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Indaial – 2020 Direito ConstituCional i- teoria ConstituCional e Direitos FunDamentais Prof.ª Miriany Stadler Ilanes Prof.ª Rosana Antunes Prof.ª Maytê Ribeiro T. Meleto Barboza Prof.ª Rodrigo Flores Fernandes 1a Edição 2020 Elaboração: Prof.ª Miriany Stadler Ilanes Prof.ª Rosana Antunes Prof.ª Maytê Ribeiro T. Meleto Barboza Prof.ª Rodrigo Flores Fernandes Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Conteúdo produzido Copyright © Sagah Educação S.A. Impresso por: III apresentação Olá Caro Acadêmico! Esta disciplina abordará as questões relativas ao Direito Constitucional I, principalmente aos assuntos pertinentes a teoria constitucional e os direitos fundamentais. Na Unidade 1 será trabalhado uma breve introdução ao direito constitucional, em que será estudado os conceitos fundamentais do direito constitucional, explorando a questão da ciência do Direito Constitucional e o seu objetivo, como também será exposto a relação do Direito Constitucional com os outros ramos do Direito e como é determinar o Direito Constitucional como o nível fundamental do ordenamento jurídico brasileiro. Nesta unidade trabalhar-se-á a evolução histórica do constitucionalismo, desde a Antiguidade até à época contemporânea, como também você poderá reconhecer a existência do pós-constitucionalismo e neoconstitucionalismo e será apresentado ainda a dinâmica político- constitucional na experiência brasileira. Serão analisados ainda, os sentidos do termo Constituição, o poder constituinte e a reforma da constituição. Na Unidade 2 trabalhar-se-á o Direito constitucional em si, buscando compreender as normas constitucionais, em que procurar-se-á explicar as características e o conteúdo material da norma constitucional, além de identificar as diversas classificações quanto à eficácia das normas constitucionais. Também serão trabalhados nesta unidade as diferenças entre princípios e regras constitucionais, como também a questão da hermenêutica constitucional, para assim poder analisar os métodos de interpretação constitucional e compreender os diferentes planos de análise da interpretação constitucional. Serão estudados ainda, os objetivos e princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, a teoria dos direitos fundamentais. Na Unidade 3 será estudado os direitos individuais e coletivos, como também a questão das garantias constitucionais e direitos sociais, direito da nacionalidade e direitos políticos. Bons estudos! IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA V VI Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer teu conhecimento, construímos, além do livro que está em tuas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela terás contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar teu crescimento. Acesse o QR Code, que te levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para teu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nessa caminhada! LEMBRETE VII UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO AO DIREITO CONSTITUCIONAL .............................................1 TÓPICO 1 – CONCEITOS FUNDAMENTAIS ....................................................................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................3 2 CIÊNCIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL E O SEU OBJETO ...............................................3 3 RELAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL COM OS OUTROS RAMOS DO DIREITO .... 6 4 DIREITO CONSTITUCIONAL COMO O DIREITO DE NÍVEL FUNDAMENTAL DO ORDENAMENTO JURÍDICO .............................................................................................................8 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................11 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................12 TÓPICO 2 – CONSTITUCIONALISMO ............................................................................................13 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................13 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONSTITUCIONALISMO: DO ANTIGO AO CONTEMPORÂNEO ...........................................................................................................................13 3 EXISTÊNCIA DO PÓS-CONSTITUCIONALISMO E NEOCONSTITUCIONALISMO ......17 4 DINÂMICA POLÍTICO-CONSTITUCIONAL NA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA ................20 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................24 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................25 TÓPICO 3 – CONSTITUIÇÃO .............................................................................................................27 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................27 2 SENTIDOS DO TERMO CONSTITUIÇÃO ............................................................ 27 3 CONCEPÇÕES DE CONSTITUIÇÃO..............................................................................................29 4 AS DIVERSAS TIPOLOGIAS DAS CONSTITUIÇÕES ........................................... 32 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................36 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................37 TÓPICO 4 – PODER CONSTITUINTE ...............................................................................................39 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................39 2 VISÃO GERAL DO PODER CONSTITUINTE: CONCEITO, ORIGENS E GENERALIDADE .................................................................................................................................39 3 TITULARIDADE E LEGITIMIDADE DO PODER CONSTITUINTE ......................................42 4 ESPÉCIES DE PODERCONSTITUINTE E LIMITES IMPLÍCITOS E EXPLÍCITOS ............43 4.1 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO ........................................................................................ 44 4.2 PODER CONSTITUINTE DERIVADO .........................................................................................45 RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................48 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................49 TÓPICO 5 – REFORMA DA CONSTITUIÇÃO ................................................................................51 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................51 2 REFORMA E REVISÃO CONSTITUCIONAIS .............................................................................51 3 O PROCESSO E OS LIMITES DA REFORMA CONSTITUCIONAL .......................................53 sumário VIII 4 A REVISÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E MAIS CASOS DE REFORMAS CONSTITUCIONAIS ..........................................................................................................................56 5 CASOS DE REFORMA CONSTITUCIONAL ................................................................................57 RESUMO DO TÓPICO 5........................................................................................................................59 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................60 UNIDADE 2 – DIREITO CONSTITUCIONAL .................................................................................61 TÓPICO 1 – NORMAS CONSTITUCIONAIS ..................................................................................63 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................63 2 CARACTERÍSTICAS DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS ....................................................63 3 CONTEÚDO MATERIAL DA NORMA CONSTITUCIONAL ...................................................64 4 CONTEÚDO FORMAL DA NORMA CONSTITUCIONAL ......................................................64 5 EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS ........................................................................65 6 CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO À SUA EFICÁCIA ...66 6.1 NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA PLENA ..........................................................66 6.2 NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA CONTIDA ....................................................66 6.3 NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA LIMITADA ...................................................67 7 PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS ...........................................................................68 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................70 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................71 TÓPICO 2 – HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL .....................................................................73 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................73 2 INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL .............................................................73 3 MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL ..........................................................75 4 PRINCÍPIOS DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL .................................................. 77 5 CONFLITOS DE NORMAS CONSTITUCIONAIS ......................................................................79 6 RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ENTRE NORMAS ......................................................................80 CONSTITUCIONAIS .............................................................................................................................80 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................82 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................83 TÓPICO 3 – PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS...................................................................................85 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................85 2 FUNDAMENTOS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL...............................................85 3 PRINCÍPIO REPUBLICANO .............................................................................................................86 4 FUNDAMENTOS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL...............................................87 5 PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES ............................................................................89 6 OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL .....................90 7 RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA REPÚBLICA ..................................................91 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................95 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................96 TÓPICO 4 – TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS I .........................................................97 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................97 2 GERAÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS .........................................................................97 3 DIREITOS FUNDAMENTAIS NA ORDEM CONSTITUCIONAL ...........................................99 4 ART. 5º, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ............................................................................100 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................103 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................104 IX TÓPICO 5 – TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS II ......................................................105 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................105 2 OS DIREITOS E AS GARANTIAS FUNDAMENTAIS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 .....105 3 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................................107 4 AS CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................110 5 TITULARES E DESTINATÁRIOS DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ..111 6 APLICABILIDADE, LIMITES E RESTRIÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS .........115 RESUMO DO TÓPICO 5......................................................................................................................119 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................120 UNIDADE 3 – DOS DIREITOS ..........................................................................................................121 TÓPICO 1 – DOS DIREITOS INDIVIDUAIS .................................................................................123 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................123 2 CONCEITO .................................................................................................................123 3 DIFERENCIAÇÃO ENTRE DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS ................................125 4 DIREITOS INDIVIDUAIS EM ESPÉCIE ......................................................................................126 4.1 DIREITO À VIDA ..........................................................................................................................126 4.2 DIREITO À LIBERDADE ..............................................................................................................128 4.3 DIREITO À IGUALDADE ............................................................................................................129 4.4 DIREITO À PROPRIEDADE ........................................................................................................130 4.5 DIREITO À SEGURANÇA ...........................................................................................................131 5 ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIAS A RESPEITO DOS DIREITOS INDIVIDUAIS ..........132 5.1 DIREITO À VIDA ..........................................................................................................................132 5.2 DIREITO À PROPRIEDADE ........................................................................................................133 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................135 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................136 TÓPICO 2 – DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS ................................................................137 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................137 2 CONCEITO E OBJETIVO ................................................................................................................137 3 ANÁLISE DOS DIVERSOS CASOS DE GARANTIAS INDIVIDUAIS ................................139 4 CASOS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ENVOLVENDO O EXERCÍCIO DAS GARANTIAS .............................................................................................................................143 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................145 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................146 TÓPICO 3 – DOS DIREITOS SOCIAIS ............................................................................................147 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................147 2 DIREITOS SOCIAIS E OS PRINCÍPIOS RELACIONADOS ..................................147 3 DIREITOS SOCIAIS CONSTITUCIONALMENTE GARANTIDOS .....................................149 4 CASOS DAS CORTES SUPERIORES ENVOLVENDO DIREITOS SOCIAIS ......................153 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................155 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................156 TÓPICO 4 – DOS DIREITOS DA NACIONALIDADE .................................................................157 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................157 2 DA NACIONALIDADE E QUASE NACIONALIDADE ............................................................157 3 ESPÉCIES DE NACIONALIDADE .................................................................................................159 4 CASOS DO STF E O EXERCÍCIO DOS DIREITOS DA NACIONALIDADE ......................163 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................165 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................166 X TÓPICO 5 – DOS DIREITOS POLÍTICOS ......................................................................................167 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................167 2 DIREITOS POLÍTICOS POSITIVOS E NEGATIVOS, E O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL .....................................................................................................167 3 OS PARTIDOS POLÍTICOS E OS SISTEMAS ELEITORAIS ...................................................171 4 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O EXERCÍCIO DOS DIREITOS POLÍTICOS ...........174 RESUMO DO TÓPICO 5......................................................................................................................176 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................177 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................179 1 UNIDADE 1 INTRODUÇÃO AO DIREITO CONSTITUCIONAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • Explorar a ciência do Direito Constitucional e o seu objetivo. • Expor a relação do Direito Constitucional com os outros ramos do Direito. • Determinar o Direito Constitucional como de nível fundamental no ordenamento jurídico. • Explicar a evolução histórica do constitucionalismo: da Antiguidade à época contemporânea. • Reconhecer a existência do pós-constitucionalismo e neoconstitucionalismo. • Apresentar a dinâmica político-constitucional na experiência brasileira. • Analisar os sentidos do termo Constituição. • Identificar as diversas concepções de Constituição. • Apontar as diversas tipologias das Constituições. • Descrever o conceito, as origens e a generalidade do Poder Constituinte. • Reconhecer a quem pertence a titularidade e a legitimidade do Poder Constituinte. • Identificar as diversas espécies de Poder Constituinte, sua natureza e limites implícitos e explícitos. • Apontar as diferenças entre reforma e revisão constitucional. • Explicar o processo de reforma e os limites da reforma constitucional. • Descrever os casos de revisão da Constituição de 1988 e alguns casos de reformas constitucionais. 2 PLANO DE ESTUDOS Esta unidade está dividida em 5 tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – CONCEITOS FUNDAMENTAIS TÓPICO 2 – CONSTITUCIONALISMO TÓPICO 3 – CONSTITUIÇÃO TÓPICO 4 – PODER CONSTITUINTE TÓPICO 5 – REFORMA DA CONSTITUIÇÃO Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS 1 INTRODUÇÃO O Direito Constitucional ou Direito Constitucional Positivo é o conjunto de normas jurídicas constitucionais, isto é, o conjunto de normas que forma o Estado, define os direitos e as garantias fundamentais, disciplina a relação entre os Poderes, entre outros assuntos. O Direito Constitucional é o ramo do Direito especializado no estudo da Constituição, ou seja, das leis máximas de um Estado. Também chamada de Carta Magna ou Lei Maior, a Constituição se insere no topo do ordenamento jurídico, que é a relação hierárquica entre as leis. No Brasil, a Constituição é seguida por leis, decretos e jurisprudência, então, pelos atos normativos e, na base, pelas demais normas. Tal analogia pressupõe que nenhuma lei subordinada pode desrespeitar a Constituição, ocasião em que se configura ação de inconstitucionalidade. Nesse ramo, avaliam-se as origens, a natureza e osefeitos do Texto Constitucional, bem como os responsáveis por redigi-lo. Neste tópico, você vai ler sobre os principais elementos do Direito Constitucional. 2 CIÊNCIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL E O SEU OBJETO O Direito Constitucional está situado na clássica dicotomia jurídica entre Direito Público e Privado, como um dos ramos do primeiro. Essa tese clássica é imprestável na atualidade, tendo em vista a supremacia da Constituição e a constitucionalização do Direito (TAVARES, 2012). Podemos distinguir o Direito Constitucional dos demais ramos do Direito Público pela natureza específica do seu objeto e pelos princípios peculiares que o informam. “Configura-se como Direito Público fundamental por referir- se diretamente à organização e ao funcionamento do Estado, à articulação dos seus elementos primários e ao estabelecimento das bases da estrutura política” (SILVA, 2017, p. 35). UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO DIREITO CONSTITUCIONAL 4 Vocaciona-se à estruturação do Poder, fornecendo-lhe os contornos de atuação e limites da sua atividade, tendo sido, desde o final do século XX, o berço natural da positivação dos direitos humanos. Pragmaticamente, o Direito Constitucional (escrito) se identifica como um conjunto normativo especial: a Constituição do Estado, as suas leis constitucionais (no Brasil, chamadas de emendas à Constituição) e a jurisprudência constitucional definitiva (prolatada pelo Supremo Tribunal Federal, no Brasil, e por tribunais constitucionais, na maioria dos países da Europa) (TAVARES, 2012). A Constituição (positivada de um país) é considerada um conjunto normativo fundamental, adquirindo, por isso, cada um dos seus preceitos à característica da superioridade absoluta, ou seja, da supremacia, em relação às demais normas de um mesmo ordenamento jurídico estatal (TAVARES, 2012). A estrutura escalonada do Direito apresenta como ápice a Constituição, base a partir da qual todas as demais normas se desenvolvem e auferem sua validade última dentro do sistema. Dizemos que há um sistema quando as normas se reconduzem a uma única fonte de produção, mais ainda quando o Direito se reconduz, formal e procedimentalmente, a uma idêntica norma fundamental. ATENCAO Resumidamente, então, podemos definir o Direito Constitucional como o ramo do Direito Público que expõe, interpreta e sistematiza os princípios e as normas fundamentais do Estado. Como esses princípios e normas fundamentais do Estado compõem o conteúdo das Constituições, podemos afirmar que o Direito Constitucional é a ciência positiva das Constituições (SILVA, 2017). Jorge Miranda (1990, p. 138) define o Direito Constitucional como a: [...] parcela da ordem jurídica que rege o próprio Estado, enquanto comunida- de e enquanto poder. É o conjunto de normas (disposições e princípios) que recordam o contexto jurídico correspondente à comunidade política como um todo e aí situam os indivíduos e os grupos uns em face dos outros e frente ao Estado-poder e que, ao mesmo tempo, definem a titularidade do poder, os modos de formação e manifestação da vontade política, os órgãos de que esta carece e os atos em que se concretiza. A ciência do Direito Constitucional, portanto, significa a parcela dos es- tudos científicos que têm por objeto de pesquisa as normas constitucionais. Esse conjunto de estudos, por ter status científico, deve seguir uma série de princípios e regras que busquem assegurar a sua objetividade. TÓPICO 1 |CONCEITOS FUNDAMENTAIS 5 Maurice Hauriou (apud SILVA, 2017) declara que o Direito Constitucional tem por objeto a constituição política do Estado. Essa assertiva seria essencial- mente verdadeira não fosse o sentido tão restrito que ele empresta ao conceito de constituição política. Como domínio científico, o Direito Constitucional procura ordenar elementos e saberes diversos, relacionados a aspectos normativos do poder político e dos direitos fundamentais, que incluem: • as reflexões advindas da filosofia jurídica, política e moral — filosofia constitucional e teoria da Constituição; • a produção doutrinária acerca das normas e dos institutos jurídicos — dogmática jurídica; • a atividade de juízes e tribunais na aplicação prática do Direito — jurisprudência. Embora o conceito de ciência, quando aplicado às ciências sociais e, em particular, ao Direito, exija qualificações e delimitações de sentido, a ciência do Direito Constitucional desempenha papel análogo ao das ciências em geral. Nele estão incluídos (BARROSO, 2010): • a identificação ou elaboração de determinados princípios específicos; • a consolidação e sistematização dos conhecimentos acumulados; • o oferecimento de material teórico que permita a formulação de novas hipóteses, a especulação criativa e o desenvolvimento de ideias e categorias conceituais inovadoras testadas na vida prática. A singularidade da ciência do Direito é que ela não pode servir-se, em escala relevante, da ambição de objetividade que caracteriza as ciências exatas ou as ciências naturais. Nesses domínios, as principais matérias-primas intelectuais são a observação, a experimentação e a comprovação, todas elas passíveis de acompanhamento e confirmação objetiva por parte dos demais cientistas e da comunidade em geral. O Direito, todavia, não lida com fenômenos que se ordenem independentemente da atividade do intérprete, da sua subjetividade e da sua ideologia. Ao contrário, por exemplo, do astrônomo, que observa e revela algo que lá já está, o jurista cria ele próprio o objeto da sua ciência. O Direito, a norma jurídica, não é um dado da realidade, mas uma criação do agente do conhecimento (BARROSO, 2010). ATENCAO UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO DIREITO CONSTITUCIONAL 6 De modo geral, cabe ao Direito Constitucional o estudo sistemático das normas que integram a Constituição do Estado. Sendo ciência, há de ser forçosamente um conhecimento sistematizado sobre determinado objeto, e este é constituído pelas normas fundamentais da organização do Estado, isto é, pelas normas relativas a (SILVA, 2017): • estrutura do Estado; • forma de governo; • modo de aquisição e exercício do poder; • estabelecimento de seus órgãos; • limites de sua atuação; • direitos fundamentais do homem e respectivas garantias; • regras básicas da ordem econômica e social. 3 RELAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL COM OS OUTROS RAMOS DO DIREITO O Direito Constitucional costuma ser inserido como ramo do Direito Público, junto com o Direito Administrativo, Internacional, Criminal, Tributário e Processual. Essa ideia, contudo, não pode mais prosperar, na medida exata em que a Constituição passou a ocupar um papel central para todos os ramos do Direito, sejam matérias públicas ou privadas. Assim, por exemplo, o Código Civil, classicamente compreendido dentro do Direito Privado, não deixa de sofrer o influxo constante dos preceitos constitucionais. Essa constitucionalização do Direito — que exige a leitura de todas as leis, sejam públicas ou privadas, administrativas ou civis e comerciais, a partir e de acordo com os ditames da Constituição do País — aloca o Direito Constitucional (e a Constituição é seu coração) na posição especial de tronco dos sistemas normativos atuais de modelo ocidental. Nesse sentido, podemos dizer que: “[...] o Direito Constitucional alimenta os demais Direitos, que só podem prosperar e florescer validamente dentro desse sistema de alimentação” (TAVARES, 2012, p. 46). Na realidade, portanto, o Direito Constitucional é a base de todos os demais Direitos disciplinados, no Brasil, por leis (leis complementares, ordinárias, delegadas), medidas provisórias e decretos. Portanto, o Direito Constitucional é a base, o fundamento dos demais Direitos, seja qual for a repartição que se queira (ou não) realizar entre eles (TAVARES, 2012). O Direito Constitucional não poderia estar contido, portanto, em um dos clássicos ramos do Direito, pois é superior, englobante e serve de fundamento de validade a todos. Alocando-ono Direito Privado, teríamos a equivocadíssima impressão de que não guarda relação ou contato com o Direito Privado, a não ser secundária e episodicamente, quando é justamente o oposto que deve ocorrer (TAVARES, 2012). TÓPICO 1 |CONCEITOS FUNDAMENTAIS 7 Direito Constitucional e Direito Administrativo — O Direito Constitucional antecede o Direito Administrativo. Este tem como origem o limite de poder que se inaugura com a submissão do Estado ao princípio da legalidade. Quando a norma jurídica igualmente vincula o administrado e o administrador, é possível constituir, com autonomia científica, uma área própria de conhecimento dedicada ao estudo do regime jurídico da Administração Pública. O Direito Administrativo é considerado o setor do Direito mais afim ao Direito Constitucional, ou seja, são as duas disciplinas mais próximas em seus institutos e conceitos. Entre Direito Constitucional e Direito Administrativo, há uma diferença de grau. O Direito Constitucional trata das regras gerais da função pública. Já o Direito Administrativo realiza o detalhamento das funções. Além disso, há um conjunto de regras na Constituição que pertencem ao Direito Administrativo propriamente dito: as normas sobre desapropriação (arts. 182, 184 e 185); sobre os poderes do Presidente e as funções dos ministros de Estado (arts. 84 e 87, parágrafo único); e, finalmente, as normas sobre Administração Pública (arts. 37 a 43). Direito Constitucional e Direito Tributário — Todos os princípios aplicáveis à atividade tributária do Estado encontram-se consignados na Constituição. Por esse motivo, assinala com absoluta propriedade Carrazza (1993 apud TAVARES, 2012, p. 48) que “A Constituição Federal, no Brasil, é a lei tributária fundamental, por conter as diretrizes básicas aplicáveis a todos os tributos”. Íntimo se mostra o relacionamento entre esses dois setores do Direito. Tendo em vista que a maior parte da arrecadação do Estado se deve à tributação, a estreita proximidade entre o Direito Constitucional e o Tributário não poderia ser ignorada. Por ser atividade estatal, há de subsumir-se às normas jurídicas, como, de resto, toda a ação praticada pelo Poder Público. No caso, contudo, há o componente constitucional, que, basicamente, decorre de dois elementos. Em primeiro lugar, é preciso mencionar que a tributação interfere na liberdade e na propriedade das pessoas, direitos fundamentais que só poderiam ser alcançados pelo próprio contorno que lhes conferiu o constituinte em seu ato originário de elaborar as normas constitucionais. Em segundo lugar, a tributação sustenta, no caso dos Estados federativos, a autonomia dos diversos membros federados. Por isso, seria inimaginável atribuir ao Poder Legislativo central a competência para realizar a partilha de competências tributárias, uma vez que equivaleria a praticamente negar qualquer possibilidade de contar com uma federação forte. Direito Constitucional e Direito Penal — A relação entre Direito Penal e Direito Constitucional é profunda e inegável. A Constituição é o marco fundamental do ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito, o que faz todas as normas estarem vinculadas e subordinadas aos comandos constitucionais. Isso quer dizer que o Direito Constitucional exerce influência sobre todos os ramos do Direito e, particularmente, sobre o Direito Penal. Os próprios bens jurídico- penais encontram raízes materiais na Carta Magna, assim, cabe ao Direito Penal a tarefa de tutelar os direitos fundamentais nela insculpidos. A leitura atenta dos direitos fundamentais consagrados pelas diversas Constituições bem demonstra UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO DIREITO CONSTITUCIONAL 8 que em todas encontraremos normas próprias (em sua origem histórica) do campo penal. Assim, podemos mencionar, verbi gratia, o princípio de que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. A Constituição brasileira de 1988 trata de diversas garantias dessa índole (art. 5º, XXXVII a LXVII). Direito Constitucional e Direito Processual — No campo do processo, houve a constitucionalização, a exemplo do que ocorrera com o Direito Penal, de inúmeros princípios. Assim, temos um conjunto de normas que podemos chamar de princípios constitucionais do processo. Podemos citar, na Constituição brasileira de 1988, as seguintes normas processuais: a) assistência judiciária (art. 5º, LXXIV); b) mandado de segurança (art. 5º, LXIX); c) ação popular (art. 5º, LXXIII). Direito Constitucional e Direito Internacional — O art. 4º, I a X, da Constituição trata dos princípios que regem a atuação internacional do Estado brasileiro. Assim, Tavarres (2012, p. 49) menciona: I — independência nacional; II — direitos humanos; III — autodeterminação dos povos; e IV — igualdade entre os Estados. Direito Constitucional e Direito do Trabalho — Ramo do Direito Privado, formado por um conjunto de normas que regem as relações entre trabalha- dores e empregadores. Amplo é o rol de direitos do trabalhador assegurados constitucionalmente (arts. 6º a 9º). Direito Constitucional e Direito Privado — A Constituição trata do amparo à família, aos filhos e aos idosos (arts. 226 a 230) e da defesa do consumidor (art. 5º), entre outras normas voltadas para a regulamentação do Direito Privado. 4 DIREITO CONSTITUCIONAL COMO O DIREITO DE NÍVEL FUNDAMENTAL DO ORDENAMENTO JURÍDICO Recebe o nome de ordenamento jurídico todo o conjunto de leis de um Estado, que agrupa Constituição, leis, emendas, decretos, resoluções, me- didas provisórias, entre outras. No Brasil, o ordenamento jurídico nacional tem origem na tradição romano-germânica ou civilista. A Constituição da República Federativa do Brasil, em vigor desde 5 de outubro de 1988, é a lei suprema do País, definindo-o como uma República Federativa, formada pela união indissolúvel de Estados, municípios e Distrito Federal. O Direito Constitucional é um ramo do Direito Público, fundamental à organização, ao funcionamento e à configuração política do Estado. Nesse papel de direito público fundamental, o Direito Constitucional estabelece: TÓPICO 1 |CONCEITOS FUNDAMENTAIS 9 • a estrutura do Estado; • a organização de suas instituições e órgãos; • o modo de aquisição e exercício do poder; • a limitação desse poder, por meio, especialmente, da previsão dos direitos e das garantias fundamentais. O Direito Constitucional é muito mais do que um ramo do Direito Público. Ele consubstancia a matriz de toda a ordem jurídica de um específico Estado. Figurativamente, o Direito Constitucional é representado como o tronco do qual derivam todos os demais ramos da grande árvore que é a ordem jurídica de determinado Estado (essa imagem tem o mérito de representar a unidade do Direito — por definição, indivisível —, consubstanciada na árvore, e esclarecer que a alusão a ramos tem função puramente didática) (SILVA, 2017). Como produto legislativo máximo do Direito Constitucional, encontramos a própria Constituição, elaborada para exercer dupla função: garantia do existente e programa ou linha de direção para o futuro. A Constituição deve ser idealizada como lei fundamental do sistema jurídico. Para que uma norma possa ser válida, devemos descobrir seu valor nessa lei afirmada como fundamental. Ela tem a obrigação de estar em conformidade com o ordenamento jurídico, na medida em que a lei fundamental dispuser, ou seja, a Constituição irá indicar a direção, pois é o conjunto de teorias de onde os conhecimentos derivam, a direção para as demais normas de hierarquia inferior, pois estas assim obterão a validade necessária, encontrarão sua base na lei fundamental, passando a integrar o ordenamento jurídico (MORAES, 2003). Ensina Hans Kelsen que a Constituição é a norma fundamental, a qual dá validade a todas as demais normas de um sistema jurídico, e salienta: Mas a criação da Constituição realiza-se por aplicação da norma fundamental. Por aplicação da Constituição,opera-se a criação das normas jurídicas gerais através da legislação e do costume; e, em aplicação destas normas gerais, realiza-se a criação das normas individuais através das decisões judiciais e das resoluções administrativas. Somente a execução do ato coercivo estatuído por estas normas individuais — o último ato do processo de produção jurídica — se opera em aplicação das normas individuais que a determinam sem que seja, ela própria, criação de uma norma. A aplicação do Direito e, por conseguinte, criação de uma norma inferior com base numa norma superior ou execução do ato coercivo estatuído por uma norma (KELSEN, 2003, p. 261). Significa que a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do País, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas (KELSEN, 2003). UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO DIREITO CONSTITUCIONAL 10 Podemos afirmar que a estabilidade da Constituição Federal está ligada à aplicação exata do princípio constitucional da segurança jurídica. E, para se obter essa estabilidade e segurança, dispõe a Constituição do controle concentrado de constitucionalidade, com a previsão da ação declaratória de constitucionalidade e de inconstitucionalidade e também do controle difuso, aprimorado por meio da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. A emenda instituiu a concessão para a edição de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, buscando, com essa modificação constitucional, a estabilidade e a segurança proclamadas, para as hipóteses em que a Suprema Corte não mantém o controle concentrado de constitucionalidade. Para saber mais sobre a Constituição Federal como vértice do sistema jurídico, leia o livro A força normativa da Constituição, de Konrad Hesse, traduzido por Gilmar Ferreira Mendes. DICAS 11 Neste tópico, você aprendeu que: • Vimos que o Direito Constitucional é um ramo do Direito Público capaz de expor, interpretar e sistematizar os princípios e as normas fundamentais do Estado. • Estudamos que é a ciência positiva das Constituições, focada no estudo dos princípios e das normas que organizam o Estado, os poderes e os órgãos públicos, bem como os direitos individuais e coletivos. • Vimos que está acima de todos os outros ramos do Direito e seu objeto de estudo é a Constituição do Estado, principal documento a ser respeitado e obedecido. • Aprendemos sobre a ciência do Direito Constitucional e compreender a relação existente entre este e os outros ramos do Direito. • Entendemos também, por que essa área é considerada fundamental no ordenamento jurídico. RESUMO DO TÓPICO 1 12 1 Enquadra-se na subdivisão de "Público" o Direito: a) comercial b) civil c) do trabalho d) empresarial e) internacional privado 2 Sobre Direito Público e Direito Privado, assinale a alternativa correta. a) O Direito Público é o conjunto de normas que rege as relações em que o sujeito é somente o Estado. b) O Direito Constitucional faz parte do Direito Público Externo. c) O Direito Público tutela os interesses gerais e visa ao fim social, quer perante os seus membros e a ele, quer perante outros Estados . d) O Direito Penal é o complexo de normas do Direito Privado que definem crimes, contravenções e suas formas de punição. e) O Direito Financeiro, norma de caráter de Direito Privado, regula as questões atinentes à economia do País, tais como taxa de juros, etc. AUTOATIVIDADE 13 TÓPICO 2 CONSTITUCIONALISMO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Constitucionalismo é como designamos o movimento social, político, jurídico e até mesmo ideológico a partir do qual surgem as constituições nacionais. Em termos genéricos e supranacionais, constitui-se de normas fundamentais de um ordenamento jurídico de um Estado, situadas no topo da pirâmide normativa, ou seja, a sua Constituição. Neste tópico, você verá como surgiu o constitucionalismo e como se deu a sua evolução ao longo da história, tanto no cenário mundial quanto no brasileiro. 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONSTITUCIONALISMO: DO ANTIGO AO CONTEMPORÂNEO “O constitucionalismo antigo é o conjunto de princípios escritos ou consuetudinários alicerçadores da existência de direitos estamentais perante o monarca e simultaneamente limitadores do seu poder” (CANOTILHO, 1998, p. 48). Como exemplo de constitucionalismo antigo, podemos citar os constitu- cionalismos hebreu e grego, os quais unicamente almejavam descentralizar a vida política, vez que não existiam leis escritas que regulamentassem a ordem civil nem as penalidades aplicáveis para quem as descumprisse. Esse constitucionalismo apenas objetivava: [...] limitar alguns órgãos do poder estatal como reconhecimento de certos direitos fundamentais, cuja garantia se cingia no esperado respeito espontâneo do governante, uma vez que inexistia sanção contra o príncipe que desrespeitasse os direitos de seus súditos (CUNHA JÚNIOR, 2006, p. 24). UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO DIREITO CONSTITUCIONAL 14 Os primórdios do movimento do constitucionalismo surgiram entre os hebreus, por meio da lei do Senhor, em um Estado Teocrático, governado pela casta sacerdotal, logo existia um limite no poder político (TAVARES, 2004). Posteriormente, ocorreu o movimento do constitucionalismo nas cidades gregas, onde os cidadãos eram eleitos para cargos públicos por meio de um regime de votação peculiar na época. Por mais primitiva que fosse essa votação, existia uma participação do povo na vida política, consolidando, assim, uma real democracia (TAVARES, 2004). A Idade Média, por sua vez, foi marcada pela época do despotismo, ou seja, pela soberania dos governantes tratados como deuses. Uma verdadeira forma absolutista de governar, vez que não existiam limitações às suas condutas. Aplicavam penalidades e impunham condutas desumanas não previstas em leis, pois não havia um poder maior do que o do próprio governante. Assim, este estava imune de qualquer sanção (TAVARES, 2004). Todavia, foi durante a Idade Média, mais precisamente na Inglaterra, que culminou o anseio por uma luta de liberdades e garantias fundamentais ao indivíduo, objetivando romper com o padrão absolutista e centralizador até então vigente (TAVARES, 2004). Contudo, ainda na Idade Média, o cons- titucionalismo reapareceu como o movimento de conquista de liberdades individuais, como bem demonstra a aparição de uma Magna Carta. Não se limitou a impor balizas para a atuação soberana, mas também representou o resgate de certos valores, como garantir direitos individuais em contraposição à opressão estatal (TAVARES, 2004). O maior legado deixado pela Idade Média, em relação ao constitucionalismo, foi o fato de que todo poder político deve ser limitado em lei para ser justo e democrático, respeitando as garantias e os direitos individuais. ATENCAO O constitucionalismo moderno eclodiu em meados do século XVII com carac- terísticas próprias e com a ideologia de limitação do poder estatal, preservando os direitos e as garantias fundamentais, bem como transcrevendo os anseios populares com a lei do povo: a Constituição escrita (CUNHA JÚNIOR, 2006). Nesse mo- vimento, a noção de Constituição envolvia uma força capaz de limitar e vincular todos os órgãos do poder político. Por isso, era concebida como um documento escrito e rígido, manifestando-se como uma norma suprema e fundamental, porque era hierarquicamente superior a todas as outras, das quais constituía o fundamento de validade, que só poderia ser alterado por procedimentos especiais e solenes TÓPICO 2 | CONSTITUCIONALISMO 15 previstos no seu próprio texto. Consequentemente, institui-se um sistema de res- ponsabilização jurídico-políticado poder que a desrespeitar, inclusive por meio de controle de constitucionalidade dos atos do Parlamento (CUNHA JÚNIOR, 2006). O constitucionalismo moderno rompeu com as barreiras de garantias fundamentais limitadas pelos Estados absolutistas, destruindo o paradigma de soberania e supremacia das forças estatais. Trouxe o ideal de justiça, de direito igualitário e, acima de tudo, de organização na seara da política governamental, limitando o poder de atuação do Estado e descentralizando os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, pautando em um documento de lei: a Constituição. Portanto, a Constituição deixou de ser concebida como simples manifesto político para ser compreendida como uma norma jurídica fundamental e suprema, elaborada para exercer dupla função: garantia do existente e programa ou linha de direção para o futuro (CANOTILHO, 1998). A primeira Constituição escrita, formalmente elaborada com as leis que regulamentavam as condutas e determinavam a estrutura de poder, foi a Constituição da França, editada em 1791, a qual tinha como preâmbulo a Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada em 1789 (TAVARES, 2004). ATENCAO Com o fim da Primeira Guerra, os Estados perceberam a necessidade de intervir na sociedade de forma a promover o bem-estar social, a paz e a recondução à vida pública dos cidadãos, por meio de serviços públicos, saúde, alimentação, tratamentos médicos e educação, com fulcro sempre na promoção do desenvolvimento econômico-social, haja vista a barbárie social que eclodia no mundo (TAVARES, 2004). A Constituição brasileira de 1988 elenca, nos seus arts. 170 e 193, ideais de um constitucionalismo moderno, em uma política democrática socioliberal, o conhecido Estado Democrático de Direito (TAVARES, 2004). Por fim, insta salientar que a elaboração do Texto Constitucional teve formação e influência nos movimentos contratualistas que justificavam a agremiação do homem em sociedade com base em um pacto, o famoso contrato social de Rousseau (TAVARES, 2004). Atualmente, o constitucionalismo não se deu por pronto e acabado. Está em constante desenvolvimento, sempre observando as necessidades dos cidadãos e o desenvolvimento socioeconômico. O constitucionalismo deverá ser influenciado até se identificar com a ver- dade, a solidariedade, o consenso, a continuidade, a participação, a integração e a universalização (TAVARES, 2004). UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO DIREITO CONSTITUCIONAL 16 Para André Tavares (2004), o constitucionalismo da verdade existe em duas categorias de normas: • uma parcela constituída de normas que jamais passam de programáticas e são praticamente inalcançáveis pela maioria dos Estados; • uma outra sorte de normas que não são implementadas por simples falta de motivação política dos administradores e governantes responsáveis. As primeiras precisam ser erradicadas dos corpos constitucionais, podendo figurar, no máximo, apenas como objetivos a serem alcançados a longo prazo, não como declarações de realidades utópicas, como se bastasse a mera declaração jurídica para transformar-se o férreo em ouro. As segundas precisam ser cobradas do Poder Público com mais força, o que envolve, em muitos casos, a participação da sociedade na gestão das verbas públicas e a atuação de organismos de controle e cobrança, como o Ministério Público, na preservação da ordem jurídica e na consecução do interesse público vertido nas cláusulas constitucionais (TAVARES, 2004). O autor quis evidenciar que, em uma norma jurídica posta, não podem existir normas mortas, sem eficácia concreta na sociedade. Se a lei é posta, ela deve ser cumprida; se existem leis programáticas, elas devem atender às necessidades dos indivíduos e não permanecer estáticas e cristalizadas como meras declarações utópicas (TAVARES, 2004). Em relação àquelas não implementadas pelo Poder Público, deve haver uma participação popular cobrando a presteza dos serviços públicos, pois se trata de um direito coletivo, o qual não é respeitado pelo gestor responsável. Assim, somente a força popular é capaz de mobilizar o aparelho estatal e fiscalizá-lo, para que tenha consentimento de suas obrigações, a fim de que cumpra com deveres preestabelecidos em lei e ofereça uma continuidade na prestação de serviços públicos e sociais. Em contrapartida, quanto ao constitucionalismo da continuidade, o autor assevera que é muito perigoso em nosso tempo conceber Constituições que produzam uma ruptura da lógica dos antecedentes, uma descontinuidade com todo o sistema precedente (TAVARES, 2004). No tocante à globalização, é notório que a União Europeia visa consolidar uma Constituição única para os países que integram o bloco econômico. Com a ocorrência de tal fato, poderíamos falar em um constitucionalismo globalizado com uma miscigenação de povos, culturas, costumes, princípios, regras e condutas que acabariam por eclodir na formação de uma única nação, com uma única Constituição, a qual propagaria a unificação dos ideais humanos consagrados juridicamente (TAVARES, 2004). TÓPICO 2 | CONSTITUCIONALISMO 17 3 EXISTÊNCIA DO PÓS-CONSTITUCIONALISMO E NEOCONSTITUCIONALISMO O pós-constitucionalismo (novo Direito Constitucional — ou neoconstitucionalismo) identifica, nas palavras de Barroso (2005, p.11-12): [...] um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito. A forma e o modus operandi do ordenamento jurídico brasileiro vem sofrendo reiteradas mudanças. Essa quebra de paradigmas na teoria jurídica e na prática dos tribunais, desenvolvidos sob a égide da Constituição da República de 1988, pode ser chamada de neoconstitucionalismo (BARROSO, 2005). O termo empregado para essa nova ordem, forma e modelo, é derivado da doutrina espanhola e italiana, mas a difusão do termo no Brasil se deve principalmente à coletânea do doutrinador mexicano Miguel Carbonell, que a intitulou de neoconstitucionalismo. O marco histórico do neoconstitucionalismo foi estabelecido na Europa pós-guerra, marco que alterou a realidade mundial em diversos fatores e principalmente a mentalidade da sociedade da época, com um motivo simples: o receio de passar pela mesma experiência árdua novamente. Dessa forma, a Europa Ocidental se encontrava devastada e com a esperança de encontrar um modelo novo em que se sustentar, com base em aspectos suprimidos pelo contexto político e social da época, surgindo assim uma ênfase maior nos direitos fundamentais da pessoa. A Constituição servia como base, mas não tinha força normativa, pois era um instrumento para o Legislativo se inspirar. Assim, só a partir da lei em si que poderia ocorrer qualquer proteção, punição ou caráter axiológico no ordenamento jurídico. A influência da Constituição só ocorreu com o fim da Segunda Guerra, primeiramente na Alemanha e, logo após, na Itália. A principal referência no desenvolvimento do novo Direito Constitucional foi a Lei Fundamental de Bonn (Constituição alemã), de 1949, e, especialmente, a criação do Tribunal Constitucional Federal, instalado em 1951. A partir disso, teve início uma fecunda produção teórica e jurisprudencial, responsável pela ascensão científica do Direito Constitucional no âmbito dos países de tradição romano-germânica. A segunda referência de destaque foi a Constituição da Itália de 1947 e UNIDADE1 | INTRODUÇÃO AO DIREITO CONSTITUCIONAL 18 a subsequente instalação da Corte Constitucional, em 1956. Ao longo da década de 1970, a redemocratização e a reconstitucionalização de Portugal (1976) e da Espanha (1978) agregaram valor e volume ao debate sobre o novo Direito Constitucional (BARROSO, 2005, p. 2-3). Esse novo contexto histórico que batia à porta da Europa Ocidental propiciava uma teoria jurídica diferente do modelo anterior, com base, como dito anteriormente, em uma Constituição normativa e de valor, sendo amplamente estruturada em proteção de direitos fundamentais e baseada principalmente na dignidade da pessoa como sustento da Carta normativa. O papel exercido pela Constituição teve um alcance maior e a finalidade de proteção a direitos extintos da sociedade no período que acabara, dessa forma, o que atribuiu valor e caráter axiológico à Constituição terminava por ser uma tentativa de modelo em que se privilegiava um respeito aos direitos mencionados (BARROSO, 2005). Dessa forma, o papel da Constituição referente às instituições contemporâ- neas foi alterado, passando, assim, ao centro do ordenamento jurídico, com um peso de referência e também um caráter normativo atribuído, expressamente demonstrado no Texto Constitucional dessas cartas e facilmente percebido. Assim, com a introdução desse novo modelo na Europa, a segunda metade do século XX foi pautada no crescimento e na expansão desse novo formato constitucional. No Brasil, em 1988, com a promulgação da Constituição da República, ocorre sua recepção no País (BARROSO, 2005). A recepção no ordenamento jurídico brasileiro surgiu em um momento similar ao do contexto europeu. O Brasil acabava de passar por um regime totalitário, da mesma forma que a Europa. Assim, o fim da ditadura brasileira ficou caracterizado como o marco histórico da redemocratização e da recepção do neoconstitucionalismo (BARROSO, 2005). A promulgação da Carta de 1988 trouxe esse novo modelo, com uma nova concepção de direitos e valores, tendo como proteção basilar os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa, fruto de um momento de procura por suprir a falta de participação democrática no período da ditadura e todos os desrespeitos cometidos. A dignidade da pessoa passa a exercer um papel diferenciado, amplo e com um peso maior no sentido de relevância e base para os direitos fundamentais. Diversos preceitos constitucionais inalienáveis se originam no princípio da dignidade da pessoa, como se observa na Lei Maior pátria de 1988 (BRASIL, 1988): • a cidadania, os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa (art. 1º, II, III e IV); • os objetivos fundamentais da República de construir uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, I e IV); • a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II). TÓPICO 2 | CONSTITUCIONALISMO 19 Todos esses preceptivos revelam a preocupação do legislador constituinte com a dimensão em que a dignidade da pessoa se mostra superior em si e como razão de uma série de outras garantias e princípios de raiz constitucional. É devido à elevação e extensão da importância do homem no mundo que decorrem direitos fundamentais como os citados a seguir, entre outras prerrogativas essenciais à própria existência do ser humano, as quais podem ser encontradas na Constituição Federal brasileira: • a liberdade; • o direito de integridade física e moral, sendo possível o dever de indenização dos danos morais e materiais causados; • o necessário respeito, mesmo pelo Estado, da vida privada e da intimidade das pessoas; • o livre-arbítrio, tendo assim a liberdade para o exercício de profissões, reunião e credo religioso; • a ajuda para casos de necessidades básicas como a alimentação; • o trabalho como fonte de sobrevivência legítima e honesta, demonstrando assim o valor social do trabalho; • a saúde; • a educação; • o lazer; • o repouso corporal e mental; • a não submissão a tratamento desumano; • a justiça; • a pluralidade de ideias e orientações políticas; • a vedação ao preconceito e à discriminação racial. Houve, a partir do texto promulgado, uma centralização da Constituição no ordenamento jurídico brasileiro. Sob a Constituição de 1988, o Direito Constitucional no Brasil passou da desimportância ao apogeu em menos de uma geração. Uma Constituição não é só técnica. Tem de haver, por trás, a capacidade de simbolizar conquistas e de mobilizar o imaginário das pessoas para novos avanços. O surgimento de um sentimento constitucional no País é algo que merece ser celebrado. Trata-se de um sentimento ainda tímido, mas real e sincero, de maior respeito pela Lei Maior, a despeito da volubilidade do seu texto. É um grande progresso. Superamos a crônica indiferença que, historicamente, mantínhamos em relação à Constituição. E, para os que sabem, é a indiferença, não o ódio, o contrário do amor (BARROSO, 2005). ATENCAO UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO DIREITO CONSTITUCIONAL 20 Como a realidade se alterou, a Constituição passou a disciplinar uma diversidade de temas antes não abordados. A lei antes valia muito mais, pois o peso das leis e decretos era mais significativo: antes, o Código Civil; hoje, a Constituição. Essa substituição de importância foi estabelecida exatamente nesse momento, quando a Carta de 1988 traz um elenco de temas antes não abordados: direitos individuais, políticos, sociais e difusos, além de trazer uma série de princípios dotados de carga axiológica, o que termina por dar ensejo ao processo de constitucionalização do Direito. Nessa nova ordem constitucional, o papel do Poder Judiciário foi fortalecido e, em conjunto com o Ministério Público, ganhou uma maior autonomia, que, com o passar do tempo, resultou na questão do controverso ativismo judicial. Com essa Constituição dotada de diversos princípios abrangentes de diferentes aspectos, ocorreu a chamada filtragem constitucional, em que as matérias dos inúmeros ramos do Direito passariam pelo crivo constitucional, adiante analisado. Essa questão só se tornou possível pela importância que o Direito Constitucional passou a conter. A participação da doutrina brasileira foi de fundamental importância para difundir esse novo modelo. A recepção do neoconstitucionalismo no Brasil foi pautada por esse momento histórico e baseada nele, sendo importante demonstrar essa questão no aspecto filosófico chamado pós-positivismo. 4 DINÂMICA POLÍTICO-CONSTITUCIONAL NA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA O Brasil já editou oito Constituições e, sem sombra de dúvidas, os movimentos constitucionalistas serviram de grande influência para cada Carta elaborada. Boa parte delas expressou, ao menos textualmente, as tendências globais da sua época. A questão brasileira foi a pouca efetividade das regras e o desrespeito às condicionantes do poder (TAVARES, 2004). O avanço do constitucionalismo, como movimento político e jurídico, sobre o continente americano, teve importância primordial na independência das colônias em relação às suas metrópoles europeias. Nesse cenário de libertação, a Constituição era o instrumento mais precioso para selar a independência, rompendo com as amarras do regime de submissão à metrópole e instalando uma nova organização, de acordo com o poder de autodeterminação de cada Estado emergente naquele momento (TAVARES, 2004). TÓPICO 2 | CONSTITUCIONALISMO 21 Essa extensão fulminante do movimento a todo o mundo civilizado não significa, porém, que em toda parte o governo moderado constitucional, tenha deitado raízes. Em muitos casos, o êxito do constitucionalismo não foi além das aparências, fornecendo roupagem brilhante para vestir uma realidade adversa. ATENCAO Diferentemente dos demais processos revolucionários americanos, o Brasil não imprimiu, no seu território, guerras sangrentas para se sagrar independente de Portugal. Contudo, a contradição destacada anteriormentetambém esteve presente no constitucionalismo brasileiro do século XIX (TAVARES, 2004). A experiência constitucional brasileira teve início em 1824, ainda sob a forma de governo imperial, com a outorga da primeira Constituição do Brasil em 25 de março daquele ano. Descontente com os rumos da constituinte, o imperador D. Pedro I a dissolve e propõe a elaboração de um novo projeto da Constituição, que incorporou a cláusula de separação de poderes, estabelecendo a clássica divisão de funções estatais: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário. Além desses, o Brasil instituiu a figura de um quarto poder, chamado de Poder Moderador, que permitia amplos direitos ao monarca e nenhum tipo de responsabilização deste. A proteção da Carta de 1824 foi dada ao Poder Legislativo. Para o Poder Judiciário, houve a criação de um órgão de cúpula, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), mas sem qualquer controle sobre a constitucionalidade das leis (TAVARES, 2004). Como podemos perceber, o início do constitucionalismo no Brasil foi tímido durante a Constituição de 1824, pois havia uma nítida incoerência entre a realidade social brasileira e o que se apregoava nos movimentos constitu- cionalistas (TAVARES, 2004). A inovação trazida pela nova Constituição ao Poder Judiciário foi a criação de um novo órgão de cúpula, o Supremo Tribunal Federal (precedido pelo já citado STJ), com sua estrutura também federativa e dual, com uma Justiça Federal e outra Estadual (SOUZA NETO; SARMENTO, 2014). No âmbito social, a Constituição de 1934 trouxe grande inovação ao prever não só as garantias dos direitos individuais e sociais, como também as ações estatais em defesa dessas garantias. O absenteísmo estatal não era mais bem visto, e o Estado, por meio dos poderes públicos, deveria atuar para a defesa de direitos dos seus governados. Essa Carta, porém, gozou de passagem efêmera, pois não suportou as pressões internas proporcionadas pela disputa entre capitalismo e socialismo. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO DIREITO CONSTITUCIONAL 22 Já em 1937, o governo, sob o comando de Getúlio Vargas, outorgou uma nova Constituição brasileira, instaurando, no Brasil, a ditadura varguista. A legitimidade para a instauração desse novo regime foi trazida pela justificativa de uma possível invasão comunista. O País permaneceu na escuridão da ditadura até o ano de 1946, quando então foi promulgada a terceira Constituição brasileira, com conteúdo predo- minantemente constitucionalista, tendo em vista que o mundo acabava de pôr fim à Segunda Guerra. Houve o retorno da figura do vice-presidente, ausente desde a Carta de 1934, e a Justiça do Trabalho foi integrada ao Poder Judiciário; houve também a recomposição da Justiça Eleitoral; além da instituição de um Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal continuou o órgão de cúpula e aos magistrados foram dadas as seguintes garantias: • vitaliciedade; • inamovibilidade; • irredutibilidade de subsídios. As decisões sobre a inconstitucionalidade das leis proferidas pelos tribunais não mais poderiam ser submetidas ao Parlamento. Outro importante marco foi a consagração do direito à inafastabilidade da tutela jurisdicional. O ano de 1964 marca a história brasileira, pois foi dado o maior golpe ditatorial sofrido pelo País, com os militares tomando o poder. Em 1967, foi derrogada a Constituição de 1946. Durante quase 20 anos, o País viveu em quase plena democracia e estabilidade governamental. Mesmo com a promulgação da Constituição, o governo ainda lançava mão de vários atos institucionais que, do dia para noite, modificavam o rol de garantias e liberdades individuais, bem como concentrava cada vez mais o poder nas mãos dos militares. O mais severo ato institucional foi o AI-5, que definitivamente deixou claro os novos traços do regime político que o País iria vivenciar até o ano de 1984. A partir dessa data, o País passou por um novo processo de redemocratiza- ção, cuja solidificação se deu em 5 de outubro de 1988, com a promulgação da Carta cidadã. Essa nova Constituição brasileira de 1988 inovou porque tratou da matéria não no capítulo dedicado à Ordem Econômica e Financeira ou à Ordem Social. Antes, cuidou deles enquanto verdadeiros direitos fundamentais e não expressões de uma determinada ordem. Tratou como verdadeiros direitos fundamentais os contemplados no art. 6º (BRASIL, 1988): • o direito à saúde, na verdade, à proteção da saúde; • o direito ao trabalho, do qual o direito do trabalho é uma dimensão; TÓPICO 2 | CONSTITUCIONALISMO 23 • o direito ao lazer, porque nem só de trabalho vive o homem; • o direito à moradia, incorporado mais tarde pela Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000; • o direito à educação; • o direito à previdência; • o direito à segurança; • o direito à assistência aos desamparados; • o direito à proteção da infância; • o direito à proteção da maternidade. A Islândia, país com apenas 320 mil habitantes (menos da metade da população de Campo Grande/MS), decidiu por uma nova Constituição motivada pelo colapso econômico de 2008. Elegeu, então, um grupo de 25 cidadãos, entre 552 que se ofereceram como candidatos a representantes-constituintes, o qual apresentou uma proposta constitucional compilada a partir de contribuições enviadas por redes sociais, como Facebook, Twitter e YouTube (ISLÂNDIA, 2012, s.p.). DICAS 24 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • Estudamos que o Constitucionalismo é a designação conferida ao movimento político, jurídico e social que gerou a evolução do conceito de Constituição, de seu conteúdo e do detentor do poder nos Estados. • Verificamos que a aludida evolução surgiu em duas frentes diversas: uma na Europa e outra nos Estados Unidos, sendo certo que ambas concorreram para a formação da ideia atual de Constituição. • Visualizamos como surgiu o contitucionalismo e como se deu a sua evolução ao longo da história, tanto no cenário mundial como no brasileiro. 25 1 O que assegura aos cidadãos o exercício dos seus direitos, a divisão dos poderes e a limitação do governo pelo direito é: a) o constitucionalismo b) a separação de poderes c) o princípio da legalidade d) o federalismo e) o Estado democrático de direito 2 A palavra constitucionalismo, como apontam os juristas, é de origem recente e traduz o resultado dos movimentos contrários a determinados modelos de governo predominantes em denominada quadra histórica. Nesse sentido, o constitucionalismo traduz: a) a centralização de governo b) a limitação do poder c) a vitória do proletariado d) a democracia socialista e) o governo das elites AUTOATIVIDADE 26 27 TÓPICO 3 CONSTITUIÇÃO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO A Constituição é o conjunto de leis, normas e regras de um país ou de uma instituição. É a lei máxima que limita poderes e define os direitos e deveres dos cidadãos, regulando e organizando o funcionamento do Estado. Nenhuma outra lei no País pode entrar em conflito com a Constituição. Neste tópico, você vai ler sobre os sentidos da Constituição, conhecer as diversas concepções acerca de Constituição e descobrir as diversas categorias existentes de constituições. 2 SENTIDOS DO TERMO CONSTITUIÇÃO No século XIX, com a vitória do constitucionalismo, surgiu a ideia de Constituição ideal, com Carl Schmitt. O seu conceito está atrelado à ideologia político-liberal, considerando-se essenciais (TAVARES, 2006, p. 61): “a) a garantia das liberdades, com a participação política; b) a divisão dos poderes; c) a Constituição como documento escrito”. Em sentido geral, a Constituição é a própria organização do Estado, isto é, são as instituições políticas e jurídicas que o formam e caracterizam a sua estrutura. Em sentido estrito, a Constituição é o conjunto de preceitos jurídicos, geralmente reunidos em um código — que discrimina os órgãos do Poder Público, fixa-lhes a competência —, declara a forma de governo, bem como proclama e assegura os direitosindividuais (TAVARES, 2006). A palavra Constituição possui diversos significados, desde os mais amplos até os conceitos jurídicos dados por doutrinadores. Para Alexandre de Moraes (2009), a Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes a: 28 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO DIREITO CONSTITUCIONAL • estruturação do Estado; • formação dos poderes públicos; • forma de governo e aquisição do poder de governar; • distribuição de competências; • direitos e deveres dos cidadãos. O termo constituição, por sua vez, é empregado com vários significados, como (SILVA, 2004): • conjunto dos elementos essenciais de alguma coisa — a constituição do universo, a constituição dos corpos sólidos; • temperamentos, compleição do corpo humano — uma constituição psicológica explosiva, uma constituição robusta; • organização, formação — a constituição de uma assembleia, a constituição de uma comissão; • ato de estabelecer juridicamente — a constituição de dote, de renda, de uma sociedade anônima; • conjunto de normas que regem uma corporação, uma instituição — a constituição da propriedade; • lei fundamental de um Estado. Todas essas acepções são analógicas. Exprimem, todas, a ideia de modo de ser de alguma coisa e, por extensão, a de organização interna de seres e entidades. Nesse sentido, dizemos que todo Estado tem Constituição, que é o simples modo de ser do Estado (SILVA, 2004). A Constituição do Estado, considerada a sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula: • a forma do Estado; • a forma de seu governo; • o modo de aquisição e o exercício do poder; • o estabelecimento de seus órgãos; • os limites de sua ação; • os direitos fundamentais do homem; • as respectivas garantias. Em síntese, a Constituição é o conjunto de normas que organiza os ele- mentos constitutivos do Estado (SILVA, 2004). A Constituição tem: • como forma, um complexo de normas; • como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais; • como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade; • como uma causa criadora e recriadora, o poder que emana do povo. TÓPICO 3 | CONSTITUIÇÃO 29 Em outras palavras, a Constituição de um Estado se ajusta como um conjunto de regras que se destinam a regular os comportamentos da sociedade e do governo, bem como garantir-lhes direitos e impor-lhes deveres, sendo a diretriz de todo o ordenamento jurídico, expondo os limites de como governar e os limites para a formação de novas leis (SILVA, 2004). Significa que a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do País, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estrutura deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas (SILVA, 2004). Segundo Gomes Canotilho (1998), a Constituição é uma ordenação sistemática e racional da comunidade política, registrada em um documento escrito, mediante o qual garantem-se os direitos fundamentais e organiza-se, de acordo com o princípio da divisão de poderes, o poder político. A função da Constituição é reunir as normas que organizam os elementos constitutivos do Estado (população, território e governo). O governo do País e o governo dos seus estados-membros e respectivos municípios estão vinculados às normas determinadas pela Constituição, visto que ela é a lei de maior força nacional, a lei reguladora das funções governamentais. ATENCAO 3 CONCEPÇÕES DE CONSTITUIÇÃO A noção de Constituição estatal expressa uma ideia parcial do seu conceito, porque a toma como algo desvinculado da realidade social, quando, na verdade, deve ser concebida como uma estrutura normativa, uma conexão de sentido, que envolve um conjunto de valores. Aqui surge um campo de profundas divergências doutrinárias: em que sentido devem ser concebidas as Constituições: no sociológico, no político ou no juramente jurídico (SILVA, 2004) Ferdinand Lassalle entende as Constituições no sentido sociológico. Para ele, a Constituição de um país é, em essência, a soma dos fatores reais do poder que o regem, sendo esta a Constituição real e efetiva, não passando a Constituição escrita de uma folha de papel. Outros, como Carl Schmitt, emprestam-lhes sentido político, considerando- as decisão política fundamenta, decisão concreta de conjunto sobre o modo e a forma de existência da unidade política, fazendo distinção entre Constituição e leis constitucionais (SILVA, 2004, p. 40): 30 UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO DIREITO CONSTITUCIONAL • a Constituição só se refere à decisão política fundamental; • as leis constitucionais são os demais dispositivos inscritos no texto do documento constitucional, que não contenham matéria de decisão política fundamental. Outra corrente, liderada por Hans Kelsen, as vê apenas no sentido jurídico; Constituição é, então, considerada norma pura, puro dever-ser, sem qualquer pretensão à fundamentação sociológica, política ou filosófica. A concepção de Kelsen toma a palavra Constituição em dois sentidos: no lógico-jurídico e no jurídico-positivo. De acordo com o primeiro, a Constituição significa norma fundamental hipotética, cuja função é servir de fundamento lógico transcendental da validade da Constituição jurídico-positiva que equivale à norma positiva suprema, conjunto de normas que regula a criação de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau. Essas concepções pecam pela unilateralidade. Vários autores, por isso, têm tentado formular conceito unitário de Constituição, concebendo-a em sentido que revele conexão das suas normas com a totalidade da vida coletiva; Constituição total, mediante a qual se processa a integração dialética dos vários conteúdos da vida coletiva na unidade de uma ordenação fundamental e suprema (SILVA, 2004). Buscamos, assim, formular uma concepção estrutural de Constituição, que a considera no seu aspecto normativo, não como norma pura, mas como norma na sua conexão com a realidade social, que lhe dá o conteúdo fático e o sentido axiológico. Trata-se de um complexo, não de partes que se adicionam ou se somam, mas de elementos e membros que se enlaçam em um todo unitário. O sentido jurídico de Constituição não se obterá se a apreciarmos desgarrada da totalidade da vida social, sem conexão com conjunto da comunidade. Pois bem, certos modos de agir em sociedade transformam-se em condutas humanas valoradas historicamente e constituem-se em fundamento do existir comunitário, formando os elementos constitucionais do grupo social, que o constituinte intui e revela como preceitos normativos fundamentais: a Constituição. TÓPICO 3 | CONSTITUIÇÃO 31 A Constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais; como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade; e, finalmente, como causa criadora e recriadora, o poder que emana do povo. ATENCAO Na concepção moderna, temos Konrad Hesse, que trata da força normativa da Constituição, criticando e rebatendo a concepção tratada por Ferdinand Lassalle. Para ele, a Constituição possui uma força normativa capaz de modificar a realidade, obrigando as pessoas. Nem sempre cederia frente aos fatores reais de poder, pois obriga. Tanto pode a Constituição escrita sucumbir quanto prevalecer, modificando a sociedade. O Supremo Tribunal Federal tem utilizado bastante esse princípio da força normativa da Constituição nas suas decisões (SILVA, 2004). Com a evolução da sociedade, o convívio humano se tornou mais complexo. Avanços tecnológicos, transformação do processo
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