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REFORMADO NO CONTEXTO DE ARMÍNIO

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Armínio foi calvinista ou reformado? 
A origem do problema? A ação de alguns que transformaram o termo 
reformado em sinônimo de calvinismo. A (s) consequência (s): Os 
termos tratados como iguais atrapalham no estudo (1) do passado e 
(2) do presente. A solução: não tratar reformado e calvinismo como 
sinônimos. 
Reformado no contexto de Armínio 
A melhor definição para Armínio é reformado e não calvinista. O fato 
de hoje alguns, em especial os calvinistas[1], terem equiparado o 
termo reformado ao calvinismo, não muda o fato de que reformado e 
calvinista são coisas diferentes, principalmente quando se discute a 
teologia de Armínio, afinal, Armínio e muitos outros teólogos eram 
reformados sem serem calvinistas. Vejamos, por exemplo, o que 
Bangs, principal biógrafo de Armínio, diz acerca dos primeiros 
reformados holandeses: 
Os primeiros reformadores holandeses não parecem ser, de forma 
alguma, calvinistas. Eles surgem do solo, aqui e ali, alimentados pela 
antiga piedade bíblica holandesa, não dominados pelas percepções 
dogmáticas, mas constantemente estimulando o povo em direção a 
uma purificada vida de fé de acordo com a Escritura. Um padre em 
Garderen, em Veluwe, começou a pregar a Reforma em sua igreja. 
Ele foi forçado a desmentir o que havia pregado e foi enviado a 
Louvain. Ele fugiu para Marburgo, mas os protestantes não tinham 
certeza se podiam confiar nele. Ele escreveu sua confissão, 
Melâncton gostou dela, e ela foi publicada como “O Manual do Leigo”, 
e, juntamente com a obra “Decades” de Bullinger, ela se tornou um 
dos principais meios de instruir o povo holandês em sua nova fé. Isso 
foi em 1555, antes do nascimento de Armínio[2]. (Grifos meus) 
A origem do termo reformado como sinônimo de calvinista também é 
retratada por Bangs: 
A trama se complica quando o clero calvinista e seu povo fogem das 
províncias do sul para o norte, expulsos pela Espanha e pelos 
católicos. Esses calvinistas trouxeram com eles sua energia, seu 
dinheiro, seus talentos, suas conexões de comércio, e um novo estilo 
de calvinismo, meticuloso e intolerante. Então, conforme o historiador 
remonstrante Caspar Brandt disse, o termo “reformado” veio a ter dois 
significados, um para os antigos holandeses, outro para os novos 
pregadores. Mas isso é adiantar a história[3]. (Grifos meus) 
Vemos então, que até os calvinistas trazerem seu “novo estilo de 
calvinismo meticuloso e intolerante”, a Holanda era reformada sem ser 
calvinista. Bangs ainda chama tais pessoas como os “Armínios antes 
de Armínio”[4]. O desconhecimento do contexto reformado holandês é 
um dos fatores que gera essa confusão. Armínio está inserido na 
tradição dos “antigos holandeses” que foram reformados sem ser 
necessariamente calvinistas. 
Utilizar uma nova “definição” do termo – quer você concorde ou não 
com essa definição – não muda o fato de que na época e no contexto 
de vida de Armínio os termos reformado e calvinista eram diferentes, 
portanto, utilizar “calvinista” para Armínio é cometer o erro de 
anacronismo, isto é, atribuir a uma época (época de Armínio) ou a um 
personagem (Armínio) ideias ou conceitos de outra época (o novo 
significado de reformado que hoje equipara reformado a calvinismo). A 
maior parte dos teólogos trata reformado como algo diferente de 
calvinismo. 
Vejamos por exemplo o que Keith Stanglin, especialista em Armínio e 
arminianismo, diz em sua obra Jacó Armínio – Teólogo da Graça[5]: 
“Calvinista” e “Reformado” são termos difíceis de lidar. Conforme a 
maioria dos eruditos, nós entendemos “calvinismo” como um termo 
mais limitado que “Reformado” e um rótulo que é impreciso no sentido 
que a maioria dos teólogos não estavam autoconscientes de praticar 
uma devoção servil à teologia de Calvino. “Reformado” é um termo 
mais adequado para a tradição mais ampla da qual Calvino fez 
parte[6]. (Grifos meus) 
Não é incomum se ouvir que “calvinismo é muito mais que os 5 
pontos”. Quando alguns afirmam isso, o que muitos deles têm em 
mente, na verdade, é mais precisamente o termo reformado, logo, o 
melhor a se fazer é utilizar o termo reformado no lugar de calvinismo e 
acabar com as confusões terminológicas, ou pelo menos amenizá-las. 
O debate acadêmico contemporâneo gira em torno de se Armínio foi 
reformado ou de quão reformado ele foi, ou seja, em quais pontos ele 
foi reformado e em quais pontos ele não foi. Existe eruditos 
arminianos que defendem que Armínio foi reformado, dentre estes, por 
exemplo, estão os estudiosos Carl. O. Bangs, Matthew Pinson. Hicks, 
Roger Olson, F. Stuart Clarke, William G. Witt, William den Boer, G. J. 
Hoerdendaal, Ellis, Mortimer e Pinson, que tem um artigo em que 
defende a teologia reformada de Armínio[7]. Dentre os eruditos que 
defendem que Armínio não foi “estritamente” reformado estão Keith 
Stanglin, Thomas McCall, e Richard Muller, erudito calvinista que foi 
professor de Stanglin. 
O que faz com que Armínio seja ou não reformado? Bem, isso 
depende de como o termo reformado é entendido por cada estudioso, 
ou seja, dependendo do significado e nuances que cada erudito atribui 
ao termo. Desta forma, vemos que nem mesmo o termo reformado é 
entendido e classificado de maneira unânime. Roger Olson gastou um 
capítulo inteiro de uma de suas obras para tratar de alguns aspectos 
dessa questão terminológica[8]. 
Uma pergunta que pode ser feita para explicitar a questão é: Se não 
existe consenso acadêmico se Armínio foi ou não reformado, e 
reformado é, como vimos nas definições acima, um termo mais 
abrangente que calvinismo, como poderia Armínio ser calvinista, uma 
vez que calvinista é um termo ainda mais restrito que reformado? 
Carl Bangs, Richard Muller, Matthew Pinson, Keith Stanglin, Thomas 
McCall e F. Leroy Forlines, por exemplo, são nomes de alguns 
eruditos envolvidos no debate se Armínio foi ou não “reformado”. 
Estes são alguns dos principais nomes dos especialistas em Armínio e 
arminianismo no mundo. Estou citando algumas das maiores 
autoridades contemporâneas sobre a questão, mas observem bem, 
não existe um debate acadêmico para saber se Armínio foi ou não 
calvinista! 
Outro fator interessante a ser notado é o número de artigos em que se 
a teologia de Armínio é apresentada como Arminianismo Reformado 
ou Arminianismo da Reforma, e aqueles que, evitando o debate se 
Armínio foi ou não reformado, usam termos como Arminianismo 
Clássico, que é um termo que mostra um arminianismo com muitos 
pontos em comum com a teologia reformada, mas se Armínio foi 
calvinista, seria normal e comum então ter artigos ou livros tratando do 
“arminianismo calvinista”, que, na verdade, é a velha história do 
“calminiano”, mito já desmontado por Olson[9]. 
Reformado no contexto atual 
Equiparar o termo reformado a calvinismo também cria um problema 
para nossa fase atual, pois existem calvinistas que não são 
reformados, ou seja, apenas para citar um exemplo, a teologia do 
pacto é uma característica dos reformados, mas tal não é adotada – 
pelo menos não de maneira clara e direta – por John Piper[10], 
considerado hoje um dos principais ou principal porta-voz do 
calvinismo no mundo. Piper, como batista, por exemplo, também não 
batiza infantes, que é outra característica dos “reformados”, logo, essa 
equiparação de termos entre reformado e calvinista, colocaria Piper, 
por exemplo, fora do campo reformado. Por quê? Por que alguns 
insistem em uma equiparação de termos, como se os movimentos ou 
as posições de denominações e líderes fossem homogêneas, mas a 
questão é que “na vida real” as coisas são bem diferentes. 
Um dos principais e mais renomados sites reformados (Heildblog) diz 
que se o Piper e outros líderes do movimento “Jovem, incansável e 
Reformado” se inscrevessem para serem aceitos no Sínodo de Dort, 
os Sínodos Franceses ou a Assembleia de Westminster, eles não 
seriam aceitos, e acrescenta: “não seriam aceitos categoricamente! ”. 
Mas vejamos o que o autor do blog diz: 
… se Piper ou vários outros dos líderes do JIR (Jovem,Incansável e 
Reformado) tivessem entrado com pedido para serem admitidos no 
Sínodo de Dort, os Sínodos Franceses Reformados ou a Assembleia 
de Westminster eles teriam seus pedidos recusados categoricamente. 
Por quê? Por que os reformados são preconceituosos? Não, de forma 
alguma. Os Batistas são preconceituosos por se recusarem a permitir 
que nós nos chamemos batistas? Afinal de contas, nós acreditamos, 
até agora, em batizar adultos não batizados que chegam à fé. “Não!” 
eles dizem, “ser batista é muito mais do que isso. Amem[11]. 
O que está implícito na citação acima? Que ser reformado é muito 
mais que ser calvinista! 
O autor prossegue: 
A primeira questão é se afirmar os cinco pontos doutrinários do 
Sínodo de Dort (1619) é suficiente para ser reformado. Obviamente 
não! Um bom número de pessoas que poderiam ser razoavelmente 
definidos como reformados afirmaram esses pontos bem antes da 
Reforma. Houve uma vigorosa teologia predestinista em diferentes 
pontos do medievalismo. Godescalco de Orbais no nono século 
ensinou a substância dos cinco pontos, mas não permitiríamos em um 
púlpito reformado. Tomás de Aquino ensinou a predestinação e 
discutivelmente a expiação limitada no século treze. Houve vários 
proponentes do final da era medieval de uma soteriologia agostiniana 
rígida de quem a reforma aprendeu, mas que não seriam reformados. 
O mesmo vale para o Piper. Interseção não é identidade. Uma 
condição necessária não é uma condição suficiente. Um carro de 
corrida deve ter um motor. Essa é uma condição necessária, mas um 
motor não é uma condição necessária, pois nem todo motor é um 
motor de corrida. Existem outros componentes (ex. suspensão, 
estrutura, o cockpit) no carro de corrida que o distinguem de outros 
carros[12]. 
O autor, então, diz que o calvinista Piper tem condição necessária 
para ser reformado, mas não tem condições suficientes! 
Richard Muller, calvinista especialista em teologia do século 16 e 17 
(época de Armínio), ao discutir se Armínio foi ou não reformado, 
analisa o entendimento das Confissões de Fé por parte de Armínio, 
analisa sinergismo versus monergismo e escolasticismo, para citar 
alguns pontos, e enfatiza que Armínio cria em muitos pontos em 
comum com os reformados, mas sempre com sutis distinções. (Será 
que os leitores de Armínio no Brasil estão captando tais 
sutilezas?) Armínio sempre se apropria de pontos em que concorda, 
mas nunca adota “plenamente” a teologia de ninguém, ou seja, ao não 
concordar com algum ponto, ele apresenta sua versão ou 
entendimento daquilo, transformado aquele ponto em algo seu, em 
“arminiano”. 
Conclusões 
A equiparação dos termos “reformado” e “calvinista” causa problemas 
tanto no passado quanto no presente. A solução? Não usem os 
termos como se fossem sinônimos, isso evitará uma série de 
problemas teológicos e históricos tanto no passado quanto no 
presente. Quando muitos dizem que Armínio foi “calvinista”, eles 
estão, na maioria, querendo dizer que Armínio foi “calvinista” no 
sentido mais amplo da coisa, isto é, estão se referindo ao termo 
“reformado”. Os autores que utilizam o termo calvinista como sinônimo 
de reformado são principalmente teólogos mais antigos que viveram 
antes da publicação da obra do Bangs ou que não leram ou 
desconhecem a obra e sua significância, e, como tais, reproduzem e 
passam adiante um entendimento equivocado e já superado. 
O Brasil está engatinhando nos estudos de Armínio, portanto, é 
natural que muitos não entendam e confundam muita coisa no estudo 
desse teólogo e de seu sistema de crença, mas, por outro lado, insistir 
em terminologias e conceitos que grandes e consagrados estudiosos 
já mostraram ser um equívoco é teimosia de alguns que, lendo as 
obras de Armínio, estão ingenuamente pensando que “descobriram a 
roda”, isto é, que descobrirão coisas e fatos que esses estudiosos 
deixaram passar! Se tais constatações são tão interessantes e dignas 
de crédito, eu tenho certeza que grandes universidades e seminários 
gostariam muito de publicar essa “recente e bombástica descoberta” 
que passou desapercebida nos últimos 400 anos pelos maiores 
estudiosos do tema, e que os “eruditos brasileiros”, que lendo a obra 
de Armínio em menos de 2 meses de sua publicação em nossa língua, 
já conseguiram produzir, constatar e afirmar “verdades” que os 
grandes centros de estudos ainda não constataram, ainda que estes 
tenham as obras de Armínio há mais de 200 anos e que tenham as 
obras de Armínio comentadas e discutidas por especialistas. 
Eu ficaria muito feliz se os que estão equivocadamente chamando a 
teologia de Armínio de “calvinista” estivem agindo assim em razão de 
estarem enfatizando mais os pontos em que temos em comum do que 
enfatizando nossas diferenças! Que fosse uma tentativa de valorizar e 
fortalecer o diálogo ou a fraternidade através dos pontos em comum 
entre as duas vertentes soteriológicas. Mas infelizmente esse parece 
não ser o caso! 
Todavia, o episódio em que a teologia de Armínio é chamada de 
“calvinista” se mostra uma situação de vantagem dupla para os 
arminianos. Primeiro, se os calvinistas dizem que Armínio era 
calvinista, eles invalidam todas as críticas feitas a Armínio e mostram 
que não estavam preparados para fazer uma correta e adequada 
avaliação de sua teologia quando o chamaram de “pelagiano”, 
“semipelagiano” e “humanista”, em outras palavras, se os calvinistas 
estiverem certos que Armínio foi calvinista (sic), eles comprovam que 
sempre estiveram errados acerca dele! Uma consequência normal, 
depois disso, seria “rasgar” todos os livros escritos por calvinistas que 
diziam que Armínio era arminiano, ou ainda, que os próprios 
calvinistas passem a refutar os escritos de calvinistas que dizem que 
Armínio foi arminiano! Em segundo lugar, se estiverem errados acerca 
de Armínio ser “calvinista”, mais uma vez se vê que eles criaram outro 
mito acerca de Armínio e que a história, outra vez, se repete! 
Se Armínio pode não aceitar ou não aderir a “eleição incondicional”, 
“expiação limitada” e “graça irresistível”, três pontos corolários do 
calvinismo e ainda assim ser calvinista, bem, a partir dessa “nova 
definição de calvinismo” eu digo que a controvérsia foi resolvida! 
(Ironia). Já vimos que é um equívoco equiparar os termos calvinista e 
reformado, mas o disparate teológico atinge outro nível ainda mais 
absurdo, que é a equiparação dos termos “arminianismo” a 
“calvinismo”. 
[1] Muitos calvinistas reivindicam para si o termo reformado, mas nem 
todo reformado aceita o calvinista como reformado. 
[2] Bangs, Armínio: Um Estudo da Reforma Holandesa, p.24. 
[3] Ibid, p.25. 
[4] Ibid, p23. 
[5] Obra a ser lançada pela Editora Reflexão. 
[6] Stanglin e McCall, Jacob Arminius: Theologian of Grace, p. 18. 
[7] Este capítulo encontra-se na obra Graça para Todos, a ser lançada 
pela Editora Reflexão. 
[8] Olson, Teologia Arminiana: Mitos e Realidades, pp. 57-76. 
[9] Ibid, pp 77-99. 
[10] http://www.desiringgod.org/articles/what-does-john-piper-believe-
about-dispensationalism-covenant-theology-and-new-covenant-
theology?lang=pt (Acesso dia 14/10/15) 
[11] http://heidelblog.net/2013/11/is-john-piper-reformed-or-holding 
	Armínio foi calvinista ou reformado?
	Reformado no contexto de Armínio
	Reformado no contexto atual
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