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[E-book] Linguas Culturas Macro-Je

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Prévia do material em texto

Línguas e Culturas Macro-Jê
Saberes entrecruzados 
Evandro Aparecido Soares da Silva
Reitor
Paulo Jorge da Silva
Pró-Reitor do Câmpus Universitário do Araguaia 
Adam Luiz Claudino de Brito
Gerente da Câmara de Extensão
Lennie Aryete Dias Pereira Bertoque
Diretora do Instituto de Ciências Humanas e Sociais
Tereza Ramos de Carvalho
Coordenadora do Curso de Letras
Apoio financeiro
CNPq Processo nº 407558/2017-9
Apoio Institucional
Fundação Nacional do Índio – FUNAI
Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem – IL/UFMT
Laboratório de Línguas e Literaturas Indígenas – IL/UnB
LÍNGUAS E CULTURAS 
Macro-Jê
Sab eres ent re cr uzados
Maxwell Miranda
Águeda Aparecida da Cruz Borges
Áurea Cavalcante Santana
Suseile Andrade Sousa
(Organizadores)
Barra do Garças, 2020
Organização
Maxwell Miranda
Águeda Aparecida da Cruz Borges
Áurea Cavalcante Santana
Suseile Andrade Sousa
Conselho Editorial
Ana Suelly Arruda Câmara Cabral (UnB) 
Angel Corbera Mori (UNICAMP), 
Ludoviko Carnasciali dos Santos (UEL) 
Julio Cezar Melatti (UnB) 
Maria do Socorro Pimentel da Silva (UFG) 
Marly Augusta Lopes de Magalhães (UFMT) 
Mônica Maria dos Santos (UFMT) 
Mônica Cidele da Cruz (UNEMAT) 
Tereza Ramos de Carvalho (UFMT) 
Vanessa Lea (UNICAMP) 
Wilmar da Rocha D’Angelis (UNICAMP)
Revisão
Maxwell Gomes Miranda 
Eduardo Santos Gonçalves Monteiro 
Águeda Aparecida da Cruz Borges
Ilustração da Capa
Maial Paikan Kayapó
Elaboração de Mapa
Itamar Sales
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
L779 Línguas e culturas Macro-Jê / organizadores Maxwell Miranda, Águeda 
Aparecida da Cruz Borges, Áurea Cavalcante Santana, Suseile Andrade 
Sousa. -- Barra do Garças, MT: GEDELLI/UFMT, 2020.
444p. : v. 9
ISBN 978-65-00-02975-8.
1. Antropologia. 2. Índios - Línguas. 3. Povos Macro-Jê (Índios da 
América do Sul) - Línguas. Povos Macro-Jê (Índios da América do Sul) - 
Culturas. 5. Índios da América do Sul - Brasil. I. Título.
CDD 301
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Índice para Catálogo Sistemático (CDD)
Antropologia = 301
Povos Macro-Jê (Índios da América do Sul) - Línguas - 498.3
Povos Macro-Jê (Índios da América do Sul) - Culturas - 980.1
Índios da América do Sul - Brasil = 980.41
Apresentação
Esta obra reúne algumas das contribuições apresentadas durante o IX Encontro Macro-Jê, o qual foi realizado na Universidade Federal de 
Mato Grosso, Campus Universitário do Araguaia, em Barra do Garças - 
MT, de 20 a 22 de junho de 2018. Tendo o diálogo interdisciplinar entre 
ciências afins como uma de suas características singulares, o evento 
reuniu docentes, pesquisadores, discentes da graduação e pós-graduação, 
indígenas e não indígenas, para participação, apresentação e divulgação 
de pesquisas, com vistas a aprofundar e ampliar o conhecimento 
científico, considerando a relação sujeito/línguas/culturas Macro-Jê, a 
partir de diversas perspectivas teóricas.
Inicialmente, idealizado pelo Prof. Dr. Ludoviko Carnasciali 
dos Santos (Universidade Estadual de Londrina), os encontros sobre 
línguas e culturas Macro-Jê expandiram-se e consolidaram-se como um 
importante espaço de reflexões/discussões tanto teóricas quanto práticas 
em campos do conhecimento que se dialogam e reafirmam o papel 
fundamental das ciências na pesquisa, documentação e manutenção da 
diversidade linguística no Brasil e no mundo.
Dentre os agrupamentos linguísticos existentes nas terras baixas da 
América do Sul, a constituição de uma unidade genética “Macro-Jê” foi 
concebida por Rodrigues (1999: 165) como uma “hipótese em trabalho”, 
considerando os esforços precedentes e aqueles que se sucederam nessa 
direção, já que as informações disponíveis variam em quantidade 
e qualidade para um empreendimento histórico-comparativo mais 
abrangente. Mesmo assim, nos últimos anos, o número de pesquisas 
Línguas e Culturas Macro-Jê
6
sobre línguas Macro-Jê aumentou consideravelmente, sobretudo, 
em função da expansão e acesso a Programas de Pós-Graduação em 
Universidades brasileiras, bem como a presença de pesquisadores 
indígenas nesses programas.
Do ponto de vista linguístico, as línguas Macro-Jê exibem 
fenômenos e padrões gramaticais bastante incomuns, especialmente, no 
contexto sul-americano, evidenciando sua relevância para a Linguística 
e, num sentido mais amplo, para a compreensão da própria linguagem 
humana. Já em uma perspectiva antropológica, os estudos têm 
destacado e contribuído para a compreensão de sistemas complexos 
de organização social e outras manifestações culturais a ela associados. 
Numa visão prática, os conhecimentos produzidos dão suporte para 
o planejamento e execução de políticas educacionais, como formação 
de professores/pesquisadores indígenas em cursos de Licenciaturas 
Interculturais, voltadas para a valorização e manutenção da identidade 
linguística e cultural desses povos.
Seguindo a tradição das edições anteriores, no IX Encontro 
Macro-Jê, as mulheres cientistas, linguistas e antropólogas, na 
impossibilidade de fazê-lo a todas pessoalmente, foram homenageadas 
pelo pioneirismo no investimento à pesquisa científica com esses povos, 
línguas e culturas, bem como pela formação de novos pesquisadores. 
Os nomes representativos dessas mulheres estão registrados no texto de 
homenagem.
Ao imprimir neste livro, grande parte dos artigos apresentados/ 
debatidos durante o evento reiteramos a relevância não apenas científica, 
mas, também, o compromisso ético, político e social com os povos 
Macro-Jê e indígenas de um modo geral. Em tempos de constantes 
Saberes entrecruzados
7
ameaças contra os povos originários, vindas de diferentes agentes e 
instituições, mais que resistir, é preciso lutar e defender as garantias 
constitucionais dessas populações.
Por isso mesmo, é preciso agradecer as parcerias e tomamos 
deste espaço de apresentação para fazê-lo, especialmente, ao Conselho 
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), 
pelo subsídio financeiro (Processo nº 407558/2017-9), sem o qual 
provavelmente seria inviável a realização desse evento. Expressamos 
nossos agradecimentos à Universidade Federal de Mato Grosso e ao 
Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem (PPGEL/ 
UFMT), pelo apoio institucional e financeiro na concessão de diárias 
e passagens aos convidados; à Fundação Nacional do Índio (FUNAI), 
Coordenações Regionais de Barra do Garças e Palmas (TO), bem 
como as Coordenações Técnicas Locais de Canarana, Juína e São Felix 
do Araguaia (MT), as quais viabilizaram a vinda de representantes 
indígenas dos povos Boe-Bororo, Kĩsêdjê, Rikbaktsá, Karajá, Javaé 
e Krahô. Contamos, ainda, com o auxílio da Prof.ª Dr.ª Beleni Salete 
Grando (Faculdade de Educação/UFMT), Coordenadora do Projeto 
Rede de Saberes Indígenas na Escola UFMT/MEC, pela doação de 
bolsas.
Nossa gratidão à Coordenação do Curso de Letras, na pessoa da 
Prof.ª Dr.ª Tereza Ramos de Carvalho, e da Prof.ª Me. Mônica Maria dos 
Santos por estarem conosco nessa empreitada.
O IX Encontro Macro-Jê não teria se tornado possível se não fosse 
a colaboração fundamental e imensurável dos monitores do curso de 
Letras durante os dias de evento, sob a coordenação do Prof. Victor 
Santos, a quem estendemos nosso profundo agradecimento.
Línguas e Culturas Macro-Jê
8
Deixemos que o Sumário oriente o leitor e que o mergulho em cada 
texto possa contribuir para discussões que provoquem debates profícuos 
em torno do conjunto diverso de objetos de análise e de reflexões teórico/
práticas que ordenaram o IX Macro-Jê e estão materializadas neste livro.
Prof. Dr. Maxwell Gomes Miranda
Prof.ª Dr.ª Águeda Aparecida da Cruz Borges
Sumário
Introdução
Maxwell Miranda | Eduardo Santos Gonçalves Monteiro 15
Homenagem às Mulheres Cientistas
Águeda Aparecida da Cruz Borges 29
Antropologia
Aspectos culturais (não linguísticos) dos povos falantes de línguas 
do tronco Macro-Jê
JulioCezar Melatti 37
Indagações a respeito das transformações na vida das mulheres 
Mẽbêngôkre e no valor simbólico do feminino gerados pela 
aproximação com a sociedade regional no Brasil Central
Vanessa Lea | Maial Paiakan Kaiapó 95
Dualismo ex-cêntrico: sobre o plano de aldeia karajá e suas 
transformações Macro-Jê
Eduardo S. Nunes 119
Não é bom fazer ituaré com irmão próprio mesmo
Maria Elisa Ladeira 139
O tripartido sistema de parentesco Xavante
Marcos de Miranda Ramires | Boaventura Walua Xanon 153
Parente de Onça: uma revisão crítica da análise lévi-straussiana 
sobre termos de parentesco macro-jê e a mitologia do roubo 
do fogo da onça
Guilherme Falleiros 177
Porque o parentesco é sempre triádico
Marcela S. Coelho de Souza 193
Ilha do Bananal em chamas – Os Karajá e o fogo em seu território
Lilian Brandt Calçavara 221
Linguística
Gramaticalização em línguas Jê (Macro-Jê): perspectivas sincrônicas 
e diacrônicas
Maxwell Miranda 243
Modo e Modalidade em Yaathe (Fulni-Ô)
Januacele da Costa | Fábia Fulni-ô 293
Variação diastrática na língua Kaingang: o verbo ir
Damaris Kaninsãnh Felisbino | Marcelo Silveira 311
Morfologia verbal flexional da língua Maxakalí
Mário André Coelho da Silva | Andrey Nikulin 329
Distinção ternária de número e concordância em línguas Jê Centrais 
(Macro-Jê)
Ana Suelly Arruda Câmara Cabral | Eliseu Waduipi Xavante 
Luis Miguel Rojas-Berscia | Maxwell Miranda 353
Algumas notas sobre predicados não-verbais em Kỳikatêjê (Jê)
Lucivaldo S. Costa | Quélvia S. Tavares | Mirelly Paolla B. Carvalho 393
Notas de Campo
Reflexões sobre escrita etnográfica: um breve relato de reviravoltas 
do trabalho de campo entre os Krahô
Eduardo Santos Gonçalves Monteiro 409
Xerente do Araguaia e a luta pelo “reconhecimento” étnico
Lilian Brandt Calçavara 421
Sobre os Autores 433
Distribuição geográfica das línguas e culturas Macro-Jê 
(Rodrigues 1999)
Mapa elaborado por Itamar Sales (2020)
Abreviaturas
1 Primeira Pessoa
1+2 Primeira Pessoa Dual
2 Segunda Pessoa
3 Terceira Pessoa
a Agente de verbo transitivo
abl Ablativo
abs Absolutivo
acb Acabado
acc Acusativo
adm Admirativo
alat/allt Alativo
all.imp Imperativo Alativo
anim Animado
ap Antipassivo
art Artigo
asp Aspecto
ass Associativo
asv Asseverativo
aten Atenuativo
aum/aug Aumentativo
aux Auxiliar
caus Causativo
col Coletivizador
com/comt Comitativo
cond Condicional
cond.temp Condicional Temporal
corr Correferencial
chm Chamativo
cnj Conjunção
cnt Conectivo
ctfg Centrífugo
ctg Contíguo
ctpt Centrípeto
dat Dativo
def Definido
dem Demonstrativo
dem.prox Demonstrativo próximo
desd Desiderativo
det Determinante
detr Detrimentivo (Posposição)
dim Diminutivo
dir Direcional
distr Distributivo
ds/sd Sujeito Diferente
dual Dual
dub Dubtativo
enf Enfático
epistm Epistêmico (Modalidade)
erg Ergativo
estat Estativo
exist Existencial
excl Exclusivo
exort Exortativo
fem Feminino
fin Conjunção de finalidade
foc Foco
fut Futuro
gen Genitivo
gr Grupo
hort Hortativo
hrs Ouvi dizer (Hearsay)
hum Humano
imp Imperativo (Modo)
imperf Imperfectivo
inan Inanimado
incl Inclusivo
ind Indicativo (Modo)
indef Indefinido
inef Inefectivo
iness Inessivo
inf Infinitivo
intens Intensivo
instr Instrumental (Posposição)
int Interrogativo
irls Irrealis
iter Iterativo
loc Locativo
masc Masculino
mov Movimento
ms Marca de Sujeito
n.ag Nome de Agente
nctg Não-Contíguo
nmlz Nominalizador
nsg Não singular
neg Negação
nom Nominativo
o Paciente de verbo transitivo
obl Oblíquo
obj Objeto
part.pac Particípio Paciente
pas/pst Passado
pass Passivo
pauc Paucal
perf Perfectivo
perm.imp Imperativo permansivo
pl Plural
posp Posposição
poss Possessivo
prob Probabilidade
prog Progressivo
proh Proibitivo
prom Promissivo
prt Partícula
rcpr Recíproco
rdpl Reduplicação
real.intr Real Intransitivo
reflx Reflexivo
rel Prefixo Relacional
r1/rel.c Prefixo Relacional de constituência
r2/rel.nc Prefixo Relacional de não constituência
rls ~ real Realis (Modo)
rlz Realizado
S Sujeito de verbo intransitivo
SA Sujeito de verbo intransitivo alinhado 
 com o argumento A
SO Sujeito de verbo intransitivo alinhado 
 com o argumento O
sg Singular
ss/ms Mesmo Sujeito
subj Subjuntivo (Modo)
suj Sujeito
top Tópico
traj Trajetória
v Verbo
Introdução
Maxwell Miranda
Universidade Federal de Mato Grosso
Eduardo Santos Gonçalves Monteiro
Fundação Nacional do Índio – FUNAI
Ao longo das duas últimas décadas, temos assistido a um crescimento exponencial de estudos desenvolvidos em diferentes 
áreas do conhecimento e perspectivas teórico-metodológicas acerca 
da unidade hipotética ‘Macro-Jê’. Esta unidade compreende diversos 
povos, cuja maioria encontrava-se a leste do Brasil, indo desde o Sertão 
nordestino até à Mata Atlântica na região sudeste, e diferentes partes 
do interior. Atualmente, boa parte dos povos Macro-Jê encontra-se 
na área de transição entre o Cerrado e Amazônia, Pantanal sul-mato-
grossense e nos planaltos da região sul. A colonização do território 
brasileiro, em diferentes épocas, propósitos e direções, converge, por 
um lado, para relações entre povos indígenas e frentes de expansão que 
os viam (e veem) como supostos obstáculos ao dito “desenvolvimento 
econômico” e a certa “marcha inexorável” da história. Neste processo, 
as consequentes perdas sofridas por estes povos originários foram e são 
irreparáveis – entre elas, a devastação de culturas e a morte de diversas 
línguas indígenas (cf. Rodrigues 1993).
Por outro lado, a mobilidade espacial característica de muitos 
povos macro-jê, aliada à capacidade de ocupar e adaptar-se a diferentes 
ecossistemas e à comentada “resiliência cultural” Jê, são certamente 
fatores básicos para entender a sobrevivência e a vivacidade de muitas 
de suas línguas e culturas nos dias atuais. Do ponto de vista científico, a 
compreensão dos modos como essas línguas se organizam e funcionam 
e as dinâmicas em torno das quais os atores sociais interagem em 
Maxwell Miranda | Eduardo Santos Gonçalves Monteiro
16
diferentes instâncias da vida social, política e ritual, constituem peças 
fundamentais para a proposição de políticas alternativas às do Estado 
brasileiro para o fortalecimento e empoderamento dos povos indígenas, 
com vistas à garantia de seus direitos constitucionais.
No campo das Ciências Humanas e Sociais, desde o século XIX, 
o interesse pelo estudo das línguas e culturas macro-jê reside nas 
peculiaridades e particularidades que elas apresentam em comparação 
com outros agrupamentos linguístico-culturais das terras baixas 
sul-americanas. Do ponto de vista linguístico, a hipótese de um 
agrupamento genético Macro-Jê adotada aqui é aquela formulada por 
Rodrigues (1986, 1999), de acordo com o qual é constituído por 12 
famílias linguísticas – Bororo, Guató, Jê, Maxakalí, Karajá, Kamakã, 
Krenák (Botocudo), Karirí, Ofayé, Purí, Rikbaktsá e Yaathe. Propostas 
de inclusão de outros membros no tronco Macro-Jê têm sido sugeridas 
por Adelaar (2008), para a língua Chiquitano (família Chiquitano), e 
por Ribeiro e der Voort (2010) para as línguas Arikapú e Djeoromitxí 
(família Jabutí).
Rodrigues (2002: 11-12), na ocasião do I Encontro sobre línguas 
Jê, delimitou o que poderia ser considerado uma agenda de pesquisa 
para as línguas dessa família, mas perfeitamente aplicável ao tronco 
Macro-Jê, ao definir como “tarefas básicas imediatas”:
(a) comparação lexical dentro de cada grupo e reconstrução das 
respectivas proto-línguas: (1) setentrional, (2) central, (3) revisão e 
ampliação de Wiesemann para o meridional;
(b) comparação de sub-sistemas gramaticais: marcadores de pessoa, 
marcadores relacionais, nominatividade x ergatividade, posposições, 
marcadores evidenciais etc.;
(c) revisão da comparação fonológica de Davis com novas línguas, 
novos detalhes e novos pontos de vista;
(d) ampliação da comparação lexical, incluindo os campos semânticos 
da fauna, flora e da cultura.
Desses tópicos, alguns têm sido com frequência objeto de análise 
desde a década de 80 a partir de línguasparticulares, como por exemplo, 
o estudo de Urban (1985) sobre a língua Xokleng, ou abrangendo um 
conjunto mais amplo de línguas, como o trabalho de Wiesemann (1986) 
envolvendo línguas das famílias Jê, Karajá e Rikbaktsá. Atualmente, 
Introdução
17
muitas informações sobre essas línguas tornaram-se disponíveis graças 
ao aumento considerável de pesquisas desenvolvidas no âmbito de 
Programas de Pós-Graduação em Linguística. Mesmo com o avanço 
notável no estudo das línguas Macro-Jê, além da revisão e ampliação 
da comparação fonológica e lexical de Davis (1966, 1968), há muitos 
pontos que necessitam de um exame mais aprofundado e acrescentados 
à lista de Rodrigues (2002), com o propósito de oferecer um perfil 
tipológico mais abrangente dessas línguas, incluindo tópicos como 
negação, distinções de atos de fala, tempo, aspecto, modo, modalidade, 
mecanismos de mudança de valência verbal – construções causativas, 
aplicativas, antipassivas e médias –, estratégias de combinação oracional, 
via coordenação ou subordinação, entre outros. Esse empreendimento 
analítico-descritivo pode revelar-nos as afinidades gramaticais 
decorrentes de herança genética ou induzidas por contato linguístico 
com povos de outras matrizes linguístico-culturais. 
Já a partir da perspectiva antropológica, as culturas Macro-Jê têm 
constantemente desafiado quaisquer tentativas de importação direta 
de modelos antropológicos trazidos de outros contextos e continentes. 
Muitos dos traços mais marcantes das sociedades Jê foram ressaltados já 
nos trabalhos etnográficos pioneiros de Curt Nimuendajú, difundindo-
se por meio de antropólogos como Robert Lowie e Claude Lévi-Strauss. 
Assim, a etnografia Jê insere-se, desde meados da década de 1940, 
no circuito de uma antropologia comparativa mundial e formula os 
problemas teóricos que ela suscita (Carneiro da Cunha 1993: 82).
A atenção dos especialistas prontamente se voltou à “estrutura 
social altamente complicada” destes grupos, “comportando vários 
sistemas de metades que se entrecruzam, dotados de funções específicas, 
clãs, classes de idade, associações esportivas ou rituais e outras formas 
de agrupamento” (Lévi-Strauss 2008: 133 [1952]). Ressalte-se aqui o 
célebre paradoxo Jê, que intrigou gerações de antropólogos pela suposta 
incoerência entre uma cultura material marcada pela simplicidade e 
uma organização social extremamente complexa. Tal descompasso 
constituiu-se a pedra de torque do ambicioso projeto Harvard-Brasil 
Central, que reuniu uma série de pesquisadores (dentre os quais Julio 
Cezar Mellati, um dos autores deste livro) na realização de um reestudo 
e um balanço comparativo das sociedades Jê e Bororo.
Maxwell Miranda | Eduardo Santos Gonçalves Monteiro
18
O potencial do trabalho comparativo, aliás, é ampliado pelo “ar 
de família” cultural dos grupos Macro-Jê (cf. Carneiro da Cunha 
1993; Lopes da Silva 1986 [1980]), o que torna possível pensá-los 
como um conjunto de transformações e compará-los de maneira 
metodologicamente rigorosa. Não se trata, por outro lado, de um debate 
encerrado: as reflexões a respeito das relações entre os povos Macro-
Jê renovam-se constantemente a partir de um diálogo crítico com os 
esforços comparativos anteriores. Um exemplo disso, contido neste 
volume, é a revisão teórica proposta por Eduardo Nunes a respeito 
de certa “atipia” classificatória imputada aos Karajá. As contribuições 
dos estudos Macro-Jê continuam a mostrar sua relevância em meio à 
dinâmica intensa de debates, críticas e revisões nos campos e questões 
centrais da etnologia americanista.
Os textos da obra
Os textos que compõem a presente obra são versões ampliadas e 
revisadas dos trabalhos apresentados na ocasião do IX Encontro Macro-
Jê (2018), na Universidade Federal de Mato Grosso, em Barra do Garças, 
e estão divididos em três partes: Antropologia, Linguística e Notas de 
Campo. Nesta seção, apresentamos uma síntese dos textos, a fim de 
oferecer aos leitores e leitoras os temas abordados e suas respectivas 
contribuições.
Julio Cezar Melatti inicia a seção Antropologia com o texto, 
Aspectos culturais (não linguísticos) dos povos falantes de línguas do 
tronco Macro-Jê, no qual o autor procura “semelhanças culturais entre 
os povos que falam ou falaram línguas do tronco Macro-Jê” e apresenta 
um panorama dos tópicos mais recorrentes na pesquisa antropológica 
e etnológica acerca dos povos Macro-Jê desde a década de 70. Ao partir 
da pergunta, “em que as culturas dos povos Macro-Jê se parecem?” 
Melatti examina alguns traços socioculturais e sua presença nas diversas 
sociedades Macro-Jê, como a corrida de toras, variações no formato da 
aldeia, uso de batoques auriculares e labiais, círculo feminino, esquemas 
de terminologia de parentesco, casamento e transmissão de nomes 
pessoais, o dualismo da pessoa bororo, amizade formal, nomes pessoais 
de prestígio, riqueza simbólica, presença dos mortos. O autor finaliza 
Introdução
19
seu texto destacando as tradições arqueológicas que são características 
dos povos Macro-Jê.
Em seguida, o texto, Indagações a respeito das transformações na 
vida das mulheres Mẽbêngôkre e no valor simbólico do feminino gerados 
pela aproximação com a sociedade regional no Brasil Central, de Vanessa 
Lea e Maial Paiakan Kayapó, é marcado por “um intercruzamento 
de perspectivas”, em que de um lado, tem-se a perspectiva de uma 
antropóloga que, ao longo de quatro décadas, realiza pesquisa junto aos 
Mẽtyktire, um dos povos Mẽbêngôkre (Kayapó), e de outro, o olhar de 
uma mulher indígena que estuou na cidade e formou-se em Direito, 
para defender os direitos de seu povo. As autoras abordam a questão 
de gênero para o povo Mẽbêngôkre, exemplificando essa situação com 
o que vem sendo discutido em outros países latino-americanos, como 
na Guatemala e Bolívia. Embora muitos povos amazônicos valorizem 
e continuem naturalizando os homens como representantes de suas 
comunidades, similarmente ao caso da Bolívia, algumas exceções a esse 
cenário começa a surgir a leste do Xingu, em que mulheres mẽbêngôkre 
vêm assumindo funções de chefia de aldeias. Nesse sentido, é significativa 
a afirmação de Maial, de acordo com a qual “[...] o feminismo entra no 
sentido de dar voz às mulheres, de dar espaço a elas de representação 
dentro do movimento indígena, mas não no sentido de interferir na 
cultura. As mulheres não querem realizar as mesmas atividades que os 
homens, por exemplo, não querem caçar e pescar. Elas têm suas próprias 
atividades e saberes [...]” (grifos nossos). O texto encerra chamando-
nos a atenção para o fato de que “[O]s antropólogos contribuíram para 
o silenciamento das mulheres Mẽbêngôkre, relegando-as à “periferia” 
da aldeia”, algo que pode ser estendido a outras sociedades indígenas, 
em que as mulheres na maioria das vezes ocupam um lugar secundário 
nas descrições etnográficas, e alerta-nos para o etnocentrismo de 
demandas de promoção de igualdade de gênero, cujos valores podem 
ser contraditórios aos dos povos indígenas.
Eduardo Soares Nunes, em Dualismo ex-cêntrico: sobre o plano de 
aldeia karajá e suas transformações Macro-Jê, busca problematizar certo 
“desencaixe tipológico” Karajá (Inỹ), evidenciado pelo silêncio quase 
absoluto sobre este povo no seio do clássico debate em torno dos modelos 
teóricos de sociedades multidualistas do Brasil Central. Assim, propõe 
Maxwell Miranda | Eduardo Santos Gonçalves Monteiro
20
um “experimento analítico” a partir das possibilidades de transformação 
disponíveis no caso Karajá, provocando uma reflexão sobre o caráter 
auto evidente dos planos de aldeia e da própria circularidade das aldeias 
Jê-Bororo. Estabelecendo um profícuo diálogo entre a etnografia Karajá 
e panará, argumenta que a disposição espacial da aldeia Karajá é uma 
variante estrutural cujas possibilidades de transformação evidenciam e, 
mais ainda, radicalizam um ponto de inversão fundamental em relação 
à imagem tradicional do dualismo assimétrico Jê: o centro daaldeia, 
antes de seu o lugar da “cultura”, mostra-se como local por excelência da 
alteridade. A partir daí, Nunes explora desdobramentos possíveis por 
meio de seu trabalho etnográfico nas aldeia Karajá, Burudina e Santa 
Isabel, onde o leitor acompanha a exposição de múltiplas oposições, seja 
entre cidade e rio/mato, oeste e leste, ou entre homens e mulheres, em 
paralelo com a demonstração do rendimento heurístico do ex-centrismo 
Karajá e de sua aproximação analítica com o conjunto Macro-Jê, tomado 
como amplo grupo de transformações.
A contribuição de Maria Elisa Ladeira, intitulada Não é bom fazer 
ituare com irmão próprio mesmo, recupera parte de sua dissertação 
publicada em 1982, já considerada um clássico dos estudos Jê, para 
discutir o tema da nominação entre os Timbira, conjunto de povos 
situados no Tocantins, Maranhão e Pará que compartilha intimamente 
traços culturais e linguísticos entre si. Após ressaltar a importância da 
nominação para o mapeamento e o estabelecimento de relações e de 
padrões específicos de comportamento entre pessoas dos diversos povos 
Timbira, a autora argumenta que o processo de transmissão de nomes 
constitui, de forma articulada e complementar às trocas matrimoniais, 
o domínio das alianças entre os grupos domésticos e segmentos 
residenciais no seio destes povos.
Assim, a partir da descrição etnográfica da relação de nominação 
chamada “fazer ituare”, estabelecida desde criança entre dois irmãos 
de sexo oposto que se comprometem a trocar seus nomes, Ladeira 
realiza uma revisão crítica da bibliografia disponível sobre o tema 
entre os povos Timbira, que supunha uma correlação entre nome e 
residência, em que os possíveis nominadores se encontram em posição 
genealógica bastante próxima de ego, o que excluía categorias de 
parentes patrilaterais localizadas em outros segmentos residenciais. 
Introdução
21
Nesses modelos, a circulação de nomes masculinos mantinha-se restrita 
aos seus segmentos de origem, de modo a “compensar” o padrão de 
residência uxorilocal praticado. Ao contrário, a autora argumenta 
que a distância genealógica ideal para fazer ituare é maior do que se 
admitia anteriormente. Esta distância permite que os nomes circulem 
para fora de seus segmentos residenciais de origem, reforçando laços 
entre parentes patrilaterais dispersos pelos diferentes segmentos da 
aldeia e abrindo possibilidades de redefinição do gradiente de “parentes 
próximos” e “parentes distantes”, fundamental na definição dos 
casamentos. Evidencia-se, assim, a complementaridade das trocas de 
nomes e trocas de cônjuges para o estabelecimento e a transformação 
de alianças constitutivas da socialidade timbira.
O tripartido sistema de parentesco Xavante, de Marcos de 
Miranda Ramires e Boaventura Walua Xanon, tem como ponto 
central a apresentação de uma “etnografia dos sistemas de parentesco 
xavante”, resultante de trabalho de campo realizado entre os Xavante 
(autodenominados A’uwẽ) na Terra Indígena Marãiwatsédé, localizada 
no nordeste do Estado de Mato Grosso. Iniciando seu texto com uma 
breve revisão bibliográfica acerca de aspectos relevantes dos sistemas 
de relações xavante que possuem ressonâncias com seu sistema de 
parentesco, os autores passam a apresentar os resultados da sistematização 
parcial da terminologia de parentesco a’uwẽ, dispostos visualmente 
em diagramas. Por meio de um cotejamento pormenorizado dos 
dados obtidos em campo com um conjunto considerável de obras da 
bibliografia antropológica disponível a respeito dos Xavante, Ramires e 
Xanon apontam ajustes, aproximações e contrastes entre estes materiais, 
sugerindo a existência de uma “tripartição do vocabulário de parentesco 
a’uwẽ” em consanguíneos paralelos, consanguíneos cruzados (cognatos 
cruzados) e afins e uma revisão do suposto caráter sociocentrado deste 
sistema de parentesco.
Temos, em seguida, a contribuição de Guilherme Falleiros, 
entitulada Parente de Onça: uma revisão crítica da análise lévi-straussiana 
sobre termos de parentesco macro-jê e a mitologia do roubo do fogo da 
onça. Retornando ao universo das Mitológicas lévi-straussianas, o autor 
evoca o tema mítico, caro a muitos povos Jê, do roubo do fogo da onça. 
Ao longo da argumentação apresentada, Falleiros busca introduzir 
Maxwell Miranda | Eduardo Santos Gonçalves Monteiro
22
a perspectiva xavante - a’uwẽ no seio do grupo de transformações 
analisado por Lévi-Strauss em sua obra. Ao fazê-lo, busca revisar 
criticamente tal análise, apresentando nuances às conclusões lévi-
straussianas que apontam para a afinidade potencial (cunhadio) como 
foco da relação estabelecida entre humanidade e a onça. Ao contrário, a 
potência concedida à onça, esta inimiga da humanidade, mas detentora 
de um dos tesouros culturais fundamentais para os homens, pode 
ser atribuição, sugere o autor, tanto da filiação potencial da relação 
estabelecida entre humano e onça quanto da condição de avô – posição 
mais aproximada da potência cósmica original – deste último na relação 
com o jovem xavante.
Em Porque o parentesco é sempre triádico, Marcela Coelho de 
Souza apresenta uma reflexão crítica sobre pressupostos fundamentais 
da teorização antropológica clássica a partir do problema dos termos 
triádicos de parentesco. Seu objetivo é indicar como tal questão 
“transborda interesses especializados” e impõe um “deslocamento no 
entendimento convencional na Antropologia, e na forma como as teorias 
dos parentesco foram construídas e vêm sendo des/re-construídas”. 
Para tanto, a autora parte do trabalho da antropóloga (e uma das autoras 
deste livro) Vanessa Lea junto aos Mẽbengôkre, de estudiosos de casos 
australianos, e os exemplos trazidos a partir de sua própria relação e 
colaboração com Jamthô Kisêdjê, professor e cursista de licenciatura 
indígena.
Privilegiando uma abordagem pragmática da elocução das 
relações de parentesco, Coelho de Souza aponta para a produtividade 
de esquemas pensados para representar as relações triádicas, que 
reinserem a classificação num contexto interacional específico. A autora 
ressalta o caráter lógico do fenômeno, argumentando que as relações 
de parentesco sempre são, logicamente, triádicas, ao contrário da 
codificação e conceitualização que classifica relações diádicas a partir de 
regras de equivalência entre posições genealógicas, segundo as escolas e 
modelos clássicos da Antropologia do parentesco. Na determinação das 
relações de parentesco, ressalta a autora, seria fundamental considerar 
a simultaneidade e divergência de perspectivas envolvidas, o que é 
explicitado pela possibilidade, cara às relações triádicas, da distinção 
Introdução
23
entre o ponto de referência a partir do qual a relação é calculada no 
sistema (propositus) e de ego (locutor).
Em Ilha do Bananal em chamas: os Karajá e o fogo em seu território, 
Lilian Brandt Calçavara caracteriza os diversos usos do fogo que ocorrem 
e que ocorriam anteriormente na Ilha do Bananal (Terra Indígena Parque 
do Araguaia), bem como os impactos destes na vida dos Karajá. São 
utilizados como referências mapas, pesquisas sobre o Manejo Integrado 
do Fogo (MIF), conhecimentos tradicionais indígenas relacionados ao 
uso do fogo e sobre a antropologia da tecnologia. Durante o processo 
de pesquisa, a autora também produziu o vídeo “Mifando a Ilha”, com 
entrevistas de indígenas e especialistas, além de registros do manejo do 
fogo realizado em 2016.
Os textos da seção Linguística contemplam abordagens tanto 
sincrônicas quanto diacrônicas na descrição e análise de fenômenos 
gramaticais comuns às línguas Macro-Jê. Maxwell Miranda abre a seção 
com o texto, Gramaticalização em línguas Jê (Macro-Jê): perspectivas 
sincrônicas e diacrônicas, no qual são exploradas as possibilidades e 
potencialidades a partir do modelo da teoria da Gramaticalização 
proposto por Heine et al. (1991) e Heine e Kuteva (2002, 2007). É 
salientado que apesar de haver algumas tentativas de abordar mudança 
gramatical, tal como foi delimitadopor Rodrigues (2002), elas são 
ainda bastante limitadas para fins de reconstrução interna da família Jê. 
O texto de Miranda descreve e explica o desenvolvimento histórico de 
categorias gramaticais, como marcadores de número, aumentativo vs. 
diminutivo, e posposições ou expressões locativas envolvendo nomes 
de partes do corpo. Considerando que o perfil morfológico de boa parte 
das línguas Jê é predominantemente analítico, não é surpreendente que 
as funções gramaticais coexistam com aqueles usos lexicais, ou que 
antigas formas gramaticais ainda convivam lado a lado com aquelas 
mais novas, conforme é previsto na teoria da Gramaticalização. O 
texto ainda pontua que conceber os fatos a partir dessa teoria, não 
pressupõe a substituição de métodos clássicos da Linguística Histórica, 
como Método Comparativo e da Reconstrução Interna, mas antes os 
complementa.
Januacele da Costa e Fábia Fulni-ô, em seu texto, Modo e 
Maxwell Miranda | Eduardo Santos Gonçalves Monteiro
24
Modalidade em Yaathe (Fulni-Ô), apresentam uma discussão preliminar 
da modalidade nessa língua. Trata-se da única língua da família de 
mesma denominação e também a única língua indígena falada no 
Nordeste, destacando-se, entre as línguas Macro-Jê, por sua excepcional 
morfologia verbal. A expressão formal de distintos valores modais, em 
Yaathe, “[...] é quase sempre mista, com uma ou mais de uma ocorrendo 
na morfologia e uma ou mais de uma se realizando através de partículas 
ou verbos modais.” As autoras fundamentam a presente análise na 
perspectiva de Frawley (1992), com dados linguísticos de primeira-mão. 
É destacado também que um estudo cuidadoso dos usos e das interações 
do sistema modal com outros sistemas gramaticais é necessário, a 
fim de contemplar fatores semânticos, além dos significados básicos, 
pragmáticos e discursivos.
Dando continuidade aos textos da seção de Linguística, Damaris 
Kaninsãnh Felisbino e Marcelo Silveira, em Variação diastrática na língua 
Kaingang: o verbo ir, cujos propósitos são “investigar o uso das variações 
do verbo tĩg (ir), que ocorrem quando falantes respondem a uma 
pergunta” e “entender como e por que ocorre essa variação em termos 
sociolinguísticos.” O estudo baseia-se na Sociolinguística Variacionista e 
investiga a variação na pronúncia do verbo tĩg ‘ir’, que alterna entre uma 
forma padrão [tĩŋ] e uma forma não padrão estigmatizada tnhĩg [tʃĩŋ]. 
Conforme é salientado pelos autores, pretende-se preencher uma lacuna 
nas pesquisas destinadas à variação linguística em línguas indígenas 
brasileiras, especialmente em Kaingang, com vistas a contribuir para a 
elaboração de uma gramática pedagógica dessa língua.
O texto de Mário André Coelho da Silva e Andrey Nikulin, 
Morfologia verbal flexional da língua Maxakalí, explora a expressão 
morfológica de três categorias flexionais de verbos nessa língua: 
indexação dos argumentos de pessoa, modo e contiguidade. 
Contrariamente a visão difundida de que “[...] diversas línguas Macro-
Jê, dentre elas o Maxakalí, contam, no geral, com uma morfologia 
flexional extremamente simples” (Ribeiro 2006), os autores, contudo, 
mostram que o verbo nessa língua é mais complexo do que apresentado 
em descrições anteriores. A complexidade morfológica do verbo em 
Maxakalí é demonstrada pela intrincada relação entre categorias 
gramaticais, processos fonológicos, morfofonológicos e constituência 
Introdução
25
sintática. Os fatos analisados pelos autores lançam novas perspectivas 
para a compreensão da morfologia verbal da língua Maxakalí.
O artigo Distinção ternária de número e concordância em línguas 
Jê Centrais (Macro-Jê), de Ana Suelly Arruda Câmara Cabral, Eliseu 
Waduipi Xavante, Luis Miguel Rojas-Berscia e Maxwell Miranda, trata 
da expressão de número em predicados verbais nas línguas Xavante 
e Xerente, ambas pertencentes ao sub-ramo Central da família Jê. A 
partir do trabalho de Cavalcante (1987) sobre o Kaingang falado em São 
Paulo, os autores discutem as particularidades das línguas Jê Centrais, 
especialmente o Xavante, no que diz respeito à distinção ternária de 
número – singular, dual e plural – por meio de partículas especiais que 
combinam os traços de número/pessoa. Além de nomes e pronomes, 
esta distinção aplica-se também a raízes verbais alternantes na relação 
entre o núcleo verbal e seus argumentos, de predicados verbais e 
nominais. Assim, os autores defendem que o sistema de concordância 
de línguas Jê Centrais atende ao Princípio de Transparência Semântica 
(Seuren & Wekker 1986), de acordo com o qual a expressão e marcação 
de número, por meio de diferentes operadores, aumenta o nível de 
transparência semântica, evitando ambiguidades tanto da perspectiva 
do falante quanto do interlocutor. 
Lucivaldo Silva da Costa, Quélvia Souza Tavares e Mirelly Paolla 
Borges de Carvalho, em Algumas notas sobre predicados não-verbais 
em Kỳikatêjê (Jê), examinam predicados não-verbais – nominais, 
locativos, possessivos e existenciais, com base em critérios semânticos e 
morfossintáticos. A partir de uma perspectiva tipológica e funcional, os 
autores argumentam que não há verbos cópula nessa língua e a principal 
estratégia morfossintática empregada na maior parte dos predicados 
não-verbais é a justaposição, similarmente ao que é encontrado em 
outras línguas Jê. Por se tratar de uma variedade Timbira ainda com 
estudos descritivos, o presente trabalho é uma contribuição às ações de 
documentação e revitalização da língua falada pelo povo Kỳikatêjê.
A seção Notas de Campos é destinada a problematizações 
levantadas a partir da pesquisa de campo junto a comunidades indígenas 
e que podem ser tomadas como diretrizes para futuras incursões. O 
texto Reflexões sobre escrita etnográfica: um breve relato de reviravoltas 
Maxwell Miranda | Eduardo Santos Gonçalves Monteiro
26
do trabalho de campo entre os Krahô, escrito por Eduardo Monteiro, 
dedica-se a tratar das relações estabelecidas entre o trabalho de campo 
e a escrita etnográfica, refletindo sobre a abertura extraordinária para 
a imprevisibilidade destas relações e algumas de suas implicações no 
trabalho etnográfico. Para tanto, apresenta um pequeno caso etnográfico 
ocorrido durante sua pesquisa entre os Krahô (autodenominados 
mẽhĩ), que acaba se revelando como insight que provoca uma inflexão 
fundamental tanto para o modo como o autor apreende os aspectos da 
socialidade mẽhĩ abordados em sua pesquisa quanto para a forma como 
organiza textualmente este processo compreensivo. Assim, Monteiro 
aponta como, a partir de uma série de convergências, que envolvem 
o reencontro com o pequeno trecho de seu caderno de campo e a 
aproximação com o debate antropológico acerca do conceito de teoria 
etnográfica, foi possível perceber como uma reflexão sobre o conceito 
krahô de amijkĩ, cujo campo semântico é constituído por categorias 
como “festa” e “alegria”, poderia se tornar o eixo estruturante de sua 
pesquisa.
O povo Xerente do Araguaia é formado por descendentes dos 
Xerente que vieram para a região do Araguaia em busca de melhores 
condições de vida. No artigo Xerente do Araguaia e a luta pelo 
‘reconhecimento’ étnico, Lilian Brandt Calçavara discute a demanda do 
grupo por um “reconhecimento” do Estado. Esta demanda contradiz a 
legislação indigenista, que entende que o pertencimento étnico se dá 
através da autodeclaração e do reconhecimento do grupo. Em busca 
desse “reconhecimento”, a pesquisadora acompanhou lideranças do 
povo Xerente do Aarguaia, que residem em Mato Grosso, em uma 
viagem aos Xerente, em Tocantins. A pesquisa trouxe à tona outra 
contradição: o que os Xerente entendem como constitutivo do “ser 
Xerente” é substancialmente diferente da compreensão que os Xerente 
do Araguaia têm sobre esse pertencimento étnico. Essas diferenças não 
colocam a identidade indígena dos Xerente do Araguaia em cheque, mas 
sim a fragilidade do Estado para lidar com a diversidade que constitui 
os povos indígenas.
Os estudos presentes nesta obra éuma pequena fração de um 
conjunto mais amplo de pesquisas realizadas a partir de e com povos 
Macro-Jê no campo das Ciências Humanas e Sociais. Em tempos em 
Introdução
27
que a Ciência é constantemente vilipendiada, suas ações postas em 
dúvida e os investimentos financeiros cada vez mais escassos, promover 
e difundir os resultados de tais pesquisas à sociedade, em geral, mais 
que necessário e urgente, é um ato político contra quaisquer iniciativas 
que busquem silenciar ou apagar da História o papel de cientistas na 
formação do pensamento crítico. Assim, esperamos que os leitores e as 
leitoras possam conhecer e compreender uma parcela da diversidade 
das culturas e línguas dos povos originários que existe e resiste no Brasil.
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29
Homenagem às Mulheres Cientistas
Águeda Aparecida da Cruz Borges
Universidade Federal de Mato Grosso
Aprendeu a ler lendo números. Brincar com números era 
o que mais a divertia e de noite sonhava com Arquimedes.
O pai proibia:
– Isso não é coisa de mulher – dizia.
Quando a Revolução Francesa fundou a Escola Politécnica, 
Sophie Germain tinha dezoito anos. Quis entrar. Fecharam 
as portas na sua cara:
– Isso não é coisa de mulher – disseram.
Por conta própria, sozinha, estudou, pesquisou, inventou. 
Enviava seus trabalhos, por correio, ao professor Lagrange.
Sophie assinava Monsieur Antoine-August Le Blanc, e as-
sim evitava que o exímio mestre respondesse:
– Isso não é coisa de mulher.
Fazia dez anos que se correspondiam, de matemático a ma-
temático, quando o professor soube que ele era ela.
A partir de então, Sophie foi a única mulher aceita no mas-
culino Olimpo da ciência europeia: nas matemáticas, apro-
fundando teoremas, e depois na física, onde revolucionou 
o estudo das superfícies elásticas.
Um século depois, suas contribuições ajudaram a se tornar 
possível, entre outras coisas, a torre Eiffel.
A torre tem gravados os nomes de vários cientistas. Sophie 
não está lá.
Em seu atestado de óbito, de 1831, aparece como dona de 
casa, e não como cientista:
– Isso não é coisa de mulher – disse o funcionário. (Galeano 
2008: 191).
Enunciar é, de certo modo, colocar um espaço político em 
funcionamento. Por exemplo, se enuncio: eu sou mulher, eu sou esposa, 
eu sou mãe, eu sou professora, eu sou mulher pesquisadora... nesses 
dizeres me subjetivo. Pensando assim, a posição para falar, agora, com 
o objetivo de homenagear algumas mulheres (por representação) é por 
identificação, até porque, ainda que não tenhamos uma convivência, 
não sejamos parentes, somos mulheres. O certo é que os aspectos que 
Línguas e Culturas Macro-Jê
30
nos aproximam são muito mais do que os que nos afastam, um deles é 
a língua.
O meu desejo era poder dizer nas línguas todas que estiveram 
presentes no IX Encontro Macro-Jê, mas a história de aprendizagem das 
línguas não me permitiu aprendê-las, eu mal sei um pouco sobre elas. 
No entanto, fico feliz em me inscrever no espaço de múltiplas línguas e 
saber que nenhuma delas funciona sozinha; somos pessoas atreladas por 
diversas línguas, embora, principalmente no meio acadêmico, muitos 
considerem que haja uma língua de ciência, o inglês. Na academia, além 
da disputa entre sujeitos na corrida pela produtividade, há, também, 
uma disputa entre línguas. Espaços como o desse Evento servem para 
fazer ruir essa disputa e, no mínimo, criar aberturas para novos/outros 
conhecimentos linguísticos, especialmente, no que tange às línguas dos 
povos originários.
Esse começo de conversa me leva ao objetivo deste texto, qual seja 
o de homenagear mulheres fortes que ocupam um lugar privilegiado 
nesse espaço de produção científica, pois, assim como nas línguas, 
historicamente, o lugar de ciência para as mulheres também foi/é 
lugar de disputa e, apesar de esforços, ainda é relegado à margem ou à 
ausência ou a afirmações de que, em algum momento, as carreiras da 
ciência, frisando poucas exceções em áreas, por exemplo, relacionadas 
ao ‘cuidado’, como é o caso da enfermagem, eram consideradas território 
de homens e, ao mesmo tempo, a área das ‘letras’ era mais feminino 
vinculado ao imaginário de sexo frágil, de maternidade, de mulher do 
lar.
Se tomarmos um tempo e lançarmos o olhar para o passado, 
vamos perceber que esse preconceito não poderia estar mais equivocado, 
vocês/nós e aqui eu falo de um Nós coletivo, no desejo de juntar a maior 
quantidade de mulheres que romperam/rompem com esse imaginário, 
sabemos que não funciona assim. Vejamos o que nos escreve Velho:
Uma vez feita a opção pela carreira científica, a mulher se depara com 
o conflito da maternidade, da atenção e obrigação com a família vis-a-
vis as exigências da vida acadêmica. Algumas sucumbem e optam pela 
família, outras, pela academia, e um número decide combinar as duas. 
Sobre essas últimas, não é necessário dizer quanto têm que se desdobrar 
para darconta não apenas das tarefas múltiplas, mas também para 
Saberes entrecruzados
31
conviver com a consciência duplamente culposa: por não se dedicar 
mais aos filhos e por não ser tão produtiva quanto se esperaria (ou 
gostaria). (Velho 2006: xv).
Temos muitos exemplos de mulheres que, ao longo da história, 
se destacaram nas áreas da ciência, da tecnologia, da engenharia e da 
matemática e eu destaco, das Ciências Humanas e Sociais. Inclusive, 
na história do patriarcado, há inúmeros casos nos quais os homens se 
aproveitaram dos conhecimentos das mulheres para brilhar com seus 
trabalhos. Quero redizer com isso que o lugar da mulher na produção 
científica é, também, um lugar de lutas e não pode ser desvinculado da 
luta de gênero, da luta étnica.
As mulheres indígenas, especialmente, são lideranças 
fundamentais na luta dos povos pelo reconhecimento de sua terra, de 
sua identidade. As diferentes etnias brasileiras estão representadas na 
atuação e participação política de muitas mulheres indígenas. Como 
tantas outras, elas também se veem, muitas vezes, divididas entre tantos 
afazeres e responsabilidades, além de enfrentar como nós a violência 
de gênero que irrompe sempre que levantam sua voz. Porém, essas 
mulheres enfrentam questões que dificilmente encontram simpatia da 
população brasileira e que, geralmente, são ignoradas por mulheres 
ocidentais.
Da mesma maneira que a história formal apaga os feitos de 
mulheres, no movimento feminista a atuação de mulheres não-
ocidentais, também, é desconhecida de grande parte. Portanto, 
aproveito deste momento de homenagem para sublinhar e apoiar a luta 
de mulheres indígenas, ressaltando a diversidade étnica.
De algum modo, a visibilidade de mulheres indígenas, não 
apenas no mundo acadêmico, nas nossas pesquisas é possibilitada pelo 
enfrentamento de mulheres não indígenas, neste caso, eu afirmo, no 
desenvolvimento de pesquisas, no deslocamento para o convívio em 
áreas indígenas, reiterando que, também, as mulheres não indígenas 
são/foram ofuscadas nas suas histórias de mulheres/pesquisadoras.
Para representar tais mulheres, na ocasião dessa edição do 
Encontro Macro-Jê, homenageamos as mulheres cientistas, à título de 
representação, na impossibilidade de nomear todas as mulheres que 
Línguas e Culturas Macro-Jê
32
contribuíram e contribuem para o estudo das línguas e culturas dos 
povos indígenas.
Prof.ª Dr.ª Ana Suelly Arruda Câmara Cabral – Universidade de Brasília
Prof.ª Dr.ª Aracy Lopes da Silva (in memoriam) – Universidade de São Paulo
Prof.ª Ms. Creuza Prũmkwỳj Krahô – SEDUC/Tocantins
Prof.ª Dr.ª Iara Ferraz – Universidade Estácio de Sá
Prof.ª Dr.ª Januacele da Costa – Universidade Federal de Alagoas
Prof.ª Dr.ª Leopoldina Araújo – Universidade Federal do Pará
Prof.ª Dr.ª Lux Boelitz Vidal – Universidade de São Paulo
Prof.ª Dr.ª Marcela Coelho de Souza – Universidade de Brasília
Prof.ª Dr.ª Maria do Socorro Pimentel – Universidade Federal de Goiás
Prof.ª Dr.ª Maria Elisa Ladeira – Universidade de São Paulo
Prof.ª Dr.ª Silvia Lucia Bigonjal Braggio – Universidade Federal de Goiás
Quantos outros nomes ecoaram no espaço!!!
Todas vocês e as que já se foram e as que estão por vir determinam 
o quadro de mudanças, pois são muitas as mulheres vinculadas 
a importantes descobertas científicas; vocês representam parte 
significativa dentre elas e se me coube elaborar este texto, digo que o fiz 
com enorme prazer.
Infelizmente, a ciência no nosso país está passando por um 
período turbulento. Depois de anos de austeridade, a pesquisa no Brasil 
teme que a redução no orçamento federal, atropele de morte a nossa 
produção científica.
A política globalizadora, individualista, os discursos pós-
modernos vêm camuflando a realidade racista, classista, patriarcal 
na qual vivemos, colocando-nos em um marco que minimiza o fator 
histórico de mais de 500 anos de colonização. Atualmente, o chamado 
neocolonialismo, as leis migratórias, os centros de internamento para 
migrantes, o reforço das fronteiras e outros, se inscrevem tão fortemente 
e produzem diferentes barreiras infranqueáveis, que segregam e que, se 
não atentarmos, passam despercebidas como se não existissem.
Saberes entrecruzados
33
Penso que precisamos desenvolver estratégias de relação entre 
as diferenças e para o nosso fortalecimento e inscrição na Ciência 
que produzimos, embora saibamos que a teoria, por si, não destrói o 
preconceito, o racismo, o classismo e toda forma de apagamento, de 
violência, em específico, de mulheres. São necessários atos visíveis, 
práticos, públicos! Por exemplo, reconhecer que diferenças existem 
entre nós, entre indígenas e não indígenas. As diferenças não são o 
que nos separam. O que nos separa é o não reconhecimento delas e, 
obviamente, as distorções em apagá-las.
Que Nós, mulheres, brasileiras indígenas, negras, ribeirinhas, 
quilombolas, urbanas, trans, cientistas ou não, consigamos nos livrar 
dos “grampos”1 que nos aprisionam por sermos mulheres e que a ciência 
seja nossa aliada!
Referências
Galeano, Eduardo. 2008. Espelhos: uma história quase universal. Porto 
Alegre: L&PM.
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do conhecimento. Londrina: IAPAR, 2006.
1 Participação da Creuza Prũmkwỳj Krahô no IX Macro-Jê (2018), na Universidade 
Federal de Mato Grosso, Campus Universitário do Araguaia, em Barra do Garças.
Antropologia
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Aspectos culturais (não linguísticos) dos povos 
falantes de línguas do tronco Macro-Jê1
Julio Cezar Melatti
Universidade de Brasília
Introdução
Geralmente, se supõe que os povos falantes de línguas de um 
mesmo tronco resultem de sucessivas divisões de um único povo 
bem mais antigo com a consequente diversificação de sua língua em 
várias outras dela derivadas. Essas línguas recentes mantêm muitas 
semelhanças com aquela língua remota, tanto no vocabulário como 
em outras características. Tal como acontece com as línguas, o restante 
da cultura daquele povo antigo pode deixar vestígios, nas culturas dos 
povos recentes, provenientes das sucessivas cisões. Por isso, os etnólogos 
sempre esperam que povos falantes de línguas da mesma família e até do 
mesmo tronco mostrem algumas semelhanças culturais não linguísticas 
entre si.
É possível conjecturar que assim tenha acontecido com as culturas 
dos povos falantes de línguas do tronco Macro-Jê. Por conseguinte, o 
propósito deste texto é procurar semelhanças culturais entre os povos 
que falam ou falaram línguas deste tronco. Não vou fazer isso sozinho, 
nem estou muito preparado para fazê-lo. Mas, ao fazê-lo, é preciso da 
ajuda de indígenas ou não, falantes ou não dessas línguas.
Na figura 1 a seguir apresento as 12 famílias incluídas no tronco 
Macro-Jê. Algumas dessas famílias só incluem uma língua, uma vez 
que as informações disponíveis sobre elas não são suficientes para que 
outras línguas sejam colocadas na mesma família. No entanto podem 
ter existido e desaparecido sem chegarem a nosso conhecimento. As 
famílias, portanto, podem conter uma só língua, como uma classe ter 
um só elemento.
1 Este texto foi redigido como suporte para discussão no IX Encontro Macro-Jê, Uni-
versidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Câmpus Universitário do Araguaia, Barra 
do Garças, MT, em 2018.
Julio Cezar Melatti
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Figura 1. Famílias do tronco Macro-Jê
A Figura 1 acompanha, de modo aproximado, a distribuição 
geográfica das famílias. No centro e numa célula mais ampla está 
a família Jê, pois suas línguas, mais numerosas do que as das demais 
famílias, distribuem-se desde o Maranhão e o Pará até o Rio Grande 
do Sul. No interior dessa grande célula, está a da família Karajá, cujas 
línguas se distribuem ao longo do Araguaia, que tem povos Jê ao norte, 
a leste e a oeste. À esquerda da célula Jê, estão as das famílias Rikbaktsá, 
Bororo, Guató e Ofayé, pois ficam a oeste dos Jê, as duas primeiras em 
Mato Grosso e as outras duasem Mato Grosso do Sul. À direita da célula 
Jê estão as que lhe ficam a leste: Karirí, da Paraíba ao rio São Francisco; 
Yaathe (que inclui a língua dos Fulni-ô) em Pernambuco; Kamakã, no 
sul da Bahia e norte do Espírito Santo; Maxakalí, na fronteira Minas 
Gerais−Espírito Santo; Botocudo, no interior de Minas Gerais; e Purí, 
na fronteira Minas Gerais−Espírito Santo−Rio de Janeiro.
Os povos Jê-falantes são comumente distribuídos em três grupos: 
os do Norte, os Centrais e os do Sul. Os do Norte falam as seguintes 
línguas: Timbira, Apinajé, Kayapó, Suyá e Panará. Duas dessas línguas 
são faladas por mais de um povo: a língua Timbira, pelos Canela 
(Ramkôkamekrá), Apãniekrá, Pykôbjê, Krĩkati, Krẽjê e Kukôjkamekrá 
do Maranhão, pelos Parkatêjê (Gavião) do Pará e pelos Krahô do 
Tocantins; a língua dos Suyá também é falada pelos Tapayuna no norte 
de Mato Grosso. Ainda, quanto aos Jê do Norte, fica-me a dúvida se 
os Panarás se incluem entre eles, pois Odair Giraldin apresenta fortes 
argumentos em favor da tese de que eles são os antigos Caiapó do Sul,2 
2 Optou-se por manter a grafia da palavra ‘Caiapó do Sul’, já convencionalizada na 
Aspectos culturais (não linguísticos) dos povos falantes de línguas do tronco Macro-Jê
39
que viveram junto ao rio Paraná e seus formadores, na fronteira São 
Paulo−Mato Grosso do Sul, no Triângulo Mineiro e no sul de Goiás. 
Será que sua língua é parecida com as dos Jê do Norte? Ou será que seu 
território se estendia desde a fronteira Pará−Mato Grosso, onde vivem 
hoje, até o rio Paraná, tendo daí recuado até se recolherem novamente 
à extremidade norte? Os Jê Centrais têm uma só língua, o Akwẽ, falada 
pelos Xavante, de Mato Grosso, Xerente, de Tocantins, porém não mais 
falada pelos Xakriabá, de Minas Gerais. É assim que parece indicar 
a tabela da pág. 56 do livro Línguas Brasileiras de Aryon Dall’Igna 
Rodrigues (1986). Porém, a bibliografia indicada na nota de rodapé nº 
3, pp. 50-52, dá a impressão de tomar como distintas as línguas Xavante 
e Xerente. Quanto aos Jê do Sul, os Kaingang e os Xokleng falam línguas 
distintas, conforme a referida tabela, mas nada consta dos Xokleng na 
bibliografia da citada nota de rodapé. Vale notar que Jules Henry (1964), 
no livro Jungle People, sobre os Xokleng, chama-os todo o tempo de 
Kaingang.
Quanto à família Karajá, a referida tabela nela inclui três línguas: 
Karajá, Javaé e Xambioá. Todas faladas ao longo do Araguaia.
Passando às quatro famílias que ficam a oeste da família Jê, a 
Rikbaktsá, a Guató e a Ofayé só incluem uma língua cada. A família 
Bororo abrange duas línguas: Bororo e Umutina. Esta última, segundo 
informe recente, está reduzida a um só falante.
Por sua vez, das seis famílias a leste da Jê, duas incluem línguas 
atualmente faladas: a Yaathe, que contém uma única língua, a dos 
Fulni-ô; e a Maxakalí, de cujas línguas, Maxakalí, Pataxó e Pataxó 
Hãhãhãe, somente a primeira continua a ser falada. Da família Karirí, 
nenhuma língua é mais falada, mas de duas delas há boa documentação, 
datada da passagem do século XVII para o XVIII: o Kipeá e o Dzubukuá. 
As línguas da família Kamakã (Kamakã, Mongoió, Kotoxó, Meniên) se 
falaram até a primeira metade do século XX. As da família Purí (Purí, 
Coroado, Coropó), até o final do século XIX. Das línguas da família 
Botocudo (Krenák e Nakrehé), pouca informação se consegue nos dias 
de hoje dos descendentes daqueles que as falaram.
literatura linguística, histórica e etnológica, para diferenciar esse povo dos atuais gru-
pos Kayapó localizados no sul e sudeste do estado do Pará e norte e nordeste de Mato 
Grosso que se autodenominam mẽbêngôkre.
Julio Cezar Melatti
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1. Reconstituição histórica com ajuda dos estudos linguísticos
Greg Urban (1998) inicia sua contribuição ao volume História 
dos Índios, organizado por Manuela Carneiro da Cunha, com a 
seguinte pergunta: “O que podemos aprender acerca da história pré-
colombiana do Brasil pelo estudo de línguas ameríndias historicamente 
documentadas?” E ele, então, explica que, no estado atual das pesquisas 
linguísticas no Brasil, a reconstituição do passado ainda não pode ser 
realizada de modo satisfatório. Porém, mesmo diante das deficiências 
ainda existentes, que não vou detalhar aqui, Urban resolve arriscar 
reconstituir como as línguas indígenas tiveram origem em outras 
precedentes e vieram a se distribuir geograficamente no Brasil. Começa 
pelo tronco Macro-Jê (Urban 1998: 90-91) (cf. mapa na p. 88), que é 
aquele que nos interessa. Diz que a família Jê teria surgido há três mil anos 
(1000 a.C.) e o tronco Macro-Jê, que a inclui, há cinco ou seis mil (3000-
4000 a.C.). Supõe que os pontos de dispersão das línguas da família Jê 
estariam entre os rios São Francisco e o Tocantins. E a primeira separação 
que houve nessa família se deu entre os Jê Meridionais (Kaingang e 
Xokleng) e o resto. Entre um e dois mil anos atrás (1-1000 a.D.) houve 
uma segunda cisão, que ocorreu entre os Jê Centrais (Xavante, Xerente, 
Xakriabá, Akroá) e os Setentrionais (Timbira, Kayapó, Suyá). Refere-se 
a um estudo de Joan Boswood que sugere ser a língua Rikbaktsá (que 
mantém com o proto-Jê uma taxa de 38% de cognatos) mais próxima 
das línguas Jê do que o Karajá ou o Maxakalí. Urban tem dúvidas quanto 
à inclusão das línguas Bororo, Yaathe (dos Fulni-ô) e Ofayé no tronco 
Macro-Jê. Admite ainda que, se um estudo mostrasse que as línguas 
Kamakã, Maxakalí, Botocudo e Purí são remotamente relacionadas 
entre si, considerando também seu acentuado afastamento da família 
Jê, o leste do planalto Brasileiro seria um possível lugar de dispersão das 
línguas do tronco Macro-Jê.
Em trabalho anterior, sua tese de doutorado, Greg Urban (1978: 
39-40, 277-280) apresenta uma reconstituição hipotética do surgimento 
das principais divisões da família linguística Jê acompanhada de 
algumas características socioculturais. A sociedade que deu origem às 
atuais sociedades Jê teria sofrido uma primeira cisão, originando os Jê 
Meridionais, de um lado, e os demais Jê de outro. Os Jê Meridionais 
se separaram em Kaingang e Xokleng; os demais se separaram em Jê 
Centrais (Xavantes, Xerentes) e Jê Setentrionais (Timbira, Kayapó, 
Suyá). Grupos de descendência patrilinear existentes na sociedade 
original teriam se mantido na primeira cisão; mas, na segunda, esses 
Aspectos culturais (não linguísticos) dos povos falantes de línguas do tronco Macro-Jê
41
grupos teriam se mantido num dos ramos (Kaingang, Jê Centrais), mas 
não no outro (Xokleng, Jê Setentrionais). Urban observa também que 
a transmissão de nomes se faz entre adultos e imaturos no caso dos Jê 
Centrais e do Norte, mas entre mortos e imaturos vivos, no caso dos Jê 
do sul.
Figura 2. Evolução da estrutura social Jê, segundo Urban (1998)
O esquema acima, com que tento resumir a reconstituição 
histórica de Urban, é apenas um pequeno galho que brota do tronco 
Macro-Jê. Considera apenas a família Jê. Faltam os outros galhos, as 
outras famílias, que brotariam de pontos mais inferiores do tronco. Não 
sei se os estudos linguísticos já permitem acrescentar mais algum deles 
no esquema. A pesquisa etnológica não tem como fazer. Aliás, deixando 
as línguas à parte, os itens culturais podem se deslocar geograficamente 
de duas maneiras: levados por migrantes que deles se valem ou passados 
por difusão entre povos vizinhos.
Aliás, o mito de Sol e Lua contado pelos Maxakalí, anotado e 
traduzido pelo linguista Harold Popovich (1971), lembra os mesmos 
personagens narrados pelos Timbira. Dos seis episódios apresentados 
por Popovich, quatro versam sobre os mesmos temas do mito Timbira. 
O mais parecido é o da obtenção do penacho do pica-pau. Os outros – a 
origem da morte, a do trabalho e a da mulher – nem tanto. A semelhança 
é mais acentuada nas relações entre os dois personagens: o Sol, mais 
sabido, e Lua, imitador, canhestro e desastrado. Teriam os Maxakalí e 
Julio Cezar Melatti
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os Timbira herdado o mito de ancestrais comuns ou a narrativa lhes foi 
passadade uma outra fonte por difusão?
2. Alguns períodos críticos do contato interétnico
O contato interétnico não é tema deste texto, mas, destacar certos 
períodos críticos vividos por distintos povos Macro-Jê, talvez nos ajude 
a entender por que, numa comparação entre suas culturas, algumas nos 
brindam com dados mais significativos do que outras.
No mapa abaixo, destaco oito áreas geográficas que, em diferentes 
períodos históricos, foram cenário de acontecimentos de caráter 
interétnico que afetaram, entre outros povos, os Macro-Jê que nelas 
viviam. Numerei-as em frouxa ordem cronológica e passo a caracterizá-
las de modo breve.
2.1 Interior do Nordeste desde os meados do século XVII aos princípios do 
seguinte
Após a retirada dos holandeses, pairavam sobre alguns grupos 
indígenas acusações de que haviam sido seus aliados e, o que era 
considerado ainda pior, que adotaram sua religião, o protestantismo, 
uma heresia aos olhos dos colonizadores católicos portugueses. Além 
dos missionários encarregados de estabelecer aldeamentos, criadores 
de gado expandiam seus rebanhos, bandeirantes paulistas apresavam 
indígenas (um deles, Domingos Jorge Velho, destruidor do quilombo 
dos Palmares). Havia, também, várias expedições contra aqueles grupos 
indígenas que resistiam ao avanço dos colonos e que recrutavam 
combatentes entre os povos já submissos ao controle português. A esse 
conjunto de conflitos armados tem-se aplicado o nome de Guerra dos 
Bárbaros, aliás tema de um livro do historiador Pedro Puntoni (2000). 
Por sua vez, Cristina Pompa, na segunda parte de sua tese de doutorado, 
focaliza a ação dos missionários e dá atenção aos fragmentos simbólicos 
das culturas indígenas que as fontes históricas deixam entrever e não 
mais encontráveis junto aos povos indígenas nordestinos dos dias de 
hoje. Suponho que seu livro Religião como Tradução (2003), que não 
li, reproduza, integralmente, a tese (2001), que li. Dois catecismos em 
língua Kipeá e um em língua Dzubukuá, produzidos por missionários 
nessa época, constituem a fonte para o conhecimento desses idiomas 
não mais falados, incluídos na família Karirí. Sua referência bibliográfica 
Aspectos culturais (não linguísticos) dos povos falantes de línguas do tronco Macro-Jê
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está no livro Línguas Brasileiras de Aryon Dall’Igna Rodrigues (1986: 
50-52, nota 3).
Figura 3. Contato interétnico entre povos Macro-Jê
2.2 Resistência dos indígenas de Mato Grosso ao avanço dos bandeirantes 
paulistas sobre as áreas auríferas na primeira metade do século XVIII
Não sei muito sobre isso. Mas, no que tange aos povos Macro-
Jê, dando uma olhada no livro Expansão Geográfica do Brasil Colonial 
de Basílio de Magalhães (1978: 165-187), podemos ver (p. 183) que o 
governador de São Paulo, D. Luís de Mascarenhas, sob cuja jurisdição 
estavam Mato Grosso e Goiás, tinha em mente exterminar os Caiapó 
do Sul (Panará). Com esse objetivo, conseguiu que o sertanista Antônio 
Pires de Campos conduzisse 500 Bororo de Cuiabá para atacá-los. 
Desse modo, o sertanista afastou-os do caminho que conduzia de São 
Paulo a Goiás e guarneceu suas margens com as aldeias de Rio das 
Pedras, Santana e Lanhoso, nelas colocando seus auxiliares indígenas. 
Os Bororos guardaram na memória esses confrontos, pois lembro-
me de ter lido no livro Os Bororos Orientais, dos padres Colbacchini e 
Albisetti (1942), que, no início do século XX, eles, ainda, consideravam 
os “caiamó” como seus inimigos (a conferir).
Julio Cezar Melatti
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2.3 Os aldeamentos da capitania de Goiás na segunda metade do século XVIII
Quando a produção aurífera começa a declinar e, sob a 
legislação assimilacionista portuguesa de iniciativa do Marquês de 
Pombal, regulamentada pelo Diretório dos Índios (1757), criaram-se 
vários aldeamentos, não dirigidos por missionários, que os indígenas 
eram incentivados a povoar, de modo a ficarem mais próximos dos 
colonizadores e interagirem com eles. Enumero a seguir os aldeamentos. 
No sul do atual estado do Tocantins ficavam: a) São Francisco Xavier 
do Duro, para os Xakriabá, b) São José do Duro (ou Formiga), para os 
Akroá, ambos próximos à atual Dianópolis, e c) Nova Beira, para os 
Karajá e Javaé, no sudeste da Ilha do Bananal. Relativamente próximos 
à sede da capitania, a atual cidade de Goiás, estavam: d) Carretão ou 
Pedro III, próximo à atual Crixás, para os Xavante, e) São José de 
Mossâmedes, hoje cidade do mesmo nome, para Akroá, Xavante, 
Karajá, Javaé, Karijó e Naudez, e f) Maria I, para os Caiapó do Sul. No 
Triângulo Mineiro, que então fazia parte da capitania de Goiás: g) Rio 
das Pedras, h) Rio das Velhas (ou Santa Ana ou Aldeia dos Índios), atual 
Indianópolis, para os Xakriabá, e i) Lanhoso, próximo à atual Uberaba. 
Os seis primeiros aldeamentos foram tema de um livro de Marivone 
Matos Chaim (1974); os três últimos, do Triângulo Mineiro, ela apenas 
os enumera (ibid.: 81, nota 30). Aliás esses três últimos, a julgar pelos 
seus nomes, são as mesmas aldeias criadas pelo sertanista que combateu 
os Caiapó do Sul com ajuda dos Bororos. Note-se que foi no Triângulo 
Mineiro que um topógrafo, no início do século XX, anotou uma lista de 
palavras da língua dos Caiapó do Sul que serviu como um dos principais 
argumentos para identificá-los com os Panará (Giraldin 1997). Os atuais 
Tapuio, estudados por Rita Heloisa de Almeida (1985, 2003), são os 
descendentes dos indígenas moradores do aldeamento do Carretão. Em 
suma, a maioria dos habitantes indígenas dos aldeamentos da capitania 
de Goiás eram falantes de línguas do tronco Macro-Jê: Xavante, Xerente, 
Xakriabá, Akroá, Karajá, Javaé, Caiapó do Sul. Sobre os “Naudez” nada 
sei dizer.
2.4 Os criadores de gado continuam para oeste, avançando sobre as terras 
habitadas pelos Timbira de meados do século XVIII a meados do XIX
Segundo Curt Nimuendajú (1946: 3), as notícias sobre os 
Timbira remontam ao século XVIII no Piauí, onde se restringiriam ao 
baixo Canindé, a seu subafluente Piauí e ao baixo Gurgueia. Teriam 
Aspectos culturais (não linguísticos) dos povos falantes de línguas do tronco Macro-Jê
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invadido a Vila da Mocha (atual Oeiras), sede da capitania, em 1728. 
O número de povos Timbira no sul do Maranhão no início século XIX 
era significativo. Nimuendajú, com base nos cronistas, dá notícias de 
pelo menos 15 (1946: 15-36). Um desses cronistas é Francisco de Paula 
Ribeiro, que, em três memórias, narra de como foram os combates entre 
povos Timbira e criadores de gado. Português, sargento-mor ou major 
de tropas regulares que combatiam os Timbira, desaprovava a maneira 
desleal e perversa com que os criadores de gado lidavam com os índios. 
No norte do Maranhão, em vez de pecuária, praticava-se a agricultura 
comercial do arroz e do algodão. Por isso, os Timbira aprisionados eram 
conduzidos como escravos para lá. Também podiam ser embarcados 
no rio Tocantins para serem vendidos em Belém. A carta-régia de 5 
de setembro de 1811, assinada pelo príncipe regente D. João contra 
os Karajás, Apinajé , Xerente, Xavante e Canoeiros, do Brasil central, 
reconhecia que a hostilidade dos índios se devia aos maus-tratos que 
tinham recebido de alguns comandantes de aldeia, mas agora não havia 
outra medida a tomar senão intimidá-los ou até destruí-los. Autorizava 
escravizar os índios aprisionados com armas na mão por 10 anos ou mais, 
enquanto durasse a sua “atrocidade”. Essa carta foi interpretada como 
também aplicável aos Timbira, e o comerciante Francisco de Magalhães, 
fundador de Carolina, na margem do rio Tocantins, aproveitou-se disso 
para remeter muitos índios escravizados para Belém. O fato é que, após 
tanta espoliação e abusos, na segunda metade do século XIX e na primeira 
do seguinte, a população Timbira se estagnou ou diminuiu. Esses povos, 
também, não continuaram a se multiplicar por cisão de aldeias. Pelo 
contrário: aqueles que estavam mais dizimados eram absorvidos pelos 
que gozavam de uma situação melhor. William Crocker conta como em 
1900 os Txocamecrá foramrecebidos ritualmente para integrarem a 
aldeia dos Canela (ditos Ramkôkamekrá).
2.5 Frentes de expansão sobre os povos falantes de línguas das famílias 
Kamacã, Maxakalí, Botocudo e Purí durante o século XIX
A região fronteiriça entre os atuais estados de Minas Gerais, Bahia, 
Espírito Santo e Rio de Janeiro ficou um tanto à margem do interesse 
dos colonizadores durante os três séculos de domínio lusitano. Com 
a decadência da extração do ouro em Minas Gerais, essa região, cujas 
matas serviram como barreira para evitar o desvio do precioso metal 
da cobrança do quinto e da exportação legal, tornou-se atrativa para a 
exploração econômica e os povos indígenas que aí viviam tornaram-se um 
Julio Cezar Melatti
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obstáculo a ser removido para os empreendedores agrários, pecuaristas, 
mineradores e mesmo para o pequeno agricultor. A violência que 
desencaderam contra os índios foi apoiada pela carta-régia do príncipe-
regente D. João de 13/05/1808, que declarava guerra ofensiva contra os 
botocudos de Minas Gerais, até quando pedissem paz “movidos pelo 
justo terror”. Outra, de 01/04/1809, estabelecia a escravidão por 15 
anos a partir do batismo do prisioneiro, ou a partir da idade de 14 anos 
para os rapazes e de 12 anos para as moças. Um artigo de Maria Hilda 
Paraíso (1992) detalha toda a campanha contra os botocudos, desde a 
movimentação de tropas, recrutamento de voluntários, cooptação de 
indígenas já submetidos, aldeamento de botocudos junto a guarnições 
policiais, fortemente apoiada pelo governo real, depois imperial, e das 
províncias, que perdurou pela primeira metade do século XIX. A situação 
dos Maxakalí, que talvez não tenham sofrido campanha tão dura, mas 
também passaram por repressão e espoliação dos invasores de suas 
terras, é tema de um volume que inclui artigos de Marcos Magalhães 
Rubinger, Maria Stella de Amorim e Sonia de Almeida Marcato (1980). 
José Otávio Aguiar (2010) aborda a situação dos Purí e Coroados na 
mesma época. Mas nada encontrei sobre a situação dos povos da família 
linguística Kamakã.
2.6 Os Jê do Sul frente à imigração europeia e a expansão cafeeira na segunda 
metade do século XIX e início do seguinte
Os Kaingang, então chamados de coroados, e os Xokleng, 
apelidados de Botocudos, já tinham algum contato com os brancos 
no período colonial, pois um caminho ligava Viamão (perto da atual 
Porto Alegre) a Sorocaba, em São Paulo. Burros criados no Rio Grande 
do Sul eram levados até a feira de Sorocaba e aí vendidos para serem 
conduzidos às regiões auríferas. No tempo do Segundo Império, 
houve até missão capuchinha entre os Kaingang do Paraná (Amoroso 
1998). Porém, companhias de colonização, ao venderem a imigrantes 
europeus terras habitadas por índios como se estivessem desocupadas, 
desencadeiam o conflito entre uns e outros. A situação mais aguda, que se 
prolonga até a segunda década do século XX, é a dos Xokleng, em Santa 
Catarina (Santos 1970, 1973). Os bugreiros, homens que, com sua tropa 
armada, vendiam seus serviços àqueles que desejavam desembaraçar-se 
da presença dos índios, massacravam-nos. Além disso, em São Paulo, 
desencadeia-se o conflito com os Kaingang, no começo do século XX, 
com a construção de ferrovias, estimuladas pela expansão dos cafezais, 
Aspectos culturais (não linguísticos) dos povos falantes de línguas do tronco Macro-Jê
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que entram pelas terras indígenas. A gravidade e prolongamento desses 
conflitos chegam às cidades, onde a opinião pública se divide, uns a favor 
da extinção dos índios em nome do progresso, outros que propõem 
uma solução humanitária. A solução virá com a criação do Serviço de 
Proteção aos Índios em 1910.
2.7 Expansão dos Kayapó por sucessivas cisões de suas aldeias, a partir do 
final do século XIX e prolongando-se pelo seguinte
Em sua tese de doutorado, Terence Turner (1966: 48-78) reconstitui 
a história desse processo, que continuava no tempo de sua pesquisa de 
campo. Depois dele, Gustaaf Verswijver (1978) continuou a historiá-
lo. Sem entrar em detalhes, a partir da margem esquerda do baixo 
Araguaia, os Kayapó deslocaram-se para oeste, cindindo-se primeiro 
em dois ramos, os Xikrin e Gorotire, e destes, mais tarde, destacaram-se 
os Menkragnoti. Imagino que os Timbira podem ter passado por um 
processo semelhante, multiplicando-se em vários povos no Piauí e no 
Maranhão em séculos precedentes ao XIX, quando, alcançados pelas 
fazendas de gado, foram dizimados, enfraqueceram-se e estagnaram-se. 
Mas os Kayapó ficaram a salvo dos criadores de gado, que encontraram 
uma barreira no Araguaia, além da qual começava a floresta amazônica, 
que não podia ser transformada em pastagens com a tecnologia da 
época.
2.8 Expansão das agropecuárias no norte do estado de Mato Grosso na 
segunda metade do século XX
Nessa região se formam três importantes rios: o Xingu, o Teles 
Pires e o Juruena. Os dois últimos, por sua vez, formam o Tapajós. Nela 
as agropecuárias foram precedidas por seringueiros, além de, a leste, 
pela criação do Parque Nacional (depois, Indígena) do Xingu (PIX) e, 
a oeste, pelos instaladores da linha telegráfica dirigidos por Rondon e 
pela missão jesuítica sediada em Utiariti. O avanço das agropecuárias 
sobre as terras dos indígenas sujeitou-os a violências, desalojamento, 
contaminação por moléstias, depopulação, de modo que, em alguns 
casos, achou-se mais fácil transferi-los para o PIX do que lhes garantir 
a defesa dos territórios originais. Limitando-me aos Jê, um dos povos 
transferidos foram os Tapayuna, retirados das vizinhanças do alto 
Juruena e levados a morar junto com os Suyá , que já estavam no Xingu 
desde longa data (Karl von den Steinen aí os encontrara em 1884), sob 
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alegação de que ambos falavam a mesma língua, pois teriam constituído 
um único povo no passado. Além disso, ambos estavam muito reduzidos 
em população e a união os ajudaria a se recuperar. Depois de alguns 
anos de vida em comum, os Tapayuna resolveram ir viver junto aos 
Mekrangnotire, na Terra Indígena Capoto-Jarina, que fica logo ao norte 
do PIX, apenas separada pela estrada BR-80. Outro povo Jê transferido 
para o PIX foram os Panará, retirados de suas terras no rio Peixoto 
de Azevedo, afluente do Teles Pires, e no alto Iriri, afluente do Xingu. 
Depois de alguns anos no PIX, os Panará conseguiram recuperar parte 
das terras de que tinham sido espoliados e para lá voltaram. Na região 
há ainda os Rikbaktsá, falantes de uma língua do tronco Macro-Jê, do 
trecho acima e abaixo da confluência do rio Arinos com o Juruena, 
que, depois de passarem por problemas semelhantes aos sofridos pelos 
Tapayuna e Panará, conseguiram manter-se no mesmo trecho em três 
terras indígenas que lhes foram reconhecidas. 
3. Corridas de toras
Volto, então, a minha pergunta inicial, que é: em que as culturas 
dos povos Macro-Jê se parecem? Que caminho tomar para esboçar 
alguma resposta? Resolvi começar por aquilo que é mais visível e 
palpável. Por que não as corridas de toras? E com a vantagem de Curt 
Nimuendajú (2001) já ter feito o trabalho para nós. Teria sido desejável 
que os tradutores (Hans Peter Welper & Elena Welper) de seu texto 
de 1934 (data constante do final da tradução, p. 182) para o português 
tivessem escrito uma nota que informasse se o original em alemão foi 
publicado; e também por que foi necessário traduzi-lo, se Nimuendajú 
escrevera uma versão em português em 1944, como dão a entender as 
notas de rodapé da pág. 154.
A preocupação de Nimuendajú é combater a ideia muito difundida 
de que a corrida de toras é um teste para o acesso ao casamento. Ele 
quer demonstrar que na realidade ela é um esporte e que, também, 
está relacionada a rituais. Por isso, discorre longamente sobre metades 
e outros grupos rituais dos Canela (Ramkôkamekrá) e Apinajé, cujos 
membros participam nas corridas. Mas, o que nos interessa mais de 
perto aqui é o mapa (2001: 173) em que marca os povos indígenas 
que fazem ou faziam corridas de toras, seguido de uma tabela

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