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unidade I

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Autora: Profa. Ana Lúcia Machado da Silva 
Colaboradoras: Profa. Cielo Festino
 Profa. Joana Ormundo
Literatura Brasileira: Poesia
Professora conteudista: Ana Lúcia Machado da Silva
Ana Lúcia Machado da Silva é especialista e mestre em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de 
São Paulo. Foi professora do Ensino Básico em rede pública e privada da disciplina Língua Portuguesa durante quase 
vinte anos. Ministra aulas de Análise do Discurso, Semântica e Pragmática, Literatura em língua portuguesa, entre 
outras, no curso de graduação em Letras pela Universidade Paulista. Ministra também aulas em módulos para cursos 
de lato sensu pela UNIP.
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou 
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem 
permissão escrita da Universidade Paulista.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
S586l Silva, Ana Lúcia Machado da.
Literatura brasileira: poesia / Ana Lúcia Machado da Silva. - 
São Paulo: Editora Sol, 2013.
216 p., il.
Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e 
Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XIX, n. 2-020/14, ISSN 1517-9230.
1. Literatura brasileira. 2. Poesia. 3. Identidade nacional. I. Título.
CDU 82-1(81)
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Prof. Fábio Romeu de Carvalho
Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças
Profa. Melânia Dalla Torre
Vice-Reitora de Unidades Universitárias
Prof. Dr. Yugo Okida
Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa
Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez
Vice-Reitora de Graduação
Unip Interativa – EaD
Profa. Elisabete Brihy 
Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli
 Material Didático – EaD
 Comissão editorial: 
 Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
 Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
 Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
 Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
 Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
 Apoio:
 Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
 Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
 Projeto gráfico:
 Prof. Alexandre Ponzetto
 Revisão:
 Andréia Andrade
 Michel Apt
 Virgínia Bilatto
 Lucas Ricardi
Sumário
Literatura Brasileira: Poesia
APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8
Unidade I
1 DISCURSOS FUNDADORES NA POESIA BRASILEIRA: O ÍNDIO ANTES DO INDIANISMO ................ 11
1.1 Imagem do índio ................................................................................................................................. 13
1.2 Representação do índio na poesia dos séculos XVI e XVII ................................................... 22
1.3 O índio na poesia do século XVIII .................................................................................................. 32
2 EPOPEIA NO BRASIL COLONIAL: UMA ILUSTRAÇÃO ......................................................................... 42
2.1 Construção épica de O Uraguai ...................................................................................................... 44
2.2 Desdobramento do herói e do antagonista em O Uraguai ................................................ 49
2.3 A valorização do espaço americano n’O Uraguai .................................................................... 58
Unidade II
3 LITERATURA E IDENTIDADE NACIONAL: A POESIA ROMÂNTICA .................................................. 64
3.1 Devoção à natureza ............................................................................................................................. 65
3.2 Idealização do ameríndio: o indianismo ..................................................................................... 73
3.3 Amor à pátria ......................................................................................................................................... 81
4 HISTORIOGRAFIA E ESCOLARIZAÇÃO DA POESIA BRASILEIRA ..................................................... 85
4.1 Historiografia da literatura brasileira ........................................................................................... 86
4.2 Panorama dos estilos literários brasileiros na poesia: fase colonial ............................... 97
4.3 Panorama dos estilos literários brasileiros na poesia: fase da 
identidade nacional .................................................................................................................................105
4.4 Panorama dos estilos literários brasileiros na poesia: fase de 
transgressão e inovação ..........................................................................................................................111
Unidade III
5 LITERATURA DESSACRALIZADORA .........................................................................................................119
5.1 Consonâncias e dissonâncias: o ritmo do Modernismo .....................................................119
5.2 Cobra Norato ........................................................................................................................................126
6 POESIA NOVECENTISTA E SUA RELAÇÃO COM O SAGRADO .......................................................134
6.1 Augusto dos Anjos: um místico com Deus .............................................................................135
6.2 Jorge de Lima: terra sagrada, religião na poesia ...................................................................140
6.3 Adélia Prado: poesia materno-teologal ....................................................................................148
Unidade IV
7 LINGUAGEM CRIADORA .............................................................................................................................160
7.1 Drummond, afirmação da poesia brasileira .............................................................................160
7.2 João Cabral, o idioma pedra e as palavras-pedra .................................................................165
7.3 Henriqueta Lisboa, um caso de transcodificação ..................................................................173
8 SUPORTE E RECEPÇÃO DA POESIA E SUAS TENDÊNCIAS .............................................................178
8.1 O hibridismo na poética pós-moderna .....................................................................................179
8.2 No ritmo da atualidade ..................................................................................................................188
8.3 Diálogo com a história: a poesia de Milton Torres ...............................................................196
7
APRESENTAÇÃO
A disciplina Literatura brasileira: poesia tem como objetivo geral proporcionar ao aluno reconhecer 
o desenvolvimento e as características específicas da literatura brasileira, por meio do estudo de autores 
e obras, considerando a forma mentis, o contexto cultural e social de cada período, o diálogo entre as 
artes e as características específicas dos escritores pesquisados e, considerando esses aspectos, discutir 
modos e formas de ensinar literatura.
Seus objetivos específicos são: 
• proporcionar ao aluno reconhecer a estrutura e a operação estética realizada nos textos literários 
considerados canônicos para a formação e constituição da literatura brasileira, bem como a dos 
textos contemporâneos; 
• proporcionar ao aluno debater o ainda precário conceito de literatura pós-moderna no país e o 
modo de articulação desse juízo estético com a sociedadebrasileira contemporânea, discutindo 
o suporte no qual as novas tendências aportam – sites, blogs, redes sociais etc. – e a volatilidade 
a qual essa produção problematiza a questão da ação da crítica diante de algo que lhe é 
contemporâneo; 
• levar o aluno a reconhecer a cultura brasileira (obras e autores) como um processo cultural 
contínuo e consolidado da consciência nacional e cultural do país — dentro e fora das culturas de 
massa.
A disciplina volta-se à reflexão sobre a relação entre a literatura brasileira e a sociedade local 
e a situação destas no contexto no qual se inserem os movimentos literários nos locais de origem, 
com a finalidade de dar ao aluno subsídios específicos para lecionar literatura brasileira no Ensino 
Médio.
Sendo assim, o conteúdo programático abrange:
1. a condição colonial: a poesia jesuítica de José de Anchieta, de Gregório de Matos e o discurso 
retórico-político-religioso no Barroco brasileiro; 
2. o Arcadismo brasileiro, estética reacionária (neoclássica), ação revolucionária (relação com a 
Inconfidência);
3. o Romantismo, a contradição entre o cenário socioeconômico-político na Europa e o contexto 
socioeconômico-político no Brasil. O Romantismo fora de lugar da poesia brasileira. Estudo das 
Três Gerações do Romantismo Brasileiro e do cenário histórico social de cada momento;
4. o Parnasianismo e o Simbolismo brasileiros. A arte pela arte parnasiana e o simbolismo de Cruz e 
Souza no cenário brasileiro;
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5. as vanguardas europeias e o modernismo brasileiro, os antecedentes da Semana de Arte Moderna; 
os manifestos da Primeira Geração Modernista; a poesia de Mário de Andrade, Oswald de Andrade 
e Manuel Bandeira; a poesia da geração de Augusto Schmidt, Carlos Drummond de Andrade, 
Cecília Meireles, Murilo Mendes e Vinicius de Moraes; a poesia de Ferreira Gullar e João Cabral de 
Melo Neto. As consequências da Semana de 22 para a arte e a cultura brasileira.
INTRODUÇÃO
São três os grandes aspectos, do ponto de vista da autora deste livro-texto, que envolvem a poesia 
brasileira: a poesia inserida na história do Brasil, a poesia fortemente influenciada pela tradição europeia 
e a poesia questionadora e questionada na literatura moderna e pós-moderna.
A literatura brasileira tem uma história permeada por transformações constantes, com consequências 
culturais, políticas, sociais e identitárias. Em determinados momentos históricos, questões sobre sua 
identidade ficam mais latentes. 
 A literatura no Brasil só adquire existência com a vinda dos europeus, em especial dos portugueses, 
à América. Toda a produção cultural, inclusive a poética, pré-colombiana é desconsiderada na história 
da literatura do continente. No caso do Brasil, os estudos literários iniciam-se a partir de 1500, isto é, 
das escritas produzidas aqui pelos portugueses.
 Todo imaginário criado por eles sobre a terra nova é refletido na literatura e marca, por conseguinte, 
a história da nossa literatura. Esse aspecto envolve intimamente outro: a base religiosa em nossa 
poesia. Os portugueses sempre foram um povo católico, seguidor da Bíblia cristã, assim como os povos 
europeus ocidentais. A influência da Bíblia na literatura (cultura) ocidental é indiscutível e apontada por 
estudiosos notórios, repercutindo nos escritores brasileiros atuais.
Por fim, a poesia brasileira, seguindo preceitos discutidos por autores europeus, reflete nova posição 
em sua história. Os poetas constroem textos que questionam a própria poesia. Nunca houve tanta 
consciência e questionamentos sobre a poesia, seu papel na sociedade, sua existência no presente e no 
futuro quanto na sociedade pós-moderna. Essa nova poesia marca, principalmente, linguagem própria, 
formando realmente a identidade de uma literatura nacional.
Esse percurso é expandido e discutido neste livro-texto, porém se trata de uma história de 500 
anos, com número crescente de autores a cada século que passa, e os autores, por sua vez, lançam 
várias obras. Causa dificuldade, com efeito, na seleção de material literário. Frente a tantos poetas, 
por exemplo, do começo do século XX, qual deles exemplificar nesse percurso? Qual ou quais obras 
discutir desses selecionados? As obras abrangem várias temáticas: indicar todas elas? 
Além dessa dificuldade na seleção, há também a necessidade de romper com a apresentação 
tradicional dos estudos literários. Como apresentar e discutir os poemas sem repetir o modelo dos 
livros didáticos? Aquele modelo que apresenta: estilo de época e suas características, biografia do 
autor e lista de obras, análise de poema verificando, justamente, as características apresentadas 
previamente.
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Assim, este livro-texto apresenta o percurso histórico da literatura brasileira com seleção temática: 
a identidade nacional na intersecção literatura-país e o processo dentro da literatura para alcançar 
autonomia. Nesse percurso, apenas alguns poetas e poemas estão presentes; contudo, mais pelo caráter 
de exemplificação do que por um possível julgamento valorativo de um poeta/obra melhor do que o 
outro.
Depois da leitura, você poderá fazer uma avaliação sobre este material, no que diz respeito, por 
exemplo:
1. aos autores/obras cânones destacados;
2. ao autor/obra que não foi mencionado e você indica (pode fazer indicação para momentos 
históricos diferentes);
3. ao autor/obra desconhecido até então por você e que lhe chamou a atenção;
4. à temática que poderia ter sido desenvolvida no livro-texto;
5. à abordagem da literatura proposta por você.
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LITERATURA BRASILEIRA: POESIA
Unidade I
1 DISCURSOS FUNDADORES NA POESIA BRASILEIRA: O ÍNDIO ANTES DO 
INDIANISMO
Os estudos literários brasileiros começam a partir do momento em que os portugueses passaram 
a colonizar nosso país. Fundou-se uma tradição histórica que considera os textos escritos em língua 
portuguesa; inicialmente, por esse povo colonizador, mais tarde, pelos descendentes, já denominados 
brasileiros.
A tradição cultural fundada no grande continente americano pré-colonização foi completamente 
descartada nessa história. Em livros didáticos sobre o início da literatura no Brasil, encontramos textos e 
autores que chegaram ao país e se depararam com um mundo novo. 
Passamos a ter, portanto, um ponto de vista: o dos europeus que se depararam com uma realidade, 
a qual precisava ter sentido para eles. Assim, podemos adotar as perguntas feitas pela estudiosa Eni 
Orlandi (2003, p. 11): “como do sem sentido se faz sentido e irrompe o sentido novo? Como, diante 
de um mundo novo, com coisas, seres e paisagens ainda não nomeados vai surgindo um sentido, vão 
surgindo nomes?”.
No processo de dar sentido ao novo, a construção do significar envolve: seu apagamento por uma 
memória já estabelecida; resistência ao apagamento e a consequente produção de outros sentidos; 
retorno do que foi excluído pelo apagamento, deslocando-o. Trata-se do percurso do sem sentido em 
direção ao sentido, verificado nos primeiros discursos escritos pelos europeus colonizadores. 
Tais discursos são os discursos fundadores. O discurso caracteriza-se como fundador ao criar uma 
nova tradição, ressignificando o que veio antes e instituindo aí outra memória. O sentido anterior é 
desautorizado, e o novo irrompe no processo significativo de tal modo que, pelo seu próprio surgir, 
produz sua memória.
Em relação ao mundo novo encontrado pelos europeus, uma América diferente, com paisagens e 
povo não esperados, um dos sentidos atribuídos por eles é de ter se deparado com o Eldorado, a Terra 
Prometida. Com base na memória mítica e bíblica sobre o Paraíso perdido por Adão e Eva e a promessa de 
reencontro com esse paraíso, os primeiros europeus atribuíramà terra descoberta americana justamente 
essa terra perdida. A América passou a ser simbolicamente instituída como Eldorado, a Terra Perdida, o 
Paraíso. 
No caso do Brasil, a terra foi vista como fértil, abundante e diversificada em sua natureza. Na Carta 
de Pero Vaz de Caminha, escrita em 1500, temos a primeira fotografia do Brasil:
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Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até outra 
ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será 
tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte cinco léguas por costa. Tem, ao 
longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas brancas; 
e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a 
ponta, é tudo praia-palma, muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, 
vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão 
terra com arvoredos, que nos parecia muito longa.
Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa 
alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito 
bons ares, assim frios e temperados, como os de Entre-Douro e Minho, 
porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá. Águas são 
muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, 
dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.
Porém o melhor fruto, que dela se pode tirar me parece que será salvar esta 
gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve 
lançar (CAMINHA apud CASTRO, 1985, p. 239). 
A Carta é um exemplo – na verdade, considerada o primeiro documento escrito no Brasil – de 
discurso fundador. Ela instituiu um sentido ao novo, que passou a fazer parte da memória coletiva. Um 
desses sentidos é “nessa terra em se plantando tudo dá”, o qual não corresponde exatamente à ideia 
formulada por Caminha, mas que se fixou na história. Afinal, o fruto que ele se propôs a plantar foi a 
catequese dos índios.
Na Carta de Caminha, o autor descreve o primeiro contato entre os portugueses e os indígenas, 
que se apresentaram nus aos olhos admirados dos europeus. Nos contatos iniciais, o índio é visto 
como os primeiros seres humanos criados por Deus, em estado de inocência, representada pela 
nudez natural e espontânea. Os portugueses se perguntaram se não tinham finalmente encontrado 
o Paraíso. 
Quando, décadas depois, passaram efetivamente a colonizar o país, vieram grupos religiosos, em 
especial os jesuítas (da Companhia de Jesus), para catequizar aquele povo tão diferente e inocente. Entre 
eles, estava o padre Manoel da Nóbrega, em cujos discursos também fundadores, escritos em 1557, 
estabeleceu outros sentidos sobre o povo indígena, que se tornou alvo da ação civilizadora. Segundo 
Nóbrega (apud ORLANDI, 2003, p. 19):
A lei que lhes hão-de dar é:
1. Defender-lhes comer carne humana e guerrear sem licença do governador;
2. Fazer-lhes ter uma só mulher;
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3. Vestirem-se;
4. Tirar-lhes os feiticeiros;
5. Mantê-los em justiça entre si e para com os cristãos;
6. Fazê-los viver quietos, sem se mudarem para outra parte se não for para 
entre os cristãos, tendo terras repartidas que lhes bastem e com estes padres 
da Companhia para os doutrinar.
Temos outros sentidos sobre os índios criados pelos europeus, tanto nos documentos fundadores 
(cartas, crônicas) quanto nos primeiros textos literários. Esses sentidos foram mudados apenas depois, 
no século XIX, no período do Romantismo, quando os escritores literários passaram a idealizar a figura 
do índio, considerando-o o legítimo povo brasileiro, guerreiro, com fortes traços positivos. 
Assim, quando você ouve alguém relacionar literatura brasileira com o povo ameríndio, o que primeiro 
vem a sua mente? Será que você se lembra da figura do Peri, personagem do romance O guarani, ou do 
jovem tupinambá, do poema I-Juca Pirama? Ou quem sabe da descrição da inocência dos índios feita 
por Pero Vaz de Caminha exatamente em 1500?
Se predomina a lembrança de Peri e I-Juca Pirama, prevalece a visão que os autores do Romantismo, 
no século XIX, idealizaram sobre o povo nativo e de direito do país. Se predomina a descrição de Caminha, 
prevalece a visão dos primeiros europeus sobre os índios, seu encantamento e estranhamento sobre o 
novo, o diferente.
Existe, então, uma marca temporal: antes e depois do indianismo. Os textos dos séculos XVI, XVII e XVIII 
são anteriores ao indianismo; os textos do Romantismo alcançaram notoriedade em decorrência das ideias 
criadas sobre os índios: o indianismo. Tal idealização é tão notória que sobrepujou as primeiras impressões 
dos europeus sobre os índios e foram registradas em diversos documentos, como cartas e poemas.
Há necessidade, assim, de resgatar na literatura como os ameríndios são referidos em textos 
inaugurais, ou, em outros termos, textos fundadores. Nesses textos, a condição permanente do índio, 
segundo Bastos (2011), é de objeto de um discurso alheio, porque não temos exemplos de textos nos 
quais, de fato, sua voz se faça ouvir. O índio nunca é de fato o sujeito da enunciação, diferente do que 
ocorre no caso dos índios da América do Norte e da América hispânica.
São abundantes os textos em que é atribuída uma fala ao índio, com projeção ideológica, isto é, 
a suposição de como falaria o índio brasileiro. No entanto, nessa fala emprestada a ele, temos um 
documento não tanto do objeto, mas da visão sobre o objeto, servindo, assim, como registro verdadeiro 
das imagens que dele foram produzidas ao longo do tempo.
1.1 Imagem do índio 
O primeiro documento escrito em português no Brasil, sobre o Brasil, é datado de 1º de maio de 
1500. Trata-se da carta destinada ao rei D. Manuel, escrita por Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de 
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Pedro Álvares Cabral. Esse documento ficou guardado por três séculos; somente em 1817 foi divulgado 
na sua Corografia brasílica pelo padre Aires do Casal. 
Essa carta e as crônicas dos padres e viajantes de diversas nacionalidades formam a manifestação 
literária brasileira denominada Literatura de Informação, corrente nos séculos XVI e XVII.
Esses textos são fundadores e relevantes devido ao fato de seus autores registrarem suas impressões 
sobre o contato estabelecido com os índios tupi, que ocupavam a costa brasileira.
Com base em Bastos (2011), elencam-se aqui sete aspectos sobre os índios apontados por Caminha 
e cronistas em seus primeiros contatos com eles. Entre as obras fundadoras, temos:
Quadro 1
Autor Nacionalidade Obra Ano original da obra
Pero Vaz de Caminha português
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta. In: CASTRO, 
Sílvio. O descobrimento do Brasil: a carta de 
Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: L&PM, 
1985.
1500
André Thevet francês
THEVET, André. As singularidades da França 
Antártica. Tradução Eugênio Amado. Belo 
Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1978.
1555
Jean de Léry francês
LÉRY, Jean de. Viagem à Terra do Brasil. 
Tradução Sérgio Milliet. Belo Horizonte: 
Itatiaia; São Paulo: USP, 1980.
1557
Padre José de Anchieta canarino
ANCHIETA, José de. Cartas: informações, 
fragmentos históricos e sermões. Belo 
Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1988.
A partir de 
1553
Pero Magalhães Gândavo português 
GANDAVO, Pero Magalhães. Tratado da Terra 
do Brasil e a História da Provínciade Santa 
Cruz. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: 
USP, 1980.
1576
Gabriel Soares de Sousa português 
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo 
do Brasil em 1587. 5. ed. São Paulo: 
Nacional; Brasília: INL, 1987.
1587
Hans Staden alemão
STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil. 
Tradução Guiomar de Carvalho Franco. Belo 
Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1988.
As imagens criadas sobre os índios são:
1 – A boa aparência física dos índios (homens e mulheres) deixou ótima impressão nos primeiros 
europeus chegados à nova terra. Caminha (1985, p. 78) diz que: “A feição deles é parda, algo avermelhada; 
de bons rostos e bons narizes. Em geral são bem feitos”. O padre José de Anchieta (1988, p. 441) concorda 
com essa visão favorável ao descrever os índios como “vermelhos de cor, de mediana estatura, a cara e 
os membros mui bem proporcionados”. Thevet (1978, p. 102-103), também, anota que os “americanos” 
são “bem conformados e possuem membros bem proporcionados”, embora tenha destacado que os 
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olhos “são mal feitos, ou seja, são negros e vesgos”, lembrando o olhar “das feras selvagens”. Jean de Léry 
(1980, p. 111), por sua vez, descreve índio como:
[...] um homem nu, bem conformado e proporcionado de membros, inteiramente 
depilado, de cabelos tosquiados como já expliquei, com lábios e faces fendidos 
e enfeitados de ossos e pedras verdes, com orelhas perfuradas e igualmente 
adornadas, de corpo pintado, coxas e pernas riscadas de preto com suco de 
jenipapo, e com colares de fragmentos de conchas pendurados ao pescoço.
[...]
Colocai-lhe na mão seu arco e suas flechas e o vereis retratado bem garboso 
ao vosso lado.
Gabriel Soares de Sousa (1987, p. 300), que se tornou senhor de engenho na Bahia, fez menção à 
cor da pele e à proporcionalidade dos membros dos índios, bem como à aparente disposição de ânimo 
vista nos rostos alegres dos nativos, chegando à minúcia dos “bons dentes, alvos, miúdos, sem nunca 
lhe apodrecerem”.
Outra descrição favorável da aparência física dos índios é encontrada nos textos do alemão Hans 
Staden (1988, p. 161). Ele foi prisioneiro dos tupinambás durante nove meses e esteve a ponto de morrer 
e servir-lhes de comida, mas não denegriu os índios, referindo-se a estes como gente “bonita de corpo 
e estatura, homens e mulheres igualmente”.
De forma geral, então, os cronistas em seus primeiros textos sobre a terra descoberta descrevem 
os índios de forma elogiosa, aludindo ao vigor físico e também à sua longevidade. Sobre este último 
aspecto, temos o exemplo do texto de Jean de Léry (1980, p. 111):
Os selvagens do Brasil, habitantes da América, chamados Tupinambás, entre 
os quais residi durante quase um ano e com os quais tratei familiarmente, 
não são mais maiores nem mais gordos do que os europeus; são porém mais 
fortes, mais robustos, mais entroncados, mais bem dispostos e menos sujeitos 
a moléstias, havendo entre eles muito pouco coxos, disformes, aleijados ou 
doentios. Apesar de chegarem muitos a 120 anos (sabem contar a idade pela 
lunação), poucos são os que na velhice têm os cabelos brancos ou grisalhos.
O padre Simão de Vasconcelos (1597-1654), historiador das ações da Companhia de Jesus no Brasil, 
confirma a extraordinária vitalidade dos índios:
Rarissimamente se acha entre eles torto, cego, aleijado, surdo, mudo, 
corcovado, ou outro gênero e monstruosidade: cousa tão comum em outras 
partes do mundo. [...] São vividouros, e passam muitos de cem anos, e cento 
e vinte; nem entram em cãs, senão depois de decrépita idade (apud BASTOS, 
2011, p. 29).
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A respeito de os americanos terem vida longa, com saúde e boa disposição, o padre José de Anchieta 
faz preciosa observação ao mencionar sobre uma criança indígena de Piratininga, que nasceu sem nariz 
e com outras enfermidades não conhecidas pelo padre. O tio enterrou a criança, assim como faziam os 
índios com todos que nasciam com alguma falta ou deformidade. Devido a essa preocupação eugênica, 
não eram encontrados índios coxos, disformes, aleijados ou doentios.
Complementando as descrições sobre a boa aparência, o vigor físico e a longevidade dos índios, 
destacam-se também a bravura nos combates e a destreza no manejo de armas de guerra e de 
instrumentos de caça e pesca. Segundo Anchieta (1988, p. 441-442), os índios “são guerreiros e grandes 
frecheiros; basta ver um olho só descoberto a um homem para lhe pregar; [e] são tão destros que 
não lhes escapa passarinho que não matem, e a frechadas matam o peixe na água”. Ao se referir aos 
tupinambás sobre o costume de caçar animais de grande porte, Anchieta (1988, p. 313) acrescenta 
que os índios “não arreceiam arremeter grandes cobras, que matam, e a lagartos que andam na água, 
tamanhos como eles, que tomam vivos e a braços”.
Os cronistas da época do início da colonização apontaram igualmente a esperteza e a malícia dos 
índios. Alguns destes eram capazes de simular a própria glória, desenterrando cadáveres a fim de lhes 
quebrarem as cabeças, apresentando-as como troféus de batalha para gozar de todas as honrarias 
militares.
Ainda sobre a aparência dos índios, a nudez, especialmente em relação à das mulheres, causou 
espanto nos europeus, que, contudo, logo no início, perceberam a candura desse hábito das índias, o 
qual acabaria por inibir a luxúria e a lascívia deles, como observa Léry (1980, p. 121):
Mas direi que, em que pesem as opiniões em contrário, acerca da 
concupiscência provocada pela presença de mulheres nuas, a nudez grosseira 
das mulheres é muito menos atraente do que comumente imaginam. Os 
atavios, arrebiques, postiços, cabelos encrespados, golas de rendas, anquinhas, 
sobre-saias e outras bagatelas com que as mulheres de cá se enfeitam e de 
que jamais se fartam, são causas de males incomparavelmente maiores do 
que a nudez habitual das índias, as quais, entretanto, nada devem às outras 
quanto à formosura.
Pero Vaz de Caminha, na carta de 1500, o padre Balthazar Fernandes, em carta de 1567 e mesmo 
Anchieta, que sempre reprovou a nudez dos índios, reconhecem o estado de inocência. 
A nudez das índias não provocou desinteresse sexual dos europeus, uma vez que inúmeros casos de 
mancebia ou de casamento regular ocorreram entre os europeus e as índias. Eles se uniram às índias 
de livre vontade e muitos viveram como “gentios com muitas mulheres”, no esclarecimento de Gabriel 
Soares de Sousa (1987, p. 331). 
Para o padre Manoel da Nóbrega, que chegou ao Brasil em 1549, a nudez dos índios causa incômodo 
por razões teológicas (BASTOS, 2011). Afinal, como permitir o batismo dos índios, quando eles não 
usavam roupas?
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Mais tarde, no século XIX, os autores do Romantismo escreveram seus poemas e prosas e criaram 
índios belos, pujantes, destemidos guerreiros, delicadas virgens, situando os índios, em seu ambiente 
de início da colonização, num ambiente edênico. Os românticos estavam muito longe dessa visão dos 
primeiros europeus; afinal, já no século XIX, os índios eram quase um grupo em extinção. 
2 – A vida comunitária dos índios é unanimemente reconhecida nesses textos fundadores. Como 
diz Staden (1988, p. 167-172): “Não existe entre eles propriedade particular, nem conhecem dinheiro”. 
No caso da comida, por exemplo, era de todos os índios, por igual. A caça terrestreou aquática era 
distribuída entre todos. Gabriel Soares de Sousa (1987, p. 313), com toque de humor, compara os índios 
com os padres franciscanos, levando em conta o despojamento entre ambos:
Têm estes tupinambás uma condição muito boa para frades franciscanos, 
porque o seu fato, e quanto têm, é comum a todos os da sua casa que 
querem usar dele: assim das ferramentas, que é o que mais estimam, como 
das suas roupas, se as têm, e do seu mantimento; os quais, quando estão 
comendo, pode comer com eles quem quiser, ainda que seja contrário, sem 
lho impedirem nem fazerem por isso carranca.
O padre Manoel da Nóbrega, em uma das cartas, reforça esse costume:
Entre eles, os que são amigos vivem em grande concórdia e amor, observando 
bem aquilo que se diz: Amicorum omnia sunt communi. Se um deles mata 
um peixe, todos comem deste e assim de qualquer animal (apud BASTOS, 
2011, p. 33).
A bem da verdade, um dos cronistas, o padre jesuíta Antonio Blasquez, chegado ao Brasil em 1553, 
em carta de 1557, destacou o lado negativo dessa vida em grupo, descrevendo as habitações dos índios 
como “casas escuras, fedorentas e afumadas”, nas quais as camas “são umas redes podres com a urina, 
porque são tão preguiçosos que ao que demanda a natureza se não querem levantar” (apud BASTOS, 
2011, p. 33).
As guerras em que os índios se envolviam constantemente não deviam, portanto, aos interesses 
materiais. A motivação não era conquista de terras ou obtenção de vantagem material. A guerra devia-
se ao desejo de vingança por ofensas anteriores. Conforme Léry (1980, p. 183):
Os selvagens se guerreiam não para conquistar países e terras uns aos outros, 
porquanto sobejam para todos; não pretendem tampouco enriquecer-se 
com os despojos dos vencidos ou o resgate dos prisioneiros. Confessam eles 
próprios serem impelidos por outro motivo: o de vingar pais e amigos presos 
e comidos, no passado.
Outro aspecto dos hábitos dos índios destacado pelos primeiros europeus no Brasil era a boa 
hospitalidade, verdadeira questão de honra, incluindo nela a completa segurança dada aos visitantes. 
Na observação de Gabriel Soares de Sousa (1987, p. 316), o hóspede era brindado pelo dono da casa 
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com a própria rede, e “a mulher lhe põe de comer diante, sem lhe perguntarem quem é, nem de onde 
vem, nem o que quer”.
3 – O senso político dos índios brasileiros causou muita admiração nos europeus. Os índios não 
reconheciam autoridade de rei ou de prepostos, limitando-se ao respeito por um principal apenas 
quando em guerra. Nas palavras de Ambrósio Fernandes, 
Em cada aldeia há um principal, que não reconhece superioridade a outro, 
senão quando sucede haver algum tão cavaleiro que, pelo medo que têm 
dele, lhe guardam respeito; cada um faz o que quer, sem embargo do 
principal lhe ordenar o contrário, mas, nas cousas tocantes à guerra, lhe 
guardam mais respeito (apud BASTOS, 2011, p. 37).
 Observação
O principal era aquele que reunia em torno de si o maior número 
possível de genros e filhos do sexo masculino. 
Podemos concordar com Bastos (2011) quando esse estudioso denomina como esdrúxula a 
observação feita por Gândavo, em 1576. Como não existem os fonemas /f/, /l/, /r/ na língua indígena, 
Gândavo (apud BASTOS, 2011, p. 37) diz que os índios não têm Fé, Lei nem Rei:
A língua deste gentio toda pela Costa é uma: carece de três letras – 
scilicet, não se acha nela F, nem L, nem R, cousa digna de espanto, porque 
assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei; e desta maneira vivem sem justiça e 
desordenadamente.
Essa ideia de que os índios, por não terem em sua língua esses três fonemas (que foram confundidos 
com letras), não tinham fé, lei, rei foi repetida por outros europeus, que a ratificaram. O primeiro que 
repetiu a ideia foi Gabriel Soares de Sousa (1987, p. 302). Na concepção deste, o índio: 
a) se não tem F, é porque não tem fé em nenhuma coisa que adorem; b) 
se não tem L na sua pronunciação, é porque não tem lei nenhuma que 
guardar, nem preceitos para se governarem; c) se não tem esta letra R na 
sua pronunciação, é porque não tem rei que os reja, e a quem obedeçam. 
Os outros que repetiram a ideia foram:
• Brandônio, no texto Diálogos das grandezas do Brasil, de 1618;
• Frei Vicente do Salvador, no texto História do Brasil 1500-1627, de 1627;
• Padre Simão de Vasconcelos, no texto Crônica da Companhia de Jesus, de 1663.
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4 – A suposta ausência de uma concepção religiosa foi tema enfático nas crônicas dos primeiros 
europeus no Brasil. O primeiro deles foi Caminha (1985, p. 94): “Parece-me gente de tal inocência que, 
se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem 
crença alguma, segundo as aparências”.
Assim, a ausência de religiosidade pareceu a Caminha favorável aos propósitos dos colonizadores, 
pois ele já notou que os índios não eram circuncidados, isto é, nem pagãos nem judeus. Logo, Caminha 
recomendou ao rei “salvar esta gente”, enviando clérigo para batizá-la. 
Também Gândavo (1980, p. 142), na obra de 1576, décadas depois da Carta de Caminha, escreveu:
Por todas as Capitanias desta Província estão edificados Mosteiros dos Padres 
da Companhia de Jesus e feitas em algumas partes algumas Igrejas entre os 
índios que são de paz onde residem alguns Padres pera os doutrinar e fazer 
Cristãos: o que todos aceitam facilmente sem contradição alguma porque 
como eles não tenham nenhuma Lei nem cousa entre si que adorem, é-lhes 
muito fácil tomar esta nossa. E assim também com a mesma facilidade, por 
qualquer cousa leve a tornam a deixar, e muitos fogem para o sertão, depois 
de batizados na doutrina cristã.
5 – A antropofagia é outro traço de primitivismo que os europeus destacaram.
 Observação
Distinguimos antropofagia, que significa comer carne humana dos 
inimigos por vingança, do canibalismo, que significa alimentar-se da carne 
humana sem motivação especial.
No geral, entre os cronistas, há concordância sobre o motivo que levava os índios à antropofagia. 
O motivo, segundo Staden (1988, p. 176), “não era para matar a fome, mas por hostilidade, por grande 
ódio”, com o que concorda Léry (1980, p. 200), para quem os índios, embora confessassem ser a carne 
humana saborosa, “seu principal intuito é causar temor aos vivos”. 
Em alguns casos, como na prática dos tapuias, os índios chegavam a comer carne de entes queridos 
por amor, para poupá-los de maior sofrimento, em um processo de quase eutanásia, como observa 
Gândavo (1980, p. 141):
É que quando algum chega a estar doente de maneira que se desconfia de 
sua vida, seu pai, ou mãe, irmãos ou irmãs, ou quaisquer outros parentes mais 
chegados o acabam por matar com suas próprias mãos, havendo que usam assim 
com ele de mais piedade, que consentirem que a morte o esteja senhoreando 
e consumindo por termos tão vagarosos. E o pior é que depois disso o assam e 
cozem, e lhe comem toda a carne, e dizem que não hão de sofrer que coisa tão 
baixa e vil como é a terra lhes coma o corpo de quem eles tanto amam. 
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A antropofagia era praticada também com crianças e mulheres. No caso das mulheres, se estas se 
tornassem cativas, eram mortas e suas carnes comidas pelos índios de tribo vencedora; ou elas poderiam 
se tornar mulher do guerreiro vencedor. Sobre esse aspecto cultural indígena,Brandônio (apud BASTOS, 
2011, p. 44) esclarece:
Às vezes as matam e outras não, que é quando sucede tomá-la algum dos 
vencedores por sua mulher ou manceba; e por este modo escapam da morte, 
mas a graça é que, se algumas destas cativas acertam de fugir, e vai prenhe, 
depois de estar entre os seus posta a salvo, e chega a parir, o próprio avô, e 
ainda a mesma mãe, matam a criatura nascida e a comem, dizendo que o 
fazem ao filho de seu inimigo; porque a mãe foi somente um bolso em que 
se criou e se aperfeiçoou a tal semente, sem tomar nada dela; e por esse 
modo usam de mil crueldades em casos semelhantes.
Sousa (1987) também descreve o destino da criança, mas de outra situação. Ele fala da criança 
nascida da relação entre prisioneiro e a mulher que lhe fora dada como parte dos preparativos para a 
execução inevitável. A criança é criada pela mãe até a idade em que pode ser comida. A mãe a oferece 
ao parente mais próximo, que quebra sua cabeça, e ela é a primeira a comer dessa carne. 
Todos os cronistas da época dos primeiros contatos entre europeus e indígenas concordavam que o 
ritual da execução de um prisioneiro demonstrava requinte e cavalheirismo, pois o próprio condenado 
tomava parte ativa nos preparativos, com prazer e orgulho, tendo papel relevante neles. Não faltavam 
cânticos e danças nem bebidas, sendo a morte tida por gloriosa. No esclarecimento do padre Anchieta 
(1988, p. 55):
Os prisioneiros, no entanto, julgam ser assim tratados excelentemente e com 
distinção, e pedem uma morte tão (como eles mesmos imaginam) gloriosa; 
porquanto, dizem que só os medrosos e fracos de ânimo é que morrem e 
vão, sepultados, suportar o peso da terra, que eles creem ser gravíssimo.
Justamente devido ao fato de os cristãos acreditarem em enterro, muitos índios recusavam o batismo, 
porque queriam morrer como valentes, com morte formosa e gritando para seus captores que os seus 
vingariam destes, assim como eles (os vencidos) já comeram muitos parentes dos captores.
6 – O senso estético dos índios foi descrito pelos europeus, que narraram as danças, os cânticos e 
a dramatização rudimentar da cerimônia de execução de um prisioneiro. Além dessas manifestações, 
eles mencionaram também o adorno do corpo feito com tintas, penas de aves, pedaços de ossos etc. De 
acordo com Bastos (2011, p. 48): “O gosto pelo enfeite é de tal ordem que os índios não hesitavam em 
‘negociar’ com os brancos, recebendo, em troca de pau-brasil, por exemplo, colares, miçangas e outras 
quinquilharias”.
7 – A relação de parentesco, o casamento e a poligamia na cultura indígena foram assuntos tratados 
pelos europeus.
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Sobre o casamento, observa Léry (1980, p. 223):
Devo dizer com relação ao casamento dos nossos americanos que eles 
observam tão somente três graus de parentesco; ninguém toma por esposa 
a própria mãe, a irmã ou filha, mas o tio casa com a sobrinha e em todos os 
demais graus de parentesco não existe impedimento.
Ressalta-se, porém, que um índio (tio) não se casava com as filhas de seu irmão, porque eles 
acreditavam que o parentesco verdadeiro vinha pela parte dos pais. No entanto, as sobrinhas filhas das 
irmãs não mereciam o mesmo respeito e com elas os homens copulavam sem qualquer impedimento.
Sobre o casamento em si, segundo o francês Thevet (1978), era realizado sem qualquer formalidade, 
cerimônia, pois o casal apenas se ajuntava. 
Quanto à poligamia, parece ser uma distinção concedida apenas aos bravos guerreiros. As mulheres 
aceitavam sem queixa, mas não costumavam trair os maridos, porque no caso de serem surpreendidas 
eram mortas por ele, que considerava o ato uma falta muito grave.
Exemplo de Aplicação
I. Faça um resumo das imagens criadas pelos cronistas e padres jesuítas sobre os índios do Brasil nos 
séculos XVI e XVII. 
Quadro 2
Aparência dos índios 
Vida comunitária 
Senso político 
Concepção religiosa
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Antropofagia
Senso estético 
Sistema de parentesco e 
casamento
II. Selecione uma das imagens resumidas e faça uma breve pesquisa sobre a sociedade indígena 
brasileira da nossa atualidade. Escreva um parágrafo sobre como a imagem escolhida é concebida 
atualmente pelos ameríndios contemporâneos. Esclareça qual grupo foi estudado: tupi, guarani etc.
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III. Leia o jornal do dia (no momento em que você lê este livro-texto), verifique se há notícia sobre 
a sociedade indígena brasileira. Faça uma síntese da notícia, verificando o tema específico abordado no 
texto jornalístico sobre a sociedade indígena e discuta o posicionamento do jornalista a respeito.
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1.2 Representação do índio na poesia dos séculos XVI e XVII
O padre José de Anchieta (1534-1597) tem lugar na literatura brasileira de forma controversa, por 
vários motivos, entre eles por não ser português de nascimento e pela sua obra ter sido escrita em várias 
línguas: português, espanhol, latim, tupi.
O poema épico De Gestis Mendi de Saa, por exemplo, foi escrito em latim.
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 Figura 1 – Capa da obra De Gestis Mendis de Saa, do padre José de Anchieta
À parte a discussão entre os críticos literários sobre o papel de Anchieta em nossa literatura, a parte 
mais considerável de sua obra poética e de suas inúmeras cartas diz respeito ao índio brasileiro.
Parecia certo que o indígena do Brasil não tivesse qualquer concepção religiosa, como afirmava, por 
exemplo, Fernão Cardim (apud BASTOS, 2011, p. 52):
Este gentio parece que não tem conhecimento do princípio do Mundo. 
Este gentio não tem conhecimento algum de seu Criador, nem de cousa do 
Céu nem se há pena nem glória desta vida, e portanto não tem adoração 
nenhuma, nem cerimônias, ou culto divino.
Essa suposta disponibilidade espiritual do indígena adequava-o perfeitamente ao projeto 
evangelizador a que se dedicou o jesuíta Anchieta, o qual tratou os índios, antes de mais nada, como 
objeto de uma ação salvadora, a afirmação de sua (dos índios) inata inferioridade, na conclusão de 
Bastos (2011).
Anchieta, na obra de 1584, quantifica o trabalho de salvação:
Passam de 2.000 aqueles que, este ano, foram pelos nossos arrancados 
à impiedade e purificados pelo batismo, em toda a província, se a eles se 
juntarem os trezentos que foram batizados no Colégio do Rio de Janeiro 
(como é grande a bondade divina!), não contando os que foram batizados 
em casas particulares e não puderam ser registrados (ANCHIETA, 1989, p. 
413).
Para alcançar esse objetivo, o jesuíta recorreu à poesia e ao teatro como meios complementares da 
ação catequética,que desmantelou o universo simbólico do indígena, por meio de: 
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• desmoralização contínua dos pajés, que nunca se enganaram com o programa de salvação e eram, 
por conseguinte, oponentes dos jesuítas;
• identificação dos ritos indígenas com a feitiçaria europeia da época;
• caracterização de suas leis de parentesco como desordem e luxúria.
Conforme o poeta Anchieta (1989, p. 401), os padres iam:
Com boa intenção,
A buscar gente perdida,
Que possa ser convertida
A Iesu de coração
E ganhar a eterna vida. 
Sobretudo na obra épica De Gestis Mendi de Saa, o estudioso Bastos (2011) verifica a quase absoluta 
ausência de piedade do padre Anchieta em relação aos indígenas. No caso dessa obra, a adesão aos 
vencedores portugueses sobre os índios é incondicional do poeta, que faz exortações entusiasmadas 
das atrocidades praticadas pelos soldados (portugueses) ao dizimarem os inimigos (índios), e chega a 
lamentar que nem todos tenham em igual intensidade o ímpeto exterminador do comandante:
Eis que, não sofrendo demoras, com as armas tingidas 
no sangue inimigo, Fernão com seus jovens briosos 
acorre, e olhos na glória, se precipita ao assalto 
do arraial medroso, e à força de golpes arrombam 
os robles enormes, abrindo numerosas e largas entradas.
Uma vez dentro estraçalham a fortaleza e trucidam 
a turba inimiga, ceifando com a espada afiada 
esses corpos brutais. Junto ao mar o estrondo ecoa medonho 
enfurece horrendo na praia o soldado matando 
e enterrando vitorioso na areia corpos aos montes, 
no inferno vidas que cevavam as carnes humanas 
e impinguavam os ventres com o sangue dos homens.
Já não se alonga o combate, já não pensa 
o inimigo em entesar o arco, e defender a vida com brio.
Tudo é pressa em fugir, não lhes valem de nada os redutos, 
só resta galgar ligeiro as muralhas do último forte.
Nossas armas gloriosas prostraram o feroz inimigo, 
rompendo à força as trincheiras com vasta matança.
O general e seu bravo esquadrão, cansados 
embora do duplo esforço e com os corpos crivados de flechas, 
conservaram ainda frescas a conhecida energia das almas nobres: 
vibram de entusiasmo: uma de duas, 
ou acabar com as hordas bárbaras 
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ou deixar no combate a vida, 
comprando com o sangue a vitória da pátria. 
“Triunfadores meus, diz o chefe, vossa espada valente, 
armas e dextras estão tintas ainda do sangue maldito; 
sem tardar, lancemo-nos contra o inimigo vencido, 
enquanto o abate o terror das últimas duas batalhas.
Vedes quantos aí estão prostrados a gemer moribundos, 
quantos outros na fuga receberam mortais ferimentos.
Ou exterminar de vez esta raça felina 
com a ajuda de Deus, ou sepultar-nos na areia gloriosamente”. 
A estas palavras, parte. A todos devora o mesmo fogo. 
Arrojam-se como impetuosa corrente 
ou como a tempestade negra que revolve o oceano, 
encapela as ondas, rasga o linho branco das velas, 
quebra os altos mastros, e, girando três ou quatro vezes 
as popas as submerge voraz em rápido redemoinho. 
Quantos estragos não causou então 
o braço valente do jovem chefe! 
quantos corpos de guerreiros ferozes arremessou à morte, 
tomando vingança no sangue inimigo.
Fossem mais crentes os colegas, mais viris os seus braços, 
fervesse-lhes no peito um sangue mais quente, 
acompanhassem sempre, lado a lado, o seu chefe, 
e esse dia marcaria a ruína desses feros selvagens, 
atirando-os para as sombras eternas do Inferno.
Fonte: Anchieta (1970, p. 11-12).
O padre José de Anchieta adotou a forma do auto medieval, pondo em cena as forças opostas do 
anjo e do diabo. O diabo, por ter a simpatia dos indígenas, é sempre retratado negativamente nas obras 
de Anchieta. Seu discurso promove íntima relação entre o diabo e o universo indígena anterior à ação 
jesuítica, visando infundir nos índios temor absoluto. Entre os recursos retóricos buscados por Anchieta, 
o ardil mais sibilino, na concepção de Bastos (2011) é o empréstimo, aos diabos postos em cena, de 
nomes próprios de chefes guerreiros hostis aos portugueses católicos.
Nos textos literários, poemas e autos, Anchieta ora usa a primeira pessoa do singular, ora a primeira 
do plural, dando voz aos índios, que se dizem, nos textos criados, arrependidos dos vícios e dos defeitos 
de seus costumes típicos, de quando ainda viviam sob a influência do diabo.
– Vivemos como selvagens, 
somos filhos da floresta.
Viemos saudar-te [à Virgem Maria], 
renunciamos os vícios.
te acompanharemos
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entrando no reino do Deus!
Vem ensinar-nos
a seguir tuas leis
vivendo nessa serra
não sei muita coisa
danço aqui
à moda dos meus.
Hoje, em homenagem à tua visita,
Repudiarei meus defeitos.
Aproximo-me do verdadeiro Deus.
Venerarei suas palavras.
– Aqui estou à tua frente
– eu, que era um rebelde!
Vem abrigar-me
Em tua virtude! (ANCHIETA, 1989, p. 582).
Na produção poética de Anchieta, os costumes indígenas, os velhos hábitos, passam a ser renegados. 
São apresentados como condenáveis:
Evitai,
de hoje em diante, serdes maus,
para extinguirdes vossos velhos hábitos,
– a bebida, o fétido adultério,
mentiras, brigas,
ferimentos mútuos, guerras (ANCHIETA, 1989, p. 647).
Em outra poesia, o leitor depara-se com um texto que parece contraditório à ideologia jesuítica:
É bom dançar,
adornar-se, tingir-se de vermelho,
empenar o corpo, pintar as pernas,
fazer-se negro, fumar,
curandeirar...
De enfurecer-se, andar matando,
comer um ao outro, prender tapuias,
amancebar-se, ser desonesto,
espião, adultero
– não quero que o gentio deixe (ANCHIETA, 1989, p. 691).
Como bem explica Bastos (2011, p. 59), na obra de Anchieta,
toda essa defesa dos maus costumes é proclamada por um diabo, entidade 
representativa do mal, o que dá às suas palavras a condição reflexa de 
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enunciado negativo, na medida em que, pela lógica cristã, tudo o que 
procede do Diabo é pernicioso. 
No auto de representação de Guaixará (personagem diabo com nome de chefe guerreiro), ele diz:
– Sou Guaixará, o bêbado,
Grande boicininga, jaguar,
Antropófago, agressor,
Andirá-guaçu, que voa,
Demônio assassino (ANCHIETA, 1989, p. 701).
Como observam Cafezeiro e Gadelha (apud BASTOS, 2011, p. 60), estudiosos atuais:
Para o indígena, nada significava ser Deus ou o Diabo. Ora, a dança, as cores 
(especialmente o vermelho): o estranho da figura do diabo com chifres e rabo; 
o ritmo; o canto fascinavam os índios, que, também já vimos, tinham nestas 
manifestações o único meio de se libertar das aflições, do tormento que o próprio 
cotidiano lhes levava. Daí a alegoria do diabo funcionar, ao contrário, como 
motivação, incitação psicológica, magia e não como elemento de repressão, o 
que acontecia com os portugueses, para quem a ideia de diabo era aterradora.
Diante da produção poética de Anchieta, a intenção dele era desqualificar o universo indígena e sua 
expectativa, então, era criar um novo imaginário no índio. Assim, costumes indígenas como a alegria 
ingênua advinda da bebida e da dança são mostrados como perdição, como ocorre em outro poema, em 
que há um diálogo entre o diabo Aimberê (nome de chefe guerreiro) e o Anjo:
Eles sãopecadores,
Repelem o amor de Deus
E orgulham-se disso levianamente.
– Se o cauim regorgita nas igaçabas,
Então elas o tentam,
Como as cuias da velhas...
As grandes cabaças tolhem
Sua liberdade espiritual.
Excitados pela dança,
Ganhamos-lhes os corações,
Desrespeitam o seu criador... (ANCHIETA, 1989, p. 703).
No poema, o diabo descreve um festim indígena, com dança e bebida (cauim), o qual se torna uma 
situação de ação maléfica.
Enfim, a adoção de nomes de guerreiros indígenas para o personagem diabo aparece em mais de 
uma obra de Anchieta. Os nomes Guaixará e Aimbirê são verídicos. O primeiro foi herói tamoio que, em 
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1564, tomou parte dos ataques dos tamoios de Cabo Frio, aliados dos franceses, contra os portugueses 
de São Sebastião; o segundo, também chefe tamoio e aliado dos franceses, tornou-se herói do poema 
épico romântico Confederação dos Tamoios (1856), de Gonçalves de Magalhães. Anchieta recorre a esses 
nomes, cujos donos tinham sido hostis ao projeto evangelizador/colonizador, e promoveu a identificação 
onomástica do mal, uma vez que os chefes tamoios são, nos textos, diabos. Ele visava inculcar na 
mente dos índios a certeza de que os tamoios que haviam resistido aos portugueses não eram heróis 
reverenciados, mas demônios a serem exorcizados. Os autos eram representados, em forma teatral, duas 
ou três décadas depois dos acontecimentos históricos, quando os chefes tamoios já estavam mortos há 
muito tempo, não constituindo, então, perigo à segurança dos portugueses.
Em síntese, nos textos literários de Anchieta, o índio aparece sob a marca da negatividade, não 
merecendo um olhar compreensivo do Apóstolo do Brasil.
Bento Teixeira (1561-1600?) escreveu Prosopopeia, poema épico publicado em Lisboa em 1601. 
São 752 versos sobre os feitos de Jorge de Albuquerque Coelho, terceiro donatário da capitania de 
Pernambuco, narrados por Proteu, deus marinho dotado do poder de profetizar os fatos.
Esse poema é considerado a primeira obra de cunho inteiramente literário, sem se voltar, portanto, 
à catequese, como ocorre com as obras de José de Anchieta. É um texto produzido na colônia, podendo 
ser um marco do início da literatura brasileira, mesmo levando em conta o fato de Bento Teixeira não 
ser brasileiro de nascimento.
Em Prosopopeia, os principais pontos do percurso do herói são:
• sua atuação contra os indígenas no processo de colonização da terra, entre os anos de 1560 a 1565;
• sua atribulada viagem a Lisboa, em 1565, na qual enfrentou motins a bordo, tempestades em 
alto-mar, ataques de corsários franceses e só com muito esforço chegou ao seu destino, trôpego 
e com poucos remanescentes da tripulação;
• sua participação malograda na campanha de Alcácer-Quibir (1578), na África, na qual morreu o 
rei de Portugal, Dom Sebastião (BASTOS, 2011).
Nesse poema, a presença do índio é mínima. A primeira referência é encontrada na parte que fala 
do pai de Jorge Albuquerque Coelho. Duarte Coelho Pereira foi o primeiro donatário de Pernambuco e 
entre seus triunfos está o fato de ter amansado os índios caetés:
O braço invicto vejo com que amansa 
A dura cerviz bárbara insolente, 
Instruindo na Fé, dando esperança Do bem que sempre dura e é presente 
(TEIXEIRA, 1969, estrofe XXVII).
Versos adiante, agora se referindo ao herói e seu irmão (nomeado para o governo, em razão da morte 
do pai), os quais se viram também às voltas com a pacificação dos índios, o poeta emprega outro verbo 
contundente e pouco apropriado para lidar com seres humanos: domesticar.
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O Princípio de sua Primavera
Gastarão seu distrito dilatando,
Os bárbaros cruéis e gente Austera,
Com meio singular domesticando (TEIXEIRA, 1969, estrofe XXX).
Segundo a leitura interpretativa de Bastos (2011), os jovens senhores, com pouco mais de 20 anos, 
no Princípio da Primavera, estavam empenhados em dilatar seu distrito por meio da persuasão pacífica; 
mas, caso não conseguissem, há outros meios, como prenuncia Proteu:
E primeiro que a espada lisa, e fera,
Arranquem, com mil meios de amor brando,
Pretenderão tirá-la, de seu erro,
E senão porão tudo a fogo, e ferro (TEIXEIRA, 1969, estrofe XIX).
Contra a gente austera e bárbaros cruéis, ou seja, o povo indígena rude, os heróis usariam instrumentos 
decisivos da ação pacificadora; nada menos do que o fogo e o ferro. A descrição que segue está bem de 
acordo com o gosto épico pela sangria explícita, não deixando dúvida sobre o resultado do ferro e do 
fogo pelos braços vigorosos e constantes dos esforçados irmãos: 
Os braços vigorosos e constantes
Fenderão peitos, abrirão costados,
Deixando de mil membros palpitantes
Caminhos, arraiais, campos juncados;
Cercas soberbas, fortes repugnantes
Serão dos novos Martes arrasados,
Sem ficar deles todos mais memória
Que a qu’eu fazendo vou em esta História (TEIXEIRA, 1969, estrofe XXXI).
Como coroamento dessa obra meritória dos irmãos, “Quais dois soberbos rios espumosos” (TEIXEIRA, 
1969, estrofe XXXII), farão destruição em toda parte, dando aos bárbaros “total exício”. Os portugueses, 
na época, usavam de estratagema que consistia em embebedar índios para que denunciassem os 
companheiros que matavam os brancos e os escravos. A punição contra os responsáveis é contada pelo 
Frei Vicente do Salvador, em texto de 1627: 
A uns mandou [Jerônimo de Albuquerque] pôr em bocas de bombardas e 
dispará-las à vista dos mais, para que os vissem voar feitos pedaços, e outros 
entregou aos acusadores que os mataram em terreiro e os comeram em 
confirmação de sua inimizade (apud BASTOS, 2011, p. 65).
O narrador Proteu cria uma linha genealógica bizarra para reforçar a condição inferior do índio. No 
poema, os índios descendem de Vulcano, que se opõe às intenções dos portugueses:
Porque Lemnio cruel, de quem descende
A Barbara progênie, e insolência,
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Vendo que o Albuquerque tanto ofende,
Gente que dele tem a descendência,
Com mil meios ilícitos pretende,
Fazer irreparável resistência,
Ao claro Jorge, varonil, e forte,
Em quem não dominava a vária sorte (TEIXEIRA, 1969, soneto XLV).
 Lembrete
O deus Vulcano, de acordo com a lenda, tem como local de refúgio 
a ilha de Lemnos e uma imagem nada honrosa: deus pagão feio, coxo e 
vítima de traição por parte da esposa, Vênus.
Em resumo, é assim que estreia o índio na literatura brasileira: estigmatizado e como obstáculo a 
ser tirado do caminho do herói. Na obra de Bento Teixeira, o índio aparece bem diverso da impressão 
favorável de Pero Vaz de Caminha e dos cronistas que conheceram o índio em “seu habitat quase 
edênico, livre, digno e insubmisso” (BASTOS, 2011, p. 66).
Outro escritor dessa época é Gregório de Matos (1633-1696), em cuja obra o índio é presença 
apenas oblíqua. Gregório de Matos viveu em século posterior ao de José de Anchieta, em uma sociedade 
menos rudimentar e essencialmente urbana. Assim, Matos recorre à figura do índio apenas como dado 
referencial para ridicularizar as pretensões da aristocracia dos baianos de seu tempo.
Aos principais da Bahia chamados os Caramurus 
Há cousa como ver um Paiaiá
Mui prezado de ser Caramuru,
Descendente de sangue de Tatu,
Cujo torpe idioma é cobé pá.
A linha feminina é carimá
Moqueca, pititinga caruru
Mingau de puba, e vinho de caju
Pisado num pilão de Piraguá.
A masculina é um Aricobé
Cujafilha Cobé um branco Paí
Dormiu no promontório de Passé.
O Branco era um marau, que veio aqui,
Ela era uma Índia de Maré
Cobé pá, Aricobé, Cobé Paí (MATOS, 1990, p. 640).
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O poeta denuncia a ascendência indígena de suas vítimas, pois para ele a genealogia apresenta-se 
como motivo de vergonha e não de orgulho. Ele ironiza esse aristocrata “descendente do sangue de 
Tatu, / cujo torpe idioma é cobé pá”. Para o poeta, é pretensão absurda um descendente de branco e índio 
querer passar por Caramuru, isto é, de raça branca.
Na descrição desse Paiaiá, o poeta descreve tanto a linha genealógica feminina quanto a masculina. 
Na descrição da linha feminina, na segunda estrofe, recorre a dados culinários indígenas. A feminina é a 
carimá com sua moqueca, pititinga etc. Na descrição da linhagem masculina, esse Paiaia é um Aricobé, 
fruto de um branco Paí e a índia, filha de um Cobé. 
A última estrofe sintetiza a ancestralidade, que é indesejável. No poema, enfim, o universo indígena 
é trabalhado com a intenção de causar estranheza e até repugnância em relação à mestiçagem. Tal 
efeito é obtido pela seleção lexical bizarra e pelo constante emprego de rima oxítona, desqualificando a 
ascendência daqueles que dão ares de nobreza.
Outro poema é:
Ao mesmo assunto
Um calção de pindoba a meia zorra,
Camisa de Urucu, mantéu de Arara,
Em lugar de cotó arco, e taquara
Penacho de Guarás, em vez de gorra.
Furado o beiço e sem temor que morra,
O pai, que lho envazou com uma titara,
Senão a Mãe, que a pedra lhe aplicara,
A reprimir-lhe o sangue, que não corra.
Animal sem razão, bruto sem fé,
Sem mais Leis, que as do gosto, quando erra,
De Paiaiá virou-se em Abaeté.
Não sei onde acabou, ou em que guerra,
Só sei que deste Adão de Massapé,
Procedem os fidalgos desta terra (MATOS, 1990, p. 641).
Com estudada crueldade, o poeta convoca elementos da aparência física e psicológicos 
caracterizadores do indígena brasileiro. Da aparência, o poeta realça contrastivamente a indumentária: 
a pindoba fazendo as vezes do calção; o peito pintado de Urucu; pela Camisa; o arco e a taquara 
substituindo o cotó; e o Penacho de Guarás no lugar de gorra; e o costume nativo de furar o beiço com 
uma titara (graveto de palmeira) e estancar o sangue com uma pedra.
Dos traços psicológicos, o poeta rebaixa os valores culturais do índio, reforçando o prototípico de um 
índio irracional, bestial e errante.
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A Cosme Moura Rolim, Insigne Mordaz Contra os Filhos de Portugal
Um Rolim de Monai Bonzo Bramá 
Primaz de Greparia do Pegu, 
Que sem ser do Pequim, por ser do Açu, 
Quer ser filho do Sol nascendo cá. 
Tenha embora um Avô nascido lá, 
Cá tem três para as partes do Cairu, 
Chama-se o principal Paraguaçu 
Descendente este tal de um Guinamá. 
Que é fidalgo nos ossos, cremos nós. 
Que nisto consistia o mor brasão 
Daqueles, que comiam seus avós. 
E como isto lhe vem por geração, 
Tem tomado por timbre em seus teirós 
Morder, aos que provêm de outra Nação (MATOS, 1990, p. 642).
Nesse poema, ocorre a dubiedade de sentidos do verbo morder. Rolim herdara dos antepassados, 
e como diz o poeta “E como isto lhe vem por geração”, o costume de morder, em sentido estrito, e 
o empregava, agora em sentido figurado, em “Morder, aos que provêm de outra Nação” nos “teirós” 
(conflitos) em que se metia esse “fidalgo nos ossos”. A expressão “fidalgo nos ossos” é, segundo Bastos 
(2011), maldosa e habilíssima alusão à antropofagia dos antepassados de Rolim. Este era descendente 
de “um Avô nascido lá”, no Extremo Oriente, e de um avô índio, tendo, então, “três para as partes do 
Cairu”, que usava os ossos dos inimigos comidos como adereço de distinção, já que “Que nisto consistia 
o mor brasão”.
O índio, de forma geral, é caracterizado como inferior, objeto de ironia ou de maledicência, nunca 
empática. No caso da obra de Gregório de Matos, o índio não é objeto de interesse específico nem 
alvo direto de seu ressentimento, apenas uma imagem risível para servir de termo de comparação 
rebarbativa para aqueles que se orgulhavam de serem caramuru e, devido a suas pretensões de serem 
nobres, encobriam sua descendência nativa.
Como podemos observar, as primeiras aparições do índio na literatura brasileira não lhe foram 
favoráveis.
1.3 O índio na poesia do século XVIII
A obra Caramuru: poema épico do descobrimento da Bahia, de 1781, é de Santa Rita de Durão 
(1722-1784). O argumento é, nas palavras do próprio autor, 
o descobrimento da Bahia, feito quase no meio do século XVI por Diogo 
Álvares Correia, nobre vianês, compreendendo em vários episódios a história 
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do Brasil, os ritos, tradições, milícias dos seus indígenas, como também a 
natural, e política das colônias (DURÃO, 2003, p. 13-14).
A figura do índio, portanto, constitui-se ainda secundária. O herói legítimo do poema é o português 
Diogo Álvares Correia, que teria naufragado nas costas baianas e visto, com pesar, seis companheiros 
de infortúnio devorados pelos índios. Diogo foi salvo por se encontrar doente no momento da captura. 
Junto aos índios, que o mantiveram vivo “para melhor nutrido servir-lhes de mais gostoso pasto” 
(DURÃO, 2003, p. 14), matou com uma espingarda uma ave, causando espanto nos nativos, que “o 
aclamaram Filho do Trovão, e Caramuru, isto é, Dragão do mar” (DURÃO, 2003, p. 14). Mais tarde, no 
combate com indígenas do sertão, venceu-os. Os chefes ofereceram-lhe inúmeras regalias, entre elas as 
filhas, tendo Diogo escolhido apenas uma, Paraguaçu. Eles se casaram e foram para a França. Na volta à 
Bahia, Diogo realizou grandes feitos e Paraguaçu, depois de uma visão da Virgem Santíssima lhe pedindo 
para resgatar sua imagem, “roubada por um Selvagem” (DURÃO, 2003, p. 15), lançou-se à procura, 
encontrando a imagem e, “com exclamações de jubilo, se lançou a abraçá-la” (DURÃO, 2003, p. 15). Na 
síntese da crítica de Bastos (2011, p. 92):
Até o fim dos seus dias, gozaram ambos, Diogo/Caramuru e Paraguaçu/
Catarina, da maior consideração dos poderosos, servindo a sua estória como 
ilustração perfeita da ação piedosa e civilizadora do conquistador branco e 
cristão em relação ao povo da terra.
Essa obra, lançada dez anos depois do épico O Uraguai, de Basílio da Gama, que constrói relativa 
elevação de status dos índios, divide a opinião dos críticos literários, pois, para metade destes, volta à 
concepção de inferioridade completa do nativo. De fato, logo na abertura do poema, o poeta ressalta o 
aspecto mais negativo da cultura indígena, a antropofagia. Da visão de um náufrago, diz o poeta (Canto 
I, estrofes XVII-XVIII):
Correm, depois de crê-lo, ao pasto horrendo, 
E, retalhando o corpo em mil pedaços, 
Vai cada um famélico trazendo, 
Qual um pé, qual a mão, qual outros os braços; 
Outro na crua carne iam comendo, 
Tanto na infame gula eram devassos; 
Tais há que as assam nos ardentes fossos, 
Alguns torrando estão na chama os ossos. 
Que horror da humanidade! ver tragada 
Da própria espécie a carne já corrupta! 
Quando não deve a Europa abençoada 
A fé do Redentor, que humilde escuta! 
Não era aquela infâmia praticada 
Só dessa gente miseranda e bruta: 
Roma e Cartago o sabe no noturno 
Horrível sacrifício de Saturno (DURÃO, 2003, p. 22).
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Na recepção dos índios ao náufrago, o poeta ressalta o lado negativo, mesmo admitindo que os índios 
não inauguraram o costume de comer carne humana. No entanto, continua explícita sua repugnância 
contra o canibalismo. No poema, apenas os cristãos estão isentos do canibalismo.
Em outro momento, no Canto V, o poeta indica o lado positivo dos índios, como a bravura nos 
momentos de guerra. Bambu, feito prisioneiro por Taparica, pai de Paraguaçu, recusa a liberdade que foi 
oferecida por Diogo, seu adversário:
LIX
Estava o desditoso encadeado, 
E exposto a mil insetos que o mordiam; 
Nem se lhe via o corpo ensanguentado, 
Que todos os maribondos lhe cobriam. 
Corria o negro sangue derramado 
Das cruéis picaduras que lhe abriam; 
E ele, imóvel entanto em tosco assento, 
Parecia insensível no tormento. 
LX 
Vendo Diogo o infeliz quanto padece 
No modo de penar mais desumano, 
Maior a tolerância lhe parece 
Do que possa caber num peito humano. 
E, como autor do crime reconhece 
Do cruel sogro o coração tirano, 
Oferece a Bambu, que a morte ameaça, 
Socorro amigo na cruel desgraça. 
LXI
«Perdes comigo o tempo (disse o fero); 
Ao que vês, e ainda a mais vivo disposto. 
A liberdade, que me dás, não quero, 
E da dor, que tolero, faço gosto. 
Assim vingar-me do inimigo espero. 
Disse; e, sem se mudar do antigo posto, 
As picadas cruéis tão firme atura, 
Como se penha fora, ou rocha dura. 
LXII 
«Se o motivo, diz Diogo, por que temes, 
É porque escravo padecer receias, 
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E tens por menos mal este, em que gemes, 
Do que uma vida em míseras cadeias, 
Depõe o susto, que sem causa tremes; 
Penhor te posso dar, por onde creias, 
Depondo a obstinação do torpe medo, 
Que a vida e liberdade te concedo. 
LXIII
Aqui da fronte o bárbaro desvia 
Dos insetos coa mão a espessa banda; 
E a Diogo, que assim se condoía, 
Um sorriso em resposta alegre manda. 
«De que te admiras tu? Que serviria 
Dar ao vil corpo condição mais branda? 
Corpo meu não é já; se anda comigo, 
Ele é corpo em verdade do inimigo. 
LXIV
O espírito, a razão, o pensamento 
Sou eu e nada mais; a carne imunda 
Forma-se cada dia do alimento, 
E faz a nutrição, que se confunda. 
Vês tu a carne aqui, que mal sustento? 
Não a reputes minha: só se funda 
Na que tenho comido aos adversários; 
Donde minha não é, mas dos contrários. 
LXV 
Da carne me pastei continuamente 
De seus filhos e pai; dela é composto 
Este corpo, que animo de presente. 
Por isso dos tormentos faço gosto. 
E, quando maior pena a carne sente, 
Então mais me consolo, do suposto 
Do me ver no inimigo bem vingado, 
Neste corpo, que é seu, tão mal tratado. 
Fonte: Durão (2003, p. 131-132).
O índio Bambu, ensanguentado e com todos os insetos o cobrindo, afronta Diogo, não aceitando 
a liberdade. O corpo que sofre dor física não mais pertence ao índio, mas ao inimigo. Bambu alegra-se 
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com os próprios tormentos, pois lhe serve de consolo saber que pode ver-se “no inimigo vingado, / Nesse 
corpo, que é seu, tão mal tratado”.
Segundo a leitura de Bastos (2011, p. 94): 
Apenas uma vez os índios são representados como medrosos. É quando 
Diogo aparece-lhe vestido com a armadura e demais apetrechos de combate 
– o escudo, a alabarda, a espada e a espingarda (Canto II, VIII) – e é tomado 
por um demônio, “anhangá”. O medo, neste caso, é compreensível, dada à 
sobrenaturalidade suposta daquela visão.
De forma geral, a aparência dos índios é ressaltada como feroz e amedrontadora, principalmente dos 
chefes, além dos seus hábitos incivilizados, como a gula, que, segundo o poeta Durão, não distinguia feras 
dos homens. As mulheres indígenas também são descritas como torpes, feias, com imagem “propriíssima 
do diabo” (Canto I, LXXX). Somente as jovens, incluindo Paraguaçu, são consideradas formosas.
Paraguaçu, em especial, devido a seu papel de heroína, é caracterizada por sua superioridade sobre 
as outras índias. 
LXXVIl
Perguntá-lo dos bárbaros quisera; 
Mas, como o aceno e língua muito engana, 
Acaso soube que a Gupeva viera 
Certa dama gentil brasiliana; 
Que em Taparica um dia compreendera 
Boa parte da língua lusitana; 
Que português escravo ali tratara, 
De quem a língua, pelo ouvir, tomara. 
LXXVIII 
Paraguaçu gentil (tal nome teve) 
Bem diversa de gente tão nojosa, 
De cor tão alva como a branca neve, 
E donde não é neve, era de rosa; 
O nariz natural, boca mui breve, 
Olhos de bela luz, testa espaçosa; 
De algodão tudo o mais, com manto espesso, 
Quanto honesta encobriu, fez ver lhe o preço (DURÃO, 2003, p. 65-66).
Ela, antes mesmo de conhecer Diogo, já dominava a língua portuguesa, por ter contato com um 
escravo português. A aparência física é absolutamente desprovida de seu mundo natural. Ela é, em 
primeiro lugar, diferente da “gente tão nojosa”; sua pele é alva, branca como a neve, e seus traços finos, 
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semelhantes à pastora do imaginário arcadista europeu, não faltando sequer o clichê transatlântico da 
neve. A brancura extrema com matizes de rosa é inconcebível ao povo ameríndio.
Junto à beleza, suas qualidades morais são exaltadas e, igualmente, em desacordo com o meio. 
Contrariamente ao ardor e desenvoltura das outras apaixonadas índias, Paraguaçu não hesita em 
guardar-se (a conselho de Diogo) para o matrimônio cristão; ela é casta e jura-lhe obediência e fidelidade 
(Canto II): 
XC
Esposa (a bela diz), teu nome ignoro, 
Mas não teu coração, que no meu peito, 
Desde o momento em que te vi, que o adoro: 
Não sei se era amor já, se era respeito, 
Mas sei do que então vi, do que hoje exploro, 
Que de dois corações um só foi feito. 
Quero o batismo teu, quero a tua igreja, 
Meu povo seja o teu, teu Deus meu seja. 
XCI 
Ter-me-ás, caro, ter-me-ás sempre a teu lado 
Vigia tua, se te ocupa o sono; 
Armada sairei, vendo-te armado, 
Tão fiel nas prisões como num trono. 
Outrem não temas que me seja amado; 
Tu só serás senhor, tu só meu dono: 
Tanto lhe diz Diogo, e ambos juraram; 
E em fé do juramento as mãos tocaram (DURÃO, 2003, p. 67). 
Na interpretação de José Veríssimo (BASTOS, 2011), o frade Santa Rita Durão transformou Diogo 
e Paraguaçu em esposos castos como dita a lenda cristã, tornando Caramuru triste e grave como um 
monge. Não é surpresa, portanto, a completa conversão de Paraguaçu à religião dos brancos europeus, 
incluindo o batismo e a troca de nome – passa a ser Catarina –, e sua renúncia aos direitos tupinambás, 
como herdeira dos seus maiores principais.
A trajetória de Paraguaçu atende ao propósito ideológico da colonização, que é a submissão simbólica 
do Brasil a Portugal, comprovada na fala de Paraguaçu:
LXVIII
Esta insigne progênie o céu promete, 
Brasil agora rude, aos teus vindouros! 
O colo humilde entanto ao rei submete, 
38
Unidade I
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E oferece-lhe contente os teus tesouros. 
E entre tantas nações, que ao jugo mete 
À sombra Portugal

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