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Estudo_Critico_do_Pacote_Anticrime

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Estudo Crítico do 
“Pacote Anticrime” 
Um compilado de análises das medidas propostas pelo 
Ministério da Justiça e Segurança Pública 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Organização: 
André Antiquera Pereira Lima 
Flora Negrelli 
Thiago Villela Dutra 
 
São Paulo, 12 de fevereiro de 2020 
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Estudo Crítico do “Pacote Anticrime” 
Um compilado de análises das medidas propostas pelo Ministério da 
Justiça e Segurança Pública 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Organização: 
André Antiquera Pereira Lima 
Flora Negrelli 
Thiago Villela Dutra 
 
São Paulo, 12 de fevereiro de 2020 
 
 
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Estudo Crítico do “Pacote Anticrime” 
 
 
Coordenadores dos textos: 
 
Adriane da Fonseca Pires 
Ana Carolina Albuquerque de Barros 
Anna Carolina Canestraro 
Arthur Sodré Prado 
Augusto de Arruda Botelho 
Brenda Borges Dias 
Camila Nicoletti Del Arco 
Cecília Villar 
Daniel Kessler de Oliveira 
Daniella Meggiolaro Paes de Azevedo 
Dyrceu Aguiar Dias Cintra Junior 
Edson Luis Baldan 
Fábio Tofic Simantob 
Fabrício Reis Costa 
Fernando Augusto Bertolino Storto 
Fernando Castelo Branco 
Gabriel Holtz 
Gabriel Pires Viegas 
Gabriela Magalhães T. Oliveira 
Gustavo Alves Parente Barbosa 
Hélio Peixoto Junior 
Jéssica da Mata 
Joel Falcão Fraporti 
José Carlos Abissamra Filho 
Lorraine Carvalho Silva 
Lucas Barosi Liotti 
Marcelo Rocha dos Anjos 
Marco Antonio Chies Martins 
Maria Eugênia Ferreira da Silva Rudge Leite 
Natália Di Maio. 
Patrícia de Paula Queiroz Bonato 
Plínio Gentil 
Renata Rodrigues de Abreu Ferreira 
Roberta de Lima e Silva 
Sérgio Lopes Guimarães de Carvalho Bessa 
Túlio Felippe Xavier Januário 
 
 
 
 
3 
 
 
Sumário 
 
APRESENTAÇÃO DO PROJETO ......................................................................................... 5 
INTRODUÇÃO: ASPECTOS GERAIS DO “PACOTE ANTICRIME” DO MINISTÉRIO 
DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA .......................................................................... 9 
MEDIDA I – EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA APÓS CONDENAÇÃO EM 
SEGUNDA INSTÂNCIA .................................................................................................... 14 
MEDIDA II – EFETIVIDADE DO TRIBUNAL DO JÚRI .................................................. 36 
MEDIDA III – EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE ................................... 51 
MEDIDA IV – LEGÍTIMA DEFESA ................................................................................... 61 
MEDIDA V – ENDURECIMENTO DO CUMPRIMENTO DE PENAS ............................ 73 
MEDIDA VI – ALTERAÇÃO DO CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ...... 86 
MEDIDA VII – ELEVAÇÃO DAS PENAS EM CRIMES RELATIVOS A ARMAS DE 
FOGO ................................................................................................................................... 95 
MEDIDA VIII – APRIMORAMENTO DO PERDIMENTO DE PRODUTO DO CRIME
 ........................................................................................................................................... 100 
MEDIDA IX – PERMISSÃO DO USO DO BEM APREENDIDO PELOS ÓRGÃOS DE 
SEGURANÇA PÚBLICA ................................................................................................. 112 
MEDIDA X – PRESCRIÇÃO ............................................................................................. 119 
MEDIDA XI – CRIME DE RESISTÊNCIA ....................................................................... 129 
MEDIDA XII – SOLUÇÕES NEGOCIADAS .................................................................... 140 
MEDIDA XIII – FACILITAR O JULGAMENTO DE CRIMES COM AUTORIDADES 
COM FORO ....................................................................................................................... 162 
MEDIDA XIV – CRIMINALIZAÇÃO DO CAIXA DOIS ................................................ 174 
MEDIDA XV – REGIME DE INTERROGATÓRIO POR VÍDEOCONFERÊNCIA ....... 187 
MEDIDA XVI – CRIMINOSOS HABITUAIS .................................................................. 205 
MEDIDA XVII – PRESÍDIOS FEDERAIS ........................................................................ 217 
MEDIDA XVIII – APRIMORAMENTOS NA INVESTIGAÇÃO DE CRIMES .............. 228 
MEDIDA XIX – INFORMANTE DO BEM ....................................................................... 253 
MEDIDA XX – ALTERAÇÃO DA COMPETÊNCIA PARA FACILITAR O 
JULGAMENTO DE CRIMES COM AUTORIDADES COM FORO (PROJETO DE LEI 
COMPLEMENTAR N. 38/2019) ...................................................................................... 278 
CONCLUSÃO DO PROJETO E BREVE ANÁLISE DA LEI 13.964 ............................... 284 
 
 
4 
 
 
 
 
 
5 
 
 
APRESENTAÇÃO DO PROJETO 
 
Elaborado por André Antiquera Pereira Lima, Flora Negrelli, Thiago Villela Dutra 
 
O presente projeto é uma análise crítica das medidas originais propostas pelo Ministério 
da Justiça e Segurança Pública no autodenominado “Pacote Anticrime”. Foi realizado 
inteiramente por estudantes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) 
durante o segundo semestre do ano de 2019, orientados por profissionais do direito, na 
qualidade de coordenadores de cada texto elaborado. 
Iniciado em meados de setembro, o projeto contou com 105 inscrições e terminou com 
redação de 90 alunos, que discutiram e escreveram sobre as propostas originais do Pacote entre 
os meses de setembro e novembro do mesmo ano. 
Por conta da aprovação pelo plenário da Câmara dos Deputados do substitutivo do 
Pacote Anticrime, em 4 de dezembro de 2019, o texto original proposto pelo ministro Sérgio 
Moro sofreu modificações significativas. 
O substitutivo aprovado1 pelo Congresso Nacional é um conglomerado (i) de emendas 
parlamentares, (ii) do Projeto de Lei n° 10.372/2018, formulado por comissão de juristas 
presidida pelo então Ministro da Justiça Alexandre de Moraes, (iii) do Projeto de Lei n° 
10.373/20182 e (iv) do infame Projeto de Lei n° 882/2019, enviado pelo atual Ministro da 
Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro e objeto de análise deste estudo. 
O presente projeto se utilizou da divisão temática feita pelo Ministro Sérgio Moro – em 
vinte medidas –, tendo cada uma sido analisada por grupos que contaram com entre quatro e 
nove estudantes da Faculdade de Direito da PUC-SP (dos mais diversos anos) e de um a três 
coordenadores formados e com vasta experiência nas áreas do Direito Penal, Processual Penal 
e Criminologia. A presença de tais profissionais foi essencial à revisão e aperfeiçoamento da 
redação e conteúdo das análises feitas, além de possibilitar a orientação e indicação de caminhos 
possíveis aos alunos – que em muitos casos tiveram a sua primeira experiência de pesquisa com 
o presente trabalho acadêmico. 
 
1 Transformado na lei ordinária n° 13.964/2019 após sanção presidencial em 24 de dezembro de 2019. 
2 O referido projeto debate a regulamentação do procedimento da Ação Civil de Perdimento de Bens (bens, direitos 
e valores) procedentes, utilizados ou destinados de qualquer forma a atividades ilícitas. 
6 
 
 
Apesar das modificações substanciais realizadas pelo Grupo de Trabalho da Câmara dos 
Deputados3 no projeto original, a pertinência das análises aqui realizadas reside na continuidade 
das discussões teóricas acerca de temas como o excludente de ilicitude4, a execução da pena 
após condenação em 2º grau5 e o plea bargain6 – as quais, apesar de barradas do substitutivo 
aprovado, mantêm sua relevância por conta das eventuais consequências sociais dos institutos 
jurídicos e da atualidade dos debates gerados no ano de 2019. 
Além dessas três medidas, – e apesar da atuação da oposição no Grupo de Trabalho ter 
resultado na inserção de emendas7 consideradas garantistas frente ao teor estritamente punitivo 
do Projeto de Lei original –, o substitutivo aprovado está longe de ser projeto uníssono em 
relação ao endurecimento penal. 
Exemplodisso são algumas das medidas analisadas nos textos do presente projeto e que 
foram aprovadas como parte da Lei n° 13.964/2019. Dentre elas estão: (i) as alterações na Lei 
n° 11.671 (Lei dos Estabelecimentos Penais Federais), como o aumento do tempo de 
permanência em presídio federal, de 360 dias para 3 anos, prorrogáveis por igual período8, (ii) 
a vedação do benefício do livramento condicional a condenados por crime hediondo ou 
integrantes de organização criminosa (quando permanecendo em sua organização)9, (iii) a 
suspensão da prescrição em caso de oposição de recurso nos Tribunais Superiores (na proposta 
de Moro, em caso de inadmissibilidade)10, (iv) a execução automática da pena igual ou superior 
a quinze anos após o veredito do Tribunal do Júri11 e (v) o alargamento do instituto do 
perdimento de bens, gerando verdadeira inversão no ônus da prova12. 
 
3 O parecer elaborado pelo Grupo de Trabalho que analisou as modificações legislativas detalha as análises feitas 
e as modificações em cada proposta. Disponível em: 
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=E225F2F1C45D8AC8B81E7EB9
DD3C6228.proposicoesWebExterno1?codteor=1772332&filename=Tramitacao-PL+10372/2018> 
4 Medida IV 
5 Medida I 
6 Medida XII 
7 Como, por exemplo, (i) a criação do Juiz das Garantias, por meio da inserção dos artigos 3º-A até 3º-F no Código 
de Processo Penal; (ii) a tipificação do instituto das audiências de custódia, constante do artigo 310 e parágrafos 
do Código de Processo Penal, (iii) as mudanças na decretação e manutenção das prisões preventivas, que, com a 
aprovação, passarão a ser revistas a cada noventa dias - conforme nova redação do artigo 316, parágrafo único; 
dentre outras. 
8 Tema analisado pela medida XVII. 
9 Tema analisado pela medida XVI. 
10 Tema analisado pela medida X. No caso das alterações no instituto da prescrição, o texto aprovado foi além: 
“suspender-se-á a contagem do prazo prescricional em caso de oposição de recurso aos Tribunais Superiores, 
admissíveis ou não”. 
11 Tema analisado pela medida II. 
12 Tema analisado pela medida VIII. 
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=E225F2F1C45D8AC8B81E7EB9DD3C6228.proposicoesWebExterno1?codteor=1772332&filename=Tramitacao-PL+10372/2018
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=E225F2F1C45D8AC8B81E7EB9DD3C6228.proposicoesWebExterno1?codteor=1772332&filename=Tramitacao-PL+10372/2018
7 
 
 
Apesar disso, conforme mencionado anteriormente, também constam do projeto 
aprovado medidas de teor pouco mais garantista. Algumas das principais – a criação do Juiz 
das Garantias, a tipificação das audiências de custódia e as mudanças no instituto das prisões 
cautelares – já foram mencionadas, porém há alterações legislativas que podem vir a ter alcance 
positivo. 
Uma delas é a mudança no art. 282, §2º do Código de Processo Penal, que retirou a 
possibilidade de o Magistrado decretar o cumprimento de medidas cautelares13 de ofício, 
devendo agir somente mediante requerimento da parte ou do Ministério Público. Outra, que 
inseriu o §4º no artigo 310 do Código de Processo Penal, estabelece que transcorridas 48h14 
(quarenta e oito horas) do auto de prisão em flagrante e não realizada a audiência de custódia 
(sem motivação idônea), será considerada automaticamente ilegal a prisão, que 
obrigatoriamente deverá ser relaxada pela autoridade competente. Porém, apesar da importante 
tipificação das audiências de custódia no CPP trazer mais segurança jurídica ao instituto, há o 
problemático prolongamento do prazo máximo de 24 horas para a apresentação do custodiado, 
o qual já estava estabelecido na Resolução n° 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça. 
Em suma, o projeto aprovado é heterogêneo – cedeu ao punitivismo assim como 
também contou com a atuação da oposição a fim de atenuar as consequências irreversíveis da 
aprovação do Projeto de Lei original, tal como enviado pelo Executivo. Além disso, há 
institutos que ainda serão alvo de eventual controle de constitucionalidade pelo Supremo 
Tribunal Federal, tornando imprevisível a conclusão a que os Ministros chegarão. 
O Estado de São Paulo, em editorial veiculado em 5 de outubro de 2019 (ou seja, antes 
das alterações feitas pelo substitutivo), afirmou que 
as mudanças propostas não favorecem o combate à criminalidade. O que se vê no 
pacote de medidas é apenas mais uma tentativa de endurecer as leis penais e 
processuais penais, numa repetição do engodo a que o País tantas vezes assistiu. 
Atribui-se a causa das altas taxas de criminalidade a uma legislação supostamente 
branda e, em vez de o poder público atuar como e onde deve, apresenta-se como 
panaceia geral a proposta de uma nova lei, mais rígida e mais desequilibrada. Esse 
caminho foi trilhado outras vezes e o resultado foi frustrante. 
Não há motivo para a teimosia no mesmo equívoco, esquivando-se de enfrentar as 
verdadeiras causas do crime. Além de ser disfuncional, prometendo algo que não 
conseguirá realizar, o Pacote Anticrime viola direitos e garantias fundamentais, o que 
faz recomendar sua completa rejeição pelo Congresso15. 
 
13 Como a prisão preventiva, a busca e apreensão ou prisão domiciliar. 
14 24h é o prazo do caput do artigo 310, e o parágrafo 4º estabelece a ilegalidade da prisão a partir de 24h após o 
decurso do prazo constante do caput. 
15 O Estado de São Paulo, O Pacote Anticrime. Publicado em 5 de outubro de 2019. Acesso em 13 de janeiro de 
2020. Disponível em <https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,o-pacote-
anticrime,70003037767> 
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,o-pacote-anticrime,70003037767
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,o-pacote-anticrime,70003037767
8 
 
 
 
Portanto, conclui-se que o populismo penal que servia de fim mor ao Projeto de Lei 
original felizmente não foi acatado em sua integralidade; resultando, enfim, em um projeto que 
não soluciona os profundos problemas sociais advindos do sistema de justiça criminal brasileiro 
(e nem se propõe a isso), mas, mostra-se pouco menos insustentável do que o enviado 
originalmente pelo Executivo. 
Em suma, a pertinência da continuidade do presente estudo, mesmo após a referida 
aprovação, residirá, em última análise, na relevância acadêmica das análises feitas. O intuito 
deste projeto sempre foi estimular a pesquisa acadêmica, o estudo, o engajamento aos temas de 
relevância política e social aos estudantes da Faculdade de Direito da PUC-SP – ou seja, que os 
estudantes se envolvessem no debate político a nível nacional, estudassem e desenvolvessem 
uma análise crítica das medidas propostas pelo Ministro Sérgio Moro. 
De fato, os estudantes se envolveram em importante discussão teórica, fugindo à ótica 
do populismo penal e do mero endurecimento legislativo por força de um moralismo ocioso, 
sem resultado real. 
Ainda assim, levando em conta a aprovação do substitutivo, impôs-se fosse realizado 
uma última análise, dessa vez sob a ótica do Projeto de Lei sancionado, que consta do final 
deste estudo, em sua conclusão. 
Deste modo, é necessário também um apelo para que o projeto seja recebido como um 
todo, como uma convergência de opiniões diversas pensadas e redigidas por estudiosos do 
Direito acerca de temáticas que, tendo adquirido força de lei ou não, continuarão objeto de 
análise por juristas Brasil afora até a consolidação total de todas as alterações. 
Por fim, agradecemos imensamente a participação imprescindível de todos os 
envolvidos na confecção do presente projeto. Os longos meses de uma verdadeira jornada de 
conhecimento, que abriu portas à pesquisa acadêmica e certamente trouxe experiências 
positivas aos alunos, ampliaram a aproximação entre colegas comprometidos com valores 
democráticos e com as garantias individuais e os direitos fundamentais, além do estudo crítico 
do sistemacriminal brasileiro. 
 
São Paulo, 12 de fevereiro de 2020 
 
9 
 
 
INTRODUÇÃO: ASPECTOS GERAIS DO “PACOTE ANTICRIME” DO 
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA 
 
Sob coordenação de Túlio Felippe Xavier Januário e Joel Fraporti 
Elaborado por André Antiquera Pereira Lima, Andrea Passos de Oliveira Campos, Flora 
Negrelli, Maria Silva Menezes, Thiago Villela Dutra 
 
O “Pacote Anticrime”, conglomerado de alterações legislativas apresentado pelo 
Ministério da Justiça e Segurança Pública no ano de 2019, surge em momento extremamente 
oportuno ao emprego do punitivismo como saída supostamente eficaz à problemática criminal 
no Brasil. Os 57.341 homicídios só no ano de 2018 – 157 casos por dia1 – fazem da violência 
um dos temas mais caros ao cidadão brasileiro, tendo sido percebida como o segundo maior 
problema do Brasil em pesquisa realizada pelo Datafolha antes das eleições de 20182. 
A estratégia apresentada pelo governo é a de tentar solucionar os problemas de 
segurança pública através da simples edição de leis mais duras, sem, entretanto, um debate mais 
aprofundado a respeito dos reais problemas sociais brasileiros, ou sobre a estruturação dos 
sistemas de persecução penal e prisional, fatores que estão intrinsecamente relacionados ao 
fenômeno que o pacote anticrime se propõe a erradicar: o crime organizado. 
Nesse diapasão, o presente trabalho se propõe a analisar cada medida, a fim de entregar 
parecer puramente jurídico acerca dos objetivos, consequências e constitucionalidade de cada 
uma, prévio a qualquer juízo de valor. Em que pese a maior controvérsia a respeito das 
alterações que tratam de temas como: execução provisória da pena após condenação em 
segunda instância3, prescrição4, endurecimento do cumprimento das penas5, legítima defesa6 e 
sobre plea bargain, ou seja, as soluções negociadas no ordenamento penal brasileiro7, todas as 
 
1 Nesse diapasão, vale destacar ainda que, apesar de trágica e preocupante, o referido índice de 157 homicídios 
por dia é o menor desde 2011. CARVALHO, Marco Antônio. Homicídios no País têm queda de 10% em 2018, 
com 57,3 mil casos; taxa é a menor desde 2011. O Estado de S. Paulo, 10 de setembro de 2019. Disponível em: 
<https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,homicidios-no-pais-tem-queda-de-10-em-2018-com-57-3-mil-casos-
taxa-e-a-menor-desde-2011,70003003892>. Acesso em 08 de novembro de 2019. 
2 FOLHA DE S. PAULO. Para eleitores, saúde e violência são os principais problemas do país. Folha de S. Paulo, 
11 de setembro de 2018. Disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/09/para-eleitores-saude-e-
violencia-sao-os-principais-problemas-do-pais.shtml>. Acesso em 02 de novembro de 2019. 
3 Medida I 
4 Medida X 
5 Medida V 
6 Medida II 
7 Medida XII 
https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,homicidios-no-pais-tem-queda-de-10-em-2018-com-57-3-mil-casos-taxa-e-a-menor-desde-2011,70003003892
https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,homicidios-no-pais-tem-queda-de-10-em-2018-com-57-3-mil-casos-taxa-e-a-menor-desde-2011,70003003892
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/09/para-eleitores-saude-e-violencia-sao-os-principais-problemas-do-pais.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/09/para-eleitores-saude-e-violencia-sao-os-principais-problemas-do-pais.shtml
10 
 
 
medidas propostas pelo governo alteram significativamente o sistema penal vigente, indicando 
a importância do debate de tais temas com o qual as análises compiladas no presente trabalho, 
realizado por alunos sob coordenação de advogados criminalistas, promotores e acadêmicos 
visa contribuir. 
Para tanto, as análises realizadas pelos foram centradas em cinco questões simples e 
bastante diretas: (I) O que diz a medida analisada; (II) Quais seus objetivos declarados e não 
declarados; (III) Quais são as consequências possíveis? Produzem efeitos positivos ou 
negativos? (IV) é constitucional? Caso não seja, é possível sua inclusão no ordenamento via 
Emenda Constitucional? (V) Existe uma alternativa viável? Quais as vantagens dessa 
alternativa? 
Dessa forma, o presente trabalho possui não apenas um cunho crítico, mas também um 
viés bastante propositivo, visando a real melhora do sistema criminal brasileiro, desvelando um 
certo simbolismo existente no discurso e em na maior parte das medidas propostas pelo 
governo. 
 
Introdução sobre o caráter simbólico do “pacote anticrime” 
Entretanto, antes do estudo pormenorizado de cada uma das medidas, cabe inserir tal 
projeto legislativo no contexto do simbolismo penal. O simbolismo no direito penal caracteriza-
se por não produzir o efeito prático a que foi proposto; ao contrário: produz uma falsa sensação 
de segurança na sociedade, sem o correspondente incremento nos índices de segurança social 
ou mesmo redução da criminalidade, tal como ocorre com o “pacote anticrime”. 
Esse movimento de enrijecimento do sistema penal em nome de um suposto implemento 
nos níveis de segurança pública às custas das liberdades individuais não é novo, já tendo sido 
observado praticamente em todo o mundo, inclusive no Brasil. 
Um exemplo eloquente é a lei de crimes hediondos8, promulgada em 1990 com o intuito 
de reforçar o caráter indignante dos crimes considerados violentos9, que, dentre outras medidas, 
 
8 BRASIL. Lei n° 8.072/1990: Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da 
Constituição Federal, e determina outras providências. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm>. Acesso em 08 de novembro de 2019. 
9 Nos termos da atual redação do Artigo 1º da Lei em comento: “Art. 1o São considerados hediondos os seguintes 
crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou 
tentados: I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido 
por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, incisos I, II, III, IV, V, VI e VII); I-A – lesão corporal 
dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas 
contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional 
e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm
11 
 
 
promoveu o aumento de penas, a inicial vedação da liberdade provisória e do cumprimento de 
pena em regime outro que não o fechado10. Não existe qualquer evidencia de que tenha existido 
um real implemento nos níveis de segurança dos cidadãos, por outro lado, é de conhecimento 
público que a superlotação carcerária e o abandono de qualquer perspectiva ressocializadora 
são fatores diretamente relacionados à consolidação e expansão de facções criminosas 
perigosíssimas. 
Apesar da impossibilidade de creditar à lei a responsabilidade exclusiva pela 
superlotação carcerária que lhe seguiu, é evidente sua contribuição para o agravamento desse 
quadro ante a opção legislativa pala elevação das penas e regime de cumprimento como única 
medida político-criminal, sem qualquer preocupação com a efetividade de políticas de 
segurança pública ou seguridade social. O aumento de pena é a solução mais fácil e mais barata, 
apesar de evidentemente não resolver o problema. 
Tal qual já ocorreu também em diversos outros países, atualmente, nos vemos imersos 
em medo e insegurança por conta da problemática da criminalidade, levando a sociedade a 
enxergar no sistema penal o instrumento a ser utilizado pelo Estado como fator principal de 
proteção. Esse sentimento é por vezes intensificado – ou até mesmo criado – pelos meios de 
comunicação que, no objetivo de atingir a maior audiência, explora a criminalidade, 
selecionando as notícias de forma a cultivar a sensação de pânico e medo. 
Assim, a população inicia a cobrança deuma atuação estatal pautada na criação de novas 
leis penais ou no endurecimento desproporcional das existentes. Desse modo, o legislador 
utiliza-se do sistema penal para mascarar o problema estrutural do Brasil, de desigualdade social 
e pobreza, concentrando o trabalho somente apenas na opinião pública, transformando a lei 
penal em uma peça de propaganda. Como escreve Alice Bianchini: 
 
companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição; II - latrocínio (art. 157, § 3o, in 
fine); III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o); IV - extorsão mediante sequestro e na forma qualificada 
(art. 159, caput, e §§ lo, 2o e 3o); V - estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o); VI - estupro de vulnerável (art. 217-
A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o); VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o). VII-B - falsificação, corrupção, 
adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 
1o-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998). VIII - favorecimento da prostituição ou de 
outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º). 
Parágrafo único. Consideram-se também hediondos o crime de genocídio previsto nos arts. 1o, 2o e 3o da Lei no 
2.889, de 1o de outubro de 1956, e o de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 
da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, todos tentados ou consumados. BRASIL. Op. Cit. 
10 Atualmente, o Art. 2º, §2º, prevê que: “§ 2º A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes 
previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 
3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho 
de 1984 (Lei de Execução Penal)”. BRASIL, Op. Cit. 
12 
 
 
O que importa, para a função simbólica, é manter um nível de tranquilidade na opinião 
pública, fundado na impressão de que o legislador se encontra em sintonia com as 
preocupações que emanam da sociedade. Criam-se, assim, novos tipos penais, 
incrementam-se as penas, restringem-se direitos sem que, substancialmente, tais 
opções representem perspectivas de mudança do quadro que determinou a alteração 
(ou criação) legislativa. Produz-se a ilusão de que soluções foram encaminhadas.
11
 
 
Nesse mesmo contexto cabe assentar que, conforme observa Diez Ripollés12, o direito 
penal simbólico tem estreito vínculo com o discurso populista punitivista, que reivindica a 
produção de leis penais novas cada vez mais severas, com a ciência de que essas leis, sob a 
roupagem de uma atuação política instrumental e eficaz, na verdade, nada alteram a realidade 
da proteção de bens jurídicos, limitando-se, nesse campo, somente a emitir mensagens 
imediatistas de tranquilização coletiva ou de preocupação com o tema. 
Isso porque, o discurso populista é caracterizado pela busca do consenso ou do apoio 
popular para medidas repressivas cada vez mais duras13. 
Trata-se, para os garantistas e grande parte da criminologia crítica, de um método 
hiperpunitivista que se vale do senso comum, o saber popular, as emoções e as demandas 
geradas pelo delito e pelo medo do delito, para conquistar o consenso ou apoio da população 
em terno da imposição de mais rigor penal como solução para o problema da criminalidade. 
Assim, o populismo penal pode ser considerado um discurso político do inconsciente 
coletivo, que descansa sobre uma criminologia arcaica do homem criminoso, o “outro estranho” 
e que explora a insegurança pública como fundamento para a adoção de mais medidas 
punitivistas, facilitadas pelas representações sociais do infrator14. No plano político, o 
populismo se caracteriza pela manobra da vontade da massa, guiada por um líder carismático, 
que procura atender suas demandas e promover (tendencialmente) o exercício tirânico pela 
exploração do senso comum. 
Sob a ideia de “proteção” ofertada aos “cidadãos de bem”, oculta-se a impotência dos 
governantes em face da catarse de conflitos e tensões aos quais eles não podem (ou não estão 
dispostos a) responder senão através de medidas meramente retóricas, criando uma falsa ideia 
de unidade diante de um inimigo interno personificado na figura do outro: selecionado entre os 
 
11 BIANCHINI, Alice. Política Criminal, Direito de punir do Estado e finalidades do Direito Penal. Página 24. 
12 DIEZ RIPOLlÉS, José Luis. De la sociedad del riesgo a la seguridad ciudadana: un debate desenfocado. Revista 
Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia, Granada, n. 7, 2005. p. 71. 
13 GARLAND, David. Castigo y sociedad moderna: um estúdio de teoria social, 2, ed, México: Siglo Veintiuno 
Editores, 2005. p. 48. 
14 GOMES, Luiz Flavio. O populismo penal midiático. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 28. 
13 
 
 
membros dos setores socialmente vulneráveis a partir de uma série de filtros existentes no 
sistema criminal. 
Sabe-se que a solução dos problemas de segurança pública do país não se dará por meio 
de penas mais severas ou criação de novos tipos penais, ou qualquer outra medida imediatista, 
como o enrijecimento do regime prisional. É imprescindível que se reconheça o problema social 
de natureza estrutural em que vivemos para que sejam adotados esforços para solucioná-lo, com 
medidas de médio e longo prazo. 
Desta forma, em um contexto em que “o direito penal (poder punitivo), como sublinha 
Hassemer e Muñoz Conde (1989, p. 23 e ss.), está (cada vez) menos orientado à proteção de 
um bem jurídico do que para efeitos políticos mais amplos como a satisfação de uma 
‘necessidade de ação’”15, o Projeto Anticrime visa mais a retórica do que o problema, repetindo 
os já conhecidos erros do passado, conforme passamos a abordar nas próximas páginas deste 
trabalho. 
 
15 GOMES, Luiz Flávio. Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico / Luiz 
Flávio Gomes e Débora de Souza de Almeida; coordenadores Alice Bianchini, Ivan Luís Marques e Luiz Flávio 
Gomes. – São Paulo: Saraiva, 2013. 
14 
 
 
MEDIDA I – EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA APÓS CONDENAÇÃO EM 
SEGUNDA INSTÂNCIA 
 
Sob coordenação de Renata Rodrigues de Abreu Ferreira e Fernando Augusto Bertolino 
Storto 
Elaborado por Ana Carolina de Araújo Melo, Bianca Capalbo Gonçalves de Lima, Genilson 
Nascimento e Thiago Villela Dutra 
 
1. Um desadornado prólogo 
É impossível devolver a liberdade perdida ao cidadão1. 
É melhor que dez culpados escapem, que aquele um inocente sofra2. É isso que prevê o 
princípio Blackstone – ou Blackstone’s ratio – um dos axiomas mais reverenciados no direito 
penal anglossaxão3. A razão da exaltação dessa máxima não é difícil de se imaginar. 
Antes de se debruçar sobre o real motivo deste texto, é imprescindível se passar a uma 
petite histoire. Era uma vez um senhor que foi acusado – sem nenhuma prova – do estupro de 
uma menina de nove anos de idade. Ele ficou dois anos e sete meses preso. Durante o seu 
percurso no cárcere, foi violentado por quase 60 detentos, contraiu AIDS e depois teve sua 
inocência comprovada. Parece um conto de terror, mas essa é a história de Heberson Oliveira, 
uma das diversas vítimas de nossa justiça falível4, mais um dos padecedores de um sistema que 
erra e que quer prender seus acusados antes do tempo. 
Essa é uma das razões da existência da presunção de inocência: a defectibilidade da 
justiça. 
 
2. De que trata a medida proposta? 
 
1 Voto do Ministro Relator Marco Aurélio. STF, ADC 43, 44 e 45. Rel. Min. Marco Aurélio. Julgado em 
17/10/2019. Ainda não publicado. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/leia-voto-ministro-marco-
aurelio.pdf>. 
2 No original: “Better that ten guilty persons escape, than that one inocent suffers”. 
3 EPPS, Daniel. The consequences of error in criminal justice.Harvard Law Review. Vol. 128, Feb. 2015. Acesso 
em 2.11.2019. Disponível em: <http://cdn.harvardlawreview.org/wp-content/uploads/2015/02/vol128_epps.pdf>. 
4 Conforme se observa em: <https://www.uol/noticias/especiais/as-3-mortes-de-heberson.htm> e 
<https://wagnerfrancesco.jusbrasil.com.br/artigos/305043666/blackstone-s-formulation-e-o-dever-de-proteger-o-
inocente-contra-injusticas>. Diante da falibilidade da justiça é que surgiu o Innocence Project, também atuante no 
Brasil. 
http://cdn.harvardlawreview.org/wp-content/uploads/2015/02/vol128_epps.pdf
https://www.uol/noticias/especiais/as-3-mortes-de-heberson.htm
15 
 
 
O designado Pacote Anticrime incluiu em suas previsões uma medida que busca 
“assegurar a execução provisória da condenação criminal após julgamento em segunda 
instância”5, por meio da introdução, no Código de Processo Penal, do artigo 617-A: que 
permitiria aos Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais – após a apreciação do 
recurso de apelação proferindo acórdão condenatório – que determinassem o cumprimento 
provisório de penas privativas de liberdade, restritivas de direitos ou pecuniárias. 
Para verificar a viabilidade da medida, é necessário – antes de mais nada – se percorrer 
por uma análise histórica e cronológica não só do entendimento do Supremo Tribunal Federal, 
como também do legislador (constituinte e infraconstitucional), acerca da matéria, para que 
então se possa compreender o impacto dessas alterações no ordenamento jurídico pátrio. 
 
3. Um breve histórico das decisões que revelam a interpretação do art. 5º, LVII, 
CF 
Em um escorço de contextualização histórica sobre a evolução de perspectivas em torno 
da questão da execução antecipada da pena, verifica-se que, após a promulgação da 
Constituição Federal de 1988 – que consagrara o inciso LVII do art. 5º6 –, a matéria foi levada 
ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal, pela primeira vez, em 29 de março de 1989, 
por meio do habeas corpus nº 67.245/MG7. Na ocasião, houve a denegação unânime da ordem, 
admitindo-se a execução provisória da pena após condenação por Tribunal de Justiça. 
Em um segundo momento, o Plenário da Suprema Corte, instado a se manifestar – em 
28 de junho de 1991, no julgamento do habeas corpus nº 68.726/DF8 –, manteve o 
posicionamento externado por meio de seu órgão fracionário. 
A discussão em torno do tema parecia estável até o ano de 2009, quando, incutida pelo 
HC nº 84.078-MG9, aquela Corte fixou o entendimento, por maioria, de que a prisão só poderia 
ocorrer após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, consoante a literalidade da 
Constituição. Assim, o réu só poderia começar a cumprir sua pena quando todas as instâncias 
recursais já tivessem se esgotado, em observância ao princípio da presunção de inocência. 
 
5 MORO, Sérgio Fernando. Projeto de Lei Anticrime. Acesso em 17/10/2019. Disponível em: 
https://www.justica./gov.br/news/collective-nitf-content-1549284631.06/projeto-de-lei-anticrime.pdf. 
6 Segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 
7 HC 67.245, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, Segunda Turma, julgado em 28/03/1989, DJE 26/05/1989. 
8 HC 68.726, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, julgado em 28/06/1991, DJE 20/11/1992. 
9 STF, HC 84.078 MG, Rel. Min. EROS GRAU, Data de Julgamento: 05/02/2009, Tribunal Pleno, Data de 
Publicação: 26/02/2010. 
16 
 
 
A alteração do entendimento foi aplaudida, como explica Bittencourt: 
Essa decisão reafirmou o conteúdo expresso de nossa Carta Magna, qual seja, a 
consagração do princípio da presunção de inocência. Ou seja, ao determinar que 
enquanto houver recurso pendente não poderá ocorrer execução de sentença 
condenatória, estava atribuindo, por consequência, efeito suspensivo aos recursos 
especiais e extraordinários. Tratava-se, por conseguinte, de decisão coerente com o 
Estado Democrático de Direito, comprometido com o respeito às garantias 
constitucionais, com a segurança jurídica e com a concepção de que somente a 
sentença judicial definitiva, isto é, transitada em julgado, poderá iniciar o 
cumprimento de pena imposta10. 
 
A mudança de posicionamento homenageou não só os princípios constitucionalmente 
previstos, mas também os axiomas fixados em tratados internacionais de direitos humanos, 
como a Declaração dos Direitos Humanos da ONU11 e o Pacto de San José da Costa Rica12. 
Acompanhando o avanço jurisprudencial, o legislador, no ano de 2011, concedeu, por 
meio da Lei nº 12.403/201113, nova redação ao art. 283 do CPP, o qual passou a dispor que: 
Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e 
fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de 
sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação 
ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva (grifou-
se). 
 
Naquele momento o legislador adaptou o Código de Processo Penal, de 1941 – pretérito 
à nova constituinte –, respeitando os preceitos constitucionais e fincando as quatro modalidades 
de prisão compatíveis com o ordenamento constitucional (as cautelares e a prisão definitiva). 
Excluída, portanto, a possibilidade de execução provisória da pena antes do trânsito em julgado, 
porquanto incompatível com a redação da Magna Carta de 1988. 
Anos se passaram sem que nenhum questionamento a respeito da questão fosse 
efetuado. Só em 2016, no auge da designada “Operação Lava-Jato”, por ocasião do julgamento 
 
10 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado De Direito Penal: Parte Geral. 24ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 
2018, p. 77. 
11 Assembleia Geral da ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. A Declaração prevê, em seu 
artigo XI, que: “Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a 
sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido 
asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”. 
12 Organização dos Estados Americanos. Convenção Americana de Direitos Humanos (“Pacto de San José de 
Costa Rica”). 1969. O Artigo 8º, inciso I, do referido tratado preceitua que: “Toda pessoa acusada de um delito 
tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”. 
13 BRASIL. Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011. Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 
1941 - Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas 
cautelares, e dá outras providências. Brasília, DF, 2011. 
17 
 
 
do habeas corpus nº 126.292/SP14, voltou-se ao entendimento de 1989, vencendo a tese de que 
réus em ação penal poderão ter a pena executada após confirmação em segundo grau, apesar da 
possibilidade de interposição de recursos especial e extraordinário. 
Com placar acirrado de 7 votos a favor e 4 contra, deixou-se clara a dissonância dentro 
do próprio Tribunal. A diferença dos votos dos ministros parecia refletir a divergência política 
que assolava o país, devido às especulações sobre o habeas corpus e a “prisão dos poderosos”. 
Consoante o novo posicionamento, não seria necessário o esgotamento das vias 
recursais para a execução da pena, podendo ela ocorrer antes do trânsito em julgado da sentença 
penal condenatória – posição esta que fora tomada devido à grande pressão popular que 
pugnava pela punição dos réus na mencionada Operação. Ficou visível, assim, o alinhamento 
maior da nova interpretação com o clamor popular e menor com relação aos direitos 
fundamentais previstos na Constituição. No mérito dos votos favoráveis à denegação, os 
ministros apontaram os habeas corpus como formas de corrigir possíveis erros judiciais sobre 
o entendimento atual da execução de pena. 
A votação demonstrou uma antinomia de concepções entre os Ministros, podendo ser 
os votos genericamente diferenciadospor alguns motivos: a demora para o esgotamento de 
todos os recursos e os inúmeros instrumentos recursais utilizados no Judiciário. Por outro lado, 
o posicionamento dos ministros favoráveis à concessão da ordem se respalda no fato de que a 
concepção de cumprimento provisório da reprimenda seria um retrocesso ao que fora fixado 
em 2009 e ao estipulado na Constituição, em 1988, alavancando ainda a inconstitucionalidade 
da nova posição. 
Ante as dúvidas e discussões sobre o tema, foram propostas as Ações Declaratórias de 
Constitucionalidade (ADC) 43 e 4415, cujo intuito era a análise do reconhecimento da 
constitucionalidade do art. 283 do CPP16. 
Decididas, às pressas, duas liminares, novamente com votação apertada (dessa vez de 
seis votos a cinco), ficou acordado (em sede de liminar) que seria preso o réu após confirmada 
 
14 STF. HC 126.292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 17 de fevereiro de 2016. Disponível 
em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10964246>. 
15 BRASIL. STF, Ação Direta de Constitucionalidade nº 43 e 44, Rel. Min. Marco. Aurélio, Pleno, julgadas em 05 
de outubro de 2016. 
16 O artigo 283 do Código de Processo Penal preceitua que: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito 
ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença 
condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária 
ou prisão preventiva.”. 
18 
 
 
a sentença em segunda instância, tendo este que recorrer encarcerado – mantido, até aquele 
momento, o entendimento do HC 126.292. 
Por ocasião do julgamento – revertido no dia 07.11.2019, por 6 votos a 5 pela 
procedência das ADCs, portanto reconhecendo a constitucionalidade do art. 283 do CPP – o 
que se tem de discutir é: 
Se a ideia de presunção de inocência, tal como estamos desenhando, justifica, em 
qualquer hipótese, que se espere a formalização do trânsito em julgado. É essa a 
pergunta. E, a mim, parece-me que, se nós considerarmos que, aqui, cuida-se de uma 
garantia constitucional, que há essa atenuação da presunção de inocência, na medida 
em que juízos vão-se formando, vereditos vão-se formando em sentido contrário, em 
sentido favorável da formação de culpa, se ainda se pode falar em caso de presunção 
de inocência, ela é muito esmaecida afinal, com o juízo de primeiro grau, com o juízo 
de segundo grau e isso permite. E mesmo o acórdão que lavramos no Habeas Corpus 
84.078, já justificava, na época, a prisão, desde que de caráter provisório. 
[...] 
Então, Presidente, a mim, me parece que não há nenhuma dúvida de que a realidade 
mostra que precisamos, sim, de levar em conta não só o aspecto normativo que, a meu 
ver, legitima a compreensão da presunção de inocência nos limites aqui estabelecidos, 
a partir do voto do Relator e aqueles que o acompanharam, como, também, levar em 
conta a própria realidade que permite que exigir o trânsito em julgado formal 
transforme o Sistema num sistema de impunidade17. 
 
A verdade é que a Constituição é posterior ao Código de Processo Penal e, portanto, este 
deve ser analisado à luz daquela, na medida em que alguns dos seus vieses podem não ter sido 
recepcionados pela Lei Maior. 
Além disso, com o advento da reforma processual penal de 2008, pela Lei nº 11.689, 
extinguiu-se a prisão automática, anteriormente prevista no Codex18. A regra até aquele ato era 
o cárcere, salvo se o réu fosse primário e de bons antecedentes, aí o juiz poderia deixar de lhe 
decretar a prisão ou revogá-la, caso já se encontrasse preso19. Naquele momento também o 
legislador estipulou que o juiz teria que decidir, “motivadamente, no caso de manutenção, 
revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada 
e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de 
quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I”20 do Código. 
 
17 BRASIL. STF, Ação Direta de Constitucionalidade nº 43, Rel. Min. Marco. Aurélio, Pleno, julgadas em 05 de 
outubro de 2016. Voto Min. Gilmar Mendes, p. 213 e 217. 
18 A redação antiga, dada pela Lei nº 9.033, de 2.5.1995, para o § 1º do art. 408 […]. Afirmava que “Na sentença 
de pronúncia o juiz declarará o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu, recomendá-lo-á na prisão em 
que se achar, ou expedirá as ordens necessárias para sua captura”. A literatura do preceito era bastante similar à 
redação conferida pela Lei de 1973 (Lei n. 5.941). 
19 § 2º do antigo 408 do Código de Processo Penal. 
20 Conforme a redação do atual § 3º do artigo 413 do CPP. 
19 
 
 
A prisão tornou-se exceção e, em 2011, o legislador avançou ainda mais, delineando 
que a prisão preventiva só poderia ser determinada quando não fosse cabível a sua substituição 
por outra medida cautelar, daquelas previstas no rol do artigo 31921, sempre se observando a 
“necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos 
casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais” e verificando-se a 
“adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do 
indiciado ou acusado”22. 
Esclarecida a conjuntura cronológica legislativa-jurisprudencial, deve-se analisar as 
mudanças que podem ocorrer a partir da introdução da medida, caso esta venha a ser aprovada. 
Dentre as modificações propostas ressalta-se a aprovação do art. 617-A do Código de 
Processo Penal, o qual preveria que: 
Ao proferir acórdão condenatório, o tribunal determinará a execução provisória das 
penas privativas de liberdade, restritivas de direitos ou pecuniárias, sem prejuízo do 
conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos. 
 
Sem embargo, conforme discutido acima, o art. 637 do CPP dispõe que o recurso 
extraordinário não concederá efeito suspensivo à sentença, salvo se preenchidos os requisitos 
dispostos na alteração do referido artigo proposto por Moro, cuja redação, em seu §1º, 
estabeleceria que: 
Excepcionalmente23, poderão o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de 
Justiça atribuir efeito suspensivo ao recurso extraordinário e ao recurso especial, 
quando verificado cumulativamente que o recurso: 
I - não tem propósito meramente protelatório; e 
II - levanta uma questão de direito federal ou constitucional relevante, com 
repercussão geral e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, 
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou alteração do 
regime de cumprimento da pena para o aberto (grifou-se). 
 
Outrossim, busca-se alterar os requisitos para expedição da guia de recolhimento, que 
poderá ser feita na execução provisória, após a condenação em segunda instância: 
Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade ou 
determinada a execução provisória após condenação em segunda instância, se o réu 
estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para 
a execução. 
 
 
21 Consoante o § 6º do atual art. 282 do CPP. 
22 Artigo 282 do Código de Processo Penal. 
23 Fica explícito que a nova redação tornaria em regra a execução da pena e em exceção o efeito suspensivo dos 
recursos especial e extraordinário. 
20 
 
 
Pode-se dizer que a proposta visaria suprir lacunas deixadas pelo antigo entendimento 
do Supremo – alterado recentemente por meio do julgamento das ADCs 43, 44 e 54 – no que 
tange à execução provisória da pena. 
 
4. O que se pretende com a mudança? 
É imprescindível analisar quais são os objetivos e finalidades da alteração interpretativa 
dos dois dispositivos já transcritos anteriormente: o art. 5º, LVII, da Constituição Federal e o 
art. 283 do Código de Processo Penal, ou seja, é necessário se atentar primeiramente aos 
propósitos declarados da medida. 
O atual Ministroda Justiça, em evento no auditório do Superior Tribunal de Justiça, 
afirmou que o pacote planeja inverter “a lógica da exigência do trânsito em julgado”, e, além 
disso, que o projeto prevê que: 
Os recursos contra a decisão judicial não terão o efeito de suspender [o início do 
cumprimento da decisão em segunda instância], mas que o STF ou o STJ poderão, 
excepcionalmente, atribuir efeito suspensivo aos recursos desde que verificado (...), 
que o recurso não tem propósito meramente protelatório24. 
 
Tomando-se por base essas declarações, tem-se dois propósitos declarados da medida 
sugerida: (i) a inversão da lógica do trânsito em julgado, determinando a automática execução 
provisória da pena logo após a condenação em segundo grau; (ii) o embate contra os recursos 
“meramente protelatórios” – dando, portanto, margem à interpretação subjetiva [e arbitrária] do 
magistrado acerca do caráter procrastinador ou não de qualquer recurso interposto nos Tribunais 
Superiores. 
Sobre o primeiro aspecto, não há necessidade de se tecer um juízo de valor conclusivo 
antes de, ao menos, explicitar que não há nenhuma estrutura de projeto de lei ou emenda 
constitucional que dê permissão aos poderes Executivo ou Legislativo para intervirem em 
direitos fundamentais expressos na Constituição Federal. 
É que, para além do inciso que versa sobre a presunção da inocência25, o artigo 60, em 
seu §4º da Carta Magna traz quatro itens listados que estão impedidos de serem objeto de 
deliberação sequer por emenda constitucional – que dirá por lei ordinária ou complementar – 
pretendente a diminuí-los ou aniquilá-los. Neste preceito estão elencados os “direitos e 
 
24 RODRIGUES, Alex. Sergio Moro destaca importância de prisão em segunda instância. Publicado em 
20/08/2019. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2019-08/sergio-moro-defende-
prisao-em-segunda-instancia>. Acesso em 28/09/2019 (grifou-se). 
25 Art. 5° LVII da Constituição Federal. 
http://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2019-08/sergio-moro-defende-prisao-em-segunda-instancia
http://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2019-08/sergio-moro-defende-prisao-em-segunda-instancia
21 
 
 
garantias individuais”, nos quais se enquadra a impossibilidade de ser considerado culpado 
antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. 
Apesar da flagrante inconstitucionalidade da proposta – mais adiante discutida –, em 
efeitos práticos, a mudança apenas se prestaria como meio para o aumento da população 
carcerária brasileira. 
Ora, considerando-se que houve um aumento em 100% da população carcerária de 2005 
até 201626, e que o número de homicídios também cresceu nesse período (ainda que não tanto 
quanto o número de prisioneiros), percebe-se que não há necessariamente uma relação de 
causalidade entre aumento de prisões e a diminuição de homicídios/crimes violentos. Pelo 
contrário, estes apenas aumentaram. 
Sobre os recursos “meramente protelatórios”, o Ministro Barroso – notório defensor da 
antecipação provisória da pena –, expôs que “ao autorizar-se que a punição penal seja retardada 
por anos e mesmo décadas, cria-se um sentimento social de ineficácia da lei penal”27, o que, 
segundo a tese defendida também pelo Ministro da Justiça, justificaria o sacrifício do artigo 5º, 
LVII, da Constituição Federal. 
Há, porém, um semblante de falso moralismo na afirmação do Ministro: ele transfere a 
culpa pela morosidade do Judiciário ao direito de se opor recursos até o trânsito em julgado da 
sentença, tornando o agente passivo da justiça – o réu – em protagonista da própria incapacidade 
do Estado de alcançar sua celeridade, enquanto que, simultaneamente, retira do próprio 
Judiciário esse ônus. 
Uma vez explicitados os motivos mais relevantes e aparentes para a proposição da 
medida, deve-se fazer um exame sobre o seu conteúdo e seus objetivos implícitos, aqueles que, 
embora presumíveis, não foram declaradamente incluídos pelo subscritor como finalidades 
precípuas do projeto. 
Três objetivos implícitos são bastante relevantes. O primeiro deles é o já mencionado 
aumento exponencial da população carcerária, falaciosamente visto por punitivistas como uma 
solução adequada à problemática da criminalidade, por servir de limite à chamada “impunidade 
penal” – como se o país com a terceira maior população carcerária do planeta pecasse pela falta 
 
26 ERDELYI, Maria Fernanda. Brasil dobra número de presos em 11 anos, diz levantamento; de 726 mil presos, 
40% não foram condenados. Publicado em 08/12/2017. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/ 
noticia/brasil-dobra-numero-de-presos-em-11-anos-diz-levantamento-de-720-mil-detentos-40-nao-foram-julgad 
os.ghtml>. Acesso em 12/10/2019. 
27 STF, ADC 44, Rel. Min. Marco Aurélio, Data de Julgamento 05/10/2016, DJe 07/03/2018, voto do Ministro 
Luis Roberto Barroso, p. 80. 
22 
 
 
de prisões, e não por motivos mais complexos como, justamente, superlotação carcerária28, 
educação, desemprego, falta de reinserção do egresso à sociedade em liberdade ou o indignante 
número de prisões provisórias29. 
O segundo, intrinsecamente conexo ao primeiro, é a lógica de que, ao atender ao clamor 
social por mais prisões, encarcerando-se pessoas “abastadas e poderosas”, haveria um certo 
“equilíbrio” na justiça criminal brasileira – tese seguida pelo próprio Ministro da Justiça, que, 
quando ainda juiz federal, após o julgamento do HC nº 126.929, afirmou que o Supremo 
“decidiu que não somos uma sociedade de castas e que mesmo crimes cometidos por poderosos 
encontrarão uma resposta na Justiça criminal”30. 
Já o terceiro desígnio implícito da medida seria a legitimação da prisão preventiva 
automática com vestes de cumprimento de pena definitiva e travestida de “execução provisória 
da pena”. Embora este escopo esteja conectado à “inversão da lógica do trânsito em julgado”, 
é sublime por transformar em regra a privação de liberdade automática – já revogada pelo 
legislador em 2008 –, negligenciando que essa prontidão serviria apenas para encobrir a 
ilegalidade das prisões preventivas decretadas a torto e à direita. 
Em um levantamento feito pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, em 
manifestação31 como amicus curiae nos autos da ADC nº 44 – cuja legitimidade de atuação no 
debate decorre do fato de o Estado de São Paulo carregar 1/3 (um terço) da população carcerária 
brasileira, a maioria em situação financeira precária32 –, ressaltou-se o aumento exponencial de 
 
28 Há hoje, no Brasil, 704.395 presos para uma capacidade total de 415.960, um déficit de 288.435 vagas. Não é 
de todo ilusório admitir que esse déficit possa contribuir para a dificuldade em reinserir um preso em sociedade, 
contribuindo, também, à reincidência. Dados em: VELASCO, Clara e REIS, Thiago e CARVALHO, Bárbara e 
LEITE, Carolline e PRADO, Gabriel e RAMALHO, Guilherme. Superlotação aumenta e número de presos 
provisórios volta a crescer no Brasil. Publicado em 26/04/2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/monitor-
da-violencia/noticia/2019/04/26/superlotacao-aumenta-e-numero-de-presos-provisorios-volta-a-crescer-no-brasil 
.ghtml>. Acesso em 12/10/2019. 
29 Há 252,2 mil presos provisórios no país, ou 35.9% do total de encarcerados no sistema penitenciário brasileiro. 
VELASCO, Clara; REIS, Thiago; CARVALHO, Bárbara; LEITE, Carolline; PRADO, Gabriel; RAMALHO, 
Guilherme. Op. Cit. 
30 G1 Paraná. MPF diz que prisão em segunda instância é marco para réus de ‘colarinho branco’. Publicado em 
06/10/2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2016/10/mpf-diz-que-prisao-em-2-instancia-
e-marco-para-reus-de-colarinho-branco.html>. Acesso em 12/10/2019. 
31 STF, ADC 44, Rel. Min. Marco Aurélio, Data de Julgamento 05/10/2016, DJe 07/03/2018, manifestação da 
Defensoria Pública do Estado de São Paulo como Amicus Curiae. Disponível em: <https://www.defensoria. 
sp.def.br/dpesp/repositorio/0/manifesta%C3%A7%C3%A3o%20DPSP.pdf>.32 Para isso deve-se levar em conta que 90% dos presos no Brasil não possuem ensino médio completo, e, sabendo 
disso, deve-se levar em conta que quem assume a defesa de fato dessas pessoas é a Defensoria Pública. Ver: STF, 
ADC 44, Rel. Min. Marco Aurélio, Data de Julgamento 05/10/2016, DJe 07/03/2018, manifestação da Defensoria 
Pública do Estado de São Paulo como Amicus Curiae retromencionada, p. 2. 
http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2016/10/mpf-diz-que-prisao-em-2-instancia-e-marco-para-reus-de-colarinho-branco.html
http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2016/10/mpf-diz-que-prisao-em-2-instancia-e-marco-para-reus-de-colarinho-branco.html
23 
 
 
prisões (determinadas automaticamente após a condenação em segundo grau) após a abertura 
do “precedente” pela Suprema Corte. A entidade afirmou que: 
13.887 mandados de prisão foram expedidos pelo Tribunal de Justiça paulista após o 
acórdão de segundo grau no período compreendido entre 18.02.2016 e 04.04.2018, 
com fundamento em um único habeas corpus, qual seja, o HC nº 126.292. 
 
Adicione-se a isso o fato de que diversas prisões antecipadas são posteriormente 
revertidas pelo STJ – conforme se verá mais adiante –, sendo, portanto, ilegais desde o início 
de sua execução. 
A Defensoria também registrou que, em agosto de 2017, recebeu 4.025 intimações do 
Superior Tribunal de Justiça relativas a habeas corpus impetrados por ela, e, dessas, 1.214 
foram concessivas da ordem33. Disso tudo apenas se pode extrair uma conclusão: 30% de todos 
os pacientes estavam submetidos a prisões ilegais, e, por isso, tiveram uma decisão favorável 
proferida pelo STJ. 
Quanto à terceira finalidade implícita, levanta-se uma preocupação: uma vez que o 
colegiado da Suprema Corte deu permissão à execução provisória da pena, em 2016, órgãos 
colegiados de segundo grau passaram a impor automaticamente o cumprimento antecipado do 
castigo após a prolação do acórdão, concedendo ao “precedente” (sem efeitos erga omnes) força 
de regra, e não de exceção. 
Sobre a atual aplicação automática da execução da pena, o Ministro Gilmar Mendes, em 
sede do julgamento do HC n° 152.75234, aventou que: 
analisadas diversas situações concretas resultantes daquele julgado, em que tribunais, 
automaticamente, passaram a determinar a antecipação da execução da pena, 
verifiquei, e acredito que todos os meus pares também, a ocorrência de 
encarceramentos precoces, indevidos, em razão de reforma posterior da 
condenação pelo STJ. 
 
Para complementar sua assertiva, o Ministro, no mesmo voto, descreve alguns 
encarceramentos precoces e indevidos, posteriormente reformados35. 
 
33 STF, ADC 44, Rel. Min. Marco Aurélio, Data de Julgamento 05/10/2016, DJe 07/03/2018, manifestação da 
Defensoria Pública do Estado de São Paulo como Amicus Curiae, p. 6. Disponível em: <https://www.defensoria. 
sp.def.br/dpesp/repositorio/0/manifesta%C3%A7%C3%A3o%20DPSP.pdf>. Acesso em 12.10.2019. 
34 HC impetrado em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, julgado dias antes dele ser preso em 2018. 
HC n° 152.752, Rel. Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 04/04/2018, DJe 27/06/2018, pp. 111/112. 
Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=15132272> (grifou-se). 
35 No mesmo voto, o Ministro dá exemplos de condenações indevidas posteriormente reformadas pelo STJ. 
Transcreve-se, aqui, alguns deles: (i) a Ação Penal 0104654-76.1995.403.6181, da JFSP, que teve pena reduzida 
pelo HC 317.330/SP; (ii) réu condenado a 5 anos de prisão em regime inicial fechado, que posteriormente teve 
pena reduzida para 1 ano e 8 meses, sendo cumprido em regime aberto, em sede do AREsp 1.195.573-SP, e, por 
fim, (iii) no terceiro exemplo, a alforria do réu veio de embargos declaratórios em agravo tirado de recurso especial 
24 
 
 
Dessa maneira, ponderados os objetivos explícitos e implícitos que se busca alcançar 
com a medida, passar-se-á à análise das consequências das alterações. 
Em artigo publicado no ano de 2018, Lênio Luiz Streck36 apontou que apenas os 
Ministros Luiz Fux e Roberto Barroso defenderam a tese de prisão automática após condenação 
em segunda instância. Na ocasião em que publicado, o Supremo já havia julgado o HC nº 
152.752/PR e o Ministro Barroso apresentou, nas anotações para manifestação oral37, um 
apanhado de dados sobre os recursos, em matéria penal, providos pelo Superior Tribunal de 
Justiça, que não passaram de 1% os deferimentos, conforme transcrito abaixo: 
3. A pesquisa solicitada por mim e coordenada pelo Ministro Rogerio Schietti trouxe 
as seguintes informações relevantes: 
a) a primeira decisão terminativa proferida pelo STJ em recursos especiais costuma 
se dar no prazo de 202 dias, isso é pouco menos de 7 meses; 
b) a primeira decisão terminativa proferida pelo STJ em agravos em recursos especiais 
costuma se dar no prazo de 153 dias, isso é pouco mais de 5 meses. 
4. Portanto, embora haja uma demora no trânsito entre o Tribunal de origem e o STJ, 
se se aguardar a primeira decisão terminativa, o risco de procrastinação é controlado. 
5. Com uma informação importante, em pesquisa complementar feita pelo Ministro 
Schietti: o percentual de provimento de agravo contra esta primeira decisão é irrisório. 
Em relação aos recursos especiais, em 30.082 decisões, a percentagem de reforma foi 
de 0,31%. E no tocante aos agravos em recurso especial, em 52.327 decisões, a 21 
porcentagem de reforma foi de 0,21%. Vale dizer: é a primeira decisão terminativa 
que prevalece em mais de 99% dos casos. 
 
Mais adiante se verificará que tais dados não necessariamente correspondem à realidade. 
De toda sorte, estabelecidos esses pressupostos, resta apreciar um outro efeito possível da 
medida. 
O noticiário brasileiro tem, constantemente, passado para a população um clima de 
insegurança cuja solução única seria o encarceramento em massa, não observando as vastas 
alternativas penais existentes – como a justiça restaurativa, por exemplo – que apresentam um 
elevado retorno social. O fictício reestabelecimento da prisão após condenação em segunda 
instância, por meio do julgamento do HC nº 126.292/SP, trouxe uma onda de falsa segurança, 
acalentando o anseio social pela prisão dos ditos “criminosos”. 
 
analisado pelo STJ (977.341-MG). Aqui o réu foi condenado a uma pena de 2 anos e 6 meses de reclusão, regime 
inicial fechado. Deu-se a execução da pena após condenação em segunda instância. O STJ reduziu para 1 ano e 8 
meses de reclusão e, diante do quantum aplicado, reconheceu a prescrição. 
36 STRECK, Lênio Luiz. A presunção da inocência e meu telescópio: 10 pontos para (não) jejuar. Publicado em 
02 de abril de 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-abr-02/streck-presuncao-inocencia-10-
pontos-nao-jejuar>. Acesso em: 14/10/2019. 
37 Disponível em: <https://luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2018/04/anotacoes_para_voto.pdf> 
Acesso em: 14/10/2019. 
25 
 
 
A cultura prevalente na população se volta para o cárcere como única forma de 
reparação da prática delituosa. Nessa toada, repara-se que essa sanha punitiva fez com que 25% 
do total de enjaulados em 2018 fosse fruto da prisão após condenação em segunda instância38, 
apenas materializando o resultado almejado por parcela significativa da população brasileira. 
A proposição legislativa que referenda o cumprimento antecedente da pena visaria 
apenas transparecer certa “estabilidade” diante das alterações na jurisprudência do STF, que já 
se debruçou sobre o tema em três oportunidades distintas – no ano de 2016 e, posteriormente, 
mais uma vez, em 201839. 
Importante observar que o tema também passou a ser discutido por meio de Proposta de 
Emenda à Constituição e, dado o retorno do tema à pauta do STF, a Câmara também se 
mobilizou para a discussão de uma PEC registrada como “instrumento legislativo para acalmar 
a população brasileira”40, o que possibilitaria a (falsa)sensação de segurança da população. 
A dissonância de entendimentos no STF e no meio jurídico sobre o tema enseja uma 
solução definitiva da matéria, mas envolvendo um debate público, pautado não só em anseios 
da população – até porque o papel da Suprema Corte e do legislativo é contramajoritário –, mas 
mediante a apresentação de alternativas penais legítimas. 
Ninguém esconde que o retorno da prisão após condenação em segunda instância ao 
debate jurídico se deu em decorrência da denominada operação Lava Jato. Não por acaso o 
Ministro Alexandre de Moraes aponta em seu voto41 que: 
Durante todos esses anos, quase 30, as alterações de posicionamento do SUPREMO 
TRIBUNAL FEDERAL não produziram nenhum impacto significativo no sistema 
penitenciário nacional, mas, principalmente nos últimos dois anos, produziu uma 
grande evolução no efetivo combate à corrupção no Brasil. 
 
Aqui se nota uma forte ligação da restrição da liberdade antes da pena definitiva como 
uma das bandeiras levantadas no combate aos crimes cometidos contra os cofres públicos. 
 
38 Presos após segunda instância já são 1/4 do total da população carcerária. Publicado em 08 de agosto de 2018. 
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-ago-08/brasil-presos-provisorios-condenacao-definitiva>. 
Acesso em: 14/10/2019. 
39 MOURA, Rafael Moraes. Lewandowski decide enviar ao plenário 80 casos em que barrou execução antecipada 
de pena. Publicado em 26 de setembro de 2019. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-
macedo/lewandowski-decide-enviar-ao-plenario-80-casos-em-que-barrou-execucao-antecipada-de-pena/>. 
Acesso em: 10/10/2019. 
40 BRANT, Danielle. BOLDRINI, Angela. Após STF marcar julgamento, Câmara antecipa discussão sobre prisão 
em 2ª instância. Publicado em 14 de outubro de 2019. Atualizado em 15 de outubro de 2019. Disponível em: 
<https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/10/apos-stf-marcar-julgamento-camara-antecipa-discussao-sobre-
prisao-em-2a-instancia.shtml>. Acesso em: 15/10/2019. 
41 HC 152752, Rel. Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 04/04/2018, DJe 27/06/2018, p. 138 (grifou-
se). 
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/lewandowski-decide-enviar-ao-plenario-80-casos-em-que-barrou-execucao-antecipada-de-pena/
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/lewandowski-decide-enviar-ao-plenario-80-casos-em-que-barrou-execucao-antecipada-de-pena/
26 
 
 
Passa-se, assim, a desleal sensação de que só o cárcere (e antecipado) é a solução para o desvio 
de verbas públicas, além de todos os outros crimes passíveis de restrição da liberdade. 
Todavia, a prisão do condenado, mesmo na pendência de recurso especial ou 
extraordinário, se revela como fator restritivo ao direito de ampla defesa, conforme registrado 
pelo Ministro Eros Grau, in verbis: 
A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases 
processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por que não haveria de 
ser assim? Se é ampla, abrange todas e não apenas algumas dessas fases. Por isso a 
execução de sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, 
restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de 
aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão42. 
 
Dessarte, ainda que haja um baixo número de recursos providos pelo STJ – o que recente 
pesquisa realizada pela Folha do Estado de São Paulo demonstra que não é inteiramente 
correspondente à verdade, na medida em que “uma a cada três decisões proferidas em segunda 
instância que chegam ao STJ (...) é alterada pela corte, e 7% dos casos que vão ao STF (...) são 
total ou parcialmente modificados”43 em matéria criminal –, conforme citado acima, não se 
pode deixar de considerar o direito à ampla defesa como forma de preservação da liberdade do 
cidadão ante o Estado. 
Além do mais, o fato do sistema jurídico possibilitar ao réu mecanismos para revisão da 
pena imposta, enquanto aguarda em liberdade, não provoca impunidade daquele que sofre a 
persecução penal. Ora, sendo o próprio Estado-juiz moroso no julgamento, a antecipação da 
execução da pena não serve de contrapeso para a lentidão do próprio Estado44. 
Nesse cenário, como exposto, a principal consequência da medida seria um aumento da 
população carcerária que vive em situação degradante e inumana nos presídios brasileiros, fato 
de conhecimento público e internacional45, além de concomitantemente implicar em um 
 
42 HC 84078, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2009, DJe 26/02/2010, p. 05. 
43 FARIA, Flávia. GARCIA, Guilherme. Uma em cada três decisões judiciais em segunda instância é alterada no 
STJ. Reportagem publicada em Folha de São Paulo. Data 17.10.2019. Disponível em: <https:// 
www1.folha.uol.com.br/poder/2019/10/uma-em-cada-tres-decisoes-judiciais-em-segunda-instancia-e-alterada-n 
o-stj.shtml>. Acesso em 30.10.2019. 
44 AMARAL, Thiago Bottino do. SOBRINHO, Sérgio F. C. Graziano. Encarceramento não é espetáculo nem 
solução à corrupção. Publicado em 08 de fevereiro de 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-
fev-08/opiniao-encarceramento-nao-espetaculo-nem-solucao-corrupcao>. Acesso em 14/10/2019. 
45 CANÁRIO, Pedro. Corte italiana nega extradição de advogado por má condição das prisões brasileiras. 
Publicado em 29 de setembro de 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-set-23/corte-italiana-
nega-extradicao-brasileiro-condicao-prisoes>. Acesso em 14/10/2019. 
27 
 
 
acréscimo de eventuais pedidos de indenização por erro judicial, comprometendo o já convalido 
orçamento público brasileiro46. 
 
5. Da inconstitucionalidade da medida 
A jurisprudência deste Supremo Tribunal se consolidou no sentido de que ofende o 
princípio da presunção de inocência, insculpido no art. 5º, LVII, da Constituição 
Federal, a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da 
sentença condenatória, ressalvada a hipótese de prisão cautelar, desde que presentes 
os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do Código de Processo Penal. [O] 
texto constitucional é expresso em afirmar que apenas depois do trânsito em julgado 
da sentença penal condenatória alguém poderá ser considerado culpado. Trata-se do 
princípio, hoje universal, da presunção de inocência das pessoas. 
 
Essas foram as palavras do Ministro Ricardo Lewandowski que apontou, no julgamento 
do Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 176.034, de maneira precisa, a taxatividade do 
artigo 5º, LVII, da Constituição Federal. 
Disso só se pode concluir a afronta ao princípio da presunção da inocência, posto que o 
acusado – ainda com chances de se ver absolvido pelos Tribunais Superiores, ou mesmo de ver 
sua pena diminuída ou algum benefício aplicado – começaria a cumprir a reprimenda antes 
mesmo de que sua culpa estivesse formalmente consolidada. 
Dessa forma, tem-se não só uma antecipação do cumprimento da pena, mas também a 
precipitação da formação da culpa em si, o que abala a segurança jurídica do judiciário – pela 
inversão de seus princípios basilares, tornando regra a vedada e inescrupulosa presunção da 
culpabilidade –, como também pelo incremento da descredibilidade da poder judiciário ante a 
possibilidade de existência de alterações posteriores dos decretos condenatórios com penas já 
cumpridas: dá-se azo à injustiça legitimada. 
Neste sentido, não é só o Min. Lewandowski manifesta preocupação com os rumos que 
o processo penal tem tomado, mas também o Min. Celso de Mello, afirmando que: 
a majestade da Constituição não pode ser transgredida nem degradada pela potestade 
do Estado, pois, em um regime de perfil democrático, ninguém, a começar dos agentes 
e autoridades do aparelho estatal, pode pretender-se acima e além do alcance da 
normatividade subordinante dos grandes princípios que informam e dão essência à Lei 
Fundamental da República. [...]É preciso repelir a tentação autoritária de presumir-se 
provada qualquer acusação criminal e de tratar como se culpado fosse aquele em favor 
de quem milita a presunção constitucional de inocência. [...] Eventual inefetividade 
da jurisdição penal ou do sistema punitivo motivada pela prodigalização de meios 
 
46 Segundo notícias de agosto deste ano, presos considerados inocentes têm recorrido à Justiça para reparar danos 
com pedidos de indenização por danos morais e materiais. Só na Defensoria Pública de São Paulo são 20 pedidos 
do tipo por mês. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL756831-5605,00-
PRESOS+CONSIDERADOS+INOCENTES+RECORREM+A+JUSTICA+PARA+REPARAR+DANOS.html>. 
28 
 
 
recursais, culminando por gerar no meio social a sensação de impunidade, não pode 
ser atribuída ao reconhecimento constitucional do direito fundamental de ser 
presumido inocente, pois não é essa prerrogativa básica que frustra o sentimento de 
justiça dos cidadãos ou que provoca qualquer crise de funcionalidade do judiciário. A 
solução dessa questão, que não guarda pertinência – insista-se – com a presunção 
constitucional de inocência, há de ser encontrada na reformulação do sistema 
processual e na busca de meios que, adotados pelo Poder Legislativo, confiram maior 
coeficiente de racionalidade ao modelo recursal, mas não, como se pretende, na 
inaceitável desconsideração de um dos direitos fundamentais a que fazem jus os 
cidadãos desta República fundada no conceito de liberdade e legitimada pelo princípio 
democrático47. 
 
Ora, “o investigado, o acusado e o condenado, enquanto pende recurso da sentença 
condenatória, estão na mesma situação jurídica que o inocente, isto é, quem nunca foi 
investigado ou processado”48. É isso que significa presunção da inocência: um “pressuposto 
implícito e peculiare del processo accusatorio penale”49. 
A questão polêmica é: até quando se deve perdurar a presunção de inocência? Até 
quando, no Brasil, o acusado deve ser presumido inocente? 
A resposta dessa questão é simples: a Constituição é clara ao estabelecer o marco 
temporal final dessa presunção com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, de 
sorte que esta garantia não se finda com a sentença penal ainda recorrível aos tribunais 
superiores ou com condenação em segunda instância, ao menos não nos termos da Carta 
Constitucional. 
Trânsito em julgado, por sua vez, é o fato que delimita o início da imutabilidade da 
sentença, isto é, marca o surgimento de uma nova situação jurídica, a existência da coisa 
julgada50. 
E, por outro lado, a coisa julgada “serve para que um processo alcance uma certeza 
básica para o cumprimento: a irrevogabilidade (dimensão interna ou efeito intraprocessual), de 
um lado, e, de outro, a eficácia frente a eventuais discussões posteriores em torno do que foi 
resolvido no processo (dimensão externa)”51. 
 
47 Em seu voto no julgamento da liminar em sede da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 43. 
48 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Opinião: É temerário admitir que o STF pode “criar” um novo 
conceito de trânsito em julgado. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-abr-03/badaro-stf-nao-criar-
conceito-transito-julgado#_ftn1>. Acesso em: 10/10/2019. 
49 PISANI, Mario. Sulla presunzione di non colpevolezza. Il Foro Penale, 1965, p. 3. 
50 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Direito processual civil (ensaios e pareceres). Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, 
p. 145. 
51 ARMENTA DEU, Teresa. Lecciones de Derecho Procesal Penal, 3. ed. Madrid, Marcial Pons, 2007. p. 273. 
29 
 
 
Há, portanto, entre os dois termos uma relação lógica de antecedência-a-consequência, 
de sorte que o trânsito em julgado cria a coisa julgada, seja ela formal ou material a depender 
do caso concreto52. 
É evidente a agressão efetuada pela antecipação da pena ao marco processual da 
imutabilidade da decisão, lograda com o trânsito em julgado, e ao instituto da coisa julgada, 
uma vez que uma decisão que sequer foi considerada imudável passaria a ser executada desde 
logo. 
Os defensores do cumprimento antecipado da pena pretendem contornar o termo 
utilizado pela Carta Constitucional, focando no termo “considerado culpado”. Assim, ignoram 
propositalmente a previsão expressa do “trânsito em julgado”. Sustentam que em momento 
algum a legislação prevê que ninguém será preso antes da condenação transitar em julgado, 
mas apenas que o indivíduo não será considerado culpado, na tentativa de convencer os 
desavisados de que prender definitivamente alguém não implica necessariamente em considerá-
lo culpado. 
O esforço é grande para interpretar a Constituição de acordo com o que nela não está 
escrito. Colocar-se-á a justiça em crise, uma vez que se tenciona realizar interpretações para 
que se adeque a Constituição às leis e não as leis à Constituição, como deveria ser. 
Além do mais, a execução das penas com base apenas na condenação proferida em 
segundo grau parte do pressuposto de que não há possibilidade de que tal decisão seja revertida 
em instância superior. Aqueles que defendem a execução antecipada parecem não se preocupar 
com a eventualidade de um erro judiciário, isto é, com a probabilidade de que posteriormente 
o acusado seja absolvido ou até mesmo que seu processo seja anulado por qualquer vício 
configurado. 
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Sou da Paz em parceria com o Centro de Estudos 
de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, analisou 7.734 procedimentos 
envolvendo prisões em flagrante. Concluíram que 54% dos condenados foram submetidos a 
uma pena mais grave do que a recebida de fato após a conclusão final do julgamento. Veja-se 
que não são insignificantes os dados relacionados a erros judiciários, sendo perfeitamente 
possível que uma decisão seja modificada ao término do processo. No final, os anos que o 
acusado passou preso não serão recuperados nem mesmo com eventual indenização do Estado. 
 
52 GUIMARÃES, Luiz Machado. Estudo de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro-São Paulo: Jurídica e 
Universitária, 1969, p. 14. 
30 
 
 
Ademais, no tocante à relação entre trânsito em julgado e a consideração da culpa, é 
pertinente trazer à baila as palavras de Cretella Jr. sob o prisma constitucional: 
Somente a sentença penal condenatória, ou seja, a decisão de que não mais cabe 
recurso, é a razão jurídica suficiente para que alguém seja considerado culpado. [...] 
Não mais sujeita a recurso, a sentença penal condenatória tem força de lei e, assim, o 
acusado passa ao status de culpado, até que cumpra a pena, a não ser que revisão 
criminal nulifique o processo, fundamento da condenação53. 
 
Por fim, no que concerne à inconstitucionalidade ao cumprimento antecipado da pena, 
ante o princípio basilar da presunção de inocência, é oportuno transcrever o pensamento de 
Gilmar Mendes sobre o tema: 
Nessa linha, não se pode conceber como compatível com o princípio constitucional 
da presunção de não culpabilidade o cumprimento da pena que não esteja fundada em 
sentença penal condenatória transitada em julgado. [...] Parece evidente, outrossim, 
que uma execução antecipada em matéria penal configuraria grave atendado contra a 
própria ideia de dignidade humana. Se se entender, como enfaticamente destacam a 
doutrina e a jurisprudência, que o princípio da dignidade humana não permite que o 
ser humano se convole em objeto da ação estatal, não há como compatibilizar 
semelhante ideia com a execução penal antecipada54. 
 
Paralelamente, diante de sua inconstitucionalidade, se discute a possibilidade de 
implementar a medida por emenda constitucional, entretanto, ante todo o histórico já abordado, 
fica evidente que tal implementação configuraria violação ao princípio da vedação ao 
retrocesso, sem contar que se colocaria o Brasil na contramão da ordem mundial. 
De acordo com Canotilho, aludido princípio – denominado “efeito cliquet”

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