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Indaial – 2020 Climatologia geográfiCa Prof. Rafael Brito Silveira 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Prof. Rafael Brito Silveira Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: S587c Silveira, Rafael Brito Climatologia geográfica. / Rafael Brito Silveira. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 265 p.; il. ISBN 978-65-5663-246-9 ISBN Digital 978-65-5663-244-5 1. Climatologia geográfica. – Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 900 apresentação A Geografia é uma ciência que envolve diversas perspectivas e aspectos socioambientais, suas possibilidades são diversas e, por conta disso, os geógrafos e os professores de geografia devem ter um amplo domínio sobre distintos conteúdos. Muitos conhecimentos geográficos apresentam caráter mais humano, definido por alguns como Geografia Humana; outros, contrariamente, envolvem concepções mais vinculadas aos processos da natureza, conhecidos por muitos como Geografia Física. Tais nomenclaturas ou conceitos ainda não são consensuais, estudiosos indicam que não há uma separação entre Humana e Física na ciência geográfica, todavia, sabe-se que isso ocorre, por mais que não seja completamente aceito. Independentemente da existência ou não de uma divisão na Geografia, os professores de geografia e os geógrafos devem entender que os processos físicos e os processos sociais/humanos são elementares e complementares entre si, fazendo com que a ciência geográfica tenha como missão a compreensão destas conexões e de como isso repercute no espaço, isto é, no espaço geográfico. Neste sentido, a Climatologia Geográfica se apresenta como uma disciplina característica daquilo tido como Geografia Física, especialmente por ter em sua base conceitual muitas acepções provenientes da Física. Entretanto, a Climatologia praticada pelos geógrafos e ensinada pelos professores de geografia, amplamente conhecida como Climatologia Geográfica, deve se preocupar em responder os questionamentos e os problemas de cunho socioambiental, isto é, a Climatologia Geográfica é um campo do conhecimento que visa entender os tipos de tempo e os climas da Terra para sanar problemáticas intrínsecas a sociedade. Diante disso, nosso foco ao longo do presente livro será o de aprender as bases conceituais e físicas da Climatologia Geográfica, bem como compreender como tais conhecimentos podem intervir de forma direta na sociedade, seja em nível contextual ou individual. Ademais, as unidades e seus respectivos tópicos serão apresentados sob a perspectiva da multiescalaridade, ou seja, por mais que a Climatologia Geográfica necessite de explicações planetárias e, por vezes, astronômicas, tentaremos entender o problema em nível regional e até local. Sendo assim, a partir de agora, todos estão convidados a entender e aprender sobre a Climatologia Geográfica e, além disso, verificar quais são suas aplicações no âmbito social. Boa aprendizagem! Prof. Rafael Brito Silveira Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE sumário UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DE CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA ................................ 1 TÓPICO 1 — AS BASES DA CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA ................................................. 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3 2 BREVE HISTÓRIA, NOÇÃO DE RITMO E A CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA ............... 3 3 A CLIMATOLOGIA SEPARATIVA E A CLIMATOLOGIA DINÂMICA................................ 8 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 12 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 13 TÓPICO 2 — VOCÊ SABE A DIFERENÇA ENTRE TEMPO E CLIMA? .................................. 15 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 15 2 CLIMA É AQUILO QUE ESPERAMOS, TEMPO É O QUE SENTIMOS .............................. 16 3 PREVISÃO DO TEMPO VS. PREVISÃO CLIMÁTICA ............................................................ 21 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 28 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 29 TÓPICO 3 — FATORES GEOGRÁFICOS, ELEMENTOS DO CLIMA E SEUS REGISTROS ..... 33 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 33 2 BREVE APRESENTAÇÃO: ELEMENTOS CLIMÁTICOS E FATORES GEOGRÁFICOS .... 33 3 FATORES GEOGRÁFICOS ............................................................................................................. 36 3.1 LATITUDE ..................................................................................................................................... 36 3.2 RELEVO E ALTITUDE ................................................................................................................. 41 3.3 VEGETAÇÃO ................................................................................................................................ 44 3.4 MARITIMIDADE E CONTINENTALIDADE .......................................................................... 46 3.5 CORRENTES OCEÂNICAS ........................................................................................................ 47 4 ELEMENTOS CLIMÁTICOS .......................................................................................................... 48 4.1 TEMPERATURA ...........................................................................................................................48 4.2 UMIDADE ..................................................................................................................................... 52 4.3 PRECIPITAÇÃO ............................................................................................................................ 56 4.4 PRESSÃO ATMOSFÉRICA .......................................................................................................... 64 4.5 VENTOS ......................................................................................................................................... 67 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 71 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 72 TÓPICO 4 — COMPOSIÇÃO E ESTRUTURA DA ATMOSFERA ............................................ 75 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 75 2 O INVÓLUCRO DA TERRA: COMPONENTES DA ATMOSFERA ...................................... 76 3 CONHECENDO A ESTRUTURA VERTICAL DA ATMOSFERA........................................... 79 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 84 RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 86 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 87 UNIDADE 2 — A ATMOSFERA EM MOVIMENTO: DINÂMICA CLIMÁTICA ................. 89 TÓPICO 1 — CIRCULAÇÃO GERAL DA ATMOSFERA ............................................................ 91 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 91 2 MOVIMENTOS ATMOSFÉRICOS................................................................................................ 91 2.1 CÉLULA DE WALKER E SUA CIRCULAÇÃO ZONAL ..................................................... 100 3 ALGUMAS ESPECIFICIDADES DE CIRCULAÇÃO SECUNDÁRIA ................................. 101 4 A CIRCULAÇÃO TERCIÁRIA: CARÁTER LOCAL ................................................................ 106 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 112 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 113 TÓPICO 2 — AS MASSAS DE AR NA AMÉRICA DO SUL E NO BRASIL .......................... 115 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 115 2 CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS MASSAS DE AR ........................................................... 115 3 ASPECTOS LIGADOS AOS CENTROS DE AÇÃO ATUANTES NA AMÉRICA DO SUL .... 118 4 AS MASSAS DE AR DA AMÉRICA DO SUL ........................................................................... 121 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 127 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 128 TÓPICO 3 — SISTEMAS FRONTAIS ............................................................................................ 131 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 131 2 ESPECIFICIDADES GERAIS DAS FRENTES........................................................................... 131 2.1 FRENTE FRIA.............................................................................................................................. 134 2.1.1 Frente polar ......................................................................................................................... 137 2.2 FRENTE QUENTE ...................................................................................................................... 139 2.3 FRENTE OCLUSA ...................................................................................................................... 142 2.4 FRENTE ESTACIONÁRIA ........................................................................................................ 143 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 144 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 145 TÓPICO 4 — AS ZONAS DE CONVERGÊNCIA NO BRASIL ................................................ 147 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 147 2 ZONA DE CONVERGÊNCIA INTERTROPICAL (ZCIT) ...................................................... 147 3 ZONA DE CONVERGÊNCIA DO ATLÂNTICO SUL (ZCAS) .............................................. 149 4 ZONA DE CONVERGÊNCIA DE UMIDADE (ZCOU)........................................................... 152 RESUMO DO TÓPICO 4................................................................................................................... 156 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 157 TÓPICO 5 — CLASSIFICAÇÕES CLIMÁTICAS E OS CLIMAS DO BRASIL ..................... 159 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 159 2 OBJETIVOS E DILEMAS DAS CLASSIFICAÇÕES ................................................................ 160 3 CLASSIFICAÇÃO CLIMÁTICA DE KÖPPEN .......................................................................... 161 3.1 CLASSIFICAÇÃO DE KÖPPEN PARA O BRASIL ............................................................... 164 4 CLASSIFICAÇÃO CLIMÁTICA DE THORNTHWAITE ........................................................ 165 4.1 CLASSIFICAÇÃO CLIMÁTICA DE THORNTHWAITE PARA O BRASIL ...................... 167 5 CLASSIFICAÇÃO CLIMÁTICA A PARTIR DE MODELOS GENÉTICOS ........................ 169 5.1 CLASSIFICAÇÃO CLIMÁTICA DE STRAHLER .................................................................. 170 5.1.1 Classificação climática de Strahler para o Brasil ........................................................... 171 6 OUTRAS CLASSIFICAÇÕES CLIMÁTICAS PARA O BRASIL ........................................... 173 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 178 RESUMO DO TÓPICO 5................................................................................................................... 179 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 180 UNIDADE 3 — AS REPERCUSSÕES DO CLIMA NO ESPAÇO: UMA VISÃO MULTIESCALAR ................................................................................................... 183 TÓPICO 1 — EVIDÊNCIAS E CARACTERÍSTICAS PALEOCLIMÁTICAS ........................ 185 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 185 2 INDÍCIOS DE CLIMAS PRETÉRITOS ...................................................................................... 185 3 DENDROCLIMATOLOGIA.......................................................................................................... 190 4 TESTEMUNHOS DE GELO......................................................................................................... 192 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 196 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 197 TÓPICO 2 — TELECONEXÕES....................................................................................................... 199 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 199 2 VOCÊ SABE O QUE SÃO AS TELECONEXÕES? .................................................................... 199 3 EL NIÑO-OSCILAÇÃO SUL (ENOS) .......................................................................................... 201 3.1 EL NIÑO ...................................................................................................................................... 203 3.2 LA NIÑA ...................................................................................................................................... 204 3.3 NEUTRALIDADE ....................................................................................................................... 206 4 OSCILAÇÃO DECADAL DO PACÍFICO .................................................................................. 206 5 OSCILAÇÃO ANTÁRTICA (AAO) ............................................................................................. 209 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 214 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 215 TÓPICO 3 — MUDANÇAS CLIMÁTICAS GLOBAIS............................................................... 217 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 217 2 DA VARIABILIDADE ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS GLOBAIS .................................... 217 3 BREVE ENTENDIMENTO SOBRE MODELAGEM CLIMÁTICA ....................................... 224 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 229 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 230 TÓPICO 4 — A RELAÇÃO ENTRE CLIMA E SOCIEDADE .................................................... 233 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 233 2 CLIMA E SAÚDE ............................................................................................................................. 233 3 CLIMA E AGRICULTURA ............................................................................................................ 239 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 245 RESUMO DO TÓPICO 4................................................................................................................... 246 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 247 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 249 1 UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DE CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • descobrir as bases originárias da climatologia geográfica; • compreender os fundamentos teórico-conceituais da climatologia geográfica e suas formas de abordagem; • dissociar o conceito de tempo e clima, compreendendo que ambos podem ter tratamentos distintos para a Geografia e para a Meteorologia; • verificar que há diferença entre previsão do tempo e previsão climática, todavia, observando que ambas podem fornecer subsídios ao campo de atuação da ciência geográfica; • aprender sobre os fatores geográficos, os elementos do clima e seus registros, entendendo como eles influenciam os tipos de tempo e os climas da Terra, bem como suas inter-relações e distribuições espaciais; • entender a composição química da atmosfera e sua estrutura vertical, além de algumas características de cada camada existente. Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – AS BASES DA CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA TÓPICO 2 – VOCÊ SABE A DIFERENÇA ENTRE TEMPO E CLIMA? TÓPICO 3 – FATORES GEOGRÁFICOS, ELEMENTOS DO CLIMA E SEUS REGISTROS TÓPICO 4 – COMPOSIÇÃO E ESTRUTURA DA ATMOSFERA Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 — UNIDADE 1 AS BASES DA CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA 1 INTRODUÇÃO Neste tópico, discutiremos sobre a história da climatologia a partir do olhar da geografia, ou seja, como este campo do conhecimento (e esta disciplina) passaram a ter uma abordagem peculiar dentro de tal ciência, especialmente no Brasil, sendo amplamente conhecida como climatologia geográfica. Para isso, a partir de algumas fontes importantes, entenderemos quais são as bases conceituais que fundamentam e explicam esta terminologia e a concepção por trás dela. Por ter suas bases estabelecidas nas ciências naturais, verificaremos como a climatologia não é exclusividade de uma ou de outra área do conhecimento apenas. A climatologia possui importância há muito tempo na definição de características, de estratégias e de ações para diversas civilizações e povos, portanto, é uma componente caríssima aos estudos geográficos. O breve remonte histórico da climatologia no Brasil nos permitirá entender os motivos pelos quais nos dias de hoje, quase que de maneira consensual, os estudiosos da geografia se apropriaram e utilizam a terminologia: climatologia geográfica. Muito mais do que uma discussão teórico-conceitual, a climatologia geográfica estabelece uma clara relação entre a ciência climática e o objeto de interesse da geografia: o espaço geográfico. Portanto, a climatologia geográfica se preocupa diretamente com as repercussões do clima no estudo da superfície terrestre e nas inter-relações pertinentes entre homem e natureza. Compreenderemos de forma mais detalhada as bases da climatologia geográfica ao longo deste tópico. Bons estudos! 2 BREVE HISTÓRIA, NOÇÃO DE RITMO E A CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA Para contarmos um pouco do delineamento que existe por trás do conceito de climatologia geográfica, façamos um breve resgate histórico! Conforme expõe Sant’Anna Neto (2004), as análises da dinâmica atmosférica e de suas repercussões no cotidiano das populações já compuseram diversos campos do conhecimento, entretanto, por conta do seu objeto de UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DE CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA 4 estudo e das inúmeras possibilidades de desenvolvimento, a Geografia tem fornecido muitas possibilidades de avanço e prosperidade para a climatologia. De forma geral, no mundo, há uma discussão com relação às origens dos estudos climáticos. Do ponto de vista de uma das vertentes da climatologia geográfica – a bioclimatologia ou a climatologia médica –, sabe-se que associações entre saúde humana e clima já eram feitas desde a antiguidade clássica, pelo grego Hipócrates (~480 a. C.), ou seja, as relações e as percepções de causa e efeito acercados fenômenos atmosféricos já transcorrem há muito tempo (OLIVER, 1981; SOBRAL, 1988; MORAES, 2005). Do ponto de vista de uma sistematização, de uma discussão com outros intelectuais da época e das publicações científicas, foi o geógrafo e naturalista Alexander von Humboldt, entre os séculos XVIII e XIX, que concebeu, desenvolveu e publicou conceitos e princípios importantes das ciências naturais e, de forma específica, da climatologia, tais quais: isotermas, zonas climáticas e até da influência do homem nas alterações climáticas (WULF, 2016). Talvez, a maior contribuição de Humboldt para a climatologia tenha sido a do conceito de zonas climáticas, pois ele enxergava e explicava a natureza como uma força global, como a rede da vida, influenciada pelos climas e por outros componentes, sem a possibilidade de explicar fatos a partir de compreensões isoladas (WULF, 2016). Isto é, muitos dos preceitos e das bases da ciência geográfica permeiam por este ideal, a partir da resolução de problemas pensando de forma integradora, considerando aspectos físico-naturais, sociais, econômicos e também culturais. Saindo de uma visão global e entrando numa perspectiva brasileira, a climatologia no país também teve sua gênese nas bases lançadas por Humboldt (SANT’ANNA NETO, 2004, p. 7). Foi nos primórdios do século XIX, a partir da vinda da família real portuguesa para o Brasil, que os estudos climáticos começaram a aparecer de forma mais evidente no território, especialmente por preocupações ligadas à insalubridade nos agrupamentos urbanos do período (LACAZ; BARUZZI; SIQUEIRA JUNIOR, 1972; PEIXOTO, 1975; SANT’ANNA NETO, 2004). No comparativo com os padrões europeus, a umidade relativa do ar e as temperaturas elevadas associadas às más condições de higiene era o que despertava maior interesse das análises, especialmente por parte de médicos e sanitaristas que tentavam entender e explicar as moléstias recorrentes na população. Apenas no final do século XIX, com o rearranjo do observatório astronômico, no Rio de Janeiro, e com a origem da Repartição Central Meteorológica do Ministério da Marinha, em 1888, é que o período científico das ciências atmosféricas desperta no Brasil (SANT’ANNA NETO, 2004). É entre o final do século XIX e o início do século XX que determinadas obras importantes são publicadas sob a ótica da climatologia do Brasil, passando de um enfoque sanitarista para análises mais específicas da distribuição geográfica dos elementos meteorológicos e da sua variabilidade temporal, com o intuito de explicar os regimes climáticos regionais (SANT’ANNA NETO, 2004). Obviamente que os estudos eram incipientes, uma vez que não se tinham grandes volumes de dados para analisar e, além disso, a distribuição e a quantidade de postos de coleta de dados eram insuficientes. TÓPICO 1 — AS BASES DA CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA 5 Para além dos estudos climáticos, a própria Geografia enquanto ciência e, por conseguinte, enquanto disciplina, passou por diferentes momentos ideológicos e de influências conceituais ao longo da história, o que refletia diretamente em sua forma de ser entendida, de ser pesquisada e de ser ensinada (MOREIRA, 2010). Especificamente, dentro da tríade central da chamada Geografia Física, envolvendo: geomorfologia, climatologia e biogeografia, os estudos em determinados momentos, por exemplo, foram mais generalistas, outrora mais particulares; em alguns casos mais teóricos, noutros mais aplicados; ora mais quantitativos e ora mais qualitativos. O fato é que a escola brasileira de Geografia tem seus fundamentos fortemente ligados à escola francesa, especialmente pelo fato de que, nas primeiras faculdades de Geografia no Brasil, boa parte dos docentes era proveniente da França e ensinavam de acordo com seus preceitos de formação (SANT’ANNA NETO, 2004). A climatologia, não por acaso, carregou consigo tais fundamentos. Recomenda-se, para estudos minuciosos sobre o desenrolar climatológico no Brasil, a publicação n° 7 de 2004 do periódico “Cadernos Geográficos”, intitulada: História da Climatologia no Brasil: gênese e paradigmas do clima como fenômeno geográfico, escrito pelo Professor Dr. João Lima Sant’Anna Neto. Nesta publicação, o autor exibe um árduo trabalho de investigação histórica que remonta aos primeiros habitantes do Brasil, perpassando pelos colonizadores e viajantes naturalistas atingindo à fase científica recente da climatologia geográfica. DICAS É válido ressaltar que, antes mesmo da Geografia implantada no Brasil, o próprio sistema educacional adotado no país, durante o século XIX, já era baseado no francês, incluindo os currículos das disciplinas. Do ponto de vista de uma disciplina autônoma no currículo escolar brasileiro, de acordo com Rocha (1996), foi no Imperial Colégio Pedro II, em 1837, através do Decreto de 2 de dezembro do mesmo ano, que a Geografia apareceu (RIBEIRO, 2011). Enquanto curso superior e campo de pesquisa, a Geografia no Brasil foi institucionalizada na década de 1930 pelas universidades da época e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), também a partir de um arcabouço francês. Tal geografia ocorreu até a década de 1960, com uma Geografia Física e, portanto, com uma climatologia muito pautada na descrição, com a finalidade de conhecer as características físico-naturais do território nacional, até então, pouco estudadas (MENDONÇA, 1989). No escopo da climatologia, foi entre os anos de 1940 e 1950, na França, que Max Sorre realizou uma revisão conceitual a respeito do papel do clima na análise geográfica. Isso foi o estopim para o aparecimento de um novo paradigma, UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DE CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA 6 por meio das acepções de tempo e clima (que trataremos especificamente no próximo tópico), passando de uma perspectiva fragmentada e estática, para uma integradora, de cunho genético e dinâmico (SANT’ANNA NETO, 2004). É dentro deste contexto que aparece a grande contribuição do Professor Dr. Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, considerado o progenitor da climatologia geográfica, que inclusive é apontada por muitos pesquisadores como uma escola brasileira (ZAVATTINI, 1998; BARROS, 2009 ZAVATTINI, 2009). Foi a partir de um estágio realizado por Monteiro na França, durante a década de 1950, que ele teve contato com a obra de Sorre, publicando suas primeiras reflexões acerca do material no início da década de 1960 (SANT’ANNA NETO, 2004). Todavia, alguns anos antes, na mesma França, Pierre Pédelaborde, que também se baseava na conjectura teórica de Sorre, apresentou o método sintético das massas de ar, com o intuito de estabelecer os tipos de tempo atmosféricos em sua totalidade na Bacia Parisiense. Pédelaborde fez grandes contribuições aos estudos da climatologia geográfica, entretanto, ao invés de se preocupar com o encadeamento dos tipos de tempo e, portanto, com a noção de ritmo, ele se preocupou em analisar o índice de participação das massas de ar. Portanto, ao final, seu trabalho exibiu mais traços de uma climatologia estática do que de uma dinâmica. Conforme aponta Zavattini (1998), ele produziu, na verdade, um catálogo de tipos de tempo, uma classificação sumária. Esta foi a principal diferença entre os trabalhos de Pédelaborde e de Monteiro, o brasileiro se preocupou com o encadeamento sequencial dos tipos de tempo, isto é, com o ritmo climático, avançando da noção de clima como estado médio da atmosfera para a concepção dinâmica, se interessando por aquilo que é habitual e por aquilo que pode ser excepcional (ZAVATTINI, 1998; SANT’ANNA NETO, 2004). Baseado nas ideias de Monteiro, apenas o embasamento do ritmo, a partir da sucessão dos tipos de tempo, em escala diária, é possível de agregaros fenômenos atmosféricos com as possibilidades de entendimento do clima como manifestação geográfica. Tal compreensão enfatiza a distinção da perspectiva geográfica do clima com relação à Meteorologia ou à Agronomia, por exemplo, pois fundamenta uma compreensão genética e qualitativa dos fatos climáticos ao nível de superfície (troposfera), considerando-a como a camada antrópica de interação geográfica (SANT’ANNA NETO, 2004). A agronomia, em sua área denominada agrometeorologia, também se preocupa com os impactos dos fenômenos atmosféricos em superfície, entretanto, o ser humano não é seu objeto de estudo central, tampouco a produção do espaço diretamente. O estudo do clima, com base no ritmo, proposto por Monteiro, recebe o nome de análise rítmica e é um método importante para realizar estudos em climatologia geográfica, todavia, não é o único. Ademais, a análise rítmica não é a climatologia geográfica em si, ela é um método e uma técnica. No entanto, se o método desenvolvido por Monteiro não é a climatologia geográfica em si, qual é o motivo de termos tratado tanto sobre ele até agora? A resposta para essa pergunta é relativamente simples, pois, a noção de ritmo, evoluindo de análises estáticas e puramente estatísticas para a compreensão genética e dinâmica, é um TÓPICO 1 — AS BASES DA CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA 7 contributo fundamental para a climatologia geográfica. Foi a partir desse método que as investigações climáticas na geografia brasileira conseguiram produzir resultados mais concisos e encontrar, de fato, respostas para os problemas caros à geografia. É importante relatar que, por exemplo, até mesmo classificações e regionalizações climáticas para distintas áreas do país foram feitas com base no método proposto por Monteiro, demonstrando assim sua relevância aos estudos pautados na climatologia geográfica (MONTEIRO, 1963; ZAVATTINI, 2009). Outra informação importante que precisamos trazer à luz é a de que Monteiro também se apoiou nas contribuições dos meteorologistas brasileiros Adalberto Serra e Leandro Ratisbonna para formular os princípios metodológicos que regeriam (e regem) a pesquisa em climatologia geográfica no Brasil (BARROS, 2009; ZAVATTINI, 2009). De acordo com Sant’Anna Neto (2004), a climatologia geográfica está diretamente ligada à organização do espaço, por isso a importância de aplicá-la aos estudos socioambientais e de considerar o Homem como parte importante do processo. É claro que a passagem da compreensão de climatologia para a de climatologia geográfica não foi tão linear e tão breve como apresentado, todavia, tratamos aqui dos aspectos centrais e do método que difundiu as primeiras bases deste campo de estudo e desta disciplina. Muitos métodos e técnicas atualmente permitem gerar interpretações e produtos dentro da climatologia geográfica, porém, o mais importante para este conceito é a sua finalidade. Os estudos incorporados numa perspectiva de climatologia geográfica devem certamente se preocupar com problemáticas importantes para a sociedade, portanto, sem desconsiderar a dinâmica atmosférica que compreende os níveis mais baixos da atmosfera e a superfície terrestre, pois é ali que as interações homem-natureza acontecem. Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro nasceu em 1927 (Teresina – Piauí) e é considerado um dos principais geógrafos e climatólogos do Brasil. Formou-se em Geografia e História pela atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no ano de 1950. Lecionou em diversas universidades importantes do Brasil, foi pesquisador na França e professor visitante na Universidade de Tsukuba – Japão. Sua tese de livre-docência Teoria e Clima Urbano (1975) é um símbolo nas pesquisas em climatologia geográfica. É Doutor (1967), Livre-Docente (1975) em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP) e Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas também da USP. Considerado o pai da análise rítmica, método de análise utilizado nos estudos de climatologia geográfica. Além disso, lançou as bases da climatologia geográfica no país. Muitas publicações feitas pelo Professor Monteiro podem ser consultadas no website da Associação Brasileira de Climatologia (ABClima), em: http://www.abclima.ggf.br/publicacoes.php. IMPORTANT E UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DE CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA 8 3 A CLIMATOLOGIA SEPARATIVA E A CLIMATOLOGIA DINÂMICA Agora que você já compreendeu o desenvolvimento das concepções ligadas à climatologia geográfica, procederemos com algumas conceituações mais aplicadas! De acordo com Barros e Zavattini (2009), a climatologia encontra suas bases na meteorologia, que investiga os fenômenos atmosféricos e seus registros, com intuito de determinar as conjunções físicas sob as quais são desenvolvidos. Todavia, a meteorologia apresenta duas ramificações ou duas possibilidades de abordagem: a tradicional e a dinâmica. A tradicional tem por característica a compartimentação dos elementos da atmosfera e, por conta disto, pode ser nomeada também de meteorologia analítico-separativa. A outra abordagem, a da meteorologia dinâmica, mais afeita aos estudos geográficos, examina, conjuntamente, todos os estados atmosféricos de forma integrada, ou seja, o tempo atmosférico de fato e as massas de ar. Por conseguinte, há como chamar tal abordagem de sintética (BARROS, 2009; ZAVATTINI, 2009). Não há dúvida que a meteorologia dinâmica ou sintética é aquela que responde melhor às necessidades da geografia, pois as análises geográficas podem fornecer melhores respostas a partir de estudos combinados do que através daqueles com fatos e análises isoladas (PÉDELABORDE, 1970). Embora a climatologia encontre suas bases na meteorologia, uma não é por definição a outra. A própria conceituação de tempo e clima dá o tom de suas significações, mas, ainda que tenhamos dado alguns indícios até aqui, trataremos de suas acepções no Tópico 2 desta unidade. Segundo Pédelaborde (1970) e Barros (2009) e Zavattini (2009), a climatologia é um dos ramos da geografia física, que tem como objetivo estudar as propriedades e as particularidades da atmosfera em contato com a superfície terrestre e suas distribuições espaciais, ou seja, sua abordagem traz implicitamente a repercussão climática sob os aspectos sociais. No que diz respeito à definição de tempo, a noção mais significativa é a de “tipos de tempo”, para os geógrafos, que se refere às combinações atmosféricas que se reproduzem, nem sempre iguais, contudo, produtoras de condições semelhantes quando ocorrem (BARROS, 2009; ZAVATTINI, 2009). Logo, uma vez que a climatologia encontra suas bases na meteorologia, é a partir da conceituação de “tipos de tempo” que se torna possível discutir o que é clima, especialmente no âmbito da geografia, pois tal ciência carece de uma análise integradora para melhor compreensão de qualquer que seja a problemática. Isolar os elementos atmosféricos, ou, isolar o tempo, para estudá-lo fornecerá um entendimento parcial do mesmo objeto de análise. TÓPICO 1 — AS BASES DA CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA 9 A todos os entusiastas da geografia, mas, especialmente, aos futuros professores e aos docentes já atuantes, sugere-se a leitura do artigo: Bases conceituais em climatologia geográfica, publicado na Revista Mercator, n° 16 de 2009, de autoria da Professorª Dr.ª Juliana Ramalho Barros e do Professor Dr. João Afonso Zavattini. A publicação traz uma discussão rápida e profunda dos aspectos mais relevantes que fundamentam a área e a disciplina de climatologia geográfica. Temas pertinentes ao conteúdo de Clima para o ensino básico também podem ser vislumbrados neste artigo DICAS O conceito de clima que fundamentalmente acompanha a climatologia geográfica é aquele estabelecido por Sorre(1951), que o trata como “o ambiente atmosférico constituído pela série de estados da atmosfera sobre um lugar em sua sucessão habitual” (SORRE, 1951, p. 14). Este conceito analisa a atmosfera diante de todos os seus estados, desconsiderando o estado médio e dando importância ao habitual e ao excepcional ou ao normal e ao anômalo. Ademais, conforme já discutimos, este conceito engloba a sucessão dos tipos de tempo, isto é, o ritmo climático, abordagem apropriada à climatologia geográfica (SANT’ANNA NETO, 2004; BARROS, 2009; ZAVATTINI, 2009). Observamos anteriormente também que a Meteorologia possui dois ramos: o Tradicional ou Separativo e o Dinâmico ou Sintético. Então, se a climatologia se apoia na meteorologia, por consequência, ela também possui duas formas de abordagem: 1) a tradicional ou separativa e 2) a dinâmica ou sintética. A primeira trata de isolar os elementos climáticos (temperatura do ar, precipitação pluvial, nebulosidade, insolação etc.) e estudá-los a partir de médias calculadas e dispostas em cartas e gráficos. Esta abordagem é muito utilizada ao redor do planeta, todavia, acaba por diluir a realidade a partir das médias. Quando médias são calculadas, o fiel sentido e o impacto dos valores excepcionais (anômalos) ou daqueles pouco ocasionais acabam por desaparecer (BARROS; ZAVATTINI, 2009). No entanto, sabemos que os registros que “fogem” da média também são importantes. Ao olharmos um dado médio anual de chuva para uma determinada localidade, por exemplo, podemos deixar passar por despercebido um evento de precipitação extrema registrado em horas. Episódios de chuvas intensas em poucas horas, geralmente, são muito impactantes para a sociedade. Sendo assim, estaríamos ignorando um evento importante e caríssimo sob o viés geográfico. Conforme Monteiro (1962), os registros dos elementos climáticos menos ocasionais também são indicadores do ritmo atmosférico de um local. UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DE CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA 10 A segunda abordagem, a dinâmica (ou sintética), explora as massas de ar, examinando ainda os sistemas frontais que elas próprias constituem (MONTEIRO, 1962). A climatologia dinâmica se apropria dos elementos atmosféricos de forma individualizada, tal qual a tradicional (separativa), para auxiliar no entendimento dos sistemas atmosféricos atuantes em determinada análise (BARROS, 2009; ZAVATTINI, 2009), mas isso de forma secundária. Aqui, voltamos a mencionar o método desenvolvido por Monteiro (1971), a análise rítmica, pois ele se utiliza das duas perspectivas para gerar seus resultados, entendendo a base genética do clima e também o encadeamento dos tipos de tempo, sem desconsiderar os dados reais dos elementos atmosféricos ou transformando-os em médias. Nós verificamos as duas abordagens da Climatologia e entendemos que, aquela que mais se harmoniza com o objeto de estudo da geografia é a dinâmica. No entanto, será que se apropriar da climatologia tradicional (separativa) é um erro? Será que uma abordagem exclui a outra? Barros (2009) e Zavattini (2009) indicam que não para as duas perguntas. Aliás, elas são complementares. Ao passo que a análise dinâmica se utiliza de períodos cronológicos atmosférico que retratem uma realidade climática, a análise tradicional demanda longos períodos de dados registrados dos fenômenos e/ou dos elementos atmosféricos. Contudo, a abordagem tradicional pode fornecer valores médios que apontam tendências e frequências, por exemplo. Barros (2009) e Zavattini (2009), embora não digam que uma abordagem aniquila a outra, são enfáticos ao falar que a verídica compreensão do ritmo climático só é possível se os valores médios forem abandonados e se os valores extremos forem considerados para a realidade de um local. O tratamento dinâmico nos estudos em climatologia geográfica não invalida e nem substitui o tradicional ou vice-versa, porém, sem dúvida, a climatologia dinâmica representa um melhoramento dos saberes climatológicos da terra (MONTEIRO, 1969; BARROS (2009); ZAVATTINI, 2009). Mesmo diante de tudo o que foi exposto até agora, alguém ainda pode se perguntar: “mas qual o motivo de ser climatologia geográfica e não apenas Climatologia?”. É certo que existem geógrafos e professores de geografia que não compartilham desta concepção, todavia, o conceito de climatologia geográfica não ocorre apenas por ser ensinada e/ou praticada dentro da formação em Geografia, tampouco por algum tipo de fetiche infundado. O conceito está diretamente ligado ao objeto de estudo da ciência geográfica, de incluir o ser humano dentro do processo, de entender o clima como produtor do espaço e de não excluir a natureza da análise. Portanto, sendo pertinente. Ademais, a climatologia geográfica, por tudo isso, está preocupada com as repercussões climáticas em superfície, nos baixos níveis da atmosfera, ao passo que a Climatologia praticada pelos meteorologistas, por exemplo, se preocupa, por vezes, com níveis da atmosfera que não geram qualquer tipo de impacto direto ao ser humano. TÓPICO 1 — AS BASES DA CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA 11 O conceito de climatologia geográfica é tão importante e tão difundido entre a maioria dos geógrafos brasileiros que, bianualmente, ocorre um evento nacional intitulado: Simpósio Brasileiro de climatologia geográfica (SBCG). O evento já passou por mais de dez edições e tem, em média, um público de 500 pessoas. Isso reforça e pode servir de parâmetro para demonstrar a relevância que a escola brasileira de climatologia geográfica representa no país. As publicações das edições anteriores do SBCG podem ser consultadas também no website da Associação Brasileira de Climatologia (ABClima). IMPORTANT E No Tópico 1, tivemos a oportunidade de entender as bases teóricas que fundamentam o conceito de climatologia geográfica e, também, quais são e como são as possíveis abordagens da Climatologia, com maior ou menor viés geográfico. Nos próximos tópicos da Unidade 1, avançaremos nos conteúdos mais aplicados da climatologia geográfica! 12 Neste tópico, você aprendeu que: • A climatologia não pertence a uma ou outra área do conhecimento específica, entretanto, ela possui suas bases nas ciências naturais. Especialmente no Brasil, há uma variação ou uma extensão da climatologia, conhecida como climatologia geográfica. • A geografia brasileira e a climatologia – por consequência – têm as suas bases na escola francesa, sobretudo por conta dos primeiros docentes provenientes da França, que ocuparam os mesmos cargos nas universidades do país na época, de modo geral, entre 1930 e 1960. Além disso, a climatologia geográfica desenvolvida pelo professor Monteiro também tem as suas raízes no referenciado país europeu, galgada na concepção climática de Sorre (1951) e nos trabalhos de Pédelaborde (1970). • A noção de ritmo climático é o que fundamenta a climatologia geográfica e o que fornece embasamento da passagem de uma climatologia tradicional- separativa para uma dinâmica-sintética. O estudo do ritmo climático foi um grande contributo do professor Monteiro (1971), a partir do método desenvolvido por ele, conhecido como análise rítmica. • A climatologia tem suas bases na meteorologia. Além disso, há duas formas de abordagens para os estudos climáticos: a tradicional ou separativa, que estuda os elementos atmosféricos de modo fragmentado, pautados em dados médios e; a dinâmica ou sintética, que trata de analisar os elementos de forma integrada, descartando os dados médios e dando subsídio aos estudos das massas de ar e, consequentemente, ao encadeamento dos tipos de tempo. • A climatologia dinâmica é aquela que mais se adapta à geografia, pois possibilita análises mais apropriadas entre os fenômenos atmosféricos reais, em nível diário, e os impactossobre a sociedade, ou seja, auxilia no entendimento de como o clima pode repercutir no espaço geográfico, objeto de estudo da geografia. • Os motivos pela qual a climatologia praticada pelos geógrafos recebe o nome de climatologia geográfica, entendendo que não se trata de uma mera terminologia, mas sim de um conceito respaldado na noção de integração dos elementos atmosféricos, de ritmo, de associação entre clima e sociedade e, portanto, que se preocupa com as decorrências em nível de superfície e nos primeiros metros da atmosfera. RESUMO DO TÓPICO 1 13 1 Observamos, ao longo do tópico, que a climatologia geográfica exibe, basicamente, duas linhas ou forma de ser trabalhada, uma de cunho mais estática, subdividindo os elementos em “caixinhas” e outra mais dinâmica, integrando os elementos e dando noção de ritmo climático. Sobre as diferentes possibilidades de abordagens da climatologia apresentadas a seguir, relacione cada uma delas com as suas respectivas características: I- Tradicional (separativa). II- Dinâmica (sintética). ( ) Se preocupa com a análise dos elementos atmosféricos de maneira fragmentada e, geralmente, se apropria de dados médios em suas análises. ( ) É mais afeita aos estudos geográficos e, portanto, fundamenta o conceito de climatologia geográfica. ( ) Está mais ligada aos estudos das massas de ar, dos sistemas frontais e ao encadeamento dos tipos de tempo sob um determinado local, considerando o habitual e o excepcional atmosférico. ( ) Possui no método da análise rítmica uma das possibilidades de ser estudada e de fornecer análises mais refinadas e de sequência climática. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) I – II – I – II. b) ( ) II – I – I – II. c) ( ) I – I – II – I. d) ( ) I – II – II – II. 2 As análises em climatologia geográfica podem ser feitas a partir de diferentes escalas temporais, dentre elas: horária, diária, mensal, anual e até mesmo em outros recortes. Algumas escalas apresentam mais refinamento do que outras e, para efetuar a técnica da análise rítmica, é necessário que seja possível analisar os elementos climáticos em conjunto com as cartas sinóticas, a fim de averiguar o encadeamento dos tipos de tempo. Segundo Monteiro (1971), o estudo da variação dos elementos do clima em conjunto com a interpretação das cartas é o que enriquece o dinamismo intrínseco às análises climáticas. Portanto, diante do exposto, assinale a alternativa que indica a escala mínima necessária para a aplicação da análise rítmica: FONTE: MONTEIRO, C. A. F. Análise rítmica em Climatologia: problemas da atualidade climática em São Paulo e achegas para um programa de trabalho. Climatologia, São Paulo, v. 1, p. 1-21, 1971. a) ( ) Mensal. b) ( ) Diária. c) ( ) Anual. d) ( ) Semanal. AUTOATIVIDADE 14 3 Diante do que aprendemos sobre as bases da climatologia geográfica, da importância do novo paradigma de estudos climáticos desenvolvido por Sorre (1951) e ampliado por Pédelaborde (1970) e Monteiro (1971), reflita sobre o tema e responda: o que define o conceito de climatologia geográfica e qual o motivo para diferenciá-lo apenas de climatologia? FONTE: MONTEIRO, C. A. F. Análise rítmica em Climatologia: problemas da atualidade climática em São Paulo e achegas para um programa de trabalho. Climatologia, São Paulo, v. 1, p. 1-21, 1971. FONTE: PÉDELABORDE, P. Introduction à l’étude scientifique du climat. Paris: SEDES, 1970. FONTE: SORRE, M. Le Climat. In: SORRE, M. Les Fondements de la Géographie Humaine. Paris: Armand Colin, 1951. 15 TÓPICO 2 — UNIDADE 1 VOCÊ SABE A DIFERENÇA ENTRE TEMPO E CLIMA? 1 INTRODUÇÃO No tópico anterior, tivemos a oportunidade de estudar as bases conceituais da climatologia geográfica, campo do conhecimento e disciplina importante nos estudos socioambientais do planeta e na formação dos geógrafos e dos professores de Geografia. Além disso, verificamos também que a climatologia tem suas bases na meteorologia. Embora uma tenha base na outra, será que os seus domínios são idênticos? Qual destas duas se debruça sobre os aspectos climáticos e qual sobre os aspectos meteorológicos? Por sinal, qual a diferença entre tempo e clima? Talvez você já tenha a resposta, mas, que tal esmiuçarmos algumas definições e compreendermos em conjunto às diferenciações existentes? Informações ligadas às condições do tempo ou às condições climáticas, atualmente, são comuns em nosso cotidiano. Ao assistirmos televisão, ao abrirmos um aplicativo no celular ou até mesmo ao folharmos um jornal impresso, podemos reparar em notícias ou conteúdos que abordam tais assuntos, principalmente no que diz respeito à previsão do tempo e/ou as mudanças climáticas globais. Nos dias de hoje, mesmo que seja corriqueiro e até comum observarmos notícias e informações ligadas aos aspectos atmosféricos, ainda é frequente verificarmos a utilização de forma errônea das palavras/conceitos tempo e clima, seja por parte da população em geral, de jornalistas ou, por vezes, até mesmo de profissionais ligados às ciências que envolvem estudos atmosféricos. Então, caro acadêmico, será que é correto dizer que, por exemplo, amanhã o clima em Porto Nacional, no Tocantins, estará chuvoso? Ou que o tempo de São Joaquim, em Santa Catarina, durante o inverno é frio? Responderemos tais questionamentos ao longo do Tópico 2. Bom aprendizado! 16 UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DE CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA 2 CLIMA É AQUILO QUE ESPERAMOS, TEMPO É O QUE SENTIMOS Para nós, estudantes e entusiastas da geografia e de outras áreas, como: meteorologia, agronomia, oceanografia e física, os conceitos e as definições de tempo e clima são fundamentais, pois ao utilizar um ou outro, as conotações são (ou pelo menos deveriam ser) completamente diferentes. Nos livros que tratam dos aspectos meteorológicos e climatológicos é comum encontrarmos as definições de tempo e clima logo nas primeiras páginas dos capítulos iniciais. Um exemplo disso pode ser visto no princípio do livro Tempo e Clima no Brasil, quando Dias e Silva (2009, p. 15) usam a citação de Mark Twain para dizer que “Clima é aquilo que esperamos, tempo é o que sentimos”, ou seja, basicamente, podemos dizer que clima é uma condição estabelecida através de um longo período de observação dos tipos de tempo, na casa de décadas. Ao passo que o tempo é definido pelas condições meteorológicas que variam ao longo do dia a dia, influenciados pelos sistemas atmosféricos atuantes em curto prazo. A Organização Meteorológica Mundial (WMO, em inglês) define clima como as “condições atmosféricas médias para um local específico por um longo período (WMO, c2020). No que se refere à concepção de tempo, o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) do Brasil define como: “estado físico das condições atmosféricas em um determinado momento e local. Isto é, a influência do estado físico da atmosfera sobre a vida e as atividades do homem” (INMET, c2020a). Para a Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (NASA, em inglês), a diferença entre tempo e clima é uma medida de tempo. O tempo (meteorológico) são as condições da atmosfera durante um curto período; o clima, por sua vez, é como a atmosfera "se comporta" por períodos relativamente longos (NASA, 2005). Mendonça e Danni-Oliveira (2007, p. 13), complementam expondo que o estado atmosférico, em um instante e em um dado local, é fornecido pelo conjunto de elementos que o caracteriza naquele momento, como, por exemplo: a umidade relativa do ar, a temperatura, a precipitação, a pressão atmosférica etc. As definições de tempo e clima supracitadas, todas elas semelhantes, carregam consigo as concepções provenientes da Meteorologia e da Climatologia como sua subárea. No entanto, no escopoda Climatologia, estudada como um ramo da Geografia, a noção de tempo é mais ampla do que os conceitos meteorológicos citados previamente. Para os geógrafos, o tempo refere-se às combinações que se repetem, nem sempre idênticas, contudo, geradoras de sensações fisiológicas similares, de acordo com Pédelaborde (1970), baseando-se em Sorre (STEINKE, 2012). Tal concepção faz com que outra terminologia seja adotada para designar o tempo atmosférico, ou seja, a expressão e a noção de tipos de tempo. Um tipo de tempo é composto quando uma junção de elementos que se repetem aparece com frequência, sem serem idênticos, mas, muito próximos e gerando efeitos iguais (PÉDELABORDE, 1970). Sorre (1951) destaca que, em cada instante, a composição dos elementos atmosféricos forma um conjunto característico – o tempo –, e a sucessão dos tipos de tempo é conduzida pelas leis da meteorologia dinâmica (STEINKE, 2012). TÓPICO 2 — VOCÊ SABE A DIFERENÇA ENTRE TEMPO E CLIMA? 17 Além desta distinção do conceito de tempo, para a geografia, ou melhor, para a climatologia geográfica, o conceito de clima também é delineado de outra maneira. Em uma perspectiva mais adaptada à geografia, podemos citar novamente a contribuição de Max Sorre. Para o francês, o conceito de clima pode ser definido como “o ambiente atmosférico constituído pela série de estados da atmosfera sobre um lugar em sua sucessão habitual” (SORRE, 1951, p. 14). O conceito sorreano de clima pondera os estados da atmosfera em sua totalidade e não o estado médio, envolvendo todas as condições, sem descartar os tipos excepcionais que as médias encobrem. Ademais, tal definição tem em vista a sucessão dos tipos de tempo, ou seja, o seu ritmo e a sua duração, tornando-a apropriada para a climatologia geográfica (BARROS, 2009; ZAVATTINI, 2009). O professor Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, adepto desta concepção de Sorre e que, como vimos no Tópico 1, lançou as bases da climatologia geográfica no Brasil, inclui o paradigma do ritmo ao conceito de clima, isto é, para ele, o clima é a sucessão habitual e excepcional dos tipos de tempo e suas articulações no sentido de retorno aos mesmos estados num determinado local da Terra (MONTEIRO, 1976; FIALHO, 2007; BARROS, 2009; ZAVATINI, 2009). A matriz positivista existente entre os séculos XVIII e XIX na Europa fracionou o conhecimento em ramos particulares, originando a ciência moderna. Foi neste cenário que o estudo da meteorologia ficou pertencendo ao campo das ciências naturais, mais especificamente ao ramo da física, sendo de sua aptidão o estudo dos fenômenos isolados da atmosfera e do tempo atmosférico (MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007). Do ponto de vista de um conhecimento científico com identificação própria, a aparição da Climatologia ocorreu somente algum tempo depois da sistematização da Meteorologia. A Climatologia, segundo Mendonça e Danni-Oliveira (2007, p. 14), pode ser considerada uma subdivisão da Meteorologia e da Geografia. É válido indicar que a Geografia compõe o quadro das ciências humanas e tem como objetivo o estudo do espaço geográfico por meio da interação entre sociedade e natureza (MENDONÇA; DANNI- OLIVEIRA, 2007). Mendonça e Danni-Oliveira (2007) indicam ainda que a climatologia, em sua especificidade geográfica, está entre as ciências humanas – na geografia e, particularmente, na geografia física –, e as ciências naturais, de forma mais clara na meteorologia e na física. Contudo, os autores esclarecem que ela está mais relacionada aos domínios da geografia. Para esclarecer o raciocínio, os autores apresentam um esquema que auxilia no entendimento, conforme pode ser visto na Figura 1: 18 UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DE CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA FIGURA 1 – POSIÇÃO DA CLIMATOLOGIA NO CAMPO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO FONTE: Adaptado de Mendonça e Danni-Oliveira (2007, p. 14) Geografia física Geografia Geografia humana Ciências humanas e sociais Meteorologia Física Ciências naturais e exatas Geomorfologia Hidrografia Climatologia Biogeografia Pedologia Além das definições supracitadas, um conceito de clima que não abordamos anteriormente e que, inclusive, serviu de base para a reflexão e para a mudança de paradigma proposta por Max Sorre, é a do austríaco Julius Hann, estabelecida no final do século XIX. Para Hann, clima é o conjunto de fenômenos meteorológicos que evidenciam a condição média da atmosfera sobre cada lugar do planeta. Como vimos outrora, o conceito estabelecido por Sorre, ampliado e aperfeiçoado por Pédelaborde e, principalmente, por Monteiro, superou o paradigma das médias atmosféricas, dando ênfase à noção de ritmo, ou seja, aos tipos de tempo (ou estados atmosféricos) habituais e excepcionais (MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007). Assim sendo, para a climatologia geográfica, o conceito de clima mais pertinente é o que dá caráter dinâmico a atmosfera, isto é, aquele idealizado por Sorre. A admissão da dinâmica atmosférica nos estudos de clima, considerando o habitual e o excepcional, tornou clara a relevância que esta abordagem tem para a geografia, pois são estes aspectos que causam maior repercussão às atividades humanas e não as médias. Portanto, as condições médias são insuficientes para o equacionamento dos problemas relativos ao que é importante para a geografia, melhor dizendo, para a inter-relação entre sociedade e natureza (MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007). Steinke (2012), concordando com Mendonça e Danni-Oliveira (2007), evidencia que a climatologia também é uma subdivisão da geografia física, que se empenha em investigar os fenômenos atmosféricos e sua espacialização, além disto, de suas repercussões na sociedade. Nesse sentido, conforme apresenta Ayoade (1996), é importante exibir outros domínios de atuação da climatologia, ou, na verdade, algumas subdivisões de suas potencialidades, tais quais podem ser vistas no Quadro 1: TÓPICO 2 — VOCÊ SABE A DIFERENÇA ENTRE TEMPO E CLIMA? 19 QUADRO 1 – CAMPO DA CLIMATOLOGIA E SUAS SUBDIVISÕES FONTE: Adaptado de Ayoade (1996, p. 3) Climatologia Regional Estudo dos climas em áreas selecionadas da Terra. Climatologia Sinótica É o estudo do tempo e do clima em uma área com relação ao padrão de circulação atmosférica predominante. A climatologia sinótica é, assim, essencialmente uma nova abordagem para a climatologia regional. Climatologia Física Envolve a investigação do padrão dos elementos do tempo ou processos atmosféricos em termos de princípios físicos. Neste, dá-se ênfase à energia global e aos regimes de balanço hídrico da Terra e da atmosfera. Climatologia Dinâmica Enfatiza os movimentos atmosféricos em várias escalas, particularmente na circulação geral da atmosfera. Climatologia Aplicada Enfatiza a aplicação do conhecimento climatológico e dos princípios climatológicos nas soluções dos problemas práticos que afetam a humanidade. Climatologia Histórica É o estudo do desenvolvimento dos climas através dos tempos. Os domínios ou as subdivisões da climatologia, de acordo com o exibido por Ayoade (1996), são vastos, entretanto, alguns possuem mais aptidão para serem investigados pela climatologia geográfica do que outros. Não há empecilhos para se investigar uma ou outra subdivisão, todavia, tudo depende do objeto de estudo e das finalidades de cada campo do conhecimento. Além destas, de maneira recente, existe outra subdivisão da climatologia e, especialmente da climatologia geográfica, ganhando força e se tornando um domínio de atuação. Tal subdivisão é conhecida como climatologia cultural. Suas bases são alicerçadas pelo próprio ramo da geografia, a geografia cultural, que se interessa pela cultura material e imaterial dos grupos humanos, como: as suas ferramentas, as suas casas, a sua maneira de cultivar os camposou de criar os animais, enfim, pelas suas formas e seus saberes (CLAVAL, 2011). Romero et al. (2017) explicam que, as culturas baseadas nas práticas, nos conhecimentos e nos símbolos das comunidades locais, são responsáveis pelas sínteses territoriais sobre as quais a sociedade precisa decidir suas estratégias de adaptação no que diz respeito, por exemplo, as mudanças climáticas globais. O conceito de Climatologia Cultural leva em conta os saberes locais, incluindo comunidades tradicionais, nas tomadas de decisões, influenciando e caracterizando assim as redes de atores e suas tipologias espaciais. Embora existam diferentes domínios de atuação da Climatologia e algumas de cunho mais geográfico, definir o clima como as “condições atmosféricas médias para um local específico por um longo período” (WMO, c2020), não pode ser considerado um erro, entretanto, esta definição é puramente meteorológica. Para a geografia é o conceito com bases sorreanas e monterianas que se sustenta e que se apresenta mais apropriado aos estudos da área e, portanto, para a climatologia geográfica. 20 UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DE CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA Foram os gregos antigos que criaram a palavra klima, que originalmente queria dizer “inclinação, declive”. Etimologicamente, a palavra klima está ligada ao suposto declive da Terra, partindo do equador aos polos. Na divisão de zonas climáticas que os primeiros geógrafos elaboraram, quase correspondentes às modernas latitudes, cada uma das divisões era um klima, um segmento na rota de descaimento da superfície terrestre em seu progressivo afastamento do Sol. A palavra chegou ao latim como clima e ao francês, no século XIII, como climat. FONTE: RODRIGUES, S. Do 'klima' ao clima. 2017. Disponível em: https://veja.abril.com.br/ blog/sobre-palavras/do-klima-ao-clima/. Acesso em: 13 nov. 2019. DICAS Vale destacar que ao tratarmos dos domínios, das atribuições e dos objetos de estudo de cada um desses campos do conhecimento (Meteorologia e Climatologia), não estamos falando das atribuições profissionais regulamentadas e estabelecidas por conselhos e/ou leis. Tais discussões traçadas aqui estão no campo da produção do conhecimento, pois, é comum observarmos profissionais das mais variadas áreas se dedicando aos estudos climáticos. Voltando ao título do Tópico 2: Clima é aquilo que esperamos, tempo é o que sentimos, podemos afirmar que tempo é o que se sente, pois o estado atmosférico no presente instante em que você está lendo este trecho do texto, no exato local do planeta em que você se encontra, é precisamente o que você está sentindo. A definição de tempo remete a algo momentâneo e/ou de curto prazo, portanto, o correto é dizer que “Hoje o tempo está chuvoso” e não “Hoje o clima está chuvoso”, por exemplo. Também podemos dizer que o clima é aquilo que se espera porque, a título de exemplo, dependendo do lugar que você reside, há como esperar as condições do próximo inverno. Quem mora em Curitiba, no período invernal, já espera que situações de frio consideráveis ocorram. Portanto, para exemplificar, o adequado é falarmos “o clima de Curitiba é temperado, por isto, durante o inverno, alguns dias podem fazer muito frio”, e não “o tempo de Curitiba durante o inverno é agradável para mim, pois, faz frio”. Entretanto, excepcionalmente, sabemos que em Curitiba pode ocorrer dias com temperaturas mais elevadas do que o habitual, mesmo no inverno. Isso faz parte da variabilidade climática, ou seja, do excepcionalismo do clima. Trataremos de forma detalhada os climas do Brasil na Unidade 2. Portanto, caro estudante, quando alguém perguntar para você como está o clima em sua cidade, responda que, na verdade, o tempo hoje está chuvoso ou seco, por exemplo. A dimensão de clima está relacionada ao longo período, as condições que o ritmo climático confere ao seu município ou região em sua sucessão habitual, ao encadeamento dos tipos de tempo, caracterizadas pela sazonalidade de um período mais extenso. TÓPICO 2 — VOCÊ SABE A DIFERENÇA ENTRE TEMPO E CLIMA? 21 3 PREVISÃO DO TEMPO VS. PREVISÃO CLIMÁTICA Agora que você já sabe a diferença entre tempo e clima, vamos falar um pouco sobre as definições e as características das previsões atmosféricas! Quando assistimos um telejornal e o apresentador fala sobre a previsão do tempo para o dia seguinte ou para o próximo final de semana, estamos lidando diretamente com o conceito de tempo, pois está implícito no termo. No entanto, quando a informação diz respeito a como será o próximo verão, por exemplo, estamos tratando de uma previsão climática, logo, com o conceito de clima. Conforme Ynoue et al. (2017), por meio físicos, matemáticos e computacionais, é possível predizer numericamente o tempo e o clima, ou seja, conjecturar se nos próximos dias choverá ou não (previsão de tempo) ou se numa dada estação do ano futura será mais quente ou mais fria do que o normal/habitual (previsão de clima). As atribuições profissionais para realização de previsões do tempo e/ou previsões climáticas, legalmente, no Brasil, não é de responsabilidade dos geógrafos. Todavia, a ciência geográfica pode e deve se apropriar de tais informações para antecipar e resolver problemas, tais como, aqueles ligados ao planejamento regional e urbano, aos desastres, ao setor de produção de energia, entre outros. A título de exemplo, estas áreas de atuação são amplamente vinculadas às atribuições dos geógrafos, sendo assim, os diferentes tipos de previsão atmosférica podem auxiliar na tomada de decisões e também em políticas públicas. Por conta disto, é importante que os geógrafos e os professores de geografia saibam extrair informações essenciais destes prognósticos para aplicá-las ao objeto de estudo da geografia. Os profissionais que fazem previsões, seja do tempo ou do clima, necessitam de dados atmosféricos de acordo com seu recorte espacial de análise, em nível de superfície e em diferentes níveis de altitude. Não há um único sistema de medição de dados capaz de fornecer todas as informações indispensáveis para a realização de uma previsão, por conta disto, são utilizados vários meios para obtenção de registros atmosféricos. O ideal é que muitas observações meteorológicas sejam acopladas conjuntamente, variando de acordo com o tamanho da área em que se quer realizar a previsão: país, região, estado etc. Quantos mais dados confiáveis, melhor a previsão! As observações podem ser provenientes de aviões, aeródromos, balões meteorológicos, navios, boias oceanográficas, estações meteorológicas e satélites. Após a coleta, os dados de superfície e as sondagens de altitude são enviados para os centros específicos que dão o devido tratamento aos dados (IAG, c2020). Vale ressaltar que os radares meteorológicos também são importantes ferramentas nas previsões meteorológicas atuais. 22 UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DE CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA O Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo (European Centre for Medium-Range Weather Forecasts – ECMWF) publica diariamente a cobertura geográfica mundial de todas as fontes provedoras de dados disponíveis para se realizar previsões meteorológicas e outros produtos. Estas fontes incluem: aviões, aeródromos, balões meteorológicos, navios, boias, estações meteorológicas etc. Para ilustrar, em 6 de dezembro de 2019, a quantidade de fontes fornecedoras de dados era de 124.634 ao total, destas, 2.222 eram boias oceanográficas. Você pode consultar a quantidade de hoje através do website do ECMWF em: https://www.ecmwf.int/en/forecasts/charts/monitoring. DICAS Em geral, após a etapa inicial de coleta dos dados, há uma troca em nível internacional de informações, numa rede especial somente para fins meteorológicos, conhecidacomo: Sistema Global de Telecomunicações, vinculada aos países que compõem a Organização Meteorológica Mundial (OMM). O passo seguinte é a introdução destes dados em computadores superpotentes, programados para realizarem cálculos conhecidos como previsão numérica de tempo (IAG, c2020). Os prognósticos do tempo não são importantes somente em superfície (baixos níveis da atmosfera). A aviação, por exemplo, necessita de previsões em diferentes níveis para nebulosidade e condições de vento. Estas informações são de suma importância para os processos de decolagem e de aterrissagem das aeronaves. Além disto, algumas condições ameaçadoras podem aparecer durante os voos em altos níveis, como a turbulência e o gelo que pode ocorrer no interior das nuvens convectivas. Na navegação a previsão também é de suma importância, ela influencia na segurança da tripulação e da carga, pode prever tempestades, chuvas, formação de gelo, entre outras (IAG, c2020). A previsão do tempo influenciou até situações de guerra, como, por exemplo, na Guerra das Malvinas/Falklands (CALEARO; CARDOSO, 2018). Estas aplicações citadas são importantes para toda a sociedade, entretanto, de forma mais aplicada aos interesses da Geografia, podemos dizer que as previsões atmosféricas influenciam mais nos aspectos ligados a indústria, no setor de energia, no abastecimento de água, no comércio, na agricultura, na pecuária, na saúde humana e no turismo. As observações meteorológicas para estes setores interferem, por exemplo, no transporte de cargas, na execução de serviços, na previsão de consumo, na previsão de hospedagem, no conforto animal, nas épocas de plantio e colheita, entre outros. Para exemplificar, a previsão do tempo, de curto prazo, pode gerar impactos sensíveis no turismo de praia, no turismo de inverno para algumas regiões serranas do Brasil ou no turismo ligado ao esqui em países sul-americanos. Uma previsão que indica tempo chuvoso durante o TÓPICO 2 — VOCÊ SABE A DIFERENÇA ENTRE TEMPO E CLIMA? 23 final de semana, de maneira geral, fará com que o aporte de turistas nas praias seja menor. Este é um exemplo que pode parecer banal, entretanto, gera impactos sensíveis para aqueles que têm suas atividades econômicas ligadas ao turismo, além de outras, como o próprio lazer. Do ponto de vista de uma previsão climática, muitas são as informações que podem ser geradas para auxiliar no planejamento futuro. Previsões climáticas podem indicar semestres ou estações do ano mais secas ou mais chuvosas, mais quentes ou mais frias, habituais (normais) ou excepcionais (anômalas). A partir de tais informações, os gestores em nível de município, de estado e também de nação podem programar ações e/ou pensar em políticas públicas que tornem os impactos negativos menores para a sociedade. Periodicamente, órgãos nacionais divulgam prognósticos sazonais para todo o Brasil, tais informações são valiosas e importantes para a Geografia e para diversas outras áreas. O INMET e o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), pertencente ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), são os responsáveis por tais produtos em nível nacional (CPTEC, c2020a; INMET, c2020b). Sobre as aplicações das previsões climáticas ligadas ao objeto de estudo da Geografia, podemos utilizar o exemplo do abastecimento de água para algumas regiões. Entre os anos de 2014 e 2015, por exemplo, a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e seu entorno passou por uma crise hídrica ligada ao armazenamento do Sistema Cantareira que gerou grandes impactos negativos para diferentes setores da sociedade (FONTÃO, 2018). Tal crise teve vários fatores que influenciaram em sua materialização, entretanto, a partir de uma previsão climática que indique escassez de chuva para um determinado período futuro, os gestores e a própria população podem tomar algumas medidas visando frentes de preparo e, portanto, a diminuição das repercussões negativas deste cunho. Este é um exemplo específico, mas previsões climáticas influenciam diretamente em muitos outros setores, incluindo até o financiamento de recursos monetários por parte dos bancos aos produtores rurais. O Brasil é um grande produtor agrícola, sendo esta uma atividade de suma importância para o país, que depende diretamente de condições climáticas favoráveis, portanto, as previsões exercem papel fundamental para o planejamento de cada safra, de cada cultivo específico. Alguns especialistas indicam que 60% a 70% da produção agrícola dependem do clima (DIAS, 2019). As previsões climáticas se diferenciam das previsões do tempo por alguns motivos, dentre eles: pelas variáveis que consideram em seus modelos; pelo período futuro ao qual realizam o prognóstico e pelas possibilidades de planejamento prévio, ou seja, pelas suas possibilidades de uso. 24 UNIDADE 1 — FUNDAMENTOS DE CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA Conforme tratamos anteriormente, a previsão de tempo leva em consideração dados praticamente em tempo real de aviões, aeródromos, balões meteorológicos, navios, radares, boias oceanográficas, estações meteorológicas etc., em curto prazo, para fazer previsões para o breve período, até quinzenal, com maior índice de acerto entre dois e cinco dias (CPTEC, c2020a). Duarte (2010), com base em um dos meteorologistas especialistas do CPTEC/INPE e, na ocasião, coordenador do centro, indica que as previsões do tempo levam em consideração algumas variáveis atmosféricas, tais quais: pressão atmosférica, direção e intensidade dos ventos, umidade do ar e chuva. Após a avaliação destes elementos é possível identificar os sistemas meteorológicos que estão atuando sobre a atmosfera, como, por exemplo: ciclones, anticiclones, frentes frias ou frentes quentes. É diante destas características da atmosfera que se torna viável fornecer a previsão do tempo (DUARTE, 2010). De acordo com Sampaio (2016), os modelos que realizam as previsões climáticas são extensões dos modelos de previsão de tempo, todavia, suas bases consideram também outras variáveis. As previsões climáticas levam em conta as condições oceânicas, ou seja, alicerçando-se no acoplamento oceano-atmosfera. As previsões climáticas para o Brasil são feitas pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do INPE e divulgadas com até três meses de antecedência. A previsão de eventos naturais como o El Niño-Oscilação Sul (ENOS) e suas respectivas fases: El Niño (positiva), La Niña (negativa) ou neutralidade, tem amparado governos de diferentes instâncias em ações para abrandar danos materiais e perdas humanas, demonstrando importância estratégica no planejamento de atividades econômicas e sociais (CPTEC, c2020a). O ENOS é um fenômeno que provoca efeitos atmosféricos em diversas áreas do planeta, podendo modificar as condições climáticas substancialmente, contudo, sua origem é oceânica, repercutindo de acordo com a temperatura da superfície do mar (TSM) no Pacífico Equatorial. No Brasil, suas consequências, de acordo com a fase, podem incluir chuvas intensas e secas para diferentes regiões do país, por exemplo (CPTEC, c2020b). Trataremos sobre o ENOS e outras oscilações de fenômenos climáticos naturais na Unidade 3. No entanto, como é feita a previsão de clima no Brasil? O CPTEC utiliza o Modelo de Circulação Geral da Atmosfera (MCGA) para fazer suas previsões desde janeiro de 1995. As previsões são realizadas mensalmente, com foco na divulgação da previsão sazonal para todas as regiões do país. No que diz respeito à TSM, as análises do MCGA são feitas com base em dados médios pretéritos observados por um longo período, a partir disto há como saber se as condições serão anômalas (negativas ou
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