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Literatura Brasileira Contemporânea 1ª edição 2018 Literatura Brasileira Contemporânea 3 Palavras do professor Olá, estudante! Na disciplina Literatura Brasileira Contemporânea, você saberá de que forma se dava o processo criativo de nossos autores ao compor suas narrativas e suas poesias, levando em conta os momentos histórico, social e cultural que vivenciavam, além de como se dava a cons- trução de suas obras em relação aos aspectos estilísticos e a forma como eles utilizavam a palavra, tornando suas criações universais. Como professores de literatura, somos de suma importância para a for- mação de nossos alunos leitores, afinal, o gosto por ler se aperfeiçoa na escola. No entanto, as aulas de literatura vão além disso, já que, muitas vezes, podem servir para qualificar as pessoas a compreenderem melhor a si mesmas e ao mundo que as rodeia. Bom aproveitamento! 1 4 Unidade 1 Geração de 1945: Romance de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, além da Poesia de João Cabral de Melo Neto Para iniciar seus estudos Convidamos você, a partir de agora, a saber um pouco mais sobre os principais movimentos literários do nosso país que teceram a literatura tal qual a concebemos hoje, principalmente o que teve início no ano de 1945, época em que os autores trilhavam um caminho em busca da experimentação e múltiplas possiblidades temáticas em suas obras, con- siderando aspectos sociais e políticos que os influenciaram em suas pro- duções artísticas, chegando a tornar a nossa literatura reconhecida inter- nacionalmente. Objetivos de Aprendizagem • Conceituar Literatura. • Apresentar, brevemente, os diversos movimentos da Literatura Brasileira. • Indicar a relevância do conhecimento dessa base para o estudo dos textos contemporâneos. 5 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 1 - Geração de 1945: Romance de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, além da Poesia de João Cabral de Melo Neto 1.1 Um pouco de história e o Modernismo no Brasil O mundo estava em plena crise após a industrialização – o setor da indústria como fonte de renda e de aber- tura de mercados sustentando a economia – e, diante disso, buscavam-se soluções para minimizar os prejuízos da crise, principalmente em razão da improdutividade nos processos de produção e da diminuição nos lucros. Assim, muitos passaram a crer nas ideias de Marx e Engels, dois teóricos alemães que preconizavam um modo socialista de viver, no qual deixaria de existir a propriedade privada, transformando-se em propriedade coletiva, isto é, de todos, em oposição à opressão pela qual passavam as classes menos abastadas da sociedade. Contudo, em alguns lugares do mundo, ainda tentava-se manter o capitalismo, tornando o Estado controlador da economia, cujo nome ficou conhecido como Neocapitalismo. Desse modo, a intervenção estatal continuaria garantindo a propriedade privada e os lucros; logo, as sociedades estavam divididas: ora capitalistas, ora socialistas. No Brasil, vivia-se a era Vargas (entre 1930 e 1945), período marcado pela ditadura, em que havia censura aos meios de comunicação e uma inatividade política, pois o poder estava centralizado nas mãos do presidente Getúlio Vargas. No entanto, três leis foram criadas e promulgadas: a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), o Código Penal e o Código de Processo Penal, que até hoje vigoram. Já o cenário cultural brasileiro na era Vargas teve como destaques na literatura, objeto de nosso estudo, vários autores que trabalhavam a identidade brasileira, formada por diferentes indivíduos e costumes; assim, o campo literário focou no regionalismo, ao recontar histórias que aconteciam por diversas regiões do país. Entretanto, como Vargas detinha o poder, muitos artistas não podiam se expressar livremente, muito menos fazer alguma crítica ao governo, por conta da censura que existia. Depois do fim da era Vargas, em 1945, juntamente com a renovação política, se fixou uma renovação artística, que surgiu no ano do centenário da independência, em 1922, época em que uma boa parte da população ainda era marginalizada. Com isso, um movimento novo começou a despontar culturalmente, denominado Moder- nismo, tendo como marco inicial a Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo, no mês de fevereiro de 1922, que contou com a participação de muitos artistas antes desconhecidos, mas que se tornaram influentes dos que vieram depois. Nesse ínterim, revistas e manifestos foram criados, tendo uma forte inclinação em defesa de um patriotismo versus exportação; primitivismo versus erudição; e na poesia, propunha-se o verso livre, sem o apego a regras; a livre associação de ideias; uma valorização do cotidiano realizada com irreverência; um olhar mais voltado para o presente, o progresso e as inovações; a predominância de um coloquialismo nas produções tanto poéticas quanto em prosa; e a presença do humor como deboche para criticar posturas sociais. 6 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 1 - Geração de 1945: Romance de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, além da Poesia de João Cabral de Melo Neto Figura 1.1: Representação de patriotismo Legenda: A imagem representa o patriotismo como um dos temas principais do modernismo brasileiro. Fonte: Plataforma Deduca (2018). O modernismo apresenta-se em três fases. A primeira fase, inspirada nas vanguardas europeias, aproximava a arte da brasilidade, cujos temas eram nacionalistas, de toda gente brasileira, com uma pitada de ironia. Veja um trecho do poema escrito por Manuel Bandeira, autor com destaque na primeira fase, que incorpora o tom irônico e um tema do cotidiano: Poemeto irônico O que tu chamas tua paixão, É tão-somente curiosidade. E os teus desejos ferventes vão Batendo as asas na irrealidade [...].(FARACO; MOURA, 1998, p. 267). Já a segunda fase modernista, a chamada Geração de 30, foi marcada pela afirmação dos valores modernos, ins- taurados na Semana de Arte Moderna, cujos temas centrais tinham caráter social, cultural e econômico, havendo também a influência da psicanálise de Freud, que, na prosa, tinha como objetivo desvendar o mundo interior das personagens. Leia, a seguir, um poema de Cecília Meireles, autora renomada da segunda fase modernista, que reflete uma preocupação com a fugacidade do tempo, a solidão humana e certa melancolia existencial: Canção Pus o meu sonho num navio e o navio em cima do mar; – depois, abri o mar com as mãos, para o me sonho naufragar. 7 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 1 - Geração de 1945: Romance de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, além da Poesia de João Cabral de Melo Neto Minhas mãos ainda estão molhadas do azul das ondas entreabertas, e a cor que escorre dos meus dedos colore as areias desertas. O vento vem vindo de longe, a noite se curva de frio; debaixo da água vai morrendo meu sonho, dentro de um navio. [...]. (FARACO; MOURA, 1998. p. 315). Na terceira fase modernista, que equivale ao período entre 1945 (marcando o fim da Segunda Guerra Mundial) e 1960 (ano em que Brasília foi inaugurada), época chamada de pós-modernista, a perdurar até os dias atuais, alguns artistas se sobressaíram na cena cultural brasileira, como Clarice Lispector, Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto, cujas obras apresentaram tendências novas na prosa e na poesia: • Prosa psicológica: iniciada na segunda fase, ganha maior profundidade e complexidade ao narrar os con- flitos internos do ser humano, cujo maior expoente foi Clarice Lispector. • Prosa urbana: centra-se nos conflitos vividos pelo homem urbano. • Prosa regionalista: traz uma nova roupagem na linguagem, contendo neologismos, expressões colo- quiais e regionais, cujo maior expoente foi Guimarães Rosa. • Poesia universal: dispensa a irreverência das fases anteriores e se propõe a um rigor mais formal, erudito, seguindo métricas mais rigorosas, cujo maior expoente foi João Cabral de Melo Neto. Obtenha mais conhecimento sobre a Semana de Arte Moderna que deu inícioao movimento modernista. Clique aqui: <http://semana-arte-moderna.info/>. Neologismos: Adoção de palavras novas ou sentidos diferentes dados às palavras. 8 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 1 - Geração de 1945: Romance de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, além da Poesia de João Cabral de Melo Neto 1.2 O que é literatura? Antes de nos limitar a conceituar literatura, devemos compreender o processo de transição pelo qual ela per- passou aqui no Brasil, uma nação colonizada por portugueses e influenciada também por outros povos, carac- terizando-se como uma tradição importada, ao mesmo tempo em que se tentava uma nativização, ao valorizar as coisas nacionais. Assim, percebemos que a literatura brasileira se constituía pela tradição europeia e por uma busca identitária. Nativização: Relativo ao que é nativo, pertencente a uma nação. Identitária: Relativo à identidade. Desse modo, a consciência literária – entendida, aqui, como a maneira de vivenciar e experimentar aspectos da totalidade e do próprio mundo interior – é direcionada para dois polos: seguir as tendências europeias e firmar-se na tradição local. Esse enfrentamento vivenciado na literatura traz um movimento curvilíneo e contínuo de exaltação e de pessi- mismo, o qual advém do século XIX e permanece até agora, qualifica a nossa sociedade como uma nação em curso. Figura 1.2: Nação em curso, em desenvolvimento Legenda: O Brasil desenvolvendo a sua própria identidade, a sua autoestima, comparado aos demais países já desenvolvidos. Fonte: Plataforma Deduca (2018). 9 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 1 - Geração de 1945: Romance de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, além da Poesia de João Cabral de Melo Neto Entretanto, a origem da literatura pode ser compreendida, conforme comenta Coutinho (1968, p. LIX), da seguinte forma: A literatura, como a dança, como o canto, como a música, não podem deixar de ter sido diferen- tes também desde o início, quando os habitantes que os expressava era um homem novo desde o início, logo que aqui botou o pé, e criou nova atitude, novos hábitos culinários, novo sistema de convivência com os outros homens, a fauna, a flora, e teve que lidar com novos tipos de ani- mais e comer novas frutas, existentes numa natureza diferente, diante da qual caiu em verdadeiro êxtase. Se outros eram o homem e a sociedade, diversos deveriam ter sido e foram a literatura e demais artes [...]. Podemos complementar, ainda, que a literatura surge ao mesmo tempo em que existe uma sociedade que vive e sente, porque tanto as pessoas quanto ela envolvem aspectos históricos, culturais e estéticos. Por isso, a litera- tura é um instrumento de intervenção social. No que tange à estética, que se caracteriza como uma mediação entre a natureza individual e a universal, e que também é ponte entre a percepção e os conceitos, na literatura, ela detém um espaço peculiar, porque, pela estética, se descobrem momentos únicos de expressão que produzem uma dada perspectiva diante da realidade. Um fato curioso sobre a literatura é ela ser definida como manifestação; no entanto, o signi- ficado dessa palavra está atrelado à política, já que reflete sempre um ato coletivo a favor ou contra a alguma causa. Logo, caberia mais à literatura a noção de arte, como sendo um tipo de linguagem desta. Também podemos situar a literatura entre nós desde o tempo de Aristóteles, filósofo grego, que se ocupou em estudar e desvendar a arte poética de sua época e, assim, se aprofundou em diversas teorias, dentre elas a da mimese, uma técnica adotada na poesia épica, desde Platão, que consiste na arte da imitação, contudo, enca- rada por Aristóteles de forma diferente da de Platão, já que este a via como algo depreciativo, por afastar-se da verdade, ou do estado ideal, por ser uma cópia do real. Já para Aristóteles, o conceito de mimese está relacionado à capacidade criadora vinculada às ações contidas na poesia, e não nos versos. Era a poesia o gênero com maior destaque literário na época de Aristóteles, cuja característica principal advém da qualidade universal que a imitação ou mimese possibilita, ao criar ficção a partir do que é verossímil. Porém, não há uma só definição a respeito da literatura, e nem podemos detectar o seu caráter, ora ficcional, ora documental (baseado em fatos provenientes da realidade). Verossímil: Próximo ao real, ao que é verdadeiro, possível. 10 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 1 - Geração de 1945: Romance de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, além da Poesia de João Cabral de Melo Neto 1.3 Breve explanação dos movimentos literários Você já deve ter escutado a frase: “Tudo tem um começo, meio e fim”, certo?! Na literatura também é assim, e apresentar um panorama dos principais movimentos literários nos ajuda a entender como chegamos até aqui, em nosso momento atual. Por isso, a partir de agora, uma síntese das principais correntes da literatura será demonstrada, de forma a contribuir com seus estudos e lhe situar sobre a importância de compreender o pro- cesso de produção artística para a prática da leitura, principalmente. Quadro 1.1: Divisão dos principais movimentos literários no Brasil Período colonial: Quinhentismo (XVI) Barroco (XVII). • Literatura jesuíta – catequese de índios Padre José de Anchieta (catequizador) Sermões – gênero textual predominante • Literatura de informação – descobrimento do Brasil Pero Vaz de Caminha Cartas • Oposição entre o material e o espiritual • Poesia crítica e satírica Ascensão burguesa: Arcadismo (XVIII) Romantismo (XIX) • Objetivismo e razão • Temas: campo, natureza, idealização do amor • Cláudio Manoel da Costa, Marília de Dirceu, Basílio da Gama • Individualismo, nacionalismo • Idealização da mulher, sonho • José de Alencar, Castro Alves • O Guarani, Suspiros Poéticos Declínio do Romantismo: Realismo (XIX) Parnasianismo (XX) • Realidade social, conflitos urbanos • Linguagem coloquial • Aspecto psicológico • Crítica social, ironia • Machado de Assis, Aluízio de Azevedo, Raul Pompeia • Temas clássicos • Rigor formal • Poesia descritiva • Olavo Bilac, Raimundo Correa Período de transição: Simbolismo (XIX) Pré-Modernismo (XIX e XX) • Linguagem abstrata e sugestiva • Misticismo, religião • Temas: Morte, sonho, mistério • João da Cruz e Souza, Alphonsus de Guimaraens • Regionalismo, positivismo • Monteiro Lobato, Lima B., Augusto dos Anjos, Euclides Augusto dos Anjos, Euclides 11 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 1 - Geração de 1945: Romance de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, além da Poesia de João Cabral de Melo Neto Semana de Arte Moderna: Modernismo (1922/1930) • Linguagem com humor • Temas do cotidiano, urbanos • Liberdade de criação • Mario de Andrade, Oswald de A. • Cassiano Ricardo, Manuel Bandeira Legenda: Relação dos movimentos literários brasileiros, suas características e principais autores. Fonte: Faraco e Moura (1998). Para você ter uma noção de como as produções artísticas amadureceram no sentido de representarem as vozes emudecidas da sociedade, vejamos um trecho do conto Urupês, de Monteiro Lobato, autor pré-modernista, o qual já denunciava a marginalização de alguns indivíduos da sociedade brasileira que viviam em péssimas condi- ções, por conta das desigualdades sociais: Pobre Jeca Tatu! Como é bonito no romance e feio na realidade! Jeca mercador, Jeca lavrador, Jeca filó- sofo... Seu grande cuidado é espremer todas as consequências da lei do menor esforço – e nisto vai longe. Começa na morada. Sua casa de sapé e lama faz sorrir aos bichos que moram na toca e gargalhar ao joão-de-barro [...] Mobília nenhuma. A cama é uma espipada esteira de peri posta sobre o chão batido [...] Nenhum talher [...] Nada de armário ou baús. A roupa, guarda-a no corpo. Só tem dois aparelhos; uma que traz no uso e outro na lavagem. [...] Seus remotos não avós gozaram maiores comodidades. Seus netos não meterão quartaperna ao banco. Para quê? Vive-se bem sem isso. (LOBATO, [s. d.], p. 3) Vamos, agora, rever alguns aspectos importantes da era moderna, a fim de compreendermos o momento atual, uma vez que o movimento modernista rendeu grandes e contínuos desdobramentos na forma de se fazer arte e literatura até hoje. Bem no início, antes de o modernismo ser efetivamente reconhecido entre nós, fazer e consumir literatura ainda era algo relativo à academia (literária) e restrita à elite; contudo, certos autores já manifestavam o desejo de uma renovação, como Monteiro Lobato, Euclides da Cunha e Lima Barreto, artistas pré-modernistas. Essa vontade, com o passar do tempo, foi só se intensificando, principalmente em função das influências euro- peias, que já prenunciavam e dedicavam uma boa parte do conteúdo literário para buscar o novo, acompa- nhando as transformações que ocorriam na sociedade, como o avanço da tecnologia e da ciência, culminando na valorização das máquinas e de um olhar voltado para o futuro, o progresso. Porém, tudo isso ocorreu em meio às crises capitalista e financeira, subitamente instaladas na sociedade, resultando em duas guerras mundiais e levando as pessoas a se sentirem incertas quanto ao futuro. Nesse ínterim, surgem movimentos de vanguarda, refletindo o súbito desejo de viver o presente, por conta de não saber do amanhã. Dentre os principais movimentos estão: o futurismo, iniciado na Itália, o qual promovia a velocidade e o uso da tecnologia; o dadaísmo, servindo de resposta à guerra, entendida, segundo os dadaístas, como algo absurdo e ilógico, e suas obras de arte refletiam exatamente isso; o cubismo, manifestado na pintura, em que os artistas fragmentam a realidade e a remontam por meio de figuras geométricas; e o surrealismo, que sobrepõe a fantasia ou a ilusão à razão, retratando tudo o que vem à mente, sem se atentar para o que é coerente. A partir daí, existe um contínuo despertar de artistas, intelectuais e pensadores em relação à liberdade de criação e de expressão, com forte desejo de uma emancipação, valorizando o que é nacional. 12 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 1 - Geração de 1945: Romance de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, além da Poesia de João Cabral de Melo Neto Lembre-se de acessar o Fórum Desafio e deixar sua contribuição. É importante incluirmos o período que registrou, no país, uma diversidade grande nas obras literárias, em razão do amadurecimento no processo criativo dos autores, tanto na prosa quanto na poesia. Nomes como o de Gui- marães Rosa, Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto se evidenciam, então, na cena literária brasileira. Esse período ficou conhecido como Pós-Modernismo. Com mais expressividade na prosa, Guimarães Rosa reinou totalmente, adotando uma linguagem primitiva, quase em desuso, além de criar novas palavras e inserir outras peculiares das regiões onde se passavam suas histórias. As expressões coloquiais e regionais recolhidas das falas do sertanejo de Minas e da Bahia recriam a forma de estrutu- rar uma narrativa, tais como: alembrar – cê – tororoma (corrente de chuva forte), entre outras. A sua obra mais famosa é “Grande Sertão Veredas”, escrita em 1956 e reconhecida internacionalmente. O gênero ao qual pertence tal obra é o romance regionalista, mas pouco semelhante aos que eram criados no pré-modernismo, porque continha um quê de originalidade, aproximando a narrativa da oralidade, reinventando-a com maior clareza. Na obra de Guimarães Rosa, alguns aspectos da narrativa também devem ser comentados, como a não linea- ridade do enredo, em que, em alguns momentos, há a interrupção daquilo que é contado para ser inserido um tempo psicológico no qual se relatam breves passagens da vida da personagem protagonista e narrador, o can- gaceiro Riobaldo, com observações interessantes sobre a vida, que recebem um sentido universal, porém, sendo o enredo espaçado entre o sul de Minas, sul da Bahia e Goiás. A obra, que é narrada em primeira pessoa, traz um relato de Riobaldo tão intimista, ao refletir dúvidas e ques- tionamentos sobre o próprio ser humano, que, embora apresentada em uma linguagem renovada e específica, possibilita uma superação do regional para valores que são globais. Vejamos um pequeno trecho: Guerras e batalhas? Isso é como jogo de baralho, verte, reverte. [...] Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância. De cada vivimento quee eu real tive, de alegria forte ou pesar, cada vez daquela hoje vejo que eu era como se fosse diferente pessoa. Sucedido desgovernado. Assim eu acho, assim é que eu conto. (ROSA, 2001, p. 114-115) Assista ao vídeo em que Maria Bethânia lê trechos de “O Grande Sertão Veredas”, nos quais Riobaldo fala sobre seu sentimento por Diadorim. Disponível em: <https://www.youtube. com/watch?time_continue=1&v=oOdGvuzQjbA>. Já Clarice Lispector se destacou com seus romances intimistas, ao realizar uma análise, embora introspectiva, sobre a existência humana, revelando as angústias e os conflitos próprios do ser. 13 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 1 - Geração de 1945: Romance de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, além da Poesia de João Cabral de Melo Neto Figura 1.3: Estátua de Clarice Lispector Fonte: Wikipedia. Um dos romances mais prestigiados da autora é “A Hora da Estrela”, publicado em 1977. Leia um trecho dessa obra que evidencia uma análise introspectiva de si mesmo: Se tivesse a tolice de se pergun- tar “quem sou eu?” cairia estatelada e em cheio no chão. É que “quem sou eu?” provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto. (LISPECTOR, 1977, p. 36) Outro autor bastante relevante na literatura pós-modernista é João Cabral de Melo Neto, com grande destaque na poesia, pela objetividade com que escrevia de forma breve e concisa, mas seguindo um rigor formal e estético, sempre inspirado na realidade. Seu poema mais famoso é “Morte e Vida Severina”, veja um trecho: Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas e iguais também porque o sangue, que usamos tem pouca tinta. (MELO NETO, 1998. p. 2). Todos os três autores aqui citados fazem parte da geração que ficou conhecida como Geração de 1945, por conta do ano em que teve início uma nova maneira de produzir literatura, com um apuro e rigor formal menos apegado ao da geração anterior, a de 1930. Algumas obras desses autores, como “Morte e Vida Severina”, por exemplo, foram parar em peças de teatro. 14 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 1 - Geração de 1945: Romance de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, além da Poesia de João Cabral de Melo Neto 1.4 A base da literatura para entender o mundo contemporâneo É muito comum, hoje, assim como em tempos de outrora, mal compreendermos do que é realmente feita a nossa produção literária contemporânea, ainda mais se não demos conta de perceber alguns autores e conteúdos da disciplina de literatura que são tão importantes para a formação de leitores e escritores – e pensar que esse tipo de apagamento já acontecia na época em que Antonio Candido escreveu seu artigo “A Literatura Brasileira”, em 1979: Será possível a um contemporâneo dizer o que está acontecendo de realmente importante na lite- ratura de seu país? Muitas vezes o que há de importante não aparece no momento em que ocorre; está nos níveis escondidos, nas correntes subterrâneas, nos gritos sem eco. Permitam-me, pois, falar apenas sobre o que estou vendo na literatura atual do Brasil, colocando esta palestra sob a égide de um aforismo de Murilo Mendes: “Poucos homens atingem sua época”. (CANDIDO, 1979, p. 5) De certo modo, é preciso incluir nos conteúdos escolares obras e autores que delineiam o que concebemos como mundo contemporâneo, cujo significado que versa nos dicionários equivale tanto ao que se iniciou em uma mesma época (remota) comoao que existe de atual. Isso quer dizer que, já no passado, se discutia sobre con- temporaneidade, mesmo sem vivê-la como agora. Questões como o indivíduo ser fruto de seu período histórico e, ao mesmo tempo, desejoso de uma emancipação permearam essas discussões e, por mais irônico que seja, permanecem como temática nos dias de hoje também. Para complementar, vale incluir a noção de contemporaneidade, segundo o pensamento de Giorgio Agamben, em seu ensaio “O que é o contemporâneo?”: Somente quem percebe no mais moderno e recente os índices e as assinaturas do arcaico pode dele ser contemporâneo. Arcaico significa: próximo da arké, isto é, da origem. Mas a origem não está situada apenas num passado cronológico: ela é contemporânea ao devir histórico e não cessa de operar neste, como o embrião continua a agir nos tecidos do organismo maduro e a criança na vida psíquica do adulto. A distância – e, ao mesmo tempo, a proximidade – que define a contemporaneidade tem o seu fundamento nessa proximidade com a origem, que em nenhum ponto pulsa com mais força do que no presente. (AGAMBEN, 2009, p. 69) Desse modo, podemos compreender que tudo tem um início, uma origem, sendo algo dessa origem ainda assunto ou questão do presente, do atual, que se volta ao passado quando existe uma correspondência que assim o permita, levantando discussões acerca do que até este momento não foi resolvido, ou melhor, não foi entendido e superado. Muitas dessas questões que abatem a nossa época têm resquícios no passado, pois o homem continua sendo dominado por outro homem, em uma dinâmica predatória de nossa sociedade capitalista. Além disso, a organi- zação econômica baseada na propriedade coletiva falhou, resultando em Estados burocráticos e com imensos abismos sociais. Tal desconforto chegou à literatura, motivando autores a produzirem narrativas e poesias com base em temas sociais, além de ruminar no quanto tais fatos atingiam o psicológico das pessoas. Dois desses representantes são Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto. Entretanto, na literatura, também sempre houve uma forte tessitura para evidenciar os desalentos subjetivos, que partiam de universos internos, os quais serviam para refletir outros não muito bem resolvidos. Uma das auto- ras que mais ganhou notoriedade nesse assunto foi Clarice Lispector. Esses autores pertenceram à terceira geração modernista, denominada de Geração de 1945, e apresentaram uma proposta diferente daquela que vinha sendo feita na literatura, ao inovarem tanto o gênero do romance quanto a forma com que a linguagem era usada, conforme complementa Antonio Candido: 15 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 1 - Geração de 1945: Romance de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, além da Poesia de João Cabral de Melo Neto O grande impacto renovador de Clarice Lispector nos anos 40, e o de Guimarães Rosa nos anos 50, parece ter desnorteado um pouco a ficção brasileira. Imitá-los seria difícil, porque apresen- tam fórmulas demasiado pessoais, sem a racionalização teórica que permite transmiti-las, como as que serviam de base à difusão das inovações poéticas. Além disso, tanto um quanto outro se caracterizam por desromancizar o romance, puxando-o da prosa para a poesia, do enredo para a sugestão, da coerência temporal para a confusão do tempo. E isto tudo era mais ou menos difícil de incorporar a um gênero que, ao contrário da poesia, é objeto da demanda relativamente grande por parte do público, o que obriga manter certa comunicabilidade. Por outro lado, era genuinamente difícil continuar escrevendo como se aqueles dois grandes escritores não tivessem existido, porque eles abalaram os padrões anteriores: os do romance de análise, que Clarice Lispector dissolveu no caleidoscópio das impressões, ou os do romance regio- nal, que Guimarães Rosa despojou das suas cômodas muletas, o pitoresco e o realismo. Sem con- tar que ambos abalaram e questionaram a linguagem da ficção. (CANDIDO, 1979, p. 10). No entanto, os três escritores podem ser considerados contemporâneos, pois suas obras possuem indícios da atual crise dos valores da modernidade, posto que, só a partir dos anos 1950, as produções artísticas se caracteri- zavam pelo amadurecimento de questões como a valorização da cultura nacional e a busca por uma identidade. Podemos visualizar, também, em algumas obras desses autores, as mudanças que com eles ocorreram em rela- ção aos procedimentos linguísticos, ao processo criativo e à própria temática destacada na geração de 45. Deli- mitaremos, então, cada uma dessas características presentes em algumas obras dos autores analisados. Na obra de Clarice, “A Paixão Segundo G. H.”, lançada em 1964, o modo de narrar é diverso do normalmente realizado na época, pois não há um enredo tradicional. Logo no início, a narradora (que tem as iniciais G. H.) declara que não tem nada a dizer, uma vez que viver não é relatável. A obra trata do sentido existencial, em que a narradora está diante do paradoxo entre a perda e a busca pela própria identidade. De fato, as histórias de Clarice raramente têm um enredo, um começo, meio e fim, segundo os cânones narrativos tradicionais. Muitas vezes ela chamou a atenção para isto, afirmando que, na verdade, não era uma escritora, mas, sim, uma sentidora, uma intuitiva: registrava o que sentia, através da palavra escrita: um veículo como veículo como qualquer outro. (ABDALA JR.; CAMPE- DELLI, 1998, p. 131). Para que você compreenda melhor Clarice e sua influência na contemporaneidade, que possui relação com a capacidade da autora em escolher um tema qualquer do cotidiano e conscientizar-se da própria existência, assista ao vídeo que comenta “A Paixão Segundo G. H.”, disponível aqui: <https://www.youtube.com/watch?v=EyHRiKVnpkE>. Já em Guimarães Rosa, podemos perceber como prosa e poesia se fundem, porque os seus textos contêm ima- gens fáceis de imaginar, figuras de linguagem e certo ritmo que denota uma obra poética. Veja um exemplo no conto “O burrinho pedrês”, que transmite um ressoar entre as sílabas de cada verso e, também, incorpora à figura do animal o sentimento do amor: 16 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 1 - Geração de 1945: Romance de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, além da Poesia de João Cabral de Melo Neto Um boi preto, um boi pintado, cada um tem sua cor. Cada coração um jeito de mostrar o seu amor. (ROSA, 1908-1967, p. 37). Em Rosa, também nos é possível notar como as diversas e fragmentadas construções narrativas e identitárias, qualidades que se veem em nosso mundo contemporâneo, estão presentes tanto no conto “Sagarana” quanto em “O Grande Sertão Veredas”, cujas personagens se prendem à terra não por vontade própria, mas pela falta de condições para efetuar eventuais mudanças de vida. Por isso, o regionalismo latente em Guimarães Rosa é importante na literatura: porque esta acompanha a história e a integra, além de representar uma classe que até hoje sofre pelas mazelas sociais. O autor escreve de forma ímpar, transmitindo em sua narrativa o espaço onde ela se passa e, ao mesmo tempo, apresenta aspectos universais, como o amor proibido, o sentido da existência, as batalhas contra a subordinação, o conflito entre diabo e Deus, a realidade e a fantasia, caracterizando-se como uma narrativa modernista e tam- bém regionalista: “Conto o que fui e vi, no levantar do dia. “[...] Contei tudo. Agora estou aqui quase barranqueiro. [...] Sei de mim? Cumpro” (ROSA, 1978, p. 460). Outro autor, não menos importante – pelo contrário, um poeta de mão cheia –, que enriqueceu as vias introdu- zidas pelo modernismo com novas perspectivas, diferentes e inéditas, foi João Cabral de Melo Neto. Esse autor, diferentemente de outros pertencentes às gerações modernistas anteriores, não retratava o que colhia de infor- mações sobre quem ainda estava à margem da sociedade, mas se incluía nessa margem; nitidamente, foi um escritor provinciano. Em “Morte e Vida Severina”, Neto toma aperspectiva de um retirante que deseja chegar à cidade, sem, no entanto, conseguir, posto que, se chega, permanece nas periferias da cidade grande, à margem. O poeta Neto também imagina uma nação brasileira marginal, não descoberta, com base em um dado da história, em que se relata que, antes de Pedro Álvares Cabral, em nossas terras veio o conquistador espanhol Vicente Yañez Pinzón, que decidiu não desbravar a região desconhecida. Partindo desse episódio, o poeta Neto fez um poema: Vicente Yáñez Pinzón: Ele o primeiro a vê-lo e a vir, (na barra do Suape) ao Brasil, não deixou lá quandos nem ondes: só anos depois confessou-se. Porque aquela que então confessa “a terra de mais luz da Terra” não prendeu muito tempo os pés do homem de Palos de Moguer, Moguer, da clara, Andaluzia, caiada em Cádiz, em Sevilha? Ele se foi só por que não? Por ver-se na demarcação de Portugal? ou porque aquela luz metal, que corta e encandeia, acabaria enceguecendo mesmo o andaluz mais sarraceno? 17 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 1 - Geração de 1945: Romance de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, além da Poesia de João Cabral de Melo Neto Ele, talvez, nessa luz tanta Tenha pressentido a arma-branca com que em tudo se expressaria a gente de lá, algum dia. (MELO NETO, 1994, p. 415) O poeta contradiz a história e aponta o conquistador espanhol, que aqui chegou antes de Cabral, como sendo da mesma época em que se deu o processo do descobrimento de nossas terras pelos portugueses. E disso também deriva a importância do passado, cujas vozes silenciosas ecoam em um eventual momento presente, no qual um escritor brilhante como João Cabral de Melo Neto põe essas vozes a falar. Por outro lado, há contrapontos entre esses três grandes autores aqui comentados, relativos ao modo de cons- truir suas obras artísticas, que veremos a seguir. Comecemos, pois, pelo último poeta analisado, João Cabral de Melo Neto, um pernambucano que iniciou suas atividades na diplomacia, tendo viajado pelo mundo, e que também integrou a Academia Brasileira de Letras desde 1968. Para o autor, a poesia era uma construção, como uma casa, que se planejava de fora para dentro, e dizia que não conseguia escrever um poema de modo espontâneo. Também achava uma chatice a história de mundo interior (FARACO; MOURA, 1998), o que contrasta com o perfil de Clarice Lispector. Assim, podemos afirmar que o que caracterizava o estilo de João Cabral de Melo Neto era um raciocínio e uma lógica sem se deixar levar pelo sentimentalismo. Logo, a sua poesia se voltava mais para os elementos concretos da realidade, dando maior atenção à forma do poema, à sua composição. Em sua obra mais famosa, “Morte e Vida Severina”, embora a temática seja a de denúncia social, o poeta João Cabral de Melo Neto se diferenciava de Guimarães Rosa, ao retratar a situação do homem nordestino sem expres- sar arroubos sentimentais. Já Guimarães Rosa, um mineiro que trabalhou na área da medicina e da diplomacia e que também fez parte da Academia Brasileira de Letras, em sua obra “Grande Sertão: Veredas”, publicada em 1956, a questão do regio- nalismo ultrapassa o problema decorrente do espaço físico ou social do sertão, pois existem também questões eternas do ser humano, que independem do tempo e do lugar, mediadas pela figura do sertanejo, mas não qual- quer um, e sim, o que é atemporal, universal, levando a uma reflexão sobre a vida, o medo, a união e a revanche, características estas que diferenciam Rosa dos demais escritores da literatura brasileira. Leia um trecho sobre esse tipo de reflexão filosófica comum na obra de Rosa: [...] O senhor me crê? E foi então que eu acertei com a verdade fiel: que aquela raiva estava em mim, produzida, era minha sem outro dono, como coisa solta e cega. As pessoas não tinham culpa de naquela hora eu estar passeando pensar nelas. Hoje, que enfim eu medito mais nessa agenciação encoberta da vida, fico me indagando: será que é a mesma coisa com a bebedice de amor? Toleima[...]. (ROSA, 1986, p. 169). Já Clarice Lispector, uma autora ucraniana, mas viveu no Rio de Janeiro, cursou Direito e trabalhou como jor- nalista, também produziu romances, contos, crônicas e até literatura infantil, mas era nítida em suas obras a sondagem psicológica do indivíduo, em que, por meio de seus escritos, analisava os dramas existenciais e toda a repercussão dos fatos no indivíduo, utilizando, para isso, a técnica do monólogo para a apreensão do aspecto introspectivo das personagens que retratava. Outro grande diferencial da obra de Clarice foi uma ruptura com a linearidade da narrativa, pois seu foco era o fluxo de consciência das personagens, baseado na memória e na emoção, sem atentar para a ordem cronológica dos fatos e ideias apresentadas. Veja um trecho de “Mal-estar de um anjo”, que transcreve essa introspecção: “Estará ela se aproveitando de mim?”, indaguei-me na velha dúvida se devo ou não deixar que se aproveitem de mim” (LISPECTOR, 1984, p. 27). 18 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 1 - Geração de 1945: Romance de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, além da Poesia de João Cabral de Melo Neto O mais interessante de estudarmos esses três autores é que eles pareciam visionários, pois já produziam suas obras com formas de expressão hoje condizentes com o mundo acelerado em que vivemos, onde tudo é instan- taneamente consumido para ceder lugar ao que é novo. Suas contribuições para a contemporaneidade são muitas. Dentre elas, podemos indicar a aproximação entre a prosa e a poesia, ou seja, uma coexistindo na outra; uma narratividade baseada na sugestão dos acontecimen- tos; e a mescla de tempos na narrativa, sem obedecer à linearidade, servindo de inspiração a outros artistas que, assim como eles, hoje, repensam as coisas do mundo, de modo a não passarem despercebidas pelo leitor. 19 Considerações finais Para concluir, estudante, vamos recapitular alguns assuntos desta uni- dade para lhe ajudar a sistematizar o seu pensamento sobre o que você estudou até aqui. • Vimos que as pessoas sempre se posicionaram entre uma visão capitalista e outra socialista, em que a primeira gera lucro, ser- vindo-se de mão de obra, e a segunda, defende uma igualdade de direitos, em que todos possuam bens e não passem necessidades, problema este muito sentido em regiões do interior do país. • Temas como o nacionalismo e o regionalismo se mantiveram entre os destaques não só nas conversas sociais, mas também no meio cultural, inspirando artistas a denunciarem as injustiças sofridas por determinados grupos da sociedade, além de ajudar as pessoas a lidarem com os seus conflitos internos. • Essa ausência de distanciamento dos artistas perante a reali- dade vivida por muitos acentuou-se ainda mais na fase moderna, ganhando, assim, três movimentos literários em destaque: o pré- -modernismo, o modernismo e o pós-modernismo. • O pré-modernismo pode ser entendido como uma aceleração para efetivar os ideais modernistas, baseado em uma nova teoria estética explícita na literatura e demais artes, e em uma revogação do que se via e se vivia no presente. • No modernismo, fixou-se a temática regionalista, e a produção artística era mais documental, ao expor a realidade brasileira, sem tentar ocultá-la para fins de embelezamento. • O pós-modernismo tem como características a reflexão e um questionamento peculiar sobre a linguagem no limiar entre o rigor formal e a inovação para atingir fins de denúncia. • Autores como Clarice Lispector, Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto se destacaram da geração de 1945 em diante, sendo reconhecidos até hoje pelo trabalho apurado e renovador dos ideais modernistas, cada um com seu propósito reintegrador do sujeito diante de si mesmo e desse sujeito diante da sociedade. 20 • Vimos que todos esses movimentos literários, conectados e sendo constantemente atualizados na história, ajudam a definir o que é contemporaneidade, a qualdeve ser bem compreendida vincu- lada à origem, ao inacabado, ao preexistente. Referências 21 ABDALA JR., B.; CAMPEDELLI, S. Y. Tempos da literatura brasileira. São Paulo: Círculo do Livro, 1998. AGAMBEN, G. O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009. CANDIDO, A. A literatura brasileira em 1972. Artes em revista, ano 1, p. 5-16, 1979. Disponível em: <http://revista-iberoamericana.pitt.edu/ojs/ index.php/Iberoamericana/article/viewFile/3206/3388>. Acesso em: 26 abr. 2018. COUTINHO, A. Prefácio da segunda edição. In: ______. (Org.). A literatura no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Sul Americana, 1968-1971. FARACO, C. E.; MOURA, F. M. Literatura brasileira. 14. ed. Ática: São Paulo, 1998. KERDNA. Semana de Arte Moderna. Disponível em: <semana-arte- moderna.info>. Acesso em: 7 mai. 2018. LISPECTOR, C. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1977. ______. Para não esquecer. 3. ed. São Paulo: Ática, 1984. LOBATO, Monteiro. Urupês. Fabio Mesquita. Universidade Tecnológica Federal do Paraná. (UTFPR). 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Objetivos de Aprendizagem • Aprofundar o tema dos movimentos literários, com foco no Modernismo. • Apresentar os expoentes desse movimento, assim como suas obras. • Indicar a importância do movimento para a cena cultural da época. • Demonstrar a influência dos contextos social, histórico e cultural sobre o Modernismo. 27 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 2 - As vanguardas de 1950 e 1960: Poesia Concreta, Poesia Práxis, Poema/Processo 2.1 Contexto sócio-histórico cultural do Modernismo A corrente modernista no Brasil permeou o cenário literário no período entre 1922 e 1945; no entanto, após essa época, ganhou traços mais intensos que o caracterizaram. Mas, antes de apresentar a você o cenário cultural que prenunciou o modernismo no país, é importante lhe situar quanto ao contexto sócio-histórico desse período, para compreender melhor o rompimento com o século anterior. Entre os anos de 1894 e 1930, o Brasil vivia a denominada “política do café com leite”, cujo poder econômico se concentrava nas mãos de pequenos grupos de agricultores, mais abrangente nas regiões de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Nesse ínterim, no país chegavam milhares de imigrantes vindos da Itália e do Japão, estabelecendo-se nas lavouras de café e nas indústrias paulistas. No entanto, os problemas começaram a apare- cer, pois havia exploração de trabalhadores, principalmente estrangeiros e negros, que prestavam serviços para os proprietários rurais. Mais tarde também, após a Primeira Guerra Mundial, a mão de obra passou a ser empregada nas fábricas, uma vez que a comercialização de produtos advindos de outros países estava prejudicada, desfavorecendo os barões. Contudo, alguns grupos sociais insatisfeitos com os rumos da política e da economia do país – intitulados anar- quistas – estimularam uma greve geral que acometeu São Paulo. Ao fim de 1929, com a Queda da Bolsa de Nova Iorque, a exportação do café, principal produto que assegurava a economia no país, declinou até meados de 1930, mas, com a era Vargas, o Estado passou a adotar medidas protetivas para que os produtores de café não ficassem vulneráveis, tornando-se, assim, detentor da economia. O governo do presidente Getúlio Vargas teve muita censura, com a intenção de barrar ideias e ações que o con- trariavam – afinal, o país vivia uma ditadura, e quem mais sofria com isso eram os artistas, que mal tinham a liberdade de se expressar. Entretanto, a ditadura de Vargas durou até 1945, em função da pressão militar e a da imprensa; porém, em 1950, ele conseguiu se reeleger, adotando uma postura mais democrática e até concebendo em seu governo ministros de outros partidos políticos, orientando sua administração econômica na aproximação com o capital estrangeiro, no desenvolvimento das indústrias e no princípio do nacionalismo, tendo criado a Petrobrás, em 1953. Durante o seu mandato, Vargas sofreu inúmeras denúncias de corrupção e estava sendo investigado, e isso era acompanhado pela imprensa – que se manifestava como opositora ao seu governo. Mais uma vez, pressionado a renunciar, ele decidiu por suicidar-se, em 1954, pondo fim à era Vargas. Esses contextos histórico, político e social marcaram o início da Era Moderna no país, em pleno século XX, apre- sentando diferentes visões de mundo e tendências artísticas variadas, com forte influência europeia. Dentre os temas em foco no âmbito cultural estavam o cotidiano nacional, o caráter social e a linguagem simples e direta, parecida com a oral. Mas, já em 1922, aspectos da literatura modernista se faziam notar, com a Semana de Arte Moderna, um período de sete dias dedicado a levar para o público uma variedade de tendências artísticas que já eram um sucesso na Europa, cuja iniciativa procedeu do pintor Di Cavalcanti. Os ideais modernos e uma nova forma de pensar e fazer arte, consolidando a consciência brasileira no processo criativo, assim como a livre pesquisa estética e uma ruptura com os antigos padrões (uma elite intelectualizada que seguia os moldes europeus) permeavam o eixo Rio de Janeiro e São Paulo aqui no Brasil – com os expoentes Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Guilherme de Almeida, em São Paulo, e Graça Aranha, Manuel Bandeira, entre outros, no Rio de Janeiro –, expandindo-se, depois, a outros estados, e permanecendo até 1960. 28 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 2 - As vanguardas de 1950 e 1960: Poesia Concreta, Poesia Práxis, Poema/Processo Sobre o nascimento da Era Moderna, vale a pena consultar a obras de Afrânio Coutinho, “Enciclopédia de Literatura Brasileira”. 2.2 Características modernas Podemos começar apontando os aspectos básicos da literatura moderna, que, logo de início, teve a classe artís- tica entusiasmada com a implantação da República, em 1889, expressando um forte anseio por romper com os padrões anteriores do século XIX, que ainda continham um caráter de academismo e erudito, revolucionando, assim, o cenário literário, trazendo à tona a valorização do sujeito nacional, suas raízes; o jeito rural de ser, com toda a ambientação regional; e a retomadada temática do cotidiano, favorável a um despertar de si mesmo e uma melhor compreensão de mundo. Academismo: No sentido do presente texto, equivale a imitar o que era tendência entre os intelectuais da época, que também se inspiravam em artistas estrangeiros. O tema do regionalismo – concebido na literatura como o lugar de costumes e tradições regionais –, pondo em foco o sertanejo, foi uma das primeiras evidências acerca do modernismo, aparecendo tanto nos textos escritos quanto na pintura. 29 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 2 - As vanguardas de 1950 e 1960: Poesia Concreta, Poesia Práxis, Poema/Processo Figura 2.1: Representação do sertanejo Legenda: Semblante de duas pessoas com vestimentas sertanejas. Fonte: Plataforma Deduca (2018). Desde que o Modernismo adentrou no cenário brasileiro, era visível a contradição entre os ideais nacionais por uma legitimidade literária, enfim, artística, e um processo criativo semelhante ao das potências mundiais. Foi exatamente esse último contraste que suscitou, no Brasil dos anos 1920 e 1930, uma iniciativa mais inclinada a atualizar tanto a forma quanto o conteúdo na arte, primando por uma estética renovada, inspirada nas vanguar- das da Europa, destacando-se, principalmente, nas artes plásticas. As vanguardas europeias, tais como o cubismo, as ideias futuristas, o surrealismo e o dadaísmo, movimentavam o clima artístico parisiense e caracterizavam um movimento chamado de art déco. O cubismo, surgido primeiro na pintura, fragmentava a realidade e a remontava por meio de figuras geométricas; na literatura, utilizava-se do verso livre, do senso de humor e da inventividade no uso das palavras, e também havia uma disposição gráfica bem diferente dos poemas. O ideal futurista propunha uma indiferença em relação ao passado e um olhar voltado para as invenções tecno- lógicas e todos os aspectos dinâmicos da realidade – pioneirismo esse liderado pelo italiano Marinetti. O surrealismo, idealizado pelo francês André Breton, em 1924, sugeria a fantasia, o sonho, a loucura e o hábito de escrever por impulsividade, sem o preparo, a fim de registrar o que viesse à mente, sem a preocupação com a lógica ou o racionalismo. Já o dadaísmo propôs a negação total da lógica, da cultura em resposta à guerra, como em um protesto, cujo líder, romeno Tristan Tzara, optou pelo nome “dadá”, retirado do dicionário para identificar essa iniciativa como um nada, em que não há teoria nem beleza. Veja um poema no formato de receita, elaborado pelos dadaístas da época: Receita de poema dadaísta Pegue um jornal. Pegue a tesoura. Escolha no jornal um artigo do tamanho que você [Deseja dar a seu poema. 30 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 2 - As vanguardas de 1950 e 1960: Poesia Concreta, Poesia Práxis, Poema/Processo Recorte o artigo. Recorte em seguida com atenção algumas palavras [que formam este artigo e meta- as num saco. Agite suavemente. Tire em seguida cada pedaço um após o outro. Copie conscienciosamente na ordem em que as [palavras são tiradas do saco. O poema se parecerá com você. E ei-lo um escritor infinitamente original e de [uma sensibilidade graciosa, ainda [que incompreendido do público. (FARACO; MOURA, 1998, p. 254). Artistas brasileiros, como Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, entre outros, visitavam a capital francesa vanguardista como turistas estrangeiros, permanecendo pouco tempo ali, mas retornando com as novi- dades trazidas de lá. Em 1924, Oswald de Andrade, por meio do Manifesto Pau-Brasil – em referência à primeira riqueza exportada do país (o pau-brasil), cuja capa Tarsila do Amaral assinou –, tinha a proposta de aliar as novidades da arte europeia e o nativismo brasileiro, apontando o Carnaval como um acontecimento religioso da raça brasileira, com uma língua sem erudição e mais natural, incentivando a invenção na arte e retomando a importância da imprensa. No ano posterior, o mesmo autor lançou um livro de poemas com título idêntico ao do manifesto. Pau-brasil: Uma espécie de árvore da nossa Mata Atlântica. Outro manifesto bem famoso foi o “Antropófago”, em 1928, por conta de ser o mais radical de todos, cuja pro- posta era o retorno ao primitivismo, sem o comprometimento social, político, econômico ou religioso, signifi- cando uma antropofagia intensa e unificadora. Uma obra que reflete as ideias desse manifesto é Macunaíma”, de Mário de Andrade, lançada na mesma época. 31 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 2 - As vanguardas de 1950 e 1960: Poesia Concreta, Poesia Práxis, Poema/Processo Antropofagia: É um tipo de ritual em que pessoas comem partes do corpo de outras (similar ao canibalismo). Agora, convém analisarmos, na tabela a seguir, as características principais da poesia no primeiro momento da era modernista da literatura brasileira. Tabela 2.1: Particularidades na poesia modernista Verso livre Associar ideias Cotidiano Presente Humor Nacionalismo Similar à prosa Irreverência Fonte: Faraco e Moura (1998, p. 262-263). Vejamos um exemplo de poema criado por Oswald de Andrade que abrange essas características, com predomí- nio do humor e da irreverência: Senhor feudal Se Pedro Segundo Vier aqui Com história Eu boto ele na cadeia. (FARACO; MOURA, 1998, p. 263). A prosa, embora sem muito destaque no período pré-modernista e na 1ª fase, também indicou algumas inova- ções, tais como: a utilização de períodos curtos e uma proximidade maior com a poesia e com a linguagem colo- quial. Um exemplo que contém tais características é um texto em prosa de Oswald de Andrade, o qual se apro- xima da linguagem poética: “O vento batia a madrugada como um marido. Mas ela perscrutava o escuro teimoso. Uma longe claridade barrou a esquerda na evidência lenta de uma linha longa” (FARACO; MOURA, 1998, p. 264). No entanto, esse primeiro momento do modernismo apenas figurava uma linguagem e arte decorativas que refle- tiam, embora de modo atenuante, uma expressão excêntrica que teve início em 1920 e durou até o ano de 1930. 32 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 2 - As vanguardas de 1950 e 1960: Poesia Concreta, Poesia Práxis, Poema/Processo Quando a literatura brasileira entrou em contato com a modernidade pelo viés europeu, o indivíduo passou a ter uma visão de cidadão do mundo, que culminou em uma mudança acelerada de comportamento e no modo de fazer arte. 2.3 A relevância do Modernismo Após a empolgação com as novidades modernas internacionais que inspiraram os artistas brasileiros a renova- rem o próprio jeito de fazer arte e literatura nos anos 1920, mas ainda convivendo com certa pressão diante da realidade local onde se encontravam, a evocá-los para as suas tradições e contradições, fez surgir outro enten- dimento, que resultou em uma ruptura com o tipo de arte vinda de outro país e com um forte apelo às caracte- rísticas nacionais. Desse modo, a compreensão foi a de que o país precisava resgatar a própria dignidade, por meio da linguagem e da sua cultura popular. Logicamente, sob a influência das transformações político-econômicas que se confi- guravam no país e em razão da instauração do governo de Getúlio Vargas em 1930, evidenciou-se um processo criativo baseado em temas sociais. Sobressaíram-se na cena literária. nesse período, autores como José Lins do Rego, Érico Veríssimo e Graciliano Ramos. Dos autores de prosa da segunda fase do Modernismo, José Lins do Rego é quem mais revela, em suas obras, imagens de sua memória infanto-juvenil, que ocorreram no engenho de seu avô, sendo tal característica res- ponsável por torná-lo conhecido como o “menino de engenho na cidade grande”. Engenho: Local onde é produzida a cana de açúcar. Inclusive, uma desuas obras mais populares se intitula “Menino de engenho” (1932), na qual abordava a vida nesses estabelecimentos agroindustriais e o processo de transição dos engenhos para as usinas, além da deca- dência das famílias que habitavam nesses espaços. Leia um trecho da obra, em que o autor comenta que o can- gaceiro Antônio Silvino, de má fama, fez uma visita ao engenho de seu avô: Não havia, porém, perigo de espécie alguma. Antônio Silvino vinha ao engenho em visita de cor- tesia. Um ano antes ele estivera na vila de Pilar noutro caráter. Fora ali para receber o pagamento de uma nota falsa que o coronel Napoleão lhe passara. E não encontrando o velho, vingara-se nos seus bens com uma fúria de vendaval. Sacudiu para a rua tudo o que era da loja, e quando não teve mais nada a desperdiçar, jogou do sobrado abaixo uma barrica de dinheiro para o povo. 33 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 2 - As vanguardas de 1950 e 1960: Poesia Concreta, Poesia Práxis, Poema/Processo Mas com meu avô, o bandido não tinha rixa alguma. Naquela noite viria fazer a sua primeira visita. (TUFANO, 1990, p. 97). Já Érico Veríssimo, escritor gaúcho, destacou-se mais como romancista da temática urbana, pois retratava a cidade e personagens, sob a ótica de problemas existenciais em uma sociedade em crise. Mas, em meados dos anos 1950, o autor deixou de se fixar no momento presente para reconstituir as origens e os fatos da formação social do Rio Grande do Sul. Veja um fragmento do primeiro volume da trilogia “O tempo e o vento”, “O conti- nente”, no qual são narrados cento e cinquenta anos de história do Rio Grande do Sul (RS), em que aparece a personagem central, o capitão Rodrigo, que disputava com a família liderada pelo patriarca Amaral: Um certo capitão Rodrigo Antes de começar o ataque ao casarão, Rodrigo foi à casa do vigário. –Padre! – gritou, sem apear. Esperou um instante. Depois: – Padre! – A porta da meiágua abriu-se e o vigário apareceu. – Capitão! – exclamou ele, aproximando-se do amigo e erguendo a mão, que o Rodrigo apertou com força. – Foi só pra saber se vosmecê estava aqui ou lá dentro do casarão. Eu não queria lastimar o amigo [...] - Muito obrigado, Rodrigo, muito obrigado. – O padre Lara sacudiu a cabeça, desalentado. – Vos- mecê vai perder muita gente, capitão. Os Amarais são cabeçudos e têm muita munição. – Eu também sou muito cabeçudo e tenho muita munição. –Por que não espera o amanhecer? Rodrigo deu de ombros: –Pra não deixar esfriar. (VERÍSSIMO, 1995, p. 314). Graciliano Ramos, por sua vez, é famoso pela sua prosa regionalista, tratando não só do drama vivido na ambien- tação de algumas regiões de seca e desigualdade social do Nordeste, como também o universo interior de suas personagens. No entanto, com a obra “Vidas Secas”, um romance narrado em terceira pessoa, o autor escreve de forma concisa, sem atentar para o sentimentalismo, pressupondo uma denúncia acerca da opressão e violência vivenciada pelo homem do sertão. 34 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 2 - As vanguardas de 1950 e 1960: Poesia Concreta, Poesia Práxis, Poema/Processo Figura 2.2: Representação do sertão Legenda: A imagem da seca no sertão, com cactos. Fonte: Plataforma Deduca (2018). Diante das informações apresentadas, podemos notar que o movimento do modernismo do período de 1930 a 1945 teve a sua importância em nossa sociedade, em virtude do amadurecimento com que os autores da época trabalhavam em suas obras, tanto na poesia quanto na prosa, ao identificar a realidade brasileira e adentrar no mundo íntimo do povo brasileiro, distanciados dos anos precedentes, quando havia certa libertinagem no pro- cesso criativo, sendo tudo permitido, como forma de experimentação na arte em geral. Com base nas informações obtidas até então, você percebe que a direção que os artistas da arte moderna escolheram, desde o seu início, em 1922, com a Semana de Arte Moderna, até o fim da década de 1930, teve como característica principal, sobretudo, uma preocupação de retomar as origens do povo brasileiro, bem como apontar mudanças importantes na eco- nomia e no dia a dia do país. 35 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 2 - As vanguardas de 1950 e 1960: Poesia Concreta, Poesia Práxis, Poema/Processo 2.4 Destaques no Modernismo entre os anos 1950 e 1960 A partir de 1956, metade da década de 1950, surgiu uma novidade artística denominada de concretismo, e, par- ticularmente na poesia pertencente ao campo literário, foi lançada a revista “Noigrandes”, título extraído de uma canção provençal, sem um significado exato, mas compreendida como a poesia em progresso, cujos fundadores foram os irmãos Haroldo de Campos e Augusto de Campos e o amigo Décio Pignatari. Além disso, o concretismo teve presença marcante também nas artes plásticas, como a pintura, por exemplo. Observe-se que o poema que segue traz também uma representação visual, pois o texto está construído de forma a referir um ovo e um novelo, palavras centrais do poema. Figura 2.3: Poema concretista de Augusto de Campos Fonte: Faraco e Moura (1998, p. 381). Desse modo, os concretistas propuseram o fim do verso e da sintaxe tradicional, produzindo uma poesia mais visual, próxima à vida moderna da época, em que se consumia tudo de modo rápido e instantâneo para dar espaço ao novo, evidenciando, também, o crescimento dos meios de comunicação de massa. Para que você possa perceber melhor como essa novidade na poesia era construída, convém mostrarmos, aqui, também um exemplo de poema de Décio Pignatari, em que o autor faz uma desmontagem e remontagem das palavras, disponibilizando-as em vários sentidos: 36 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 2 - As vanguardas de 1950 e 1960: Poesia Concreta, Poesia Práxis, Poema/Processo Quadro 2.1: Exemplo de poesia concreta COCA-COLA BEBA COCA COLA BABE COLA BEBA COCA BABE COCA CACO CACO COLA CLOACA Imagem: Palavras aparentemente soltas: Coca-cola, beba coca cola, babe cola, beba coca, babe coca caco, caco, cola, cloaca. Fonte: Tufano (1990, p. 157). O que percebemos nesse poema? Uma antipropaganda sobre a Coca-Cola, pois o autor resume todas as palavras que dispersa na construção de seu poema em CLOACA, que significa esgoto. Então, nas décadas de 1950 e 1960, os poetas passaram a se posicionar mais sobre assuntos do cotidiano, comu- nicando de forma mais simples e direta, além de abordar os problemas enfrentados pelo homem comum. Um dos autores com forte relevância foi Ferreira Gullar, o qual iniciou sua atividade como escritor seguindo o grupo dos concretistas, mas que, depois, adotou a poesia social. Leia um de seus poemas: Maio 1964 Na leiteira a tarde se reparte em iogurte, coalhadas, copos de leite e no espelho meu rosto. São quatro horas da tarde, em maio. Tenho 33 anos e uma gastrite. Amo a vida que é cheia de crianças, de flores e mulheres, a vida, esse direito de estar no mundo, ter dois pés e mãos, uma cara e a fome de tudo, a esperança [...]. (BOSI, 1964, p. 65-66) 37 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 2 - As vanguardas de 1950 e 1960: Poesia Concreta, Poesia Práxis, Poema/Processo Assim que Ferreira Gullar integrou o grupo concretista, incorporou aos seus textos uma sub- jetividade que não era comum a esse movimento bastante prescritivo e visual e, assim, tor- nou-se destacado no meio literário. Dentre as características do concretismo, podemos elencar algumas das mais predominantes: • a comunicação visual sobressai da comunicação verbal; • recurso gráfico das palavras (poema desenhado); • melhor aproveitamento do espaço de produção do poema; • rejeição do lirismo; • poema-objeto, produzido como se fosse um quadro; • possibilidade de leituras múltiplas, com base na disposição horizontal, vertical e diagonal do poema. Contudo, embora o concretismo tenha alcançadosucesso em nível internacional, relacionando a palavra ao objeto, no Brasil, não conseguiu agradar toda a sociedade, mas inspirou tendências um pouco contrárias à sua proposta, mas próximas. Vejamos, a seguir, as tendências estimuladas pelo concretismo, apesar de designarem outra apropriação para a palavra. • Poesia-Práxis: liderada pelo poeta Mário Chamie, essa tendência depositava, na palavra, um modo de indicar o conhecimento de mundo, com forte indício social. Leia um poema de Chamie: Agiotagem um dois três o juro: o prazo o pôr/o cento/o mês/o ágio porcentágio. dez cem mil 38 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 2 - As vanguardas de 1950 e 1960: Poesia Concreta, Poesia Práxis, Poema/Processo o lucro: o dízimo o ágio/a moral/ a monta em péssimo empréstimo. muito nada tudo a quebra: a sobra a monta/o pé/o cento/a quota haja nota agiota. (FARACO; MOURA, 1998, p. 383-384). Esse formato de poesia se desenrola em um poema derivado, mas relacionado a algum contexto que o motivou. O próprio Chamie (1962, p. 114) comenta isso: “As palavras são corpos vivos. Não vítimas passivas do contexto”. • Poema/Processo: nessa tendência, a palavra é desprezada, e o que há são signos visuais, pois o intuito não é realizar uma leitura, apenas visualizar. Figura 2.4: Representação de um poema/processo Legenda: Representação de um poema/processo com figuras geométricas diversas. Fonte: Plataforma Deduca (2018). 39 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 2 - As vanguardas de 1950 e 1960: Poesia Concreta, Poesia Práxis, Poema/Processo • Poesia Social: essa tendência teve uma expressão política e também foi uma reação à poesia concreta, incorporando o verso e se baseando em temas da realidade social do país. Dentre os autores destacados, têm-se: Affonso Romano Sant’ Anna, Thiago de Melo e Ferreira Gullar. Dois e dois: quatro Como dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena embora o pão seja caro e a liberdade pequena Como teus olhos são claros e a tua pele, morena como é azul o oceano e a lagoa, serena como um tempo de alegria por trás do terror me acena e a noite carrega o dia no seu colo de açucena - sei que dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena mesmo que o pão seja caro e a liberdade, pequena. (FARACO; MOURA, 1998, p. 383-384). Você tem a tarefa de discutir sobre como a poesia concreta se fundamentava na fugaci- dade do novo tempo que se instaurava, em que tudo acontecia de modo acelerado, mas com um olhar para o futuro. 40 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 2 - As vanguardas de 1950 e 1960: Poesia Concreta, Poesia Práxis, Poema/Processo 2.5 Contexto histórico-político-social de 1960 e sua literatura Agora, daremos continuidade a nosso estudo, mas com um enfoque mais voltado à literatura da década de 1960, apresentando a você um panorama histórico-cultural desse período, para, depois, comentarmos sobre os auto- res que ganharam notoriedade na época. Em 1960, Brasília foi inaugurada e se tornou a capital do Brasil, cujo presidente, na época, era Jânio Quadros, sendo sucedido – em função de uma crise de oposição do governo – por João Goulart, em regime parlamenta- rista. No entanto, em janeiro de 1963, um plebiscito nacional recuperou o regime presidencialista com Goulart governando. Regime parlamentarista: É o país representado por um membro da Câmara dos Deputados, que recebe o título de Primeiro-Ministro. Entretanto, João Goulart foi derrubado por um golpe militar liderado pelo general Castelo Branco, que, por sua vez, assumiu o poder do país. Porém, em 1965, foram abortados os partidos políticos, sendo propostas eleições indiretas para o cargo de presidente, instalando-se, a partir daí, uma sequência de manifestações promovidas por entidades estudantis em oposição aos governos, que seguiam sendo presididos por marechais e generais, fortalecendo a censura e a repressão. Já quase no final da década de 1960, aconteceu o Tropicalismo, que permeou a música popular como um con- ceito baseado no anarquismo, com toques de humor, ironia e paródia, demonstrando, na arte musical, uma colagem de fragmentos do cotidiano, a crítica aos ditos intelectuais da época, e como a comunicação das massas adentrava no território nacional e seduzia a todos, sem, no entanto, mudar, de fato, a realidade brasileira. Como principal expoente do Tropicalismo na literatura, que inspirou compositores das mais variadas vertentes artísticas, como a música, as artes plásticas, o cinema etc., com trechos retirados e transformados do gênero da poesia e do teatro, tem-se Oswald de Andrade. Caetano Veloso, por exemplo, inspirou-se no movimento modernista denominado antropofágico, criado pelo autor literário, para anunciar a proposta da tropicália, que era a de devorar a cultura vinda de fora e não se fechar a ela, por meio da música campeã de festival: Alegria, alegria. Veja um trecho: O sol se reparte em crimes, espaçonaves, guerrilhas, em Cardinales bonitas, eu vou. Em caras de presidentes, em grandes beijos de amor 41 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 2 - As vanguardas de 1950 e 1960: Poesia Concreta, Poesia Práxis, Poema/Processo Em dentes, pernas, bandeiras, bomba e Brigitte Bardot. (JORDANI, 2012, [s. p.]). Notamos que Caetano Veloso incorpora, na letra de sua música, elementos futuristas (“espaçonaves”) e moder- nos, como os ícones de beleza universal, da Itália e da França, obtendo fama internacional: “Cardinales” e “Brigite Bardot”. Além, é claro, da tensão do mundo atual em que se vivia. Acesse o link, a seguir, e saiba mais sobre a relação entre Tropicalismo e Antropofagia. Dispo- nível em: <http://tropicalia.com.br/leituras-complementares/2584>. Anarquismo: Posição política que se opõe ao poder exercido pelo Estado, defendendo a ideia de uma sociedade independente dele. Heloísa Buarque de Holanda analisa o resultado do tropicalismo, quando chegou ao seu fim, levando a uma radicalização: A loucura passa a ser vista como uma perspectiva capaz de romper com a lógica racionalizante da direita e da esquerda. E a experiência da loucura não é apenas uma atitude �literária� como foi por tanto tempo na história da literatura. Nesse momento, a partir da radicalização do uso de tóxicos e da exacerbação das experiências sensoriais e emocionais, vimos um sem-número de casos de internamento, desintegrações e até suicídios, bem pouco literários. (HOLANDA, 1992, p. 69). Entretanto, de acordo com o também crítico literário Affonso Romano Sant´Anna (1978), os poetas se aproveita- ram da força que a música estava tomando durante os festivais de canções e os programas especiais de televisão para cumprir um papel diferente na poesia, passando, então, a investir na música popular brasileira por meio de ensaios, poemas, participação em júris de festivais. Além disso, as escolas também acolheram tal produção artística como sendo um produto passível de ser esteticamente analisado, pela interferência da grande indústria cultural, como a mídia televisiva. 42 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 2 - As vanguardas de 1950 e 1960: Poesia Concreta, Poesia Práxis, Poema/Processo Assista ao vídeo em que o cantor Gilberto Gil analisa a música “Cálice”, de Chico Buar- que, que foi proibida de ser tocada na década de 1960, por conta da censura. Para com- preender melhor de que forma os artistas se posicionavam contra a realidade imposta que vivenciavam na época, não deixe de assistir. Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=8CnSiaP-jL4>. Na literatura, os autores produziam em meio a um clima de reprimenda e ditadura – por isso as produções artísticas dessa época não são extensas. No entanto, alguns escritores que já tinham feito o seu nome nas fases modernas anteriores ainda estavam trabalhando a todo vapor; um exemplo é Clarice Lispector,que, assim como Guimarães Rosa, transformou aspectos fundamentais na ficção – como uma prosa com ar de poesia, uma narrativa sugestiva, um enredo não linear, mas uma mescla de tempo e de espaço –, incorporando novo impacto na literatura. Antonio Candido (1987), em seu ensaio, afirma o diferencial na prosa proposto por esses dois autores que con- tinuaram, depois de 1945, a fazer sucesso e a servir de embasamento a outros artistas: “Isso tudo era mais ou menos difícil de incorporar a um gênero que, ao contrário da poesia, é objeto de uma demanda relativamente grande por parte do público, o que obriga a manter certa comunicabilidade” (CANDIDO, 1987, p. 186). Outra autora que merece ser citada é Lygia Fagundes Telles, que obteve reconhecimento internacional em Can- nes, em 1969, com o conto “Antes do Baile Verde”, tratando do tema da insatisfação humana. A autora seguia a linha introspectiva de Lispector, porém, explorando com maior intensidade o universo feminino sob uma pers- pectiva moderna, já que se iniciava a luta pelos direitos da mulher nessa época, abordando abertamente temas como o amor, o adultério, as drogas etc. Também mesclou a realidade urbana com um realismo fantástico. Veja- mos um trecho de “O direito de não amar”, de Lygia Fagundes Telles, em que trata do tema da rejeição no amor: Se o homem destrói aquilo que mais ama, como afirma Oscar Wilde, a vontade de destruição se aguça demais quando aquilo está amando um outro. O egoísmo, sem dúvida o traço mais poderoso de qualquer sexo, transborda então intenso e borbulhante como água em pia entu- pida, artérias e canos congestionados na explosão aguda: Nem comigo nem com ninguém. Deste raciocínio para o tiro veneno ou faca, vai um fio. (TELLES, 2010, p. 118). Figura 2.5: Lygia FagundesTelles Fonte: Wikipedia. 43 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 2 - As vanguardas de 1950 e 1960: Poesia Concreta, Poesia Práxis, Poema/Processo E, assim, além dos romances que preenchiam as produções literárias, gêneros como o conto e a crônica começa- ram a se tornar evidentes também, ocupando espaço até na imprensa, em que se destacaram escritores como a própria Lygia Fagundes Telles, Carlos Drummond de Andrade e Rubem Braga. Já Drummond, embora escrevesse crônicas para o Correio da Manhã, cuja atividade durou até 1968, tornou- -se notável por sua poesia, permeando-se em diferentes nuances temáticas. Mas é válido pontuarmos que esse brilhante escritor não permanecia indiferente às mazelas reais; em suas primeiras obras, o autor manifestava um pessimismo do homem diante da vida, encarando-a como um vazio. Veja um exemplo extraído do poema “Enterrado vivo”: É sempre nos meus pulos o limite. É sempre nos meus lábios a estampilha. É sempre no meu não aquele trauma. Sempre no meu amor a noite rompe. Sempre dentro de mim meu inimigo. E sempre no meu sempre a mesma ausência. (TUFANO, 1990, p. 109). Depois, o poeta desenvolveu uma poesia participante para se integrar ao seu tempo, mas adotou uma postura conformada com as injustiças sociais; contudo, a sua escrita sempre foi simples e despojada. Segue um poema do livro “A rosa do povo”: Nosso tempo Este é tempo de partido Tempo de homens partidos. Em vão percorremos volumes, Viajamos e nos colorimos. A hora pressentida esmigalha-se em pós na rua. Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos. As leis não bastam. Os lírios não nascem Da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se Na pedra [...]. (FARACO; MOURA, 1998, p. 297). Rubem Braga trabalhou em suas prosas aspectos do cotidiano, por meio do gênero crônica, e o fazia com uma linguagem simples, coloquial, revelando memórias de sua infância e juventude, além de depositar traços de melancolia e lirismo, realçando a veracidade dos dramas que relatava. A seguir, leia um trecho da crônica “O padeiro”, na qual o autor se vale da crítica que subestima a figura profissional do padeiro, que se declara como “ninguém” diante da riqueza: 44 Literatura Brasileira Contemporânea | Unidade 2 - As vanguardas de 1950 e 1960: Poesia Concreta, Poesia Práxis, Poema/Processo O Padeiro Quando vinha deixar o pão à porta do apartamento, ele apertava a campainha, mas, para não incomodar os moradores, avisava gritando: — Não é ninguém, é o padeiro! Interroguei-o uma vez: como tivera a ideia de gritar aquilo? “Então você não é ninguém?” Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: “não é ninguém, não senhora, é o padeiro”. Assim ficara sabendo que não era ninguém [...]. (ANDRADE et al., 1989, p. 63-64). Então, podemos analisar como os autores de literatura – cuja maioria dessa época também trabalhava na imprensa, divulgando seus textos por lá – tinham um pensamento voltado para os temas nacionais e sociais, con- fortavelmente depositados nas crônicas, gênero esse relevante pelo caráter – considerado, ao mesmo tempo, literário e jornalístico. Desse modo, a poesia na década de 1960 é marcada pelo concretismo, pela poesia práxis e, logo depois, pelo poema social, que ruminou ao terreno da prosa, cujas obras possuíam um engajamento político que iam de encontro com a ditadura. 45 Considerações finais Agora que chegamos ao final desta unidade, retomaremos as principais abordagens realizadas, para consubstanciar o seu conhecimento e faci- litar a sua compreensão sob a literatura do período entre as décadas de 1950 e 1960: • Notamos como a Era Moderna se iniciou por um inconformismo, o qual, ao longo dos anos posteriores, se tornava mais intenso por conta dos regimes de poder totalitários instaurados no país. • A literatura, como outras formas de arte, respondeu ao clima tenso que se sentia no país, por meio de manifestos, cujas finali- dades eram indicar a insatisfação social com os rumos que esta- vam sendo impostos no país e gerar transformações culturais. • As décadas de 1950 e 1960 foram uma continuação dos anos 1930 e 1940, porém, mais intensas no novo jeito de pensar e fazer arte brasileira, sendo esta carregada de temas subjetivos que leva- vam o homem a compreender a si mesmo a realidade vivida. • Na poesia, tendências inovadoras começaram a se destacar na cena literária, como o poema-objeto (concretismo) e a poesia práxis, refletindo a aceleração do desenvolvimento tecnológico expressivo, como a popularidade da mídia televisiva. • Já na prosa, o gênero da crônica ganhou notoriedade, compondo também o cotidiano da imprensa, como um instrumento de denúncia dos problemas sociais que atingiam o povo brasileiro, levando à reflexão. • A música, com seu viés questionador e crítico em relação à dita- dura, cujo resultado era a censura no país, também serviu de ins- piração para os autores literários que produziam suas poesias e prosas baseadas em trechos musicais da época. Referências 46 ANDRADE, C. D. de et al. Para gostar de ler: Vol I - Crônicas. 12. ed. São Paulo: Ática, 1989. BOSI, A. (Org.). Os melhores poemas de Ferreira Gullar. São Paulo: Glo- bal, 1964. CANDIDO, A. A educação pela noite & outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987. CHAMIE, M. Lavra Lavra. São Paulo: Massao Ohno, 1962. COUTINHO, A. Enciclopédia de literatura brasileira. 2. ed. São Paulo: Global; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Departamento Nacional do Livro; Academia Brasileira de Letras, 2001. FARACO, C. E.; MOURA, F. M. Literatura brasileira. 14. ed. Rio de Janeiro: Ática, 1998. JORDANI, F. Em “Antropofagia”, Caetano explica origem da tropi- cália no Modernismo. 2012. Disponível em: <https://www1.folha.uol. com.br/livrariadafolha/1048428-em-antropofagia-caetano-explica- -origem-da-tropicalia-no-modernismo.shtml>. Acesso em: 15 de jun. 2018. HOLANDA, H. B. de. Impressões de viagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. PERRONE, C. A. Pau-Brasil, Antropofagia,
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