Buscar

Nos passos de São Francisco de Assis - Luiz Alexandre Solano Rossi

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 117 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 117 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 117 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

2
SUMÁRIO
Capa
Rosto
Apresentação
1º dia
2º dia
3º dia
4º dia
5º dia
6º dia
7º dia
8º dia
9º dia
10º dia
11º dia
12º dia
13º dia
14º dia
15º dia
16º dia
17º dia
18º dia
19º dia
20º dia
21º dia
22º dia
23º dia
24º dia
25º dia
26º dia
27º dia
28º dia
29º dia
30º dia
Coleção
Ficha Catalográfica
3
kindle:embed:0005?mime=image/jpg
APRESENTAÇÃO
São Francisco viveu intensamente no coração da virada do século XII para o
século XIII. Suas palavras e seus gestos sacudiram e transformaram, como
ninguém, a religião, a civilização e a sociedade tanto de ontem quanto de hoje.
Vivia-se uma época em que a Igreja se encontrava prisioneira de antigos e
novos fardos. E em meio a uma crise instalada que muitos não queriam ver ou
perceber, ele foi separado por Deus para olhar em direção às origens do
Evangelho. Mas ele não se via como alguém especial. Sempre haveria de se
apresentar como o “pequenino servo” e, por isso mesmo, não desejava ser
líder de ninguém. Não havia nele qualquer pretensão de ser maior entre seus
irmãos. Queria simplesmente servir. Nada, absolutamente nada, havia em seu
projeto que fosse para seu benefício. Contrariamente a isso, poderíamos dizer
que em seus planos não havia nada de seguro, caminhava pela fé, com um
sorriso no rosto e olhos fixos em Deus. Contudo, a boa mão de Deus estava
com ele!
Nele encontramos um itinerário espiritual. São Francisco fez algo de
surpreendente numa sociedade que já não mais impressionava ninguém, ou
seja, ele retornou ao Evangelho da pobreza, da fraternidade e da paz. Em meio
a uma sociedade que parecia não ter mais futuro, ele ousou olhar para o
passado a fim de pavimentar o futuro e, na humanidade, privilegiar os mais
pobrezinhos dela.
Qual o sonho original de São Francisco? Uma fraternidade pobre, orante,
missionária, próxima dos pobres e, sobretudo, livre de qualquer vontade de
domínio. Por isso mesmo, ele se apresentava entre os pecadores como se fosse
mais um deles.
Tudo em São Francisco era doação. Ele existia para se partilhar. Era, de
fato, um homem tomado completamente por Deus. Sensível às dores sociais,
São Francisco ouvia Deus falar através dos gritos dos famintos e dos
oprimidos. Ao correr ao encontro das necessidades alheias, ele se identificava
com aqueles que a sociedade rejeitava. Na verdade, ele fazia o caminho
inverso daquele que a sociedade decidira seguir. Seus caminhos o levavam,
necessariamente, a questionar a insensatez de confiar no dinheiro e de colocar
a esperança de felicidade nos bens e nas coisas materiais. São Francisco tinha
consciência de que a sede de glória deveria ser subjugada e que, além disso,
dinheiro, poder e glória seriam sempre impedimentos para Deus entrar e
permanecer na vida das pessoas.
Se vivemos numa época em que acumular é sinal de status e de sucesso,
São Francisco deseja nos ensinar que status e sucesso nos fazem prisioneiros
tanto de um sistema quanto de nós mesmos, impedindo-nos de caminhar em
direção aos que não são e que não têm, a fim de construir a verdadeira
comunidade. Um grande desafio está lançado: sempre será necessário olhar
4
para São Francisco enquanto nossa sociedade continuar produzindo fome,
miséria, opressão e exclusão.
Este livro foi pensado para ser utilizado de forma diária. Nele você
encontrará trinta meditações para trilhar durante um mês. Você poderá utilizá-
lo como um livro devocional para ler, meditar e rezar antes de iniciar seu dia
repleto de atividades ou ainda para finalizá-lo. Oro para que São Francisco, o
pobrezinho de Jesus, tome você pelas mãos e o conduza por essa jornada. Que
esses dias façam diferença para você e que, ao final deles, você desfrute das
bênçãos de viver o discipulado em profundidade e em direção aos mais
pobrezinhos.
5
1º dia
INSPIRAÇÃO
Bem-aventurado o homem que suporta o seu próximo com suas fraquezas tanto
quanto quisera ser suportado por ele se estivesse na mesma situação.
6
Mensagem
São Francisco nasceu no coração de um período de grande
desenvolvimento do Ocidente medieval e em uma região fortemente marcada
por esse desenvolvimento. Era o ano de 1182, em plena idade do ouro dos
comerciantes. Ele era filho de um mercador itinerante de tecidos como seus
congêneres do século XIII. Seu pai se chamava Pedro Bernardone e sua mãe
Pica.
Em sua época, o aumento das transações econômicas favoreceu o
surgimento de uma nova classe social: os comerciantes. E, certamente, a
entrada de dinheiro na vida das pessoas iria revolucionar completamente a
Idade Média. O deus Mamon mostrava suas garras e dentes; o brilho do ouro
seduziria muito mais pessoas do que a luz que nascia no coração de Jesus. O
conceito de riqueza adquiria profundo valor e passava a diferenciar as pessoas.
O dinheiro passava a ser símbolo de riqueza. Se existia uma paixão
fundamental nesse período era o amor pelo dinheiro vivido noite e dia pelos
comerciantes. Nesse tipo de sociedade o dinheiro era considerado rei. Estamos
num mundo regido pelo dinheiro e pela cidade que via o número de
trabalhadores assalariados aumentar significativamente. São Francisco é, antes
de mais nada, um santo da Idade Média. Não podemos simplesmente situar o
santo nas altíssimas nuvens da santidade. Devemos situá-lo no tempo e no
espaço. Sem sombra de dúvida, santos têm raízes.
As pessoas, na época de São Francisco, eram cada vez mais valorizadas em
função da posse do dinheiro. Quanto mais dinheiro conseguiam acumular,
mais ficavam parecendo “gente”. Mas o que dizer daquelas pessoas que não
conseguiam acumular nada? Qual seria o destino delas? Para elas, a periferia
da vida e a morte eram destinos certos. Era uma época em que o ouro e a
prata, os novos símbolos da riqueza, impunham-se como o novo instrumento
de poder. E, bem sabemos, nos lugares onde reinam o ouro e a prata, a
fraternidade é completamente subjugada.
Viver com relevância a vida cristã é um dos maiores desafios que o
discípulo de Jesus possui. São Francisco conseguia ver o Evangelho com olhos
novos. Onde ele achou os “novos” olhos? A resposta é mais simples do que
possa parecer. Ao ler o Evangelho à luz das grandes questões do seu tempo,
ele aproximava o Evangelho das grandes e profundas aspirações do ser
humano. Hoje, talvez, poderíamos dizer que o discípulo de Jesus precisa ter a
Bíblia em uma mão e o jornal do dia na outra. Dessa forma, ele poderia ler a
vida através da Bíblia e a Bíblia através da vida e, dessa forma, viver a vida
cristã de forma relevante.
7
Oração
“Ensina-me, Jesus, a amar as pessoas. Que eu seja para elas, todas elas, fonte
de bênção e de carinho. Permita-me que a sua vida transborde de mim,
abundantemente, sobre elas”
8
2º dia
INSPIRAÇÃO
Onde o temor de Deus está guardando a casa, o inimigo não encontra porta para
entrar.
9
Mensagem
Deus falava a São Francisco de inúmeras maneiras e uma delas era através
da proclamação da Palavra. Certa vez, quando participava da missa na
Porciúncula, o padre leu o capítulo 10 do Evangelho de Mateus: “Vai, disse o
Salvador, e anuncia por toda parte que o Reino de Deus está próximo. [...] O
que recebeste gratuitamente, dá gratuitamente. Não carregue nem ouro nem
prata no teu cinto, nem saco para a estrada, nem duas túnicas, nem calçado,
nem bordão; porque o operário tem dignidade para manter-se por si. Em
qualquer cidade ou aldeia a que chegues, informa-te para saber quem é digno
de receber-te e permanece em casa dele até partires. Entrando na casa saúda
dizendo: Paz para esta morada”. Ao ouvir tão desafiadoras palavras um grito
parecia explodir em sua garganta: “Eis o que eu quero, é isso que procuro, isso
desejo fazer do fundo do coração”. Era o que Francisco mais desejava e
almejava. Seu coração batia mais aceleradamente diante da redescoberta da
mais genuína pureza evangélica.
Finalmente descobrira o que Deus desejava dele, ou seja, consertar a casa
de Deus, como o Crucificado já havia pedido a ele na capela de São Damião.
Porém, agora, sua mente e seu coração estavam iluminados e ele via
claramente que não era uma questão de mexer e remexer em pedrase, sim,
de voltar ao Evangelho da missão e da pobreza. Era necessário fazer e refazer
os mesmos passos de Jesus e, dito e feito, mais do que depressa, Francisco
lançou ao longe suas sandálias e seu bastão, ficou somente com uma túnica,
trocou seu cinturão de couro por um de corda tosca e se colocou a caminho.
Além disso, acrescentou à vestimenta um grande T, a letra tau, que significava
seu serviço aos pobres.
Estamos no terceiro ano da conversão de Francisco, provavelmente em 12
de outubro de 1208 ou 24 de fevereiro de 1209. Ele tinha 26 ou 27 anos. De
convertido ele passaria a missionário. Todavia, devemos entender que a
conversão de Francisco se estendeu por anos, apesar do caráter de iluminação
repentina e da brusca alteração que revestiu a sua vida. Trata-se de um
itinerário que foi construído através de muitos episódios. Sua conversão se
manifestou em primeiro lugar pela renúncia ao dinheiro e aos bens materiais.
Ele mesmo compreendia seu itinerário a Deus como um processo em que sua
vida passaria por um constante aperfeiçoamento. E nesse processo a presença
de Deus o deslumbrava. Estava ele totalmente tomado de Deus e, assim,
queria esvaziar-se para que pudesse, novamente, ser totalmente preenchido.
São Francisco é exemplo para cada um de nós de que a conversão não é
acontecimento de um único dia, mas sim a obra de toda uma vida. A
passagem de um mundo para outro se deu lentamente. Uma transição ao
mesmo tempo progressiva e harmoniosa sem, no entanto, deixar de ser
dolorosa. E, nessa experiência, São Francisco ia descobrindo que as grandes
certezas da vida somente podem ser encontradas em Deus.
No início de seu Testamento, São Francisco relata como o processo de
conversão o mudava por completo, dizendo: “O Senhor me deu, a mim, irmão
10
Francisco, a graça de começar a fazer penitência: quando ainda estava em
pecado, parecia-me muito amargo ver os leprosos, mas o próprio Senhor me
levou a estar com eles e eu usei de misericórdia: quando me afastei dali, aquilo
que antes me parecia amargo rapidamente se transformou em doçura de alma
e de corpo. Em seguida, esperei um pouco, e saí do mundo”. O contato com
Jesus sempre será transformador. Caminhar com Jesus transforma não
somente quem somos, mas, também, como nos relacionamos com as demais
pessoas e como vemos o mundo. Não é possível caminhar com Jesus e
permanecer do mesmo modo!
11
Oração
“Que o meu coração possa se converter, Jesus, diariamente ao Senhor. Desejo
renovar a cada dia meu compromisso de segui-lo e, seguindo-o, testemunhar o
seu amor e a sua misericórdia.”
12
3º dia
INSPIRAÇÃO
Bem-aventurado o servo que tanto ama e respeita o seu confrade quando está
longe como se estivesse perto e que não diz na ausência dele coisa alguma que não
possa dizer na sua presença sem lhe faltar à caridade.
13
Mensagem
Sabemos que o pai de São Francisco, Pedro Bernardone, era um dos mais
ricos e ambiciosos comerciantes de Assis (na Itália) e, além disso,
profundamente zeloso no que se referia aos bens conquistados e acumulados.
Além da casa em que vivia e de seu armazém, possuía uma série de
propriedades. As posses revelavam a prosperidade econômica, assim como a
influência do pai de São Francisco na pequena vila em que moravam.
Certa vez, São Francisco tomou uma atitude que poderia ser vista como
provocadora aos olhos de seu zeloso pai. Comovido com a deterioração da
capela de São Damião e percebendo que o padre não tinha a mínima condição
de reformá-la, São Francisco juntou uma certa quantidade de tecidos que
pegou na casa de seu pai, ajeitou-se num cavalo e foi até Foligno vender tanto
os tecidos quanto o cavalo. Tendo sucesso na venda, retornou a pé para Assis e
entregou a totalidade dos recursos conquistados ao padre.
No entanto, seu pai ficou sobremodo furioso com o desaparecimento da
mercadoria e mandou procurá-lo. São Francisco, temeroso, se escondeu numa
adega sob a proteção de um amigo que o alimentava. Passado certo tempo, ele
resolveu assumir o que fizera. Encontrava-se magro pelas privações e acusou-
se publicamente de preguiça e ociosidade. As pessoas vendo essa mudança
começaram a zombar dele e o trataram como louco, jogando-lhe pedras e
lama. Seu pai, vendo o que acontecia, o levou para casa e o acorrentou ali.
Dias depois, o coração compadecido de sua mãe o livraria das correntes.
No entanto, Pedro Bernardone não se deu por vencido. Queria a completa
restituição, reparação e compensação da desonra moral e financeira que tivera.
E, em sua busca quase insana de restauração, instaurou um processo público
contra seu filho numa manhã fria de março. O momento humilhante do
julgamento se aproximava. Na praça de Santa Maria Maggiore, se encontrava
uma grande multidão e, nela, a mãe de Francisco, dona Pica, permanecia
afastada e discreta.
Diante do bispo Guido, que presidiria o julgamento, encontravam-se pai e
filho. Diante da insistência e intransigência de Pedro, o bispo se dirigiu a São
Francisco dizendo calmamente: “Teu pai está zangado e extremamente
escandalizado. Se queres servir a Deus, restitui o dinheiro que tens, pois Deus
não quer que utilizes na Igreja uma soma conseguida de maneira injusta. A ira
de teu pai somente diminuirá ao receber de volta o dinheiro. Meu filho, tem
confiança e age com coragem. Não temas, pois Ele te ajudará e fornecerá em
abundância tudo o que for necessário para a obra de Sua Igreja”.
Ninguém poderia esperar a cena que se seguiu. Calma e serenamente, São
Francisco disso ao bispo: “Meu senhor, com satisfação devolverei a meu pai
não apenas o dinheiro obtido com o que lhe pertencia, mas também até
minhas roupas”. Saiu por um instante e, após breve momento, reapareceu
completamente nu, colocou-se diante do bispo entregando-lhe as roupas bem
como uma bolsa com dinheiro. Diante de uma multidão atônita, acrescentou:
14
“Ouçam todos e compreendam bem. Até hoje chamei Pedro Bernardone de
meu pai. Mas como me proponho agora a servir a Deus, restituo a ele o
dinheiro que lhe causou tanta preocupação e também as roupas que são dele,
e apenas quero de hoje em diante dizer ‘Pai Nosso, que estais no céu’, e não
‘Meu pai, Pedro Bernardone’”.
Nu e despojado de qualquer orgulho, o bispo se aproximou dele e o cobriu
com seu manto. Todos presenciavam um ato solene que marcava a ruptura
com sua vida anterior e que o tornava livre para confiar somente na
providência divina. A partir desse dia seus pais – Pedro Bernardone e Pica –
desapareceram completamente dos relatos sobre a vida de São Francisco.
15
Oração
“Meu Deus, faz de mim um instrumento do seu amor. Afasta de mim qualquer
possibilidade de instalar o ódio ou seu irmão gêmeo, o rancor, em meu
coração.
Cria em mim, ó Deus, um coração puro.”
16
4º dia
INSPIRAÇÃO
Onde há misericórdia e prudência, não há prodigalidade nem dureza de coração.
17
Mensagem
Continuar sempre da mesma forma e fazendo a mesma coisa ano após ano
indica, provavelmente, o comportamento de alguém que deseja viver sempre e
cada vez mais numa zona de conforto. Não tenho dúvidas: ninguém jamais
poderá permanecer do mesmo jeito após encontrar Jesus. Nesse sentido, São
Francisco, ao encontrar Jesus, encontrou a si mesmo. Ele fez tanto um
itinerário para Deus quanto um itinerário para o interior de si. Mais ainda, fez
também um terceiro e fundamental itinerário ao caminhar em direção aos
mais pobres.
Transformações, de fato, atingiram fortemente e sacudiram tanto a
sociedade quanto a religião na época de São Francisco. E, por mais que as
transformações tenham sido intensas, nenhuma foi maior do que a
transformação que o próprio São Francisco experimentou. Quando o outono
de 1209 chegou, ele e seus companheiros estavam próximo do hospital de
leprosos de São Lázaro. Aproveitando a oportunidade, ele disse aos seus
amigos fraternos: “É mais fácil chegar ao céu vindo de uma choupana do que
de um palácio”.
Descobriu São Francisco, nesses itinerários, um novo rosto de Deus.
Desfaziam-se para ele as imagens de Deus ligadas ao poder, à dominação, à
exterioridade e àdistância. Apresentava-se agora e em sua própria experiência
um Deus presente na história das pessoas e que com elas caminhava. Nesse
novo jeito de ver e de vivenciar a face de Deus, havia o despojamento de
qualquer sinal de poder e, ainda mais, a presença de um Deus ligado à mais
fraca e menor dentre as pessoas.
Conhecer a Deus de uma maneira renovada fez com que São Francisco
olhasse para as demais pessoas também de uma maneira renovada. Ele
reconheceu Deus na vida das outras pessoas; ele encontrou Deus caminhando
em direção aos outros; ele experimentou Deus vivendo e convivendo com os
pequeninos. Para ele, conhecer Deus conduzia necessariamente à
transformação das relações humanas. Abrir-se para Deus era, para ele, fundar
uma vida que permitisse se abrir para a criação de uma fraternidade
completamente aberta para incluir todos os outros.
Muito possivelmente, São Francisco viveu a intensidade das novas
descobertas quando contemplou Cristo na cruz enquanto se encontrava na
capela de São Damião. Ali, por horas, diante do crucificado, viu os crucificados
de todos os tempos na história. A humanidade de Deus se revelava no
crucificado. Numa simples capela ele encontrou a melhor das mensagens:
encontrou-se com Deus. Porém, não o Deus dos privilegiados e dos ricos
mercadores. Encontrou-se, por incrível que pareça, com um Deus que não se
relacionava com o dinheiro, o poder ou a dominação. Um Deus, na verdade,
distante da trindade do mal que corrompe o coração das pessoas e que mata
tanto o presente quanto o futuro da maioria. Para São Francisco, a riqueza
traria inevitavelmente o poder, e a presença do poder diluiria a presença do
Evangelho.
18
Algo de espetacular aconteceu quando São Francisco contemplou o Cristo
crucificado: quem se dirigiu a um homem fustigado pela decepção, sem futuro
e ausente de si próprio era, nada mais, do que Jesus rejeitado e abandonado. A
experiência na igrejinha de São Damião iluminou São Francisco por dentro. Da
escuridão em que vivia ele passaria a ser um farol a iluminar caminhos. Ele
fora tocado pela imagem concreta de Jesus pobre e humilde e, tocado, sua vida
adquiriria um sentido que jamais havia existido e que não sabia que poderia
existir. No crucificado, refletia ele, os pequeninos haveriam de se reconhecer.
Algum tempo mais tarde, São Francisco escreveu uma oração diante do
crucifixo para celebrar aquele dia: “Supremo e glorioso Deus, ilumina as trevas
do meu coração e dá-me verdadeira fé, esperança segura e perfeita caridade,
sentido e conhecimento, Senhor – para que eu possa executar tua vontade
sagrada e verdadeira”.
19
Oração
“Ilumina, meu Deus, minha vida para que caminhe nos passos de Jesus Cristo.
Ajuda-me a encontrá-lo nos caminhos que me levam aos mais pobres,
humildes e vulneráveis do seu povo.”
20
5º dia
INSPIRAÇÃO
Bem-aventurado o servo que, sendo louvado e exaltado pelos homens, não se
considera melhor do que quando é tido por insignificante, simplório e desprezível.
Porque o homem vale o que é diante de Deus e nada mais.
21
Mensagem
As tensões da sociedade em que São Francisco vivia possivelmente eram
acompanhadas pelas tensões em seu próprio coração. Imaginemos, por um
instante, a quantidade de decisões que ele precisou tomar ao longo de sua vida
e as muitas pressões por ele experimentadas.
Duas das grandes e mais expressivas questões que incomodavam São
Francisco eram o poder e o dinheiro. A paixão pelo dinheiro e pelo poder
criava novas desigualdades e opressões em sua época; o espírito da ganância
se fazia presente e a miséria mostrava sua pavorosa face. É, todavia, nesse
ambiente, que produzia riqueza para alguns e pobreza para todos os outros,
que o Evangelho se revelava a São Francisco mostrando o caminho para se
construir uma autêntica fraternidade.
Mas nunca é demais lembrar que São Francisco é filho de sua época e de
um pai que procurava construir o futuro de seu filho conforme seu próprio
interesse. Assim, o destino de São Francisco já estava definido por seu pai
mesmo antes de ele nascer. Ele estava sendo treinado para ser bem-sucedido
na mesma sociedade em que seu pai havia conseguido sucesso. E, seguindo
uma cartilha da qual até aquele momento não conseguia escapar, aos treze
anos ingressou na corporação dos comerciantes para seguir os mesmos passos
de seu orgulhoso pai. Até aproximadamente os vinte anos, a história de vida
de São Francisco era escrita por outros e, por conta disso, não tinha a mínima
ideia do que faria de sua vida. Aos 22 anos ele não encontrava nada que
considerasse importante e começava a se considerar inútil.
Jamais Pedro Bernardone poderia imaginar a reviravolta que estava por
acontecer. O filho do rico comerciante, com todos os sonhos e idealizações
construídos por seu pai, virava as costas ao domínio do dinheiro e à paixão
pelo poder e decidia seguir um outro projeto de vida: o projeto do Cristo
humilde e pobre. Se os sonhos de seu pai haviam sido forjados no fogo da
ganância e da exclusão e, por isso, refletiam as aspirações da rica burguesia
das comunas, ávidas por honras e poder, os sonhos de São Francisco haviam
sido gestados no coração de Deus.
A fé se apresentava como de suprema importância para enfrentar a
crueldade da realidade diária do tempo vivido por São Francisco e por
centenas de pobres que se multiplicavam. Francisco via tudo isso como um
mundo fechado e que não tinha lugar para todos. Era necessário romper
absolutamente com esse velho mundo e se abrir para um mundo onde
coubessem todos. A palavra fundamental para esse desejo era inclusão e não
exclusão.
Possivelmente seu pai já havia sido dominado pelo espírito do deus Mamon.
Parecia para ele que a religião de seu pai já estava muito bem definida. Estava
ele tomado pelo espírito da avareza. Encarnava, na realidade, o pensamento
do mundo, amoldava-se aos desejos do mundo; adorava ao monstro chamado
dinheiro.
22
A fim de se tornar plenamente humano, São Francisco precisava seguir os
passos do Crucificado.
23
Oração
“Renova, Deus Todo-Poderoso, a minha vida. Faz de mim uma nova criatura.
Que as coisas velhas fiquem para trás e que tudo se faça novo.”
24
6º dia
INSPIRAÇÃO
Onde há caridade e sabedoria, não há medo nem ignorância.
25
Mensagem
Num dos muitos momentos de seu Testamento, São Francisco escreveu: “E
eu trabalhava com as minhas mãos, e quero trabalhar; e quero firmemente
para todos os outros irmãos que trabalhem um trabalho que tenha a ver com a
honestidade. Aqueles que não sabem, aprendam, não por causa do desejo de
receber o preço do trabalho, mas por causa do exemplo e para afastar a
ociosidade. Eis o meio de reconhecer se o servo de Deus tem o Espírito do
Senhor. Se Deus por meio dele operar alguma boa obra, e ele não o atribuir a
si, pois o seu próprio eu é sempre inimigo de todo bem, mas antes considerar
como ele próprio é insignificante e se julgar menor que todos os outros
homens. Não vim para ser servido, mas para servir, diz o Senhor. Os que são
constituídos sobre os outros não se vangloriem dessa superioridade mais do
que se estivessem encarregados de lavar os pés aos irmãos. E se a privação do
cargo superior os perturba mais que a privação do encargo de lavar os pés,
amontoam para si tanto mais riquezas com perigo para sua alma”.
A percepção de São Francisco se baseava no fato de que quando temos
consciência de que Deus se eleva sobre os homens, ali já não poderia existir
dominadores nem dominados, não haveria espaço para qualquer tipo de
exclusão. Dizia a seus companheiros com forte convicção: “Devemos ter
cuidado para não nos enraivecermos com os pecados de outrem, pois a ira e a
perturbação impedem a caridade em nós mesmos e nos demais”.
É justamente semelhante percepção que conduzirá à designação do
movimento iniciado por São Francisco, ou seja, os Frades Menores,
posteriormente oficializado como Ordem dos Frades Menores. “Irmãos
menores”, para São Francisco, indicava, acima de tudo, que eles eram simples
e súditos de todos. A indicação era muito clara para que todos entendessemmuito bem: não deveria existir estrutura de poder nem busca de liderança
dentro ou fora da fraternidade. A soberba pelo poder enlouquece a mente e o
coração do ser humano. Faz com que ele se pense superior e melhor do que
todos os outros. Olha para os demais com superioridade, com olhares que
intimidam e humilham todos aqueles considerados inferiores. A presença do
Espírito, necessariamente, para São Francisco, indicaria a inclinação para o
serviço. Onde há plenitude do Espírito Santo, a arrogância se desfaz e a
humildade reina em forma de serviço.
Uma das palavras que São Francisco mais gostava e aplicava a si mesmo e a
seus irmãos era a palavra “servo, servidor” que, nesse caso, designava os
aprendizes nos trabalhos. Seguindo essa mesma perspectiva podemos
compreender os cinco elementos essenciais que deveriam organizar a
fraternidade: pobreza estrita, exercício da autoridade em forma de serviço,
obediência visando o bem da comunidade, espírito democrático e trabalho
realizado com honestidade.
26
Oração
“Aquilo que não perdoamos completamente, faz-nos, Senhor, perdoar
completamente; que possamos verdadeiramente amar nossos inimigos por tua
causa, e possamos fervorosamente interceder por eles perante ti, sem pagar o
mal com o mal e esforçando-nos por ajudar a todos em ti.”
27
7º dia
INSPIRAÇÃO
Peca o homem que exige do seu semelhante mais do que ele mesmo daria ao
senhor seu Deus.
28
Mensagem
Pode-se dizer que São Francisco se sentia cotidianamente invadido pelo
amor de Deus. Um amor que o levava a romper com sua zona de conforto e a
caminhar em direção aos necessitados de todos os tipos. Ele percebia
claramente que a nova sociedade que estava em formação gerava ricos
comerciantes com suas muitas promessas, mas, ao mesmo tempo, escondia
muitas misérias. Quanto mais São Francisco buscava a Deus, muito mais
aumentava sua sensibilidade para com aqueles que viviam na miséria. Assim,
sensivelmente tocado por Deus, ele se aproximava com compaixão daqueles
que viviam nas periferias tanto sociais quanto existenciais. Aqueles que eram
em tudo repudiados e ignorados pela sociedade se tornavam os irmãos
prediletos de Francisco: os que tinham lepra, os que passavam fome, os que
não tinham casa... Havia nele uma forte disposição a permanecer na
companhia deles justamente porque eram rejeitados. Neles se encontrava o
Evangelho original e, para São Francisco, cuidar deles era o mesmo que cuidar
do Cristo solitário, moribundo e nu.
Não há nada fácil na vida; e muito menos na vida de São Francisco. Mudar
o que somos e o que pensamos jamais é fácil. Mudar exige uma decisão de
dentro para fora. Uma boa parte da vida de São Francisco foi vivida muito
longe das dores sociais. Ele havia sido treinado para ser como seu pai e, como
um jovem do seu tempo, refletia também a vontade de se engrandecer e de
dominar aos demais. Seus olhos, portanto, não haviam sido treinados e muito
menos acostumados a ver a miséria da vida. Por isso, é necessário pensar que
São Francisco precisou se reconstruir ou, ainda, se reinventar.
Um exemplo, contado por ele mesmo, nos dá certa noção das mudanças
que ocorreram nele e é emblemático: ele não suportava ver um leproso e, mais
do que imediatamente, fechava o nariz para não ser incomodado pelos cheiros
angustiantes e agressivos que eram emanados mesmo a distância. Ele mesmo
observava: “Quando estava no pecado, a simples visão dos leprosos me
parecia insuportável; porém, o próprio Senhor me conduziu para junto deles e
cuidei deles com compaixão. E, quando os deixava, o que me havia parecido
amargo havia se transformado em doçura, tanto para o espírito quanto para o
corpo”.
Possivelmente Francisco se recordava de Jesus que, movido por
misericórdia, estendia a mão e tocava os leprosos. Uma situação que deve ter
chocado duplamente a todos aqueles que assistiam a cena: chocados por Jesus
tocar um impuro e duplamente chocados por constatarem a cura.
Certa vez ouviu Deus que lhe falava de forma cristalina: “Querido Francisco,
se queres descobrir minha vontade, tens de desprezar tudo o que amaste até
agora e amar tudo o que desprezaste. Quando começares a fazer isso, verás
como as coisas amargas vão se tornar doces como o mel, e as que até agora te
agradaram vão parecer insípidas e desagradáveis”.
A vida adquiria um novo sabor para São Francisco!
29
Oração
“Glorioso e grande Deus, meu Senhor Jesus Cristo! Tu que és a luz do mundo,
põe claridade, eu te suplico, nos abismos escuros do meu espírito. Dá-me três
presentes: a fé, firme como uma espada; a esperança, larga como o mundo; o
amor, profundo como o mar.”
30
8º dia
INSPIRAÇÃO
Mas numa coisa só podemos gloriar-nos: de nossas fraquezas, e carregando dia a
dia a santa cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.
31
Mensagem
Foi numa pequena igreja que São Francisco fez a mais radical e a mais
difícil das conversões: esvaziou-se de si mesmo para se encher de Deus e
dedicar sua vida a Ele. Ao contemplar Deus e sentir seu coração arder de amor,
nasceu nele o desejo de participar na e da história de Jesus, tanto em sua
humildade quanto em sua pobreza, renunciando ao desejo insano de estar por
cima das pessoas e querendo se tornar não apenas um deles, mas o menor de
todos: seu irmão. E, afinal, se todos são irmãos já não haveria necessidade de
maiores nem menores. O que existiria seria, de fato, a mais genuína
fraternidade e comunhão entre iguais.
O chamado à conversão é um projeto em desenvolvimento que implica em
uma decisão de se comprometer integralmente com Deus. Exige, na verdade,
entregar a totalidade da vida e da segurança pessoal a Deus e, para além disso,
depositar o futuro nas mãos de Deus. Jamais saímos da presença de Deus da
mesma maneira. Quando pensamos em conversão, é necessário pensarmos no
amor incondicional de Deus, que nos convida a viver a novidade de vida no
mundo em que vivemos. Nesse caso, conversão exige sair de si mesmo,
romper com toda forma de egoísmo e, até mesmo, nos libertarmos da idolatria
de nós mesmos.
Nos ouvidos de São Francisco reverberava a voz de Deus: “Francisco, não
vês que minha casa está sendo destruída? Vai, portanto, e conserta-a para
mim”. Não havia dúvida de que era um chamado para o serviço. Mas para qual
serviço? Durante algum tempo ele passou literalmente restaurando igrejas
arruinadas, pensando que cumpria cabalmente a missão requerida por Deus.
Todavia, na pobreza e no convívio com os miseráveis, entre aqueles que
viviam sem amor e carinho e eram por todos indesejados, é que São Francisco
finalmente compreendeu que naquela instrução havia um significado muito
mais profundo: cuidando dos rejeitados do mundo e abrindo-se a eles, estaria
realmente executando a reforma tanto requerida pelo Cristo crucificado.
São Francisco descobrira, finalmente, que a verdadeira honra não se
encontrava na companhia dos mais fortes, dos mais ricos, dos mais ilustres,
dos mais bem vestidos, mas entre os mais fracos que se encontravam
marginalizados, desprezados e jogados para morrer nas periferias. Brotava no
coração dele um rio de compaixão e de misericórdia para com os pobrezinhos.
Parecia até mesmo que São Francisco escutava o conselho do profeta
Miqueias: “Ó homem, já foi explicado o que é bom e o que Javé exige de você:
praticar o direito, amar a misericórdia, caminhar humildemente com o seu
Deus” (Mq 6,8).
32
Oração
“Meu querido Senhor, peço-te ainda um favor: que todas as manhãs, ao raiar
da aurora, amanheça como um sol diante de minha vista a tua santíssima
vontade para que eu caminhe sempre em tua luz. E tem piedade de mim,
Jesus.”
33
9º dia
INSPIRAÇÃO
Onde há paciência e humildade, não há ira nem perturbação.
34
Mensagem
A humildade marcava o cotidiano de São Francisco. Certa vez, um
trabalhador do campo viu São Francisco atravessar à sua frente montado num
burrinho. Sem mais, o camponês se dirigiu a ele exortando a não decepcionar
a confiança que muitos punham nele e a ser tão bom quanto se dizia que ele
era. Sem hesitar, Francisco desceu do burrinho, beijou os pésdo camponês e
agradeceu a ele por sua lição de vida.
Após alguns anos de caminhada com seus amigos fraternos, quando liam a
Regra, São Francisco ouviu a seguinte expressão: “que sejam menores, os mais
pequeninos”. Nesse momento, ele interrompeu a leitura e disse firme e
claramente: “Quero que nossa fraternidade se chame a Ordem dos Irmãos
Menores”. A explicação que posteriormente ele deu fala por si mesma: “Meus
irmãos, vocês receberam o nome de menores para que não aspirem jamais a
se tornar grandes, a se levantar por cima dos demais. Sua vocação é
permanecer abaixo e seguir as pegadas da humildade de Cristo”. Menores,
tanto ontem quanto hoje, significa a multidão de pessoas sem importância, que
não desfruta de nenhum poder na nova sociedade e que, frequentemente,
sofre o desprezo e a insegurança.
Assim, São Francisco podia dizer ao orientar seus irmãos: “Os irmãos
devem se alegrar quando se encontram na companhia de gente de baixa
condição, quando estão com os desprezados, os pobres, os enfermos, os
leprosos e os mendigos das ruas”. Ele mostrava de maneira inequívoca que
existia uma cumplicidade entre o Evangelho e o mundo dos pobres. Relação
que muitos, ainda hoje, têm dificuldade em fazer.
Sem dúvida, São Francisco era um homem de muitas faces e de surpresas
inimagináveis. Passados vários anos desde a formação de sua fraternidade,
surgia a necessidade e também a pressão de dotar a Ordem de regras mais
rígidas que não comprometessem a vocação original do movimento. Era
preciso, pois, governar. Mas como governar se esse não era considerado pelo
próprio São Francisco seu carisma? Seguindo sua intuição, sua vocação e sua
dependência de Deus, ele surpreendentemente pronunciou diante dos irmãos
numa das reuniões: “A partir de agora morri para vocês. Porém, apresento o
irmão Pedro de Catana, a quem, todos obedeceremos, vocês e eu”. Pedro era
de confiança total e, dessa forma, São Francisco poderia se dedicar a escrever
uma nova redação da Regra. No entanto, Pedro faleceu pouco depois, abrindo
espaço para a liderança de Elias, que estava sob a proteção e as bênçãos do
cardeal Hugolino.
Até hoje deveríamos abrir nossas mentes e nossos corações para o
ensinamento de São Francisco: “No amor que é de Deus, suplico a todos os
meus irmãos, aos que pregam, aos que rezam, aos que realizam trabalho
manual, clérigos ou leigos, que se esforcem para ser humildes em tudo, que
não se vangloriem, se regozijem ou se orgulhem interiormente das boas
palavras ou das boas ações [...]. Devolvamos ao Senhor Deus Altíssimo e
soberano todos os bens; reconheçamos que todos os bens pertencem a Ele
35
[...]. Todo bem é dele, do único que é bom”.
O lugar conhecido como o berço do movimento de São Francisco reitera seu
compromisso com a humildade. A porciúncula, ou porçãozinha de terra que foi
emprestada de forma permanente a ele, não rivalizava com as catedrais
conhecidas. Tudo se resumia a uma capela, uma cabana para reuniões e outra
com pequenos espaços para dormir; as refeições eram feitas no chão, para
dormir se serviam de sacos de palha e o telhado era feito de barro e folhas, no
meio de uma floresta.
36
Oração
“Meu Deus, não tenho nada para te oferecer. Mas tudo o que tenho coloco
diante do teu altar: a minha vida!”
37
10º dia
INSPIRAÇÃO
E se por esse motivo tiver de suportar perseguições da parte de alguém, que então
o ame ainda mais por amor de Deus.
38
Mensagem
Quem visse e ouvisse São Francisco pensaria que ele tinha enlouquecido.
Entre ele e o mundo que respirava dinheiro havia acontecido uma grande
ruptura. Havia saído da casa do bispo vestido apenas com um hábito
improvisado. Estava literalmente esvaziado de qualquer proteção possível: sem
família, sem casa, sem bens, sem dinheiro, sem herança que comprometiam
seu presente e, certamente, negavam-lhe o futuro. Todavia, jamais ele se
sentira tão livre quanto agora. Estava livre e feliz como se correntes tivessem
sido retiradas de seus pés.
Ao fazer seu novo caminho, seus pensamentos estavam sempre cativos ao
Crucificado. Por isso aceitava as humilhações com paciência e integridade.
Afinal, não foram poucas as vezes em que as pessoas caçoavam dele e que
seus antigos amigos pensavam que ele havia enlouquecido quando mendigava
comida de porta em porta pelas ruas de Assis. Dependia absolutamente da
misericórdia de Deus para cada momento. Não era raro encontrá-lo ajoelhado
e com os braços abertos, consagrando-se a si mesmo e se oferecendo inteira e
gratuitamente a Deus, como se estivesse imitando o Cristo crucificado.
Para ele não havia mais dúvidas: os pobres eram a herança de Deus e Deus
era a herança dos pobres. A partir de agora seus passos seriam dados nas
mesmas pegadas do Crucificado.
Na pobreza, São Francisco encontrava a completa dependência de Deus.
Vivia ele a experiência mais profunda da gratuidade, ou seja, não tendo e
merecendo nada, recebia tudo. Tudo era graça que se manifestava de maneira
superabundante. Sabia que não tinha direito a nada e, justamente por causa
disso, se colocava humildemente aos pés de todos, como o menor de todos.
São Francisco não vivia preso aos rudimentos do mundo. Sabia-se livre, não
porque tinha forças, mas porque fora atingido por porção redobrada da graça
irresistível de Deus. Não havia se libertado, mas, sim, fora libertado pela
graciosidade de Deus.
Era um exemplo vivo de como a Igreja deveria existir e fazer sua missão.
39
Oração
“Nada me faz falta. Já conheço a Cristo. Pobre e Crucificado. E isso me basta.”
40
11º dia
INSPIRAÇÃO
Onde a pobreza se une à alegria, não há cobiça nem avareza.
41
Mensagem
Houve um momento na história da Igreja em que ela perdeu o resplendor
evangélico. A Igreja havia se tornado rica e poderosa para acolher aqueles que
com ela seriam os mais parecidos, ou seja, pessoas ricas e poderosas. O povo
simples da cidade e do campo se sentia como se fossem estrangeiros em sua
própria Igreja, cujos pastores se apresentavam e se comportavam como se
fossem “senhores” e não “pastores”. Uma época em que os pastores haviam
perdido o cheiro das ovelhas! Um tempo de pessoas religiosas que se
consideravam tão perto de Deus, conquanto estivessem bem longe do povo!
Na época de São Francisco a Igreja havia se tornado pesada e,
consequentemente, já não podia mais caminhar com facilidade, rapidez e
alegria. E São Francisco vai, justamente, redescobrir a alegria da missão de
uma Igreja que sai ao encontro das pessoas; uma alegria que nascia da
comunhão com aqueles que viviam na periferia. Enfim, uma Igreja leve!
A palavra de ordem de São Francisco podia ser traduzida como pobreza
com alegria e a fonte dessa alegria era permanentemente divina. Tratava-se de
uma experiência transcendente, um sinal da graça, efeito do Espírito Santo,
que nasceu da descoberta do Evangelho e da pobreza. Ele propunha a imagem
alegre e sorridente daquele que sabe que Deus é fonte abundante de alegria
numa sociedade banhada em lágrimas. Se naquele momento o modelo
monástico fazia do monge um especialista em lágrimas, encontramos
abundantes textos que mostram um São Francisco com o rosto marcado e
contagiado pela alegria.
Mas São Francisco e seus amigos falavam também pelo exemplo e, por isso,
quando falavam em público, eram sempre alegres e positivos, afastando,
assim, toda forma de sombra e de pessimismo. Certo dia, interpelado pelo
bispo de Assis sobre a indigência dos irmãos de sua comunidade, respondeu
com doçura: “Se tivéssemos posses, necessitaríamos de armas para nos
defender. Pois da riqueza é de onde provêm as discussões e as lutas, ela é
quem cria tantos obstáculos ao amor de Deus e do próximo. Assim, não
queremos possuir neste mundo nenhum bem temporal”.
A única riqueza de São Francisco se encontrava em Deus, e tão rico tesouro
estava guardado nele, um frágil vaso de barro, que se enriqueceria para ser
fonte de benção para todas as pessoas.
42
Oração
“Quem és Tu, meu amado Deus, e que sou eu, a não ser teu inútil servo?”
43
12º dia
INSPIRAÇÃO
Como apareceu aos santos apóstolos emverdadeira carne, também a nós se nos
mostra hoje no pão sagrado.
44
Mensagem
A paz era a maior e mais fundamental mensagem de São Francisco. E,
nesse sentido, evangelizar era, antes de mais nada, anunciar a paz. Somente
através da paz seria possível reconciliar as pessoas com Deus e reconciliar as
pessoas entre si. A paz se apresentava como um instrumento que libertaria as
pessoas da escravidão ao transformar as relações pessoais.
Havia em São Francisco uma sincera preocupação em instaurar uma
fraternidade autêntica. Um testemunho singelo mostra com todas as cores o
que parecia essencial a ele: “Vi Francisco pregar na praça [...]. Durante todo
seu discurso falou da necessidade de colocar fim aos ódios e de iniciar um
novo tratado de paz. Ele usava um hábito miserável; seu rosto não era belo.
Porém, Deus conferiu tanto poder a suas palavras que devolveram paz a
muitas famílias senhoriais, separadas até o momento por antigos ódios e até
assassinatos”. O testemunho de Tomás de Spalato revela o Evangelho da vida
proferido por São Francisco: as relações pessoais. De acordo com esse
testemunho não há a mínima possibilidade de renovação evangélica se a
renovação das relações humanas não acontecer.
Muros do ódio, da indiferença, da violência, da humilhação precisam ser
derrubados e, não, solidificados. Pelos frutos os conhecereis, disse Jesus, a
respeito dos seus discípulos. São Francisco e seus amigos estavam dentro
dessa tradição evangélica, isto é, eram conhecidos pelos frutos tanto de seu
trabalho quanto pela serenidade espiritual que evidenciavam em suas palavras
e gestos com todos os que encontravam pelo caminho.
Novas relações precisavam ser estabelecidas no interior do próprio grupo. A
comunidade de São Francisco não poderia reproduzir as mesmas
características dos feudos conhecidos. Assim, a nova comunidade proposta por
ele deveria recusar qualquer dominação e, inclusive, qualquer preferência nas
relações entre seus membros. Todos são irmãos por igual. E,
consequentemente, todos e cada um se sentem solidários e responsáveis pela
vida da comunidade e de sua missão no mundo. Não há espaço para projetos
pessoais e desvinculados dos interesses comunitários.
Dizia São Francisco: “Quando meus irmãos forem pelo mundo, aconselho-
os [...] que evitem as brigas e as discussões, que não julguem as outras
pessoas, que sejam amáveis, que irradiem paz, que sejam doces e humildes,
usem de deferência e de cortesia em todas as suas conversas. Quando
entrarem em uma casa, digam: ‘Paz para esta casa’”.
Paz, para São Francisco, era uma questão de urgência. Numa sociedade
marcada por conflitos tanto sociais quanto interpessoais, o fiel que vivia uma
experiência íntima da paz de Deus seria capaz, não somente de viver em paz,
mas, também, de ser promotor da paz. Diante de uma sociedade violenta a
proclamação da paz se fazia essencial. Porém, compreendamos que a paz não
pode significar apenas ausência de conflito. Muito mais do que a ausência de
algo, a paz se apresentaria como o resultado da melhor relação com Deus e
45
com o próximo.
46
Oração
“Meu Jesus, sofreste por mim porque me amaste, e me amaste porque sofreste
por mim. Amaste-me gratuitamente. Não sofreste para me redimir, mas para
me amar e por me amar. Não tens outras razões a não ser as do amor.”
47
13º dia
INSPIRAÇÃO
Onde há paz e meditação, não há nervosismo nem dissipação.
48
Mensagem
São Francisco foi, sem dúvida, um modelo de um tipo novo de santidade.
Estava totalmente centrado em Cristo a ponto de se identificar com ele como o
primeiro homem a receber os estigmas. Dizia assim: “Somos irmãos de Cristo,
quando fazemos a vontade do Pai que está nos céus” (Mt 12,50); e somos
mães quando o levamos em nosso coração e em nosso corpo” (cf. 1Cor 6,20).
A partir de São Francisco podemos pensar numa santidade feita nos
espaços públicos e sem a necessidade de nos afastarmos deste mundo. Ser
cristãos em meio às encruzilhas da vida e missionários de Deus em meio a um
mundo desigual. Muitos cristãos vivem, porque foram ensinados a viver uma
cultura religiosa de negação do mundo. Jamais encontramos algo parecido na
Palavra de Deus. Contrariamente, somos chamados a ser sal e luz, isto é,
salgar e iluminar somente faz sentido quando assumimos nossa missão de
discípulos e missionários de Jesus inseridos na sociedade.
São Francisco foi um santo de um novo gênero. Nele, a santidade se
manifestava menos por milagres – mesmo que fossem numerosos – e mais
pela vida totalmente exemplar. A novidade de seu estilo de vida e de seu
apostolado abalaram seus contemporâneos. Nele o mundo conheceu um
reerguimento inesperado e uma renovação da santidade. A semente da antiga
religião renovou um mundo e um povo que se encontravam envelhecidos: “Eis
que tudo se fez novo”.
A vida de São Francisco ajuda-nos a compreender que a busca pela
santidade não exige que uma pessoa negue sua humanidade. Contrariamente,
a santidade poderia ser considerada a realização daquilo que é autenticamente
humano. Jamais negar o que é profundamente humano talvez seja um dos
primeiros passos para se alcançar a santidade. Em São Francisco estamos
diante de uma santidade que se apresenta como um processo, isto é, um
processo que dura a vida inteira.
Jamais São Francisco quis apresentar uma pintura irreal da Igreja. Bem
sabia ele que não é possível sonhar com uma Igreja de pessoas puras e santas.
O desafio essencial é o de aceitar viver com irmãos e irmãs que são diferentes
e, reparem bem, como se fossem irmãos. Não vivemos no paraíso onde
somente encontramos aqueles que são perfeitamente justos, belos e puros. O
Reino vai se construindo também e, principalmente, com os coxos, os impuros
e os pecadores.
Quando a luz brilha dentro da comunidade, ela certamente brilhará e
iluminará todos aqueles que vivem fora.
49
Oração
“O Senhor sorri nas flores, murmura na brisa, pergunta no vento, responde na
tempestade, canta nos rios [...]. Todas as criaturas falam de Deus, quando o
coração está cheio de Deus.”
50
14º dia
INSPIRAÇÃO
Bem-aventurados os pacíficos porque eles serão chamados filhos de Deus (Mt 5,9).
São verdadeiramente pacíficos os que, no meio de tudo quanto padecem neste
mundo, se conservam em paz, interior e exteriormente, por amor de Nosso Senhor
Jesus Cristo.
51
Mensagem
Houve horas sombrias na vida de São Francisco. Às vezes poderíamos
pensar, equivocadamente, que a vida dele transcorreu sem incidentes, tensões,
sofrimentos e decepções. Pode-se dizer que São Francisco singrou por mares
turbulentos e que ondas vorazes batiam violentamente contra o costado do
navio querendo derrubá-lo. No entanto, nele percebemos que o sofrimento não
podia ser considerado a experiência final.
Qual seria seu segredo para atravessar os mares revoltos da vida com a
serenidade estampada em sua face? Pode-se dizer que o coração de São
Francisco era completamente tomado por um sentimento de confiança em
Deus que estava sempre em processo de amadurecimento. Confiança num
Deus que ele havia experimentado como amor e misericórdia inimagináveis.
Possivelmente um dos seus maiores tormentos era o fantasma da tentação
de reproduzir os mesmos esquemas sociais de seu pai. Um fantasma que
assombrava seu cotidiano. Todavia, Deus não dá provações maiores do que
aquelas que podemos suportar. Na angústia, que sufoca e faz com que a
esperança naufrague, ainda é possível ouvir a voz de Deus.
Vivendo intensamente uma angústia que feria seu coração e o impedia de
ver a ação de Deus, ele ouviu uma voz cheia de ternura que o invadia e
afugentava a angústia: “Pobre homenzinho, reconheça que eu sou Deus e
deixe de se atormentar. Confiei a você o meu rebanho, mas nem por isso
deixei de ser o Pastor. Não deveria esquecer disso. Escolhi você de propósito,
um homem simples, para que se manifeste aos olhos de todos que as coisas
que eu realizo por meio de você não se devem à sua habilidade, mas à minha
graça. Eu sou aquele que o chamou. Sou o Senhor. O futuro da Ordem é coisa
minha. Não se atormente”.E São Francisco, como se abrisse os olhos, respondeu vagarosamente:
“Deus, o Senhor é guardião, defensor, Senhor grande e admirável”.
Rapidamente uma onda de paz o invadiu e as sombras da angústia já não
estavam mais presentes.
Na abundância de Deus não sobram espaços para projetos angustiantes.
52
Oração
“Toda inquietação da minha alma, querido Deus, encontra em Ti o repouso
tranquilo. Inunda meu ser e expulsa todos os medos que me aprisionam e me
impedem de caminhar.”
53
15º dia
INSPIRAÇÃO
Ninguém me ensinava o que devia fazer, o próprio Altíssimo me revelou que devia
viver segundo o santo Evangelho.
54
Mensagem
Os três maiores e mais repulsivos males da sociedade, de acordo com São
Francisco, eram a ciência (sabedoria), o poder e a riqueza. No entanto, o mal
social por excelência era o poder. Ele desconfiava do poder e detestava tudo o
que era superior. A princípio, é de se estranhar que a ciência (sabedoria)
fizesse parte dessa tríade do mal. É preciso esclarecer que a concepção
corrente da ciência como tesouro contradizia o sentido de privação de São
Francisco. Mas de que forma? A necessidade de posse de livros, que eram
considerados objetos tão caros e como que de luxo – por isso, de difícil acesso
–, ia contra seu desejo de pobreza e de não propriedade; o saber se
apresentava como fonte de orgulho e de dominação, de poder intelectual, que
contrariava a vocação de humildade. Poder, dinheiro e privilégio eram vistos
como elementos que se associavam para conspirar contra o bem-viver das
pessoas.
Pobreza, indigência e ignorância andam juntas, assim como do outro lado
se encontram a riqueza, o poder e a sabedoria. São Francisco, possivelmente
tinha no mínimo desconfiança em relação aos eruditos, porque considerava a
ciência uma forma de posse, de propriedade, e os doutos como uma espécie
particularmente terrível de poderosos. Todavia, há em São Francisco uma
sensibilidade pelo caminho do meio. Certa vez ele escreveu uma pequena carta
a Santo Antônio de Pádua: “Eu, frei Francisco, saúdo frei Antônio, meu bispo.
Gostaria muito que ensinasses aos irmãos a sagrada teologia, contanto que
nesse estudo não extingam o espírito da santa oração e da devoção, segundo
está escrito na regra”.
Francisco não tinha nada contra o conhecimento. Todavia, suas palavras
eram sábias: “A todos os teólogos e àqueles que nos fazem conhecer as santas
palavras de Deus, devemos honrá-los e venerá-los, haja vista que eles nos
comunicam o Espírito e a Vida”.
Em 1221 ele escreveu na Regra: “Não devemos dar maior importância às
moedas do que às pedras”. E acrescentava: “Proíbo formalmente a todos os
irmãos que recebam moedas de ouro, seja diretamente ou por intermédio de
outra pessoa”. A preocupação constante de Francisco somente pode ser
compreendida a partir da época em que vivia. Em sua época, o saber estava
reservado a uns poucos privilegiados e conferia, por isso mesmo, uma
superioridade social e eles. Por isso, São Francisco temia que seus irmãos se
convertessem em homens sábios e, consequentemente, poderosos que
pensassem que seria natural ficar acima dos pobres.
O princípio da condenação da tríade do mal para São Francisco se baseava
numa simples constatação: o acúmulo de poder, de dinheiro e de
conhecimento, numa sociedade marcada pela desigualdade, pela miséria e
pela impossibilidade de acesso à educação formal, fazia de uma minoria uma
casta toda especial, que somente poderia sobreviver e permanecer no alto da
pirâmide se conseguisse, ao mesmo tempo, manter a maioria das pessoas
esmagadas e empobrecidas na base da pirâmide.
55
Oração
“Não permita, Meu Deus, que a arrogância do saber, do dinheiro ou do poder
me dominem e me afastem dos teus caminhos. Faz-me, em tudo, servidor.
Faz-me o menor entre os menores. Faz-me um servo à disposição do teu
amor.”
56
16º dia
INSPIRAÇÃO
Que os irmãos considerem que devem desejar acima de tudo possuir o Espírito do
Senhor e deixar que Ele atue neles.
57
Mensagem
Pobre para os pobres, fraco para os fracos, solidário para com os enfermos
e fonte de esperança para os desesperançados: talvez esse fosse o lema de São
Francisco. Certa vez ele afirmou: “Não quero ser ladrão; para nós será
considerado roubo se não dermos aos mais pobres. A esmola é herança e
justiça devida aos pobres”.
Havia nele uma prioridade dada aos fracos em relação aos fortes. Via-se
neles como se fosse em um espelho: tornar-se parecido às pessoas vis e
desprezadas, aos pobres e fracos, aos doentes, aos leprosos, à semelhança dos
mendicantes. Caminhava em direção aos pobres como se os seus pés
rezassem.
São Francisco trazia em si o desejo de considerar a sociedade como um
conjunto de categorias não hierarquizadas. Todavia, se se quiser achar
privilegiados, a vantagem ficaria com os desfavorecidos aqui na terra.
Possivelmente São Francisco traçou um itinerário de comunhão com os
mais pobres e mais humildes. Tratava-se, portanto, de uma verdadeira
experiência com a humanidade ferida e, novamente, crucificada.
Uma das mais angustiantes experiências de São Francisco aconteceu
quando já estava gravemente enfermo, quase cego, abatido e questionado por
muitos de seus irmãos. Uma súbita tristeza invadia seu coração. Dizia ele:
“Sinto-me como atravessado por uma espada dolorosa que eles remexem todo
dia em meu coração”. Suas dores interiores não se manifestavam pelo temor
do fracasso pessoal. A preocupação que se encontrava em seu coração era a
respeito do mistério do Evangelho.
Jamais alguém vivenciou como São Francisco o estreito e essencial vínculo
entre a Boa Notícia do Reino de Deus e o mundo dos pobres. Ele redescobriu a
verdade simples do Evangelho: que os segredos do Reino são conhecidos
apenas pelos pequeninos e que, consequentemente, quem se afasta, ainda que
seja somente um pouquinho, do mundo dos humildes e dos pobres, fecha-se
ao mistério do Evangelho, ainda que seja capaz de dissertar a respeito dele
sabiamente: “‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de
comer, com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos estrangeiro e
te acolhemos, nu e te vestimos? E quando é que te vimos doente ou na cadeia,
e fomos visitar-te?’ [...] ‘Eu lhes garanto: todas as vezes que vocês fizeram isso
a um desses mais pequeninos, foi a mim que o fizeram’” (Mt 25,44-45).
Mas não pensemos que Francisco estava inventando orientações do nada.
Sua própria experiência forjava as orientações que colocava aos seus irmãos
fraternos. Não podemos nos esquecer que, em 1206, quando ele foi julgado
diante do povo e renunciou aos bens e privilégios, à influência e ao dinheiro da
família, ele entregava sua sorte à companhia daqueles que nada possuíam. E,
nessa época, nada possuir significa literalmente não ter coisa alguma, e não
simplesmente ter pouco. De livre e espontânea vontade ele assume um lugar
entre os excluídos e, na companhia dos pobres, ele encontra o Cristo que havia
58
contemplado na igrejinha de São Damião.
A sabedoria, para São Francisco, se apresentava no conhecimento de Deus
que se experimenta segundo a Cristo humilde e pobre, verdadeira sabedoria
do Pai. É somente da qualidade de nossas relações humanas que depende
nossa relação com Deus.
O rosto de Deus somente pode se tornar visível onde todo tipo de violência
e de domínio são eliminados.
59
Oração
“Meu querido Jesus, como é difícil caminhar em teus caminhos. Ajuda-me a
caminhar e a compreender que nas faces dos vulneráveis se encontra a tua
própria face.”
60
17º dia
INSPIRAÇÃO
Ler a Sagrada Escritura significa pedir o conselho de Cristo.
61
Mensagem
O objetivo de São Francisco era o de substituir os antagonismos que
dividiam e causavam dores por uma sociedade fundada sobre relações
familiares. Os inimigos dele podem ser considerados aqueles cujas designações
comportam prefixos que marcam a superioridade e, em compensação, aqueles
que devem ser exaltados são os depreciados pela sociedade. O ideal social
desejado por São Francisco era o de um nivelamento, um máximo de
igualdade no nível mais humilde.No entanto, ele bem sabia que seria
impossível realizar o ideal no nível do conjunto da sociedade e, por isso,
buscava fazê-lo em escala menor em sua Ordem, utilizando-a como modelo
social. Seria uma sociedade de amor para fazer desaparecer as disparidades
entre maiores e menores.
Inspiradíssimo, ele aconselhou: “Na santa caridade que é Deus, rogo a todos
os meus irmãos, ministros e os demais, que afastem todo obstáculo, que
rechacem toda preocupação e toda inquietude e que se afanem com todas as
suas forças em servir, amar, adorar e honrar ao Senhor Deus, com coração e
espírito puros; pois é isso que ele deseja acima de tudo”.
Viver em comunidade não é algo fácil. A proximidade gera conflitos,
competitividade, individualismo, desejo de ser mais e de reduzir todos os
outros a menos. Ao construir muros que dividem, sacrificamos a vida em
comunidade e acabamos por criar ambientes tóxicos. Pensamos, mais do que
rapidamente, que aquele que se encontra ao nosso lado é, na verdade, nosso
inferno. E, assim, as relações, ao invés de serem saudáveis, são construídas de
forma doentia. Somos chamados para ser benção na vida uns dos outros e não
para ressuscitarmos Caim em nossos gestos e em nossas palavras.
Muito possivelmente Filipenses 2,1-4 representaria um dos muitos sonhos
de São Francisco para se viver em comunidade: “Portanto, se algum apelo
existe em Cristo, se existe alguma consolação de amor, se existe alguma
comunhão de espírito, se existe alguma ternura e compaixão, completem a
minha alegria: tenham o mesmo sentimento e o mesmo amor, em harmonia,
com um só pensamento. Não façam nada por competição ou pelo desejo de
receber elogios, mas com humildade, cada um considerando os outros
superiores a si mesmo. Que ninguém busque apenas seu próprio interesse,
mas também o interesse dos outros”.
62
Oração
“Desejo ser, Senhor, um mensageiro da tua paz. Afasta de mim todos os
obstáculos que me impedem de servir e amar meus irmãos; afasta de mim
todos os obstáculos que me impedem de adorar e honrar a Ti, ó Senhor.”
63
18º dia
INSPIRAÇÃO
Ele, que era sobremaneira rico, quis, com a bem-aventurada Virgem, sua mãe,
escolher a pobreza.
64
Mensagem
Ardia no coração de São Francisco uma preocupação missionária que
atingia todos os povos. Ele havia adotado um estilo de vida itinerante e sentia-
se enviado por Cristo a percorrer o mundo. Jamais pensou na possibilidade de
fundar uma nova Ordem religiosa. Todavia, quando percebeu, Deus
acrescentava ao redor dele cada vez mais companheiros. Vários habitantes de
Assis, admirados pela figura de São Francisco e impactados por sua palavra e
exemplo, acabaram por se unir a ele. A força do testemunho dele era
impressionante. Imagine o impacto que causaríamos na sociedade se
vivêssemos da maneira que Jesus gostaria que vivêssemos!
Um deles tinha por nome Bernardo de Quintavalle, um jovem burguês, e
outro, Gilles, um homem do povo. Após esses, outros se juntaram a São
Francisco e, logo depois, doze. Não era possível impedir o movimento de
Deus. A partir desse momento os números se multiplicavam. Em 1220 eram
três mil, e em 1226 assombrosos cinco mil. Como não lembrar de uma bela
passagem dos Atos dos Apóstolos em que se questionava a legitimidade do
movimento de Jesus: “Se for de Deus, permanecerá” (At 5,38).
Para São Francisco, missão e fraternidade eram como irmãos gêmeos. A
ação missionária era vista por ele como urgente. Não havia tempo a perder.
Provavelmente as palavras de Jesus ressoavam fortemente em seu coração:
“Mas o Espírito Santo descerá sobre vocês, e dele receberão força para serem
as minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, e até os
extremos da terra” (At 1,8); ou, ainda: “Então Jesus se aproximou e falou:
‘Toda autoridade foi dada a mim no céu e na terra. Portanto, vão e façam com
que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai,
e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que ordenei a
vocês. Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo’” (Mt
28,18-20).
Incansável talvez pudesse ser o sobrenome de São Francisco. Em 1224, ele
e mais seis irmãos subiram o monte Alverna. Ele queria ir com eles a um lugar
solitário onde fosse possível se preparar, com um jejum prolongado, para a
festa de São Miguel. Num dado momento, os irmãos se surpreenderam com
São Francisco. Ele, até pouco tempo atrás, achava-se totalmente arrebatado
por Deus, seu corpo esgotado e torturado pelos estigmas e pela enfermidade;
mas, mesmo assim, manifestava um desejo crescente e inarredável de
anunciar as maravilhas de Deus para as pessoas. A energia dele vinha,
poderíamos dizer, do próprio coração de Deus.
Ele disse com convicção nesse momento para seus irmãos: “Até hoje não
fizemos quase nada. Comecemos, irmãos, a servir a Deus”.
65
Oração
“Tenho feito tão pouco pelo teu Reino, Jesus. Apresento-me hoje, e por todos
os dias de minha vida, como um servo. Usa-me para a glória do teu santo
nome.”
66
19º dia
INSPIRAÇÃO
Fomos enviados para curar feridas, unir os que estão separados, mostrar a
verdade aos que estão perdidos no erro.
67
Mensagem
São Francisco possuía um notável conhecimento das Escrituras mesmo que
não tivesse tido o mínimo de educação formal. Ele foi enviado por seus pais
para uma espécie de escola primária que funcionava na Igreja de São Jorge. Ali
ele permaneceu aproximadamente três anos sob a orientação de um padre, a
fim de receber uma educação irregular e informal. Foi o suficiente para
aprender o necessário de latim para recitar o Pai-Nosso e o Credo nas missas.
Para São Francisco, o Evangelho era a base de tudo; a fonte a partir da qual
ele deveria beber a mais pura e sagrada palavra de Cristo. “O Evangelho, nada
mais do que o Evangelho” era um de seus lemas. Em 196 citações bíblicas nos
escritos de São Francisco, encontramos não mais do que 32 citações do Antigo
Testamento (9 das quais dos Salmos) e 164 citações do Novo Testamento (115
das quais dos Evangelhos). Pode-se dizer que a eficácia dos discursos de
Francisco somente se explica a partir do caráter de adequação de seu
vocabulário às estruturas objetivas da sociedade em que ele mesmo estava
inserido.
Da leitura dos Evangelho ele extraía o essencial, costumeiramente,
esquecido por muitos. Não que São Francisco tenha feito uma nova
descoberta. Ele apenas recuperou – o que não é pouca coisa numa sociedade
de esquecidos – uma das mais importantes e fundamentais mensagens do
Evangelho, ou seja, observar o santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.
A vida humilde e pobre de Jesus seria o caminho modelar para conduzir à
verdadeira comunhão fraterna entre as pessoas.
Como podemos identificar um discípulo fraco? Basta que ele se afaste da
leitura da Palavra de Deus. Da mesma maneira que se deixarmos de nos
alimentar veremos nossos corpos desfalecerem, todo cristão que não se
alimenta diariamente da Palavra de Deus perceberá o enfraquecimento de sua
vitalidade espiritual.
Se para muitos a Bíblia representa um objeto de decoração ou um livro
antiquado e que não possui relevância no cotidiano, São Francisco
provavelmente diria para eles: “Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e
luz para o meu caminho” (Sl 119,105).
68
Oração
“Na leitura da tua Palavra quero me alimentar, meu Deus. Meditar nela noite e
dia e, assim, conhecer mais não somente o Senhor, mas também seu
propósito para a minha vida.”
69
20º dia
INSPIRAÇÃO
Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e em breve estará
fazendo o impossível.
70
Mensagem
No coração de São Francisco se encontrava um Evangelho do caminho e em
constante peregrinação; uma Igreja de saída. Numa sociedade que se
imobilizava, que se “instalava”, ele propunha a estrada, a peregrinação, a
“desinstalação”. Assim, ele afirmou uma espiritualidade de iniciativas. E, por
isso, transformou o espaço público, as praças, em espaço da palavra de
salvação. As palavras sagradas de salvação não poderiam mais ficar
circunscritas, presas entre quatro paredes.O que movia São Francisco era uma
fé que tinha percepção social e se inseria na realidade pública. Era, com isso,
relevante não somente para transformar as pessoas, mas, também, a
sociedade bem como a própria Igreja. O apóstolo dos pés descalços em direção
às cidades.
Em Mateus 17,1-13 há um belo relato que exemplifica muito bem a
inquietude de São Francisco em se ver sempre em estado de desinstalação.
Jesus está com dois de seus mais próximos discípulos no alto de um monte.
Bem ali, os discípulos vivenciam uma experiência espetacular: Moisés e Elias
aparecem e conversam com Jesus. Diante de tão grande manifestação, Pedro,
mais do que depressa, propõe que tendas sejam levantadas para que ali
permaneçam. De imediato Jesus reorienta Pedro e faz com que ele
compreenda que a missão não se encontra ali, entre as tendas que desejava
construir, mas no pé da montanha! Permanecer nas tendas se contrapunha a
descer a montanha. Enquanto os discípulos queriam permanecer numa zona
de conforto, Jesus desejava, por todos os meios, se desinstalar e ir ao encontro
das pessoas.
Às vezes queremos fugir a fim de não enfrentar as possíveis dificuldades.
Achamos que é melhor não enfrentar os obstáculos e, dessa forma, acabamos
por não vencê-los e evitamos caminhar um pouco mais em direção à
maturidade. São Francisco dizia que sempre é preciso estar aberto a novas
experiências evangélicas. Certa vez ele assim aconselhou um dos irmãos que
desejava se afastar da comunidade e se recolher sozinho num lugar isolado:
A propósito do seu problema de consciência, digo sem rodeios. Há
preocupações e pessoas – e entre elas se encontram alguns irmãos – que
o impedem de amar ao Senhor Deus? Pois bem, ainda que chegassem a
golpeá-lo, deveria aceitar como graça. Aceite sua situação como ela se
apresenta e não sonhe com outra coisa. Isto é o que o Senhor e eu
esperamos de você [...]. Ame os que causam dificuldade a você [...]. Sim,
ame-os como são, sem querer que sejam, somente para seu proveito,
melhores cristãos. Isso será para você melhor do que um retiro [...]. Que
não haja nenhum irmão no mundo que, depois de haver pecado tudo o
que podia pecar, quando se encontre com você não volte perdoado. E, se
não pede perdão, pergunte para ele se não deseja ser perdoado. E ainda
que volte a pecar mil vezes contra você, ame-o ainda mais que eu, para
conduzi-lo ao Senhor. Compadeça-se sempre desses infelizes.
71
Oração
“Senhor, não quero fugir dos meus problemas. Quero, sim, enfrentá-los junto
com o Senhor. Não somente vencê-los, mas, também, reconhecer que o
Senhor é a minha força.”
72
21º dia
INSPIRAÇÃO
E disse o Senhor para mim que queria que eu fosse um novo louco neste mundo.
73
Mensagem
Deus não havia se isolado e assumido uma postura de quietude diante das
crueldades da sociedade. São Francisco tinha convicção de que Deus não
silenciara e muito menos deixara de desempenhar um papel na história. Não
passava pela mente e pelo coração de São Francisco a visão de um Deus
distante e totalmente ausente das contradições da história. A relação que ele
vivia com Deus não era um parágrafo de uma obra de ficção. Era, sim, vivida
com os pés na história e fazendo o caminho.
Havia em São Francisco uma forte consciência de que Deus caminhava ao
seu lado. Juntos caminhavam pelas estradas da vida e, juntos, com os mais
pobrezinhos, formavam uma comunidade. Sabia ele que não era possível
imaginar um Deus isolado, como se estivesse permanentemente numa zona de
conforto, nos céus. Deus era peregrino pelas estradas do mundo, assim como
São Francisco.
A imagem de um Deus peregrino é essencial para compreender a missão do
discípulo de Jesus tanto quanto a missão da Igreja. Quanto mais cresce a
consciência de um Deus peregrino, mais o discípulo e a Igreja se
compreendem como “agentes de saída”, ou seja, que saem de si mesmos e
das quatro paredes a fim de testemunhar as maravilhas de Deus pelas estradas
do mundo.
Discípulo e Igreja que permanecem fechados em si mesmos se condenam a
viver em profunda letargia espiritual. Nesse caso, enquanto Deus permanece
caminhando e agindo, discípulo e Igreja fecham-se em si mesmos e passam a
ver Deus pelas costas, afastados dele e não mais como companheiro que faz o
caminho juntos.
Um dos mais belos textos que narra Deus interagindo, salvando e
peregrinando com o povo se encontra em Êxodo 3,7-8: “Javé disse: Eu vi muito
bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o clamor contra seus
opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-los do
poder dos egípcios, para fazê-lo subir dessa terra para uma terra fértil e
espaçosa, terra onde corre leite e mel [...]”.
Deus e São Francisco viviam com os pés na história e fazendo o caminho, a
fim de que a libertação fosse um projeto que alcançasse a todos,
principalmente os mais pobrezinhos.
74
Oração
“Jesus, que a minha espiritualidade seja inserida nos caminhos da vida. Não
quero viver alienadamente. Desejo encontrar o Senhor pelos caminhos da vida
e celebrar o teu nome com meus irmãos e irmãs.”
75
22º dia
INSPIRAÇÃO
Pregue o Evangelho em todo o tempo. Se necessário, use palavras.
76
Mensagem
Santos são aqueles que vivem plenamente sua humanidade. Mas, também,
são aqueles que mantêm os olhos fixos em Deus. Tudo na vida de São
Francisco era para Deus, nada era para si. Um dia aproximou-se dele certa
pessoa com uma pergunta que o angustiava. Uma pergunta que, de fato,
estava nos lábios de muitos: Por que tantos homens e mulheres se
aproximavam dele? Por que tantas pessoas procuravam alguém que não tinha
características atrativas, isto é, que não era belo, não tinha grande
conhecimento e vivia como pobre entre os pobres?
A resposta de São Francisco impressiona: “É porque Deus não poderia ter
escolhido ninguém menos qualificado e mais pecador do que eu. E assim, para
esse maravilhoso trabalho que Ele deseja fazer por nosso intermédio, escolheu
a mim – pois Deus sempre escolhe os mais fracos e ineptos, os que não valem
nada”. É impossível não lembrar de 1 Coríntios 1,26-31: “Portanto, irmãos,
vocês que receberam o chamado de Deus, vejam bem quem são vocês: entre
vocês não há muitos intelectuais, nem muitos poderosos, nem muitos de alta
sociedade. Mas Deus escolheu o que é loucura no mundo, para confundir os
sábios, e Deus escolheu o que é fraqueza no mundo, para confundir o que é
forte. E aquilo que o mundo despreza, acha vil e diz que não tem valor, isso
Deus escolheu para destruir o que o mundo pensa que é importante”.
Muitos são os cristãos que não se acham qualificados para servir a Deus.
Presumem-se inferiores, incapazes, sem dons ou ministérios e, assim,
permanecem a vida toda sem cooperar com o projeto do Reino de Deus.
Pensamos, erradamente, que Deus somente usa os preparados, os vitoriosos,
aqueles que são belos e que falam de forma maravilhosa. Felizmente, Deus
pensa de forma totalmente contrária, e São Francisco sabia bem disso. Dois
belíssimos exemplos nos mostram claramente a forma de Deus agir:
– “Vendo a franqueza com que Pedro e João falavam, e levando em conta
que eram homens simples e sem instrução, ficavam admirados.
Reconheceram que eles tinham estado com Jesus” (At 4,13).
– “Quando Deus se manifestou a Gideão para vocacioná-lo como líder do
seu povo, houve o seguinte diálogo: ‘Vá com este vigor que você tem,
pois você salvará Israel das mãos de Madiã. Não sou eu quem está
enviando você?’. Disse-lhe Gideão: ‘Eu lhe suplico, meu Senhor. Com que
vou salvar Israel? Eia que meu clã é o mais insignificante em Manassés, e
eu sou o mais fraco na casa de meu pai’. Javé lhe disse: ‘Eu estarei com
você’” (Jz 6,14-16).
São Francisco se colocou nas mãos de Deus e foi usado por Ele. Será que
também não é hora de aceitarmos o desafio e nos colocarmos nas mãos de
Deus?
77
Oração
“Somente quando nossos gestos de amor forem superiores aos gestos de ódio
é que encontraremos a paz.”
78
23º dia
INSPIRAÇÃO
Não vos esforceis pelas honras do mundo, mas honrai ao Senhor.
79
Mensagem
Teorias não transformamas pessoas. Não basta preencher nossas mentes
com inúmeras ideias e conceitos, ainda que sejam boas, e deixar o coração
vazio. Às vezes somos tomados por uma compreensão incorreta de que o
acúmulo de informações seria a chave para as transformações que desejamos.
Trata-se de um engano. De nada adianta teorias corretas e comportamentos
inadequados. São Francisco não era um teórico da vida espiritual. Ele não
conhecia Deus de apenas ouvir falar. Deus era para ele uma experiência
pessoal e intransferível. Seus discursos estavam enraizados na visão que ele
tinha de um Deus vivo e atuante.
O sentimento de solidariedade e de amor misericordioso de São Francisco
permitiu que ele preservasse sua própria humanidade. São Francisco
testemunhava um Deus que conhecia. Não o conhecia somente de ouvir falar.
Deus para ele era uma realidade que podia ser tocada. Ele falava de Deus com
a autoridade de quem o conhecia; um Deus de infinita paciência e fidelidade,
amoroso e misericordioso e que estava tão próximo das pessoas que podia, até
mesmo, abraçá-las. Certa vez ele disse a um de seus confrades: “Tira do altar
da Virgem os ornamentos, quando não for possível cuidar dos necessitados de
nenhuma outra forma. Acredita, ela ficará mais feliz em ver seu altar nu e o
Evangelho de seu Filho cumprido, do que ter o altar decorado e o seu Filho
desprezado”.
Uma das mais belas expressões da Palavra de Deus se encontra em Jó 42,5:
“Eu te conhecia só de ouvir falar. Mas agora os meus olhos te veem”. A
experiência de São Francisco remete à de Jó e nos permite concluir que eles
viviam intensamente uma espiritualidade integral, ou seja, uma espiritualidade
que os tomava por completo. Não eram, de forma alguma, esquizofrênicos
espirituais e, muito menos, viviam como se fossem religiosos hipócritas.
Na experiência de São Francisco, nos deparamos com um Deus que age no
mundo. Todavia, não somente no mundo. Antes de mais nada, atuava nele,
transformando-o. Deus não se apresentava como uma realidade distante e
gélida. Era, sim, um companheiro de primeira hora. É perfeitamente possível
dizer que, para São Francisco, Deus não se reduzia a uma teoria; não bastava
para ele dissertar a respeito de Deus se a sua própria vida não testemunhava
nem confirmava suas palavras.
Em São Francisco se cumpriam cabalmente as palavras de Jesus acerca
daqueles que queriam segui-lo: “Se alguém tiver sede, venha a mim e beba. É
como diz a Escritura: Aquele que acredita em mim, de seu interior vão jorrar
rios de água viva” (Jo 7,37-38).
80
Oração
“Toda a abundância sem Deus se torna a mais desoladora carência.”
81
24º dia
INSPIRAÇÃO
Enche-se de felicidade aquele que vê, sem inveja, a felicidade dos outros.
82
Mensagem
Amigos são preciosos. Vivemos numa sociedade que exalta o individualismo
e a vitória pessoal. Nesse sentido, muitos, para obterem a vitória, quebram os
laços de amizade e viram as costas aos amigos de longa data a fim de
isoladamente desfrutarem da vitória. A palavra de Deus segue outro projeto:
quem encontra um amigo encontra um irmão. Certa vez, Jesus disse aos seus
discípulos: “Não vos chamarei mais de irmãos, mas de amigos”. E lembremos
também das belíssimas expressões de João 15,13: “Ninguém tem maior amor
do que aquele que dá a vida por seus amigos”.
São Francisco viveu uma experiência de excepcional amizade. Logo no
início da fraternidade franciscana, ele conheceu uma moça que, em pouco
tempo, se converteria na irmã Clara. Ela nasceu em Assis, em 1193, e era a
primogênita de três irmãs (Catarina e Beatriz). Era onze anos mais nova do que
Francisco e pertencia à aristocracia da cidade.
Desde o primeiro momento em que teve a oportunidade de escutá-lo, Clara
se sentiu profundamente comovida. As palavras de São Francisco pareciam
chegar a ela de forma direta e ardente como se, até mesmo, estivesse
pregando somente para ela e não numa igreja.
Clara se abriu completamente para a vida evangélica. Estava desejosa de
saber o que Jesus esperava dela. Seu testemunho é impressionante: “O filho de
Deus se fez ele mesmo nosso caminho, e este caminho, o bem-aventurado
Francisco, seu amante autêntico e seu imitador, nos mostrou e ensinou
mediante sua palavra e seu exemplo”. Ela havia compreendido não somente o
ideal evangélico, mas também a originalidade de São Francisco. Duas coisas
faziam particularmente seus olhos brilharem: a pobreza vivida e a imitação de
Cristo como caminho para a verdadeira fraternidade.
Assim, em 1211 (ou 1212) ela tomou a mais séria decisão de sua vida. Aos
dezoito anos abandonou a casa paterna e todos os seus privilégios e, com uma
amiga, foi até a Santa Maria da Porciúncula, onde a esperavam São Francisco e
seus irmãos.
Um encontro que fez brotar uma grande e santa amizade. Na noite escura
da alma que por tantas vezes atormentava São Francisco, Clara foi uma fonte
de doçura e refrigério colocada por Deus. Por isso, ela não o abandonava.
Permanecia ao seu lado para que ele não fosse tragado pelos terrores da noite.
Clara, nesse sentido, era luz que guiava São Francisco nas noites
ameaçadoras das crises.
83
Oração
“Silenciei-me, esperando a suavidade da voz de Deus.”
84
25º dia
INSPIRAÇÃO
Devemos aceitar com serenidade as coisas que não podemos modificar, ter
coragem para modificar as que podemos e sabedoria para perceber a diferença.
85
Mensagem
São Francisco não era um intelectual e, na verdade, embora tivesse pouca
educação formal, poderíamos classificá-lo como um poeta nato e cantor
estupendo. Sabe-se que foi o compositor da primeira canção em italiano. No
poema “Louvores a Deus” ele cantou apaixonadamente a Deus, abrindo
totalmente seu coração:
Vós sois o santo Senhor e Deus único, que operais maravilhas.
Vós sois o Forte.
Vós sois o Grande.
Vós sois o Altíssimo.
Vós sois o Rei Onipotente, santo Pai, Rei do céu e da terra.
Vós sois o Trino, Senhor e Deus, Bem universal.
Vós sois o Bem, o Bem universal, o sumo Bem,
Senhor e Deus, vivo e verdadeiro.
Vós sois a delícia do amor.
Vós sois a sabedoria.
Vós sois a humildade.
Vós sois a paciência.
Vós sois a segurança.
Vós sois o descanso.
Vós sois a alegria e o júbilo.
Vós sois a justiça e a temperança.
Vós sois a plenitude da riqueza.
Vós sois a beleza.
Vós sois a mansidão.
Vós sois o Protetor.
Vós sois o Guarda e o Defensor.
Vós sois a fortaleza.
Vós sois o alívio.
Vós sois nossa esperança.
Vós sois nossa fé.
Vós sois nossa inefável doçura
Vós sois nossa eterna Vida, ó grande e maravilhoso Deus, onipotente,
misericordioso Redentor.
86
Oração
“Tudo o que é feito a uma pessoa, em generosidade ou crueldade, é feito ao
próprio Cristo.”
87
26º dia
INSPIRAÇÃO
O que temos? Nada. A quem temer? Ninguém. Por quê? Porque aqueles que se
unem a Deus obtêm três grandes privilégios: onipotência sem poder, embriaguez
sem vinho e vida sem morte.
88
Mensagem
“Cantar é rezar em dobro” assim dizia Santo Agostinho. O conhecido
“Cântico do irmão Sol” ou “Cântico das criaturas” mostra a sensibilidade de
São Francisco diante da vida e a nítida sensação da presença de Deus em todas
as coisas. A descoberta de Deus nas coisas simples, como na belíssima
experiência do profeta Elias narrada em 1 Reis 19,11-12: “Deus lhe disse: Saia
e ponha-se de pé na montanha, na presença de Deus, pois Deus vai passar.
Então veio um furacão que, de tão violento, partia as montanhas e quebrava as
rochas diante de Deus. No entanto, Deus não estava no furacão. Depois do
furacão houve um terremoto. Deus, porém, não estava no terremoto. Depois
do terremoto apareceu fogo, mas Deus não estava no fogo. Depois do fogo,
ouviu-se uma voz mansa e suave”.
Altíssimo, onipotente, bom Senhor,
Teus olhos são o louvor, a glória, a honra
E toda a benção.
Só a ti, Altíssimo, são devidos;
E homem algum é digno
De te mencionar.
Louvado sejas, meu Senhor,
Com todas as tuas criaturas,
Especialmente o senhor irmão Sol,
Que clareia o dia
E com sua luz nos alumia.
E ele é belo e radiante
Com grande esplendor:
De ti, Altíssimo, é a imagem.
Louvado sejas, meu Senhor,
Pela irmã Lua

Continue navegando