminado o 
termo umbanda para descrever as demais tendas existentes, mesmo que tocassem 
exclusivamente o toque da mata (M. Ferretti 2001 et al apud Ahlert 2013). É comum a prática 
de denominar as casas existentes em Codó com variações da fórmula “tenda espírita de 
umbanda”, nada obstante a variedade de práticas abarcadas. De maneira geral, a explicação 
que voga em Codó acerca desse processo diz tratar-se de mecanismo utilizado para ter 
legitimidade e se proteger das perseguições policiais comuns no início do século XX9. Seu 
Pedro d'Oxum me explica que há uma atuação no plano das burocracias e formalidades, de 
modo que "quem vai responder pela religião é a umbanda", mas que isso não implica em 
nenhuma mudança nas práticas das casas de terecô. Por outro lado, a umbanda leva "um 
																																																								
7 Nos dados de 2010 do IBGE, a grande maioria da população consta como católica apostólica romana (98.439), 
e há ainda 13.162 evangélicos entre diversas denominações, 78 espíritas, 447 umbandistas, 203 candomblecistas 
e 159 declarados como sem determinação ou de múltiplo pertencimento, entre outras categorias. 
8 Dona Iracema, sua herdeira, contou a Ahlert (2013: 275) que Maria Piauí chegou a Codó a convite de Eusébio 
Jansen, tido como pai de santo da primeira tenda de terecô da cidade (no perímetro urbano). Segundo o Instituto 
Histórico e Geográfico de Codó, a tenda da mãe de santo foi fundada em 1938; Costa Eduardo (1948), que fez 
campo na região nos anos 1940, não encontrou casas abertas na cidade (mas presenciou uma "brincadeira" 
organizada na praça para que o pesquisador pudesse ver), o que não implica necessariamente na ausência, 
sobretudo considerando-se a intensa perseguição policial que sofriam os praticantes de terecô; M. Ferretti (2001: 
81) fala em 1936 e 1948, com base em informações divergentes encontradas. A autora diz também que 
"[s]egundo Pai Crispim, sucessor daquela mãe-de-santo, alguns anos após a abertura de seu terreiro em Codó, 
Maria Piauí foi 'confirmada' na Mina, em São Luís, por Noêmia Fragoso, fundadora do Terreiro do Cutim 
(cambinda), e passou a tocar Mina e Mata em sua casa, em dias diferentes. A integração da Mina com a Mata 
(Terecô), num mesmo ritual, parece ter ocorrido primeiro no terreiro de Bita do Barão que, como o de Maria 
Piauí, foi aberto dentro dos 'preceitos' da Mata." (1993: 140). Dona Maria dos Santos me contou que alcançou 
baiar nesses terreiros (de Eusébio Jansen e Maria Piauí) e "antes era tudo terecô" até que Maria Piauí se fez na 
umbanda com uma mulher que veio de Teresina. 
9 Encontra-se explicação semelhante acerca da dinâmica dos terreiros de São Luís. Segundo M. Ferretti, "[a] 
perseguição policial obrigou os curadores de São Luís a estabelecerem-se em sítios afastados e realizarem ali 
seus rituais. E, segundo os pesquisadores Maria do Rosário SANTOS e Manuel dos SANTOS NETO (1989: 
119), como a Mina era menos perseguida, os 'pajés' começaram a "mascarar-se" de 'mineiros' e a abrir terreiros 
com 'linha' de Mina e de Cura." (1993: 90). 
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	 9 
pouco das outras religiões afro" para dentro de suas práticas (Entrevista Pedro d'Oxum, 
22/04/2017). 
 
 Ahlert (2013: 84-86) trata deste ponto afirmando que os termos umbanda e terecô são 
constantemente utilizados como sinônimos, tendo em vista que todas as tendas de umbanda da 
cidade tocam pontos de terecô e recebem entidades da mata, ainda que em um segundo 
momento haja diferenciações internas a depender das entidades com que cada casa trabalha. 
Seus interlocutores também aproximam os dois termos em contraponto ao candomblé, 
percebido como aquele que trabalha apenas com orixás. A autora afirma ainda que essa 
miríade de categorias e possíveis relações podem provocar estranhamento aos desejos 
classificatórios e que as associações entre todas as vertentes que aparecem em Codó 
(umbanda e tambor de mina, tambor de mina e terecô, terecô e umbanda, candomblé e terecô) 
e as percepções sobre elas variam de acordo com a concepção e as experiências de cada pai e 
mãe de santo. Nesse sentido, “[a] digressão etimológicae as tentativas classificatórias estão à 
mercê da experiência de cada um dos sujeitos e a forma com que esta experiência se cruza 
com a de outros pais de santo.” (Ahlert 2013: 86). 
 
 Parte da literatura preocupou-se com o que chama de processo de "umbandização" e 
uma possível perda das tradições, mas me parece que há outras leituras possíveis sobre os 
cruzamentos entre a umbanda e o terecô e que valem também para pensar os cruzamentos 
com outras religiões. A percepção dos terecozeiros sobre a umbanda enquanto “uma espécie 
de 'língua geral' na religião afro-brasileira e como algo capaz de congregar a todos sem anular 
as diferenças (especificidades) existentes no campo religioso afro-brasileiro” (M. Ferretti 
2001: 147) pode indicar uma outra concepção acerca desses encontros, que se dão em 
diferentes níveis. Desse modo, entre outros desdobramentos, há uma variação pragmática que 
a umbanda pode assumir, de modo que cada brincante se conecta com ela com propósitos 
diversos e não excludentes. 
*** 
 Cheguei a Codó pela primeira vez em abril de 2014, para trabalhar na AUCAC - 
Associação de Umbanda e Candomblé de Codó e Região10. Uma grande amiga, que havia 
feito uma formação de professores através da organização ao longo de alguns dias, havia me 
indicado para formar o quadro de oficineiros que fariam parte da execução dos projetos que a 
																																																								
10 Posteriormente modificou o nome para Federação das Casas de Matriz Africana do Maranhão, sem, contudo, 
alterar a sigla. 
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	 10 
Associação havia aprovado junto a diversos órgãos11. Assim que cheguei à porta da sede, após 
uma viagem até Teresina e de lá, de carro, por cerca de 2h30 até Codó, três mulheres me 
aguardavam: Socorro, Rejane e Vera. Irrequietas com o fato de que eu era de fora e, por isso, 
não deveria dormir sozinha12 logo na primeira noite, decidiram que eu deveria ser recebida 
pela Vera naquela noite. No caminho da casa de minha anfitriã paramos no espaço em que seu 
filho, Moisés, ensaiava com o grupo de boi mirim Encanto Codoense. 
 
 Passei os meses seguintes trabalhando nos projetos da Associação, em oficinas para 
um público que variava de crianças, jovens ligados a grupos culturais, a um dos projetos no 
qual trabalhei por boa parte do tempo em que estive lá, e que tinha como foco o povo de 
terreiro: pais, mães e filhos de santo. Nos preparativos para minha primeira oficina com 
aquele grupo pedi a colegas de trabalho que me inteirassem um pouco do público para o qual 
eu falaria, particularmente a faixa etária e vertentes religiosas, adivinhando que boa parte 
seria de praticantes do terecô, tema sobre o qual havia lido um pouco antes de chegar a Codó. 
Para minha surpresa, meus colegas se diziam umbandistas e afirmavam o mesmo acerca de 
praticamente todos os que eram esperados na oficina. De início, foi difícil entender o que 
queriam dizer quando tratavam dos “terreiros de umbanda”, que para mim remetia às minhas 
referências no Rio de Janeiro acerca da religião que reúne elementos indígenas, espiritismo, 
candomblé, cristianismo, em diferentes proporções, mas com uma certa identidade comum. 
Com o desenvolver das conversas o estranhamento inicial deu lugar à constatação mútua de 
que havia diferenças nada insignificantes entre o que reconhecíamos como "umbanda", a 
princípio; as entidades eram outras, o ritual e a dinâmica também. 
 
 Boa parte das oficinas nas quais me envolvi orbitavam em torno de temas étnico-
raciais, o que me levou, logo de início, a adentrar questões que raramente estavam em pauta 
nas conversas da cidade. Sempre me surpreendia o hábito das pessoas em se referirem umas 
às outras como morenas em lugar de se dizerem negras. "Fala com aquele ali, aquele bem 
moreninho". Nas narrativas em geral, quando alguém abordava a história de Codó, tratavam 
do momento em que chegaram os barcos pelos rios que banham a cidade - Itapecuru e 
Codozinho -, trazendo comércio, expulsando as comunidades indígenas que ali habitavam e 
																																																								
11 À época a AUCAC havia aprovado vários projetos em editais ligados sobretudo ao Governo Federal, 
oferecidos pelo MinC, Fundação Palmares, Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Direitos Humanos, entre 
outros. 
12 Durante uma parte do tempo em que trabalhei na AUCAC, morei em um dos quartos que compunha a casa 
que servia de sede à organização. 
	 11 
conduzindo à força africanos e seus descendentes em condição de escravizados13. Uma vez 
decretada a abolição, os antigos senhores de engenho teriam abandonado as terras para 
aqueles que trabalharam nela. Afora isso, e tendo em vista que a história era sempre contada 
de uma perspectiva distante, como uma página antiga e virada, dificilmente alguém tocava no 
tema. Mesmo as minhas perguntas acerca dos quilombos da região vez ou outra provocavam 
um certo estranhamento. O tempo deixou evidente que aquelas regiões eram quase sempre 
descritas como os interiores, mas uma associação automática com um passado de escravidão 
e lutas era muitas vezes tomada, em maior ou menor grau, nas mesmas bases da reação ao 
comentário sobre os meus antepassados, como vou contar a seguir. 
 
 Certa vez comentava com uma amiga sobre o esforço que minha irmã empreendia 
para recontar a história de nossa família, partindo das memórias de nossa tia-avó e recorrendo 
ao auxílio de amigos historiadores e antropólogos para recompor os elementos que resultaram 
em um livro14. Quando mencionei que ela havia conseguido rastrear nossos passos de modo a 
descobrir a região de onde nossos avós foram arrancados para serem escravizados em terras 
brasileiras, minha amiga estancou e perguntou de supetão: "mas como assim? você acha que 
seus avós foram escravos?". O silêncio contundente que se estabeleceu na procura pelas 
palavras que se seguiriam àqueles segundos de espanto mútuo evidenciou a torrencial 
sucessão de pensamentos; enquanto me atravessava a sensação de ter inadvertidamente tocado 
em uma ferida aberta somada à cortante constatação de que dificilmente a realidade poderia 
ser outra, seus olhos revelavam que a pergunta havia encontrado resposta quase que 
instantaneamente, como se algo que sempre estivera esquecido nos porões do espírito 
encontrasse violentamente a luz, gerando a necessidade doída de adaptar o foco para que 
fosse possível continuar a ver naquele novo cenário que a partir de então não se permitiria 
mais ocultar. 
																																																								
13 Os habitantes originários da região eram indígenas das etnias barbados e guanarés (Machado 1999; Abreu 
2010) - às quais os grupos Bumba Boi costumam fazem referência - e foram expulsos por agricultores como Luís 
José Rodrigues, ou Pau Real. "O ano de 1780 foi o considerado para o comêço das explorações das florestas, 
quando os mais antigos lavradores transportaram-se para o município em barcos, onde os escravos eram também 
conduzidos a fim de ajudarem na exploração. A imigração africana chegou de 1780 a 1790, enquanto que os 
portuguêses começaram a afluir no municípioem 1855 e os sírios em 1887. (...) Os portuguêses e os africanos se 
aplicavam à lavoura e os sírios ao comércio." (IBGE 1959: 149). Ahlert afirma que a memória e as narrativas 
sobre a criação da cidade "contam sobre a invenção de uma localidade, que nasce católica e precisando da 
proteção dos santos diante de grupos – negros e indígenas que viviam foragidos e escondidos na perigosa mata. 
Nestes momentos que se tornam marcos de fundação da cidade, a religião e a política se mostram imbricadas, 
formando um contexto político, um espaço domesticado e inscrito no Brasil Colônia." (2013: 56). Para mais 
detalhes acerca das histórias de surgimento da cidade e o processo de colonização, ver Machado 1999; Abreu 
2010 e Ahlert 2013. 
14 Água de Barrela, de Eliana Alves Cruz, publicadoem 2016 pela Fundação Palmares. 
	 12 
 Nada disso implica, é preciso dizer, que discursos perpassados pela raça e pelo 
racismo estejam ausentes; antes, me parece que eles são elaborados em chaves que um olhar 
que se atenha excessivamente a discursos mais conhecidos no contexto acadêmico pode 
deixar escapar, o que aporta o perigo de considerar as pessoas desinformadas, inocentes ou 
passivas. Minha experiência na AUCAC logo de início me mostrou que isso não tem nada de 
verdade e que era preciso muito mais aprender um outro vocabulário e outros mecanismos 
para elaborar as oficinas de que participei do que cair na tentação de tentar ensinar algo às 
pessoas com quem convivi: talvez o caminho fosse tentar aprender juntos. Se a percepção 
sobre o racismo passa por múltiplas formas de elaboração, todas essas coisas são mobilizadas 
de maneira diferente a depender do contexto, das pessoas envolvidas, de uma série de 
elementos contingenciais - a mesma pessoa que se surpreende diante da constatação de que 
nossos - ou os meus - antepassados foram escravizados diria em outro momento que um 
tratamento diferenciado em uma loja era nitidamente por conta do tom das nossas peles. 
Embora as noções de raça tal qual mobilizadas pelo vocabulário acadêmico não estejam 
necessaria ou manifestamente em primeiro plano, isso não implica em que os discursos não 
sejam em maior ou menor medida racializados. Ou, nas palavras de Anjos, "a racialidade 
vivenciada como um ponto de vista que se “ocupa” de um corpo, como intensidade histórica 
que se faz corpo", de tal modo que depreende-se uma "modalidade de não essencialização das 
raças, que nem por isso deixa de se fazer como espaço de racialização." (2008: 83), em 
expressão daquilo que, como me sugeriu Marcio Goldman, poderíamos considerar um saber 
afro-diaspórico que faz passar forças outras sob formas aparentemente dominantes. De certa 
forma é disto que trata esta dissertação. 
*** 
 Na convivência a partir da Associação, conheci integrantes de muitas tendas da 
cidade. Embora não tenha tido oportunidade de presenciar um festejo naquele ano devido ao 
volume de trabalho, os laços que estabelecemos foram significativos e as torções de 
pensamento fruto das trocas que aconteceram naquela ocasião me levaram a buscar algum 
caminho que me permitisse elaborar em outras chaves aquilo que tinha vivido ali, esforço que 
desembocou em uma aproximação com a Antropologia. No segundo capítulo tratarei um 
pouco da retomada dessas relações e do papel de Vera, que me acolheu desde então como 
parte de sua família. 
 
 A única exceção naquele ano de 2014 foi um toque na casa de dona Teresinha, na 
Tenda Espírita de Umbanda Nossa Senhora da Conceição, do qual vi uma fração muito curta 
	 13 
(ainda mais considerando-se a duração prolongada dos festejos da cidade). Em um dia de 
junho, quando se desenrolavam as festas juninas, acompanhei o grupo de boi mirim no qual 
Moisés, filho de Vera, dançava. O Encanto Codoense se apresenta em vários lugares, igrejas, 
praças, clubes, vez ou outra vai a outra cidade. Naquela ocasião, foram se apresentar no toque 
de dona Teresinha, que possui um boi também - nesse caso, trata-se de um boi de encantaria, 
brincado dentro do terreiro de modo diferente dos bois de "grupos culturais". Aguardamos por 
alguns momentos, obervando o que se passava dentro do barracão, até que a mãe de santo 
suspendeu o toque, dando um intervalo para os tamborzeiros, momento no qual as crianças 
entraram no salão e apresentaram a coreografia correspondente à sequência de músicas que vi 
dançarem inúmeras vezes. Um certo receio no olhar daquelas que desconheciam a dinâmica 
dos terreiros não impediu que dançassem com a mesma dedicação com que costumavam se 
apresentar. 
 
 Quando voltei a Codó, em março de 2017, desta feita com foco no trabalho de campo 
que se desdobrou na presente dissertação, dona Teresinha foi uma das primeiras pessoas que 
reencontrei. A mãe de santo me reconheceu, abriu as portas de sua casa e se prontificou a me 
ajudar a reunir as informações necessárias para a minha escrita. Passei a visitá-la com 
frequência, na casa em que mora com uma de suas filhas de santo, Claudina, sua neta e agora 
sua bisneta, e que é também o espaço de seu terreiro, como é comum em Codó. Ela, assim 
como praticamente todas as pessoas que de alguma forma tomam parte neste trabalho, me 
estimulou a conversar com outras pessoas e integrantes de outras tendas, de forma que logo de 
início me pareceu quase impossível seguir apenas uma pessoa. Há um espaço definido em que 
há uma mãe ou pai-de-santo, filhos de santo, uma organização em diretoria, com titular, vice, 
tesoureiro, secretário, etc, bastante atuante na organização dos festejos. No entanto, as 
relações extrapolam os limites de cada casa e há um trânsito incontornável que culmina na 
prática de pagar visitas sobre a qual já comentei e aprofundarei mais à frente. Ademais, a 
comunidade é formada por um emaranhado de relações, com o compartilhamento de laços de 
sangue, de parentesco, de entidades, de obrigações, de relações de apadrinhamento, de 
cruzamento entre casas. Há quem celebre aniversário de encantado em algum terreiro amigo, 
ou um pai de santo cujo filho carnal - ou seja, de sangue - seja filho de santo de outra casa, 
mas ainda assim participe ativamente de seus festejos. 
 
 Nesse sentido, além de dona Teresinha (Tenda Espírita de Umbanda Nossa Senhora da 
Conceição), frequentei bastante a casa/tenda de seu Domingueiro (Tenda Espírita de 
	 14 
Umbanda Santa Bárbara), de dona Maria do Santo (Tenda Espírita de Umbanda Santa 
Bárbara) e de seu Pedro d'Oxum, meus interlocutores mais frequentes. Mas encontrava com 
frequência nos toques dona Iracema (Tenda Espírita de Umbanda Santo Antônio), dona Julia, 
seu Café (Tenda Espírita de Umbanda São Cipriano), todos junto a seus filhos de santo, 
filhos, afilhados e integrantes em geral de suas casas, bem como com seu Piauí, abatazeiro 
muito conhecido na cidade. Passei, ainda, muitas tardes conversando com seu Wildelano, 
presidente da União Artística Operária Codoense - ricamente registrada no trabalho de Abreu 
(2010) e da Banda Euterpe, fora os encontros com a rezadeira Mariana e as rezas em locais 
diversos a que compareci na companhia de Vera. Com exceção de uma visita que fiz à 
comunidade quilombola de Santo Antônio dos Pretos, minha circulação ficou mais restrita à 
área urbana de Codó, onde está localizada a maior parte dos terreiros da região. 
 
 Figura 2: Mapa da cidade de Codó. Fonte da base: Google Maps Satellite. 
 
 Noelson, que fora meu aluno e companheiro de trabalho na AUCAC e se tornou um 
grande amigo, me acompanhou em muitos dos festejos a que compareci. Ele, muito 
interessado no campo do audiovisual, era conhecido por registrar em fotos e vídeos os festejos 
da cidade. Segundo me conta, os encantados gostam particularmente de serem fotografados 
quando amanhece. Acabou se tornando uma espécie de assistente de pesquisa, 
disponibilizando seu material comigo e recolhendo relatos, registros de doutrinas e 
informações em geral (em outras tendas além das que mencionei no parágrafo anterior, em 
particular a Tenda Espírita de Umbanda Santa Helena) que muito me auxiliaram na escrita. 
	 15 
Parte das fotos dispostas nesta dissertação são de sua autoria. Além disso, devo dizer que em 
alguns dos festejos a que compareci - particularmente o de dona Teresinha, que compõe parte 
substancial do segundo capítulo - meu companheiro Guilherme me acompanhou e auxiliou no 
registro dos acontecimentos, de forma que esteve presente filmando o festejo, para gosto da 
mãe de santo. Embora no início eu ficasse constrangida em pedir para gravar alguma situação, 
de maneira geral as pessoas gostam muito de fotos e vídeos mostrando os toques e os eventos 
da cidade e pedem que registremos sempre que temos algum aparelho à mão, parasomar aos 
registros feitos pelos celulares. Certa vez, acompanhando o velório de seu Ribinha Muniz, 
várias pessoas em momentos distintos me instigaram a usar a câmera que carregava na 
mochila. Diante da minha timidez na situação, seu Wildelano me disse que isso só podia ser 
coisa do Rio e que "lá o cabra morre devendo" e só essa razão justificava meu 
constrangimento. "Em Codó, o povo gosta é que filme". 
 
 Foto 2: Crianças da comunidade quilombola Eira dos Coqueiros em oficina da AUCAC (2014). 
	 16 
 No tempo que passei em campo, realizei algumas entrevistas utilizando um gravador. 
Porém, julguei que nem sempre esse recurso funcionava tão bem; se algumas pessoas não se 
importavam - e mesmo me estimulavam particularmente quando se tratava de algum evento 
ou festejo público -, na maioria dos casos as conversas ficavam mais rígidas e restava algum 
grau de desconfiança. Sendo assim, com raras exceções, conversava longamente com as 
pessoas e anotava tudo o que lembrava no meu diário de campo. Eventualmente, quando a 
memória não ajudava, voltava a fazer as mesmas perguntas quando era possível, de modo a 
recompor as informações ofertadas. Em que pese a "perda" de alguns detalhes e frases de 
efeito, julguei que deixar as conversas e os ensinamentos fluírem de forma mais orgânica me 
abriu mais perspectivas sobre o terecô. De todo modo, o aprendizado nos contextos de matriz 
africana não se dá de maneira linear, rígida ou em um corpo de ensinamentos que se pretende 
acabado, ou seja "não é somente reunir ‘dados’ ou ‘informações’ sobre tal ou qual coisa", mas 
depende do tempo, dos investimentos nas relações, da observação atenta, que implica em 
"deixar o conhecimento “enraizar-se nas profundezas do seu ser” (Cossard 1970:227), através 
de um engajamento corporal ativo com o ambiente e seus contextos." Diz respeito, portanto, a 
"criar-se continuamente através da tentativa, do erro e, sobretudo, da experimentação: trata-se 
de “tatear” a mata, “capengar” até conseguir fazer a coisa certa" (Marques 2016: 7). 
 
Organização dos capítulos 
 
 Quando falamos em uma cidade de imensa maioria negra como Codó, onde há um 
sem número de quilombos no entorno, e sobretudo quando tratamos de uma religião de matriz 
africana praticada naquele contexto, contendo voduns, encantados, orixás, pretos-velhos e 
caboclos, talvez algumas ideias tenham a tendência a se impor: tratar das interações que 
poderiam ser vistas como "misturadas" aciona uma série de referências no que tange as 
dinâmicas atinentes às religiões de matriz africana, tais como sincretismo e mestiçagem. Se 
por um lado o tema pode parecer um tanto óbvio e sem nenhuma grande novidade quando se 
trata de assunto já tão longamente debatido na literatura, justamente por essas razões me 
parece necessário retornar ao movimento de hesitação que mencionei brevemente na 
introdução deste trabalho. Hesitar e atentar para as práticas discursivas e não discursivas que 
abrem outras possibilidades de abordagem sobre os encontros e as misturas e, talvez mais 
ainda, outras formas de colocar as diferenças em contato, qualquer que seja o contexto. 
 
	 17 
 Trata-se, em um primeiro momento, como já disse acima, de um movimento de 
hesitação diante de um campo - o das religiões de matriz africana e mais especificamente o 
terecô - marcado pelo risco de amoldar dinâmicas próprias de outros contextos que à primeira 
vista parecem semelhantes, mas que não necessariamente correspondem aos processos que 
ocorrem em Codó. A literatura antropológica sobre o terecô, como veremos, me parece 
permeada de explicações e pontos de vista marcadamente dos praticantes do tambor de mina, 
religião característica da capital do Maranhão, São Luís. Ademais, a profusão de trabalhos e 
informações em geral sobre o candomblé e a umbanda, além do tambor de mina, nos oferece 
um referencial baseado nas dinâmicas próprias dessas religiões que não atende às 
singularidades presentes no terecô de Codó. Esse movimento desponta, portanto, de modo a 
evitar que os modelos que se referem a tais vertentes religiosas sejam aplicados 
irrefletidamente ao terecô, ainda que de maneira não intencional; emerge assim a necessidade 
de atentar para as explicações que tendem a se impor de forma quase automática, não apenas 
na intenção de controlar esse impulso, mas também para trabalhar com ele e perceber como 
inflete nas conclusões retiradas. Desse modo, retorno aos trabalhos já realizados e ao meu 
próprio trabalho de campo, ainda que até então tenha sido relativamente curto, para descrever 
o terecô trazendo para o centro as práticas discursivas e não discursivas de seus praticantes. 
 
 Em outros termos, o que quero explorar aqui é a ideia de que no contexto das religiões 
de matriz africana no Maranhão, o tambor de mina, ainda que apareça como vertente religiosa 
minoritária em um quadro "dominado" pelos discursos sobre o candomblé e a umbanda - e 
mesmo pensando num quadro ainda maior em que as religiões de matriz africana aparecem 
como minoritárias -, pode operar como sobrecodificador sobre o terecô por ser, num certo 
sentido, uma corrente majoritária nesse campo de reflexões mais restrito, o Maranhão. Nada 
disso implica, é preciso destacar, na ausência de semelhanças e conexões com outras vertentes 
religiosas de matriz africana, de maneira que outros contextos etnográficos podem ajudar a 
compor as reflexões ao longo desse trabalho, em termos outros que não a partir de uma 
relação verticalizada entre essas religiões. Para explicitar o argumento, recorro às palavras de 
Goldman quando diz que 
 
Já há algum tempo, José Carlos dos Anjos (2006) nos revelou tudo o que 
teríamos a ganhar abandonando os clichês dominantes da miscigenação, da 
mestiçagem ou do sincretismo em benefício de imagens oriundas de nossos 
próprios campos empíricos de investigação. Assim, a ideia de "linha 
	 18 
cruzada", presente em praticamente todas as religiões de matriz africana no 
Brasil, permite pensar um espaço de agenciamento de diferenças enquanto 
diferenças, sem a necessidade de pressupor nenhum tipo de síntese ou fusão. 
As diferenças são intensidades que nada têm a ver com uma lógica da 
assimilação, mas sim com a da organização de forças, que envolve a 
modulação analógica (contra a escolha digital) dos fluxos e de seus cortes, 
bem como o estabelecimento de conexões e disjunções. Esse modelo 
heterogenético apoiado nas variações contínuas permite opor termo a termo 
mestiçagem e sincretismo, de um lado, contramestiçagem e composição (no 
sentido artístico do termo), de outro. (Goldman 2015: 653) 
 
 Cabe, portanto, proceder à operação de “minoração”, no sentido de Deleuze e Bene 
(apud Goldman 2015: 646), quando propõem um afastamento do elemento majoritário das 
análises para tentar entrever “virtualidades bloqueadas pela variável dominante” de modo a 
trazer à baila, sob essa ótica, as práticas discursivas e não discursivas das mães e pais de santo 
de Codó que circulam pela cidade e promovem diferentes níveis de encontros, apoiando-me 
em suas elaborações que, me parece, oferecem formas de conexão que "não são nem 
horizontais, nem verticais, mas transversais" (Goldman 2015: 649). Nesse sentido, 
 
o problema é como libertar o que em geral se chama de sincretismo e 
mestiçagem da dominação e do ofuscamento teórico-ideológicos produzido 
pela presença da variável maior “brancos”. Em poucas palavras e grosso 
modo, trata-se de responder às questões: como ficam sincretismo e 
mestiçagem se deles suprimimos não o fato histórico, político e intelectual 
dos encontros, mas seu vértice maior, os “brancos”? Como aparecem 
sincretismo e mestiçagem quando escutamos afros e indígenas sem que esse 
elemento sobrecodificador os silencie ou enrouqueça? (Goldman 2017: 19) 
 
 Embora não apareçam em primeiro plano o quadro de relações raciais ou as 
elaborações acerca dopapel de negros e indígenas no terecô - questões para as quais 
certamente um campo maior trará aportes mais profundos -, isso não implica em que o tema 
das misturas se faça ausente, sobretudo se pensarmos em uma chave que não passe 
exatamente pelo registro étnico - sem ignorar que emanam daí -, mas que sobretudo leve em 
conta uma singular forma de se relacionar, de estabelecer relações. Essa modalidade de 
relação levada a efeito no tambor da mata, nesse sentido, se conecta com aquela que podemos 
	 19 
entender como uma "relação afroindígena" (Goldman 2014, 2015, 2017). Lanço mão, nesse 
sentido, da ideia de uma antropologia afroindígena sobretudo como metodologia, ou melhor 
dizendo, como uma proposição no sentido levantado por Stengers (2007), que "não se 
confunde em nada com um programa, mas tem muito mais a ver com a passagem de um 
arrepio ou um temor que faz tremer as certezas" (2007: 49) e implica em pensar "à partir 
dessas consequências ditas secundárias, receosas da ideia de que um senso comum qualquer 
possa laminar, pacificar, a questão, sempre delicada, hesitante entre a guerra e a paz, de todo 
encontro entre heterogêneos" (Stengers 2007: 68). 
 
 Em vista disso, faz-se necessário limitar uma certa arrogância do pensamento 
dominante, que tem como praxe sobrecodificar tudo aquilo que está ao redor, colonizando 
outras possibilidades de relação de forma a oferecer as respostas antes mesmo das perguntas. 
A "proposição afroindígena" se coloca, portanto, como um modo de formular questões sem 
almejar atingir respostas fechadas ou já conhecidas, tomando como centro as práticas 
discursivas e não discursivas - sobretudo tendo em vista "que a subordinação imperativa da 
antropologia à palavra nativa obriga a análise antropológica a contar com o que as pessoas 
pensam e têm a dizer sobre o que acontece com elas mesmas, com os outros e com o mundo." 
(Goldman 2017: 17). Nesse caso, nos oferece, além de tudo, ferramentas para observar o 
próprio pensamento acerca desses contextos etnográficos e de que formas os caminhos tidos 
como clássicos infletiram naquilo que resultaria nas teorias hegemônicas sobre o tema. 
 
 No primeiro capítulo, farei uma revisão da literatura antropológica acerca do terecô, 
sem perder de vista a preocupação com as sobrecodificações, ainda que involuntárias, e 
naquilo que se refere ao tema dos encontros e das misturas - ou das confluências e 
transfluências. Essa revisão terá como ênfase três trabalhos produzidos em momentos 
emblemáticos da Antropologia no que tange a religiões de matriz africana, quais sejam, 
aqueles de Octávio da Costa Eduardo (1948), Mundicarmo Ferretti (1993; 2001) e Martina 
Ahlert (2013). 
 
 O segundo capítulo tratará da descrição de um toque e um festejo de terecô - facetas 
públicas do tambor da mata -, sem qualquer pretensão de criar algum tipo de modelo fechado 
que dê conta de todas as variações entre as tendas e os rituais realizados no terecô, o que julgo 
sequer faria sentido em um contexto marcado pela arte da composição, pelos diferentes 
	 20 
arranjos fruto da ilimitada possibilidade de encontros e pela modulação analógica das forças 
aí somadas. 
 
 Embora tenha realizado um trabalho de campo relativamente curto, haja vista os 
limites de tempo e espaço impostos pelo tempo de realização de um mestrado com passagem 
direta ao doutorado, farei no terceiro capítulo o exercício de levantar algumas questões e 
propostas de leitura a partir do material etnográfico levantado até o momento. Não busquei 
contornar esses limites, mas em lugar disso trabalhar com eles, o que nos faz retornar ao tema 
da aprendizagem nos contextos de matriz africana e na necessidade da experimentação, "de 
“tatear” a mata, “capengar” até conseguir fazer a coisa certa" em um "processo demorado e 
lento, que requer paciência e, sobretudo, atenção ao que está se desenrolando" (Marques 
2016: 6-7). Ciente de tais limites no que tange a esta dissertação, faço desta uma etapa parte 
de um processo mais longo, que pretendo continuar, de tal modo que as reflexões que 
desenvolvo aqui apontam caminhos de pesquisa a serem aprofundados etnograficamente em 
um momento futuro. 
 
	 21 
1. Antropologias do Maranhão e do Terecô 
 
 Os primeiros trabalhos sobre religiões de matriz africana no Maranhão surgiram 
apenas a partir da segunda metade dos anos 1940, quando já desde o século XIX verificam-se 
investigações sobre o tema no Brasil em geral. A Missão de Pesquisas Folclóricas, idealizada 
por Mário de Andrade, teve seu relatório publicado em 1948 por Oneyda Alvarenga, onde 
descreveu um ritual de tambor de mina no terreiro de dona Maximiana, na cidade de São 
Luís. Segundo M. Ferretti (2001: 20), a casa de Maximiana era ligada indiretamente à Casa de 
Nagô, uma das referências na capital, e a tendas de Codó. Além disso, Pierre Verger publicou 
um artigo sobre sua visita a São Luís em 1947, no qual levantava a possibilidade da Casa das 
Minas, outra referência ludovicense, ter sido fundada por uma rainha do Daomé (Verger 1952 
apud M. Ferretti 2001: 20). Dois livros foram publicados sobre o tema: o de Nunes Pereira 
(1947) sobre a Casa das Minas e o de Costa Eduardo (1948) sobre o que chamou de processo 
de aculturação da população negra no Maranhão. 
 
 Como se vê, a literatura se voltou majoritariamente para o tambor de mina de forma 
que, nas palavras de M. Ferretti (2001: 20), "falar em religião afro-brasileira do Maranhão até 
há bem pouco tempo era falar em Casa das Minas". A mesma tendência se segue nos estudos 
posteriores, como o trabalho de Maria Amália Barretto (1977) intitulado "Os Voduns do 
Maranhão", no qual prossegue na observação da permanência de "africanismos" e se propôe a 
estudar a influência da Casa das Minas em São Luís, tendo observado também a Casa de 
Nagô e a Fanti-Ashanti, e o de Sergio Ferretti (1985) que realizou uma etnografia sobre 
aquela mesma casa. Roger Bastide (1971) dedicou algumas linhas sobre o tambor de mina, 
em particular a Casa das Minas, que admirou e incluiu entre os "candomblés tradicionais". O 
autor também teceu rápidos comentários sobre o terecô a partir do trabalho de Costa Eduardo 
(1948). 
 
 Fora da capital, a literatura é ainda mais enxuta e depois da tese de Costa Eduardo 
(1948) até os anos 90, resume-se a relatórios curtos de pesquisa, alguns hoje inacessíveis. Em 
1975, foi publicado relatório de pesquisa sobre a prelazia de Pinheiro, na Baixada 
Maranhense, executada em 1972 sob o comando de Roberto da Matta, e M. Ferretti dá 
notícias do trabalho de Correia Lima e Azevedo (1980 apud M. Ferretti 2001: 21) sobre 
religião de matriz africana em Viana, Alcântara e Codó. O trabalho de M. Ferretti, a partir da 
segunda metade dos anos 1990, fez-se destaque nesse campo. Além do livro (1993) 
	 22 
decorrente de sua tese sobre o caboclo no tambor de mina de São Luís, a autora escreveu um 
livro (2001) sobre o terecô de Codó e publicou incontáveis artigos sobre diversas 
manifestações de matriz africana maranhenses. Martina Ahlert15 defendeu sua tese em 2013, 
uma etnografia de mais fôlego a partir do terecô na cidade de Codó, trabalho mais recente 
sobre o tema. 
 
 Essa breve introdução pretende apenas fornecer um panorama dos estudos sobre 
religião de matriz africana no Maranhão. Em seguida, vou aprofundar as considerações sobre 
três trabalhos com foco no terecô e em Codó, emblemáticos de três momentos marcantes da 
literatura sobre religiões afro-brasileiras na Antropologia. Não tenho a pretensão de elaborar 
algum modelo definitivo ou exaurir o assunto; trata-se apenas de uma simplificação 
esquemática que nos guie pelas elaborações antropológicas acerca do terecô e lance um olhar 
atento para os contextos em que esses trabalhos foram escritos, as correntes e reflexões com 
as quais se ligam ou em que ressoam. Ademais, as valiosas informações etnográficas 
registradas pelos três autoresestarão presentes ao longo de toda esta dissertação. Passo, então, 
a tratar dos três trabalhos: o de Costa Eduardo (1948), "The Negro in Northern Brazil - A 
Study in Acculturation"; o de Mundicarmo Ferretti (2001), "Encantaria de Barba Soeira - 
Codó, capital da magia negra?"; e o de Martina Ahlert (2013), "Cidade Relicário - Uma 
etnografia sobre terecô, precisão e Encantaria em Codó (Maranhão)". 
 
1.1 Estudos de aculturação no Maranhão 
 
 O primeiro trabalho publicado que trata do interior do Maranhão e do terecô é o de 
Costa Eduardo (1948), aluno de Herskovits que fez trabalho de campo no Maranhão. Segundo 
nos conta Sergio Ferretti (2017), Costa Eduardo nasceu em 1919 no interior de São Paulo, 
tendo ido para a capital nos anos 1930 para estudar Direito na Universidade de São Paulo, 
ocasião em que se aproximou da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (ELSP) e 
de Donald Pierson, que o apresentou a pesquisadores americanos e fez uma indicação para a 
pós-graduação em Chicago. Em 1941, mesma época em que Melville Herskovits realizava 
pesquisas sobre o Brasil, seguiu para os Estados Unidos e tornou-se seu orientando na 
Northwestern University, em Chicago. Por indicação de Herskovits, dedicou-se aos estudos 
sobre a cultura negra no Brasil, em particular o Maranhão. Para tanto, fez trabalho de campo 
																																																								
15 Ver também Ahlert 2015, 2016a, 2016b, assim como Lamy 2016 e Lima 2017, sob a orientação de Ahlert. 
	 23 
em São Luís e na comunidade quilombola de Santo Antônio dos Pretos16 em 1943 e 1944. 
Seu foco repousava no que chamava de "processos de aculturação do negro", perspectiva que 
ressoa na investigação de práticas tidas como mais puras em comparação com aquelas que se 
perderam ou que se misturaram a outras. 
 
 Para compreender o trabalho de Costa Eduardo, no entanto, é preciso dedicar certa 
atenção a um quadro maior em que ele está inserido, qual seja aquele atinente ao trabalho de 
seu orientador, Melville Herskovits. De acordo com Walter Jackson (1986), Herskovits foi o 
único aluno de Franz Boas a conduzir uma investigação ampla sobre a cultura africana e afro-
americana e a enfrentar uma contradição que Boas nunca confrontou: o conflito entre seu 
universalismo e o compromisso com o respeito às culturas minoritárias. Se logo no início de 
sua carreira Herskovits afirmou não haver qualquer traço de África no Harlem, posição 
consonante com aquela predominante nas ciências sociais americanas entre os anos 1930 e 
1960 e segundo a qual a experiência da escravidão teria arrancado quaisquer ligações 
significativas com a cultura africana, em dado momento seu pensamento muda radicalmente. 
Jackson afirma que naquele período, a luta pelos direitos civis argumentava que as pessoas 
negras eram tão americanas quanto qualquer outro grupo e muitos cientistas sociais 
defendiam que a assimilação era parte necessária para a equidade e oportunidade, argumento 
que ia ao encontro da teoria boasiana (Jackson 1986: 97). 
 
 As teorias racistas que encaravam a África como uma terra de selvageria primitiva já há 
muito eram questionadas por pesquisadores negros; Boas, no entanto, figurava praticamente 
sozinho entre os pesquisadores brancos, na contra-corrente que buscava entender as culturas 
africanas e afro-americanas como parte de uma forte crítica aos pressupostos racistas do 
século XIX. Por outro lado, o autor, no mesmo passo em que propunha um certo orgulho da 
raça que se contrapusesse a sentimentos de inferioridade, defendia que a miscigenação seria a 
única solução para os conflitos raciais - o que se aplicava também para o caso do anti-
semitismo (Jackson 1986: 98). 
 
 Era um tempo de acirramento de conflitos raciais quando Herskovits iniciava sua 
empreitada acadêmica junto a Boas, nos anos 1920; Boas escrevia artigos atacando o racismo 
																																																								
16 Santo Antonio dos Pretos é um povoado situado a cerca de 60km da cidade de Codó e consiste em uma 
comunidade quilombola titulada, disposta nas narrativas locais como o berço do terecô, conforme dispus na 
introdução deste trabalho. 
	 24 
científico fortemente difundido à época, tarefa que muitas vezes delegava a Herskovits. Uma 
postura assimilacionista marcou seu trabalho até certo ponto, como vemos nas palavras de 
Jackson: "[p]rocurando refutar o argumento racista de que imigrantes e negros eram incapazes 
de assimilar a cultura americana, ele argumentou que a assimilação estava, de fato, ocorrendo 
e que era um processo social inevitável" (1986: 100). No entanto, tal postura entrou em 
choque quando do seu encontro com a Harlem Renaissance17 e "o desejo de intelectuais 
negros em desenvolver uma tradição cultural distintiva com raízes no passado africano e no 
folclore afro-americano" (1986: 101). Herskovits escreveu em um artigo para a revista Survey 
Graphic18, a convite de Alain Locke, que as culturas negra e branca eram "do mesmo padrão, 
apenas em uma tonalidade diferente" (1986: 102), insistindo na descontinuidade das culturas 
africana e afro-americana. O tom dissonante do artigo de Herskovits em relação aos outros 
trabalhos publicados não provocou sua exclusão do volume, mas o texto foi acompanhado de 
uma nota editorial na qual Locke escreveu que 
 
"observada em seus aspectos externos, a vida negra, como refletida no 
Harlem, registra uma pronta - quase febrilmente rápida - assimilação dos 
padrões culturais americanos, o que o sr. Herskovits chama de 'completa 
aculturação'", mas observada "internamente talvez a questão seja outra". (...) 
Locke perguntou "a democracia requer uniformidade? Se for o caso, ameaça 
ser segura, mas maçante... Costumes e modos antigos podem não perdurar, 
mas eles podem deixar um traço mental, sutilmente gravado no 
temperamento e colorindo as reações sociais" (Locke apud Jackson 1986: 
102) 
 
 A publicação foi posteriormente revisada e publicada na forma de um livro intitulado 
"The New Negro", um verdadeiro manifesto da Harlem Renaissance, onde diversos autores 
afirmaram e celebraram conexões com a África em âmbitos variados. Emblemática desse 
posicionamento é a frase de Arthur Schomburg: "O negro tem sido um homem sem uma 
história porque tem sido considerado um homem sem uma cultura de valor" (Schomburg apud 
Jackson, 1986: 103). Herskovits, assim, figurou como um dos poucos brancos com textos 
																																																								
17 Harlem Renaissance foi um movimento cultural, artístico e social que tomou o Harlem nas décadas de 1920-
1930. Artistas, músicos, escritores, poetas, fotógrafos e intelectuais negros fugiam do Sul em busca de um 
espaço onde pudessem se expressar com um pouco mais de liberdade. Muitos nomes de destaque, incluindo 
W.E.B Du Bois estavam no cerne do movimento que tinha como um dos motes o orgulho negro e a demanda por 
direitos civis e políticos. 
18 Edição especial com o tema "Has the Negro a Unique Social Pattern?", que culminou em uma versão em 
forma de livro intitulada "The New Negro". (Jackson 1986: 101-102) 
	 25 
incluídos no livro e sem dúvida o autor com posição mais assimilacionista (Jackson 1986: 
103). Seu contato, diálogo e mesmo relações de amizade com aqueles intelectuais negros não 
cessou por conta de tais diferenças; pelo contrário, as trocas contínuas fizeram com que 
repensasse alguns de seus posicionamentos anteriores. Nesse sentido, 
 
Suas trocas com Locke e outros intelectuais negros coincidiram com a 
emergência de problemas teóricos na pesquisa de Herskovits que minaram 
algumas de suas suposições iniciais. No outono de 1925, ele percebeu que os 
dados de seu estudo sobre cruzamento racial indicavam que os negros não 
estavam sendo absorvidos na população branca em geral, como Boas havia 
esperado: mais misturas raciais aconteceram no século XIX do que no XX. 
Os negros americanos, ele concluiu,

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