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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DO ENSINO LÚDICO Autora: Mariana De Bastiani Lange Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Bárbara Pricila Franz Profa. Cláudia Regina Pinto Michelli Prof. Ivan Tesck Profa. Kelly Luana Molinari Corrêa Revisão de Conteúdo: Profa. Fernanda Germani de Oliveira Chiaratti Revisão Gramatical: Profa. Iara de Oliveira Revisão Pedagógica: Profa. Bárbara Pricila Franz Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci 370.115 L274p Lange, Mariana De Bastiani Práticas pedagógicas do ensino lúdico/ Mariana De Bastiani Lange. Indaial: UNIASSELVI, 2015. 108 p. : il. ISBN 978-85-69910-08-4 1. Pedagogia – saberes necessários à prática educativa. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (047) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2015 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (047) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2015 Ficha catalográfi ca elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. M ariana De Bastiani Lange Psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre/RS, graduada em Psicologia (UNIJUÍ), mestre e doutora em Literatura (UFSC), coordenadora de Ofi cinas de Escrita (adulto e infantil), professora do Projeto de Educação Comunitária Integrar em Florianópolis/ SC. Atua há mais de dez anos na clínica psicanalítica (adulto e infantil). Tem experiência em cursos de formação continuada para professores e atua como docente em cursos de Pós-Graduação (lato sensu) na área da Educação. Ministra cursos na área de Psicologia e Educação. Pesquisa sobre memória, escrita e laço social. Organizadora dos seguintes livros: “Escrita e Psicanálise II” (2008), “Fragmentos: escritos de vida em ofi cina de escrita” (2010) e “Literatura e Ensino: memória de nossos nós” (2015). Possui artigo publicado nos seguintes livros: “Interfaces em psicanálise e escrita” (2008), “A escrita como experiência de passagem” (2012), entre outros. Publicou na Revista Criação & Crítica – USP, o artigo “Concedamos a liberdade de traçar: brincando de escrever um Dicionário de Palavras Inventadas na Ofi cina de Escrita” (2011) e, na Revista Conjectura: Filosofi a e Educação – UCS, o artigo “Caminhares: fragmentos sobre ofi cinas de escrita e interrogações sobre os ensinares e os aprenderes” (2011). Sumário APRESENTAÇÃO ......................................................................7 CAPÍTULO 1 A Ludicidade e a Prática Interdisciplinar ............................ 9 CAPÍTULO 2 O Desenho Infantil ............................................................... 27 CAPÍTULO 3 A Literatura e a Ludicidade ................................................. 47 CAPÍTULO 4 A Matemática e a Ludicidade ................................................ 73 CAPÍTULO 5 Os Brinquedos e as Brincadeiras ...................................... 93 7 APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a): Você está aqui porque algo despertou em você o desejo de chegar mais perto e explorar os caminhos do lúdico na educação. A troca que faz com que professores e estudantes encontrem um viés de divertimento nas práticas cotidianas é fomentada pela disponibilidade em retomar a criança que um dia fomos. Com isso em mente, vamos começar essa nossa caminhada tratando da ludicidade e suas relações com a interdisciplinaridade. Campo de estudos e práticas interdisciplinares serão esmiuçados no Capítulo 1 deste material. Em seguida, tomando o desenho como um momento privilegiado para vivenciar os limites e efeitos da ludicidade nas práticas com crianças, teremos o Capítulo 2, procurando mostrar as implicações subjetivas do desenhar na vida psíquica infantil e na postura do professor diante das produções da criança. Para chegar ainda mais perto do universo da fantasia infantil, temos o Capítulo 3, que traz a literatura para a roda. Com as diversas práticas ligadas ao mundo literário abriremos um leque de possibilidades para trabalhar fantasia e ludicidade com as crianças em sala de aula. Seguindo, a matemática não fica por menos: no Capítulo 3 será possível encontrar caminhos encantadores pelos quais a matemática se conecta com a brincadeira e com o divertimento. Nesse ínterim, para encerrar esse percurso, o Capítulo 5 trata dos jogos e das brincadeiras. Deste modo, salientando o que está em questão nos jogos, nas brincadeiras coletivas e nas brincadeiras individuais, são apontadas as melhores maneiras de organizar o espaço escolar e as propostas de jogos e outras formas de interações lúdicas. Lembre-se: para trabalhar com ludicidade é imprescindível assumir o desejo de lançar-se, deixar-se levar pelo encantamento, pelas brincadeiras já esquecidas, pelos desafios dos jogos. Sendo assim, sem mais delongas, primeiro passo dado, vamos avançar na jornada? A autora. CAPÍTULO 1 A Ludicidade e a Prática Interdisciplinar A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Reconhecer a importância do lúdico no processo de aprendizagem. Compreender a ludicidade na prática pedagógica. 11 A LUDICIDADE E A PRÁTICA INTERDISCIPLINAR Capítulo 1 ConteXtualiZaÇÃo A sociedade já começou a tomar consciência de que é preciso outra vez estimular o lado ludens de uma população tão faber. Luiz Octávio de Lima Camargo Desde o nascimento até os seis anos de idade a criança percorre rapidamente aquilo que a humanidade levou milênios para conseguir atingir: o bebê começa brincando com as próprias mãozinhas e aos poucos vai coordenando seus movimentos, realizando gestos com intenção e precisão. Progressivamente, aprende a interagir com os outros, vai construindo alicerces para a compreensão e a utilização de sistemas simbólicos do desenho até a escrita. Desenvolve a autonomia, a habilidade de perceber, criar e estabelecer laços afetivos e durante todo este processo a brincadeira é uma das atividades centrais da vida das crianças. Podemos dizer que o brincar ocupa um espaço privilegiado na vida do ser humano desde o nascimento até a idade adulta. Na brincadeira de faz-de- conta, uma sequência de ações nas quais a imaginação é a atração principal, a criança vivencia experiências de cunho simbólico que propiciam o esboço de compreensões para lidar com situações da vida. No jogo, aprende a viver socialmente, respeitar as regras, cumprir as normas, esperar a sua vez e interagir de forma mais organizada. Assim, a brincadeira permite a exploração do potencial criativo da criança, fundamental no processo de aprendizagem. Dessa maneira, é muito frequente ouvirmos falas que elogiam e apoiam a importância do lúdico na aprendizagem, mas que ao mesmo tempo reconhecem a falta da ludicidade nas salas de aula e a difi culdade para vivenciar atividades lúdicas. Recentemente, no Brasil, com o ingresso das crianças de seis anos no primeiro ano e a ampliação para nove anos no Ensino Fundamental, os aspectos relacionados ao tema fi caram ainda mais evidentes. De acordo com as orientações do Ministério da Educação – MEC no que se refere à inclusão da criança de seis anos de idade no Ensino Fundamental de nove anos: [...] este é o momento de recolocarmos no currículo dessa etapa da educação básica o brincar como um modo de ser e estar no mundo; o brincar como uma das prioridades de estudo nos espaços de debates pedagógicos, nos programas de formação continuada, nos tempos deplanejamento; o brincar como uma expressão legítima e única da infância; o lúdico como um dos princípios para a prática pedagógica; a brincadeira nos tempos e espaços da escola e das salas de aula; a brincadeira como possibilidade para conhecer mais as crianças e as infâncias que constituem os anos/séries iniciais do ensino fundamental de nove anos (BRASIL, 2007, p. 10). 1212 Práticas Pedagógicas do Ensino Lúdico Assim, partindo do princípio de que o brincar faz parte de modo incisivo na constituição de uma criança, este capítulo apresenta a importância da ludicidade, discutindo alguns conceitos fundamentais para a compreensão da ludicidade nos processos de aprendizagem e nas práticas interdisciplinares. Nos subcapítulos seguintes você será convidado a entrar na ciranda da vivência lúdica e refl etir sobre outros temas inerentes ao desenvolvimento infantil e ao processo de aprendizagem envolvendo as práticas lúdicas. O que É Ludicidade? O lúdico tem sua origem na palavra “ludus”, que vem do latim e quer dizer jogo. A palavra recebeu as pinceladas do tempo e passou a ter um sentido mais amplo, fazendo parte da atividade humana e caracterizando-se por ser uma experiência prazerosa. Assim, podemos dizer que lúdico signifi ca brincar, e neste brincar estão incluídos os jogos, os brinquedos e as brincadeiras. O lúdico também está relacionado com a conduta daquele que joga, que brinca, que se diverte e ainda pode se referir às atividades prazerosas. Quando falamos em ludicidade, logo temos em mente o brinquedo, a brincadeira, a fantasia, o jogo, a dança, a música, a arte, o teatro. Quando pensamos em um ambiente lúdico surge a imagem de uma brinquedoteca, uma loja de brinquedos, um parque de diversões, uma praça, um circo. Uma pessoa com características lúdicas remonta alguém que brinca – o artista, o mágico, o palhaço. A ludicidade pode ser abordada tomando diferentes contextos: a história, o social, o cultural. Estudioso do tema, Luckesi (2005) aborda a ludicidade como um fenômeno interno do sujeito, uma vivência interior, uma experiência prazerosa. Mas esta vivência só poderá ser considerada lúdica quando propiciar ao sujeito a plenitude da experiência. Luckesi (2005) levanta alguns questionamentos que nos interessam também: • O que é a atividade lúdica para o sujeito que a vivencia? • E, enquanto vivenciada, que efeitos essa experiência lhe produz? Para Luckesi (2005) a ludicidade refere-se àquelas atividades que • O que é a atividade lúdica para o sujeito que a vivencia? • E, enquanto vivenciada, que efeitos essa experiência lhe produz? Lúdico signifi ca brincar, e neste brincar estão incluídos os jogos, os brinquedos e as brincadeiras. O lúdico também está relacionado com a conduta daquele que joga, que brinca, que se diverte e ainda pode se referir às atividades prazerosas. 13 A LUDICIDADE E A PRÁTICA INTERDISCIPLINAR Capítulo 1 propiciam experiências de plenitude, quando o sujeito utiliza-se ali de sua atenção plena e participa verdadeiramente daquela atividade. Nessa perspectiva, uma atividade lúdica signifi ca uma ação que tem como objetivo produzir prazer na sua execução, ou seja, divertir o praticante, que por sua vez, vive aquele momento com uma entrega total. Mas não é tão simples quanto possa parecer. Camargo (1998), no livro intitulado Educação para o lazer, ressalta que poucas noções são vítimas de tanto preconceito quanto o lúdico. O autor lista alguns desses preconceitos presentes em nossa sociedade e que acabam se fazendo presentes, de um modo ou de outro, na implementação de práticas lúdicas: • Primeiro preconceito: diversão é preocupação de ricos; • Segundo preconceito: o trabalho é mais importante do que o lúdico; • Terceiro preconceito: a diversão atrapalha o trabalho, o dever; • Quarto preconceito: trabalhar é difícil, divertir-se é fácil. (CAMARGO, 1998, p. 16). Com isso constata-se que não é sem ressalvas que o lúdico se insere em nossa sociedade. É difícil ser homo faber (o artífi ce que fabrica instrumentos) e homo ludens (o homem que joga) ao mesmo tempo, quando vivemos cercados de pre(con)ceitos que indicam que nada pode ser mais importante que o dever e a disciplina. O tratamento dado à diversão é questionável, uma vez que a improdutividade não tende a ser um valor em destaque nos tempos atuais e, mesmo assim, assume-se como importante incentivar a ludicidade nas escolas. O homo ludens é receptivo ao ambiente, é “relaxado”, é – sim – “improdutivo” (CAMARGO, 1998, p. 22-23). Isso não signifi ca dizer que o lúdico não possa trazer inúmeros efeitos e implicações da maior importância, como veremos a seguir. Aliás, o homo ludens é o primeiro a surgir na constituição psicológica humana, antes do faber. Então, conclui-se, que as características lúdicas não impedem que advenham as qualidades necessárias ao trabalho. Os momentos nos quais a criança cria desenvoltura no universo da fantasia, da brincadeira e dos jogos servirão como alicerce para que esse ser em constituição possa perceber a si mesmo e também se organizar em relação a diversas situações. A importância da ludicidade e do prazer nas atividades com as quais a criança se envolve reside no fato de que, por meio dessas ações, a criança fi ca à vontade para experimentar e conhecer suas compreensões e reações diante das propostas e do convívio com um grupo. Os momentos nos quais a criança cria desenvoltura no universo da fantasia, da brincadeira e dos jogos servirão como alicerce para que esse ser em constituição possa perceber a si mesmo e também se organizar em relação a diversas situações. O homo ludens é o primeiro a surgir na constituição psicológica humana, antes do faber. 1414 Práticas Pedagógicas do Ensino Lúdico O trato lúdico das atividades rotineiras ex(er)cita as possibilidades criativas e oferece espaço para que seja encenado o conteúdo das fantasias do mundo infantil. Essas fantasias vão apontando, naturalmente, os estados emotivos vividos pela criança nos diferentes momentos do seu desenvolvimento: medo, segurança/insegurança, sensação de conquista frente a um objetivo, solidão, inserção em um grupo, entre outros. Sugestão de leitura: CAMARGO, Luiz Octávio de Lima. Educação para o lazer. São Paulo: Aleph, 1998. A infância é vivida na escola entremeada com as direções apontadas pelo ensino formal: existem conteúdos a serem observados, mas o modo como este conteúdo é apresentado à criança provoca – ou não – certos efeitos. O modo como o professor acolhe o fantasiar da criança e propõe interações e signifi cados deixa marcas na criança e, por isso, a ludicidade é tema de relevantes estudos na área da educação. A escola pode e deve ser um território de incentivo à fantasia e ao mundo criativo. Saber acolher e conduzir os devaneios infantis, bem como providenciar meios para elaborar essa atividade imaginativa de modo que uma cena se organize (incluindo e situando o lugar de cada criança no todo), é nortear uma prática pedagógica alinhada com os preceitos indicados pelo MEC: o brincar como um modo de ser e estar no mundo, prioridade nos espaços educacionais, legitimando e conhecendo, assim, as infâncias que ali se apresentam. Deste modo, as atividades lúdicas na prática escolar são: • atividades elaboradas de maneira que o estudante possa realizar a tarefa de forma prazerosa; • atividades em que haja valorização da situação vivenciada e não somente do resultado ou do produto fi nal; • ações que possibilitem momentos de encontro consigo mesmo e com o outro, momentos de exercitar a fantasia, momentos de criatividade, de conhecimento, de ressignifi cação, de percepção e de expressividade. Deste modo, as atividades lúdicas na prática escolar são: • atividades elaboradas de maneira que o estudante possa realizar a tarefa de forma prazerosa; • atividades em que haja valorizaçãoda situação vivenciada e não somente do resultado ou do produto fi nal; • ações que possibilitem momentos de encontro consigo mesmo e com o outro, momentos de exercitar a fantasia, momentos de criatividade, de conhecimento, de ressignifi cação, de percepção e de expressividade. O trato lúdico das atividades rotineiras ex(er)cita as possibilidades criativas e oferece espaço para que seja encenado o conteúdo das fantasias do mundo infantil. 15 A LUDICIDADE E A PRÁTICA INTERDISCIPLINAR Capítulo 1 No livro intitulado “No mundo da brincadeira: jogo, brinquedo e cultura na educação infantil” a professora Mônica Fantin (2000) repensa o brincar e destaca: “na brincadeira de faz-de-conta, a criança ao imitar o comportamento de adultos vai antecipando vivências de um mundo que não é seu, e nos jogos tradicionais vai entrando em contato com diversos elementos da cultura” (FANTIN, 2000, p. 26). A autora lembra que “Platão já comentava a importância de ‘aprender brincando’ em oposição à utilização da violência e da opressão, e Aristóteles sugeria que para educar crianças os jogos deveriam imitar atividades sérias de ocupação adulta como forma de preparo para a vida adulta” (FANTIN, 2000, p. 32). Um dos desafi os, hoje, seria reposicionar o lugar do brincar e do fantasiar na vida da criança em uma sociedade na qual existem os direitos da criança, garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, ao mesmo tempo em que a muitas dessas crianças é negado o direito à brincadeira, pois são colocadas prematuramente no mundo do trabalho, perdendo, assim, o direito a essa condição fundamental para o desenvolvimento infantil e para a construção de condições subjetivas. O prazer em conhecer, essencial nas questões de aprendizagem, resulta do modo como essas relações vão se construindo no universo subjetivo da criança, deixando marcas e estabelecendo alguns padrões. E qual a importância da ludicidade em sua relação com a subjetividade? Bem, a subjetividade se refere a todo o arcabouço constituído por experiências que vão deixando marcas e moldando o entendimento de vida de uma pessoa. O modus vivendi, a maneira de operar de cada um, resulta de uma série de marcas subjetivas, que norteiam as modalidades de exercício da condição humana, destacando preferências e designando possibilidades e difi culdades. Sendo assim, a ludicidade constitui muito mais do que um divertimento ou um fazer ligado ao brincar. A ludicidade envolve fantasias, objetos, ações e signifi cados. O lúdico é o lugar da socialização e do exercício da invenção e da decisão. É no fazer lúdico que vai sendo lapidado o modo de administrar a relação com o outro, por isso, a ludicidade como prática deve estar em foco na ação pedagógica. O Fantasiar na InfÂncia A fantasia, desde os tempos do pai da psicanálise Sigmund Freud, ganhou holofotes ao enfatizar acontecimentos do psiquismo Sendo assim, a ludicidade constitui muito mais do que um divertimento ou um fazer ligado ao brincar. A ludicidade envolve fantasias, objetos, ações e signifi cados. O lúdico é o lugar da socialização e do exercício da invenção e da decisão. É no fazer lúdico que vai sendo lapidado o modo de administrar a relação com o outro, por isso, a ludicidade como prática deve estar em foco na ação pedagógica. O prazer em conhecer, essencial nas questões de aprendizagem, resulta do modo como essas relações vão se construindo no universo subjetivo da criança, deixando marcas e estabelecendo alguns padrões. 1616 Práticas Pedagógicas do Ensino Lúdico humano que têm fundamental importância na constituição da identidade de um sujeito. Muito além de uma ação que alimenta a imaginação e outros aspectos ligados ao infantil, o fantasiar é visto pelas áreas “psi” com muita seriedade, afi nal, representa algo importante na constituição da nossa psiquê. Em um estudo sobre a fantasia e o seu papel de agente intermediário entre o princípio do prazer e o princípio de realidade, espécies de balizas do nosso psiquismo, o psicanalista Juan-David Nasio (2007) explica que a fantasia é um dos fenômenos mais espantosos da vida psíquica. Ele refere a fantasia como sendo “uma fábula interior”, um “pequeno romance de bolso” que carregamos conosco ainda depois na vida adulta, formatando nossas modalidades de amar e de sofrer (NASIO, 2007, p. 9). O fantasiar na criança se dá privilegiadamente por meio das experiências lúdicas e como estas são conduzidas. Deste modo, o fantasiar na infância designa os caminhos que irão pautar as modalidades dos laços afetivos de um sujeito. Há muita coisa pairando na cena da infância: os medos (medo do abandono, por exemplo), as incertezas, o não saber (e a imagem do adulto que sabe), a falta de compreensão do mundo adulto, as expectativas, etc. Tudo isso se torna material envolvido no fantasiar e, por conseguinte, aparece com frequência nas brincadeiras das crianças. E por que fantasiar? Para dar conta dos medos e desejos que agitam os interiores, oportunizando encenações relevantes para os arranjos do psiquismo. O fantasiar infl uencia o comportamento – mesmo sem consentimento –, ainda que não se reconheça de imediato essa intromissão. Na criança, as fantasias modelam a realidade por ela percebida, bem como guiam suas interpretações e leituras de mundo. A criança, ao brincar, lida com suas expectativas e também com a magia de interagir com o mundo que a cerca. Vejam o alcance disso: a própria noção de “eu”, constituída na infância, é pautada pelos efeitos da fantasia. Nas palavras de Nasio (2007, p. 79): “[...] para dominar o perigo encerrado na pergunta ‘quem sou eu?’, o sujeito extrai de sua própria substância corporal o suporte imaginário para constituir a fantasia”. O fantasiar não apenas oferece uma imagem como faz parte de um agir. Essa montagem fundamental, cujos contornos se organizam na infância e na relação com o outro, será remontada mais tarde na vida adulta. Esses momentos de encenação da fantasia na infância (o que inclui momentos de desafi o, medo, vitória, superação, etc) poderão formar padrões para toda a vida. Eis o destaque da cena do brincar na constituição psíquica: O fantasiar na criança se dá privilegiadamente por meio das experiências lúdicas e como estas são conduzidas. Deste modo, o fantasiar na infância designa os caminhos que irão pautar as modalidades dos laços afetivos de um sujeito. E por que fantasiar? Para dar conta dos medos e desejos que agitam os interiores, oportunizando encenações relevantes para os arranjos do psiquismo. Na cena da brincadeira, guiada pela fantasia, limites com o outro vão sendo delineados e éticas vão sendo esboçadas. 17 A LUDICIDADE E A PRÁTICA INTERDISCIPLINAR Capítulo 1 o eu e o outro vão criando consistência nessa relação. Na escola, em meio às aprendizagens, a cena lúdica permite explorar essa temática, ofertando suporte para que a criança se aproprie do seu corpo e do seu lugar discursivo (um lugar desde o qual ela possa falar de si e encontrar possibilidades de enunciação). Na cena da brincadeira, guiada pela fantasia, limites com o outro vão sendo delineados e éticas vão sendo esboçadas. As formulações do fantasiar na criança tomam rumos imprevistos – daí a importância do educador ter conhecimento sobre o alcance da ludicidade e suas possíveis infl uências nas matrizes que marcarão os caminhos de uma criança. Por exemplo, ao brincar de casinha a criança pode querer assumir diferentes papéis: ela pode buscar nas fi guras familiares modos de agir, parecendo-se com o pai ou com a mãe, ou então diferindo destes, mostrando uma postura mais frágil ou mais poderosa. O fato dessa variedade de possibilidades estarem abertas à criança permite que ela se experimente. O “fazer de conta” autoriza isso. Os enredos do faz-de-conta permitem trocas depapéis, ajustes e recomeços, auxiliando a vida da criança e servindo como baliza ainda por muito tempo. As montagens imaginárias do infantil terão vez nas vivências e narrativas produzidas pelas práticas lúdicas. A relevância deste espaço deve ser observada a fi m de garantir que haja o exercício cotidiano do fantasiar, pois ali estão sendo inscritas as bases da formação da identidade e da memória. Vejamos: Nossa identidade íntima e atemporal, a mais irredutível unidade de si mesma, o “Eu sou” mais profundo e permanente, tem sempre o aspecto de um garotinho ou uma garotinha, bebê ou já andando, até maior, que está no centro de uma cena imaginária representada incessantemente ao longo de nossa vida (NASIO, 2007, p. 18). Ou seja, nossa vida adulta se baseia em resquícios de um outro tempo, a infância, quando montamos essa cena imaginária que nos acompanhará e se fará presente diante dos obstáculos e realizações da vida adulta. Aquela imagem da “criança que deixamos para trás”, na verdade, não fi ca tão para trás assim, pois nos acompanha e segue sendo representada de outras maneiras ao longo de uma existência. A memória, em sua relação com o fantasiar infantil, carrega restos deste As montagens imaginárias do infantil terão vez nas vivências e narrativas produzidas pelas práticas lúdicas. A relevância deste espaço deve ser observada a fi m de garantir que haja o exercício cotidiano do fantasiar, pois ali estão sendo inscritas as bases da formação da identidade e da memória. 1818 Práticas Pedagógicas do Ensino Lúdico tempo que, na verdade, nunca passa por completo. Freud havia percebido isso ao teorizar sobre a fantasia e seu papel nas neuroses adultas: não é tão simples separar realidade e fi cção quando esta é investida psiquicamente, tendo valor de verdade para o sujeito. Cenas são criadas na fantasia e constituem uma espécie de “realidade psíquica”. Mesmo com o passar do tempo cronológico, o tempo subjetivo guarda e atualiza essa realidade psíquica. E, assim, é constituída a nossa memória, inevitavelmente permeada por fantasias, resquícios e marcas que permanecem. E essas marcas deixam registro inclusive na dinâmica inconsciente. Por essa razão, nos tratamentos de casos envolvendo questões traumáticas, a brincadeira faz parte da sessão de atendimento como um poderoso instrumento de trabalho. Isso porque o brincar coloca em cena as problemáticas enfrentadas pela criança, acontecimentos vinculados ao prazer e ao desprazer, elaborando, assim, registros e signifi cados. Na criança um esboço de espaço subjetivo se dá com a inauguração das oposições simbólicas ausência/presença e dentro/ fora, marcadas por meio de experiências de prazer e desprazer. Esta diferença estabelece noções cruciais que irão marcar a pulsação do tempo na vida subjetiva do sujeito. A lógica temporal rege o manejo da memória. Dessa forma, é a relação entre a marca inscrita e passagem do tempo que estabelece os traçados da memória. O fi lósofo Jacques Derrida, dedicado leitor da obra freudiana, afi rma que uma lembrança “pode somente se lembrar, fabulosamente, aquém da memória, como todo livro se ocupa do que revém de mais longe do que a origem simples” (DERRIDA, 2007, p. 412-413). Lembrar fabulosamente; talvez nem seja possível lembrar de outra maneira que não “fabulosamente”. Podemos então afi rmar que a fantasia, essa “fábula interior” – ou “pequeno romance de bolso”, nas palavras de Nasio (2007, p. 9) – não deixa de nos acompanhar. Nossa história não é exatamente uma linha reta, e sim, é composta por movimentos de retomada e ressiginifi cações constantes. As experiências da memória, do fantasiar e de identifi cação com o si mesmo estão imbricadas, experiências estas que são essencialmente temporais e apontam para o pressuposto de que há um outro em jogo. Situando o eu torna-se possível contar (a alguém) uma história, e nisso consiste o endereçamento. O eu é uma fi cção, uma fi cção compartilhada, afi rmada mediante o reconhecimento do outro. A psicanalista Ana Costa (1998), autora do livro “A fi cção Nossa história não é exatamente uma linha reta, e sim, é composta por movimentos de retomada e ressiginifi cações constantes. O brincar coloca em cena as problemáticas enfrentadas pela criança, acontecimentos vinculados ao prazer e ao desprazer, elaborando, assim, registros e signifi cados. 19 A LUDICIDADE E A PRÁTICA INTERDISCIPLINAR Capítulo 1 do si mesmo”, destaca que “a fi cção é o que dá suporte ao corpo, amparando-o num circuito de relações, num circuito de identidades” (COSTA, 1998, p. 121). A “identidade”, inscrita com o aval do outro, vem na esteira das artes da memória. Mais que isso, é preciso contar com a memória do outro para que se sustente, no eu, um sentimento de identidade com o qual se possa contar. Vale lembrar as palavras da educadora Gloria Kirinus: “damos sentidos fantásticos ao nosso ser/estar no mundo, inventamos fábulas” (KIRINUS, 2011, p. 12). Deste modo, constatamos que há muito mais nas entrelinhas do que o que pode ser visto nas brincadeiras e nos arranjos imaginários produzidos na infância. Ao aprender a brincar a criança amplia o seu horizonte perceptivo, suas modalidades de criação/recriação e toma posse de um lugar a ser ocupado no mundo – um lugar desde o qual se possa agir em nome próprio. Sendo assim, podemos concluir que o estilo é calcado na memória. Os traços que fazem de cada ser um ser único provém das confi gurações estabelecidas nas relações e no que estas propiciam como leituras de mundo. Você consegue lembrar da sua própria infância e perceber a importância que os momentos de divertimento, os jogos e as brincadeiras tiveram na sua formação como pessoa? Você percebe que as experiências lúdicas vividas na sua infância podem ter infl uenciado até mesmo o seu estilo de ensinar? A Ludicidade e a Interdisciplinaridade Vimos até aqui a relevância do estudo das práticas lúdicas e o seu alcance no campo de atuação da educação. É preciso observar que as práticas com teor lúdico traçam vizinhanças interessantes em suas perspectivas interdisciplinares. A ludicidade habita vários territórios, constituindo, portanto, uma concepção que toca várias áreas do conhecimento. Ao aprender a brincar a criança amplia o seu horizonte perceptivo, suas modalidades de criação/recriação e toma posse de um lugar a ser ocupado no mundo – um lugar desde o qual se possa agir em nome próprio. A ludicidade habita vários territórios, constituindo, portanto, uma concepção que toca várias áreas do conhecimento. 2020 Práticas Pedagógicas do Ensino Lúdico As perspectivas interdisciplinares da ludicidade apontam para encontros: o universo social e cultural, as bases para o desenvolvimento das aptidões da leitura e da escrita, as artes e a sua pluralidade, o desejo de brincar e os aspectos psicológicos, enfi m, as possibilidades de expressão de um pequeno sujeito em constituição. Ser e estar no mundo, portanto, constituem-se por meio de vivências multifacetadas. A criança, vivendo experiências com a linguagem, vai forjando seu próprio modo de ser e estar no mundo, ao mesmo tempo em que se reconhece, gradativamente, parte de uma articulação social. Esta, por sua vez, aponta valores, demanda comportamentos e circunscreve limites. As práticas lúdicas não estão isoladas, e sim, integradas ao que conhecemos como realidade. A ludicidade, no campo teórico, pode ser fragmentada por pesquisadores, no entanto, na prática, o que temos são fronteiras permeáveis. Vale lembrar que: As disciplinas são necessárias. Devido a elas o homem criou muitas inovações verdadeiramente humanizadoras. Mas também criou outras tantas não tão humanizadoras. E quantas! Se a compartimentação do conhecimento em disciplinas ajudou o homem a progredir no domínio da natureza, a subdivisão exagerada em domínios e subdomíniosnão permite atender às questões mais radicais que o ser humano se coloca neste momento. (BRASIL, 2000, p. 40). Em se tratando de inovações humanizadoras, vale observar que as artes são facilmente colocadas nas intersecções desses encontros interdisciplinares. Por meio do desenho, da contação de histórias, da literatura, da música e das artes cênicas o horizonte se amplia. É preciso inventar encontros, de modo que o efeito seja humanizador. Para o poeta Manoel de Barros (2008), entendedor das várias infâncias – enumerava: primeira infância, segunda infância, terceira infância –, a invenção é uma coisa que serve para aumentar o mundo e o ofício do educador é trabalhar por meio deste viés (BARROS, 2008). O próprio conceito de infância é lido de forma interdisciplinar, tomado por olhares diversos. O ponto em comum, ressaltado em inúmeros estudos, é a importância do fantasiar: A infância é hiperbólica por natureza. Ela amplia, aumenta, com a lente da fantasia, do mundo fabuloso, o tempo e o espaço que lhe toca viver. O tempo é sempre agora. O ‘mais tarde’, ‘depois’, ‘no fi nal da semana’, ‘no próximo ano’, ‘no dia do aniversário’, são marcas temporais que existem de maneira clara no adulto. Não na criança. Para ela, o tempo é agora! [...] Infância é o tempo privilegiado do brincar, em que a natureza lúdica não está dissociada da natureza do trabalho (KIRINUS, 2011, p. 33-34). 21 A LUDICIDADE E A PRÁTICA INTERDISCIPLINAR Capítulo 1 Na vivência da criança o trabalho está revestido do lúdico: trata-se de produzir/criar sem implicação com as noções de tempo e remuneração. Eis um ponto que desafi a o entendimento do adulto, afi nal, ele precisa se deslocar para conseguir ver como a criança valoriza coisas que na vida adulta deixam de ter valor prioritário. Os educadores sensíveis à sua própria infância entendem que a interdisciplinaridade se faz presente em todos os temas infantis. E o que pode ser mais interdisciplinar que uma criança? A criança, ela própria, é agente interdisciplinarizador por excelência. Como lembra Kirinus (2011, p. 31), “criança quer fazer arte” e para isso utiliza tudo que tem: corpo, linguagem, imaginação, memória – e também o outro, que inevitavelmente entra nessa história. Seguindo por este caminho, é preciso indagar: Como disciplinar a criança que se indisciplina e se transdisciplina, nos momentos que ela mais valoriza: o recreio, a folga do fi nal de semana, uma festa, onde se liberta do controle dos adultos? Como pedir para ela: ‘Uma coisa de cada vez’, se ela prima pela simultaneidade insólita, nos momentos que menos esperamos? De fato, atrair e conseguir a atenção da criança para aspectos abstratos, analíticos e específi cos do ensino tradicional, na sala de aula, não é tarefa fácil. Cabe ao professor sintonizar e descobrir, conforme o senso de oportunidade, na hora do aprender (que nem deveria ter hora, pois aprender é uma condição constante desde que estamos vivos), a maneira de facilitar a construção do conhecimento e da descoberta (KIRINUS, 2011, p. 31-32). A educação deve constantemente rever o seu papel no sentido de valorizar a intuição, o imaginário e a sensibilidade das construções infantis. A transmissão do desejo de saber passa pelo educador e este, para que possa compreender o que a criança imagina, deve adotar uma postura interdisciplinar. Ao longo deste caderno de estudos teremos contato com saberes diversos e seus desdobramentos lúdicos no ambiente educacional. Imagine dar aos conteúdos do currículo um tratamento lúdico; imagine revestir o trabalho com a ludicidade! Já imaginou como isso pode ser feito com a literatura, com a matemática e com outros saberes? E o que pode ser mais interdisciplinar que uma criança? A criança, ela própria, é agente interdisciplinarizador por excelência. 2222 Práticas Pedagógicas do Ensino Lúdico A Atitude LÚdica no Processo de AprendiZaGem Ressaltamos que a forma como o educador orienta a atividade é fundamental para torná-la lúdica, portanto, o planejamento é um forte instrumento do educador. Trata-se, sim, de diversão, mas não diversão apenas, e sim, diversão com intencionalidade. Outro aspecto imprescindível ao educador é a “atitude lúdica”, o que implica em sensibilidade, envolvimento, afetividade e criatividade. As intervenções que possam vir a acontecer neste sentido serão necessariamente (ou ao menos deveriam almejar esta perspectiva) interdisciplinares. A postura lúdica e interdisciplinar do educador diante de suas práticas junto ao público infantil deve ser tanto curiosa quanto responsável, amadurecida a ponto de poder estar junto com pares e propiciar trocas. O ambiente de trabalho, em alguns casos, permite (ou incentiva) a atuação por meio de projetos com o intuito de ser transformador em alguma medida, e essa facilidade deve ser explorada. O currículo não determina o grau de porosidade que uma prática poderá ter. É preciso ter em si um pouco de ousadia a fi m de colocar em ação alguns desafi os para si mesmo enquanto educador. Para sair da trilha o entusiasmo é um ingrediente necessário e determinante. A atitude lúdica do educador o leva a trabalhar na perspectiva de viver, verdadeiramente, projetos de encontros. Segundo Ivani Catarina Arantes Fazenda, no livro “Interdisciplinaridade: um projeto em parceria”, temos que: A temática deste trabalho é a interdisciplinaridade; sua problemática é a interdisciplinaridade como atitude possível diante do conhecimento. Atitude de quê? Atitude de busca de alternativas para conhecer mais e melhor; atitude de espera perante atos não consumados; atitude de reciprocidade que impele à troca, ao diálogo com pares idênticos, com pares anônimos ou consigo mesmo; atitude de humildade diante da limitação do próprio saber; atitude de perplexidade ante a possibilidade de desvendar novos saberes; atitude de desafi o diante do novo, desafi o de redimensionar o velho; atitude de envolvimento e comprometimento com os projetos e as pessoas neles implicadas; atitude, pois, de compromisso de construir sempre da melhor forma possível; atitude de responsabilidade, mas sobretudo de alegria, de revelação, de encontro, enfi m, de vida (FAZENDA, 2014, p. 19). O currículo não determina o grau de porosidade que uma prática poderá ter. É preciso ter em si um pouco de ousadia a fi m de colocar em ação alguns desafi os para si mesmo enquanto educador. Para sair da trilha o entusiasmo é um ingrediente necessário e determinante. Ressaltamos que a forma como o educador orienta a atividade é fundamental para torná-la lúdica, portanto, o planejamento é um forte instrumento do educador. Trata-se, sim, de diversão, mas não diversão apenas, e sim, diversão com intencionalidade. 23 A LUDICIDADE E A PRÁTICA INTERDISCIPLINAR Capítulo 1 O estudioso da educação e da infância precisa estar vinculado, antes de qualquer coisa, à alegria e à vida. Este educador curioso se coloca como eterno pesquisador e se preocupa imensamente com o imaginário e sua relação com aquilo que a sociedade costuma considerar “assunto sério”, percebendo as relações entre um e outro. Na sabedoria de Rubem Alves, que aqui nos parece valiosíssima, o professor deve ser um provocador de sonhos. E no intento de ser um provocador que trabalha no viés interdisciplinar é preciso inicialmente estar motivado por uma fi nalidade. Mas não basta ter um objetivo em mente, faz-se necessário estar engajado na experiência dos encontros e desencontros resultante da produção em parceria. Para que haja trabalho interdisciplinar é preciso ter abertura para outros contatos, permitindo que possa acontecer, em dados momentos, construções no âmbito coletivo. Afi nal, “a atitude interdisciplinar não está na junção de conteúdos, nem na junção de métodos; muito menos na junção de disciplinas, nem na criação de novos conteúdos produto dessasfunções; a atitude interdisciplinar está contida nas pessoas que pensam o processo educativo” (FAZENDA, 2014, p. 73). Na atuação junto com outros profi ssionais fi ca valendo o entusiasmo, a ousadia e o respeito. Estamos aqui fazendo coro com Fazenda (2014) quando nos referimos a um compromisso autêntico em superar os obstáculos, sejam eles: “epistemológicos, institucionais, psicossociológicos, culturais, metodológicos, materiais e obstáculos quanto à formação” (FAZENDA, 2014, p. 40). Isso implica em respeitar o modo peculiar de cada um e os diversos caminhos possíveis na busca pela autonomia. As marcas das escolhas teóricas individuais devem aparecer a fi m de deixar notar conexões e confl uências. Um projeto de ação, mesmo individual, traz a marca do grupo, e aí está a dimensão interdisciplinar buscada no trabalho do educador alinhado com a ludicidade. Mais que um plano de trabalho que organiza um conjunto de atividades, um projeto mostra uma busca. Refl ita: Um bom projeto deve ser uma espécie de convite. E você... aceitaria o seu próprio convite? O estudioso da educação e da infância precisa estar vinculado, antes de qualquer coisa, à alegria e à vida. Este educador curioso se coloca como eterno pesquisador e se preocupa imensamente com o imaginário e sua relação com aquilo que a sociedade costuma considerar “assunto sério”, percebendo as relações entre um e outro. 2424 Práticas Pedagógicas do Ensino Lúdico Para ser inovador, criativo, é preciso ousar questionar o óbvio. Antes de tudo, é preciso desacomodar-se e enfrentar algumas resistências. Pode-se começar ousando fazer-se, cotidianamente, boas perguntas – perguntas que peçam rearranjos, perguntas que demandem aprender fazendo. Neste sentido, vale indagar-se: • Que possibilidades de troca estou buscando? • A que novos saberes tenho dado abertura? • Qual o meu grau de envolvimento com as práticas que eu preconizo? • Estou de fato buscando o novo e procurando redimensionar o velho? Trilhar esse caminho é mostrar interesse pela condição humana, o que leva a um entendimento de que é preciso conhecer a importância da ludicidade e procurar desenvolver um outro olhar em relação aos efeitos dessa prática – um olhar que entenda que a história da criança é feita de uma soma de movimentos ao longo do caminho, e esse caminho pode ser mais ou menos saboroso. E então, você saberia encontrar um modo de fazer mais lúdico para as suas práticas cotidianas? Atividade de Estudos: 1) Proposta de exercício • Fazer uma retomada das memórias pessoais de infância. • Escreva um pequeno memorial, de 20 a 30 linhas, ressaltando aspectos da sua infância que podem ser entendidos como lúdicos e relacione a importância destes aspectos com a sua formação como professor. Para ser inovador, criativo, é preciso ousar questionar o óbvio. Antes de tudo, é preciso desacomodar-se e enfrentar algumas resistências. Pode-se começar ousando fazer-se, cotidianamente, boas perguntas – perguntas que peçam rearranjos, perguntas que demandem aprender fazendo. 25 A LUDICIDADE E A PRÁTICA INTERDISCIPLINAR Capítulo 1 __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ AlGumas ConsideraÇÕes Nas palavras do eterno menino Manoel de Barros no documentário de 2008 intitulado “Só dez por cento é mentira, tudo que não invento é falso”, o poeta que tão lindamente recria as experiências infantis nos ensina algo valioso: as aprendizagens mais importantes são coloridas pelas tintas dos encontros que nos tocam pelo viés do sensível. E isso nenhum currículo pode abarcar. Somente um olhar que vê, revê e “transvê” o mundo pode trabalhar com essas singelezas (BARROS, 2008). 2626 Práticas Pedagógicas do Ensino Lúdico Se essas preciosas aprendizagens não são garantidas pelos currículos e pelas formações, cabe a cada professor consultar a sua criança interior e buscar caminhos para que a sensibilidade do infantil habite cada vez mais as suas práticas. Que esse olhar sensível possa tocar outros humanos e expandir as práticas interdisciplinares na escola, deixando marcas que ressoarão para sempre. ReferÊncias BARROS, Manoel de. Só dez por cento é mentira. Documentário desbiográfi co. Direção: Pedro Cezar. Brasil, 2008. BRASIL. MEC. Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. BRASIL. PROINFO: Projetos e ambientes inovadores. Secretaria de Educação a Distância. Brasília: Ministério da Educação/Seed, 2000. CAMARGO, Luiz Octávio de Lima. Educação para o lazer. São Paulo: Moderna, 1998. COSTA, Ana. A fi cção do si mesmo. Rio de janeiro: Companhia de Freud, 1998. DERRIDA, Jacques. O cartão-postal: de Sócrates a Freud e além. Trad. Ana Valéria Lessa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. FANTIN, Mônica. No mundo da brincadeira: jogo, brinquedo e cultura na educação infantil. Florianópolis: Cidade Futura, 2000. FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. São Paulo: Edições Loyola, 2014. KIRINUS, Gloria. Synthomas de poesia na infância. São Paulo: Paulinas, 2011. LUCKESI, Cipriano Carlos. Ludicidade e atividades lúdicas: uma abordagem a partir da experiência interna. 2005. Disponível em: <www.luckesi.com.br>. Acesso em: 20 jun. 2015. NASIO, Juan-David. A fantasia: o prazer de ler Lacan. Trad. André Telles e Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. CAPÍTULO 2 O Desenho Infantil A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Identifi car o processo de evolução do desenho infantil. Compreender as intervenções mais importantes para cada momento desse processo. 29 O DESENHO INFANTIL Capítulo 2 ConteXtualiZaÇÃo Com ele [o desenho], não estaríamos frente a uma espécie de ecografi a, de tomografi a computadorizada ou de ressonância magnética dos processos de subjetivação? Ricardo Rodulfo O que faz uma criança ao desenhar? Esta é a pergunta central que permite que sejam tecidas outras tantas indagações ligadas ao tema do desenho infantil, abordado aqui neste capítulo. Os aspectos abarcados pelo desenhar apontam para acontecimentos determinantes na formação de uma criança. Elementos subjetivos embasam o hábito de desenhar e é preciso ter isso em mente ao tomar a importância dodesenho nos processos de aprendizagem. A evolução do desenho infantil pode ser vista como um modo de perceber as alterações que se passam com a criança, pois a relação com o papel (e o que esse espaço representa) indica momentos distintos da vida psíquica na infância. Quando desenha, o pequeno se coloca diante de um espaço vazio, repleto de possibilidades e, por isso mesmo, frutífero. Que espécie de trabalho acontece ali? De algum modo, o corpo da criança está envolvido no desenhar, portanto, a questão do corpo é problematizada em relação a esta temática. Cenas de desenho mostram muito da relação da criança com seu corpo. E não seria justamente o corpo humano, em forma de boneco palito, um clássico do desenho infantil, repetido há gerações? Neste capítulo trataremos do desenhar, suas implicações nos movimentos de subjetivação da criança e na sua vida escolar. O olhar do profi ssional que acompanha esse processo deve abarcar a importância do desenho no decorrer do desenvolvimento infantil, bem como deve saber lidar com o que a criança vivencia nessa experiência tida como lúdica. Veremos aqui como o desenho se relaciona com a escrita. Os procedimentos da descoberta da superfície em branco, das tentativas repetidas e da satisfação obtida nessas atividades serão esmiuçados neste capítulo. O desenhar deixa suas impressões não somente no papel, mas também na criança, como veremos a seguir. 3030 Práticas Pedagógicas do Ensino Lúdico A ImportÂncia do Desenho no Processo de AprendiZaGem Quando falamos da infância e suas inúmeras experiências de aprendizagem, especialmente no que diz respeito ao lúdico, não podemos deixar de dar atenção aos desenhos infantis. No ato de desenhar estão presentes várias noções como: o corpo, o outro, os limites. Quando uma criança se coloca diante de um espaço vazio, uma folha em branco ou qualquer outra superfície passível de ser tomada como espaço para desenhar (aqui lembramos facilmente das paredes e dos muros), o que acontece nessa cena? O desenhar representa na vida da criança um daqueles momentos que marcam – não apenas as folhas e as paredes –, mas também a sua própria constituição. O gosto pelo desenhar ganha lugar na vida da criança na medida em que ela se lança com prazer na atividade. Na escola, tudo parte de um convite, sinalizado pelo adulto – uma folha entregue individualmente, um cartaz oferecido para que seja confeccionado um desenho coletivo, materiais capazes de permitir traços e pinturas. Convite feito, o imprevisível aparece: alguns surpreendem com explicações inusitadas para linhas que desenham algo nem tão evidente assim, outros habitam mais timidamente o espaço em branco, outros extravasam os limites e os contornos, e outros, inconformados, escondem o que produziram. Nessa cena temos ali dispostos conceitos que constituem uma prática. Considerações valiosas sobre o tema do desenho infantil não podem deixar passar a questão do divertimento presente no desenhar. O desenho costuma ser uma atividade repetida e geralmente muito bem recebida pelas crianças, afi nal, há tanto por ser feito ali, há tanta imaginação por tecer que não raro a atividade só é interrompida por falta de tempo e/ou papel. O outro é convocado como expectador: “olha só o que eu fi z”, costumam dizer as crianças com a obra em mãos. E, mais que buscar um expectador, uma testemunha, a criança busca o contentamento do outro diante do seu feito. Alguns ainda preferem outro gesto: “posso levar para casa e mostrar para a minha mãe?”, apontando para aqueles que são signifi cativos na vida de cada um. Querer mostrar o desenho, oferecer, dedicar, sinaliza uma vontade de colocar a produção no circuito de trocas, o que requer um certo encorajamento. Dizem os psicanalistas que a pergunta que move o mundo é “o que você quer de mim?”, salientando a expectativa que move o sujeito em sua trajetória sempre um tanto desajustada com relação ao ideal imaginado. O encontro com o outro 31 O DESENHO INFANTIL Capítulo 2 é acolhedor, mas é também um embate velado: quanto das minhas expectativas serão cumpridas? Como poderei lidar com o fato de não corresponder perfeitamente ao que o outro espera de mim? E afi nal, o que eu posso esperar de mim? Na medida em que a percepção de si vai tomando corpo, as perguntas começam a ganhar outra dimensão, apontando para o produto (no caso, o desenho) a fi m de indagar sobre o seu valor nesse circuito de trocas. A criança, então, passa a se indagar: a minha produção é parte de mim? Diz respeito a mim? E então a avaliação feita sobre ela me desmerece/enaltece? Sendo assim, vemos que o desenho infantil não confi gura somente um momento de fi rmar o traço, preparando para a escrita, nem tampouco um simples divertimento sem grandes consequências. O desenhar lida com a questão dos contornos e dos limites – e, portanto, lida diretamente com o terreno das inseguranças e das expectativas. Estamos falando aqui da autoestima, ou melhor, da busca pela resposta sobre a estima que o outro tem de mim (se pararmos para observar, ela nem é tão “auto” assim, afi nal, é buscada no olhar do outro). Para avançarmos na elaboração sobre o que compreende esta prática e os seus efeitos sobre a criança, tentaremos responder à pergunta: de que está impregnado o desenho infantil? O que queremos saber é: o que acontece quando uma criança desenha? Se compreendemos que desenhar coloca em jogo percepções de si (afi nal, ela testa habilidades e expectativas cada vez que rabisca um papel), carregando questionamentos sobre o valor das produções de cunho próprio, entenderemos que a temática que subjaz este momento é a distância entre o eu e o outro – em outras palavras, os limites que apontam para uma diferença, uma descontinuidade. Traduzindo em uma cena: na solidão do “eu” e das minhas expectativas, procuro no olhar do “outro” a satisfação (ou frustração) que ele sente ao deparar- se com o que eu produzo e ofereço. Assim, o que se percebe é que a minha expectativa e a do outro nem sempre “batem”, não combinam, e isso mostra que somos irremediavelmente diferentes e distantes. Essa distância não é dada, ela é construída. É preciso repetir a experiência tantas vezes que faça saltar aos olhos o quanto a criança precisa estar em um momento mais amadurecido dos processos de subjetivação para que seja possível deixar despreender de si uma produção a ser oferecida ao outro. Esse gesto estabelece na cena um eu e um outro, mostrando que há uma descontinuidade e que o desenho, ali, pode ser algo importante: uma ponte. Na medida em que a percepção de si vai tomando corpo, as perguntas começam a ganhar outra dimensão, apontando para o produto (no caso, o desenho) a fi m de indagar sobre o seu valor nesse circuito de trocas. A criança, então, passa a se indagar: a minha produção é parte de mim? Diz respeito a mim? E então a avaliação feita sobre ela me desmerece/ enaltece? Sendo assim, vemos que o desenho infantil não confi gura somente um momento de fi rmar o traço, preparando para a escrita, nem tampouco um simples divertimento sem grandes consequências. O desenhar lida com a questão dos contornos e dos limites – e, portanto, lida diretamente com o terreno das inseguranças e das expectativas. 3232 Práticas Pedagógicas do Ensino Lúdico Oferecer o desenho pode ser o elo, constituído momentaneamente, que aproxima dois ou mais sujeitos. Aproxima, inclusive, simbolicamente, buscando relação com quem nem sequer está ali – como no caso de lembrar de uma outra pessoa e querer levar o desenho para mostrar a ela. Esse também é um modo de elaborar a distância e a ausência dos entes queridos, o que é importante na vida de uma criança que deixa a sua casa para frequentar diariamente a escola, longe dos seus. O corpo ganha contornos com esta prática. A auto-imagem ganha consistência. O enlace entre corpo e linguagemé um acontecimento da maior importância na constituição de um sujeito, já que as produções da criança se transformam em interrogantes. O psicanalista Ricardo Rodulfo, autor do livro “Desenhos fora do papel: da carícia à leitura-escrita na criança” (2004) pesquisa movido pela pergunta “o que a criança faz ao desenhar?” (RODULFO, 2004, p. 78) e afi rma, ao estudar sobre os limites com o outro, que “o corpo não é só uma decantação, é também um enredo” (RODULFO, 2004, p. 123). Com isto o autor aponta que cada história tecida nos entreatos da criança demarca algo do seu território e amplia o seu mundo de percepções e compreensões, inclusive sobre o seu corpo e lugar próprio. A criança não traça o que ela vê, mas sim, o que ela acha que signifi ca o que ela vê, o que é indicado pela família, pelo social etc. Por meio do brincar e do desenho a criança mostra boa parte das hipóteses que ela esboça sobre o mundo e suas leituras. A relação com o outro, com o corpo do outro, com o olhar julgador e com as fantasias embutidas aí constituem a cena do desenhar. Sendo assim, não se pode tomar um rabisco no papel como algo sem relevância ou somente um treino prévio para algo mais importante ainda por ser constituído. A criança, ao se debruçar sobre o papel, coloca algo de si nesse encontro. Quando o corpo sai da inércia e toca o papel com traços, muita coisa está acontecendo ali: “A garatuja com o lápis é pensável como transposição dessa outra garatuja fundamental que é a carícia” (RODULFO, 2004, p. 100). O desenhar pode ser visto como um modo de acariciar o papel a fi m de produzir, entre outras coisas, prazer – não apenas em si próprio, mas também no outro. Os signifi cados dados pelos adultos às produções da criança respondem pelas infl uências socioculturais de cada um, são marcados por saberes transmitidos de geração em geração e, por sua vez, também irão marcar algo de transmissível que fi cará marcado na criança. Não basta dispor de capacidades: para aprender também é preciso que haja desejo. É imprescindível pensar o processo de ensino/aprendizagem vinculado ao desejo e às histórias dos sujeitos nele envolvidos. A criança não traça o que ela vê, mas sim, o que ela acha que signifi ca o que ela vê, o que é indicado pela família, pelo social etc. Por meio do brincar e do desenho a criança mostra boa parte das hipóteses que ela esboça sobre o mundo e suas leituras. A relação com o outro, com o corpo do outro, com o olhar julgador e com as fantasias embutidas aí constituem a cena do desenhar. 33 O DESENHO INFANTIL Capítulo 2 Portanto, não se trata de contemplar passivamente a criança e suas produções. Diante do exposto acima, é impossível negar: o lugar do professor é um lugar ativo. O olhar do professor vai acompanhar a construção de hipóteses da criança e suas intervenções vão ajudar a reformular a compreensão da criança sobre o mundo e o seu lugar no mundo. Alicia Fernández, psicopedagoga pautada pela psicanálise, propõe uma leitura interessante sobre a relação entre corpo, organismo, desejo e inteligência no livro “O saber em jogo” (FERNÁNDEZ, 2001), expondo um interessante panorama sobre a relação entre as posições de ensinante e aprendente, mostrando que aprender pode ser tão interessante quanto brincar. Neste sentido, não esqueçamos: o professor, ao trabalhar com desenhos infantis, deve olhar além da criança e além do papel para perceber que, em muitos momentos, o professor também pode ser o aprendente, pois ele também aprende continuamente na relação. Sugestão de leitura: livro de Alícia Fernández – O saber em jogo: A Psicopedagogia Proporcionando Autorias de Pensamento. Porto Alegre: Penso, 2001. E nesse mundo repleto de hipóteses, as crianças vão explorando reformulações, que acontecem de tempos em tempos, na medida em que a experiência do desenho é exercitada. Nas palavras do psicanalista Ricardo Rodulfo: Se levássemos ao papel todo esse emaranhado, que desenho obteríamos, se não o da garatuja – ironicamente, aquele que sempre fi cou fora da noção de desenho, na consideração tradicional? Com ele, estaríamos frente a uma espécie de ecografi a, de tomografi a computadorizada ou de ressonância magnética dos processos de subjetivação? (RODULFO, 2004, p. 100). É apontado, aqui, o momento da produção da garatuja como sendo um tempo privilegiado para entender o que se passa com a criança e seus processos internos. Veremos a seguir como o desenho vai aparecendo de diferentes formas na produção da criança e o que essas fases podem indicar. 3434 Práticas Pedagógicas do Ensino Lúdico A EVoluÇÃo do Desenho Infantil A criança cresce e engrandece também os alcances do seu horizonte. Seu arcabouço de conhecimentos espicha na medida em que ela desenvolve habilidades e percepções. No caso do desenho, a criança dá mostras de seu desenvolvimento cognitivo por meio das características que aparecem na representação que ela oferece ao papel. Veremos a seguir alguns momentos do desenho infantil. São eles: • Garatuja; • Pré-esquematismo; • Esquematismo; • Realismo. Tomando a leitura de Jean Piaget e Barbel Inhelder (2007) a respeito da evolução do desenho infantil, assumimos que as etapas evolutivas do desenho infantil podem ser descritas como: Garatuja, Pré-esquematismo, Esquematismo e Realismo. Tomemos estes pontos para orientar a nossa compreensão acerca das fases do desenho. Em um primeiro momento, temos a garatuja, defi nida como os primeiros traços que a criança produz ao rabiscar o papel. Os tipos de garatuja podem ser divididos em dois: garatuja desordenada e garatuja ordenada. Na garatuja desordenada os movimentos são amplos e desordenados. A criança tem prazer em traçar linhas em movimentos de vai e vem, sem levantar o lápis do papel. É como se o lápis fosse o prolongamento de sua mão e ela ainda não tivesse consciência de que o rabisco é consequência do seu movimento com o lápis. A garatuja ordenada começa a aparecer aos dois anos de idade aproximadamente. Nesta fase a criança descobre a relação gesto/traço e passa a destinar um olhar ao que faz, distanciando-se, de certo modo, de sua produção. Nesta fase a criança procura controlar o tamanho dos rabiscos, a forma e o limite do papel, mas ainda não existe relação fi xa entre o objeto e sua representação. O mesmo traço pode ser uma árvore, logo em seguida um pássaro ou um cachorro. Este momento da garatuja requer atenção: não raro há um pouco de ansiedade por parte do professor em querer que a criança deixe o quanto antes essa fase de traços desconexos e profusão de riscos. No entanto, trata-se de uma experiência que ultrapassa os rabiscos sem nexo aparente. Ali a criança está experimentando o jogo de forças do desenho pela primeira vez, tomando a medida dessa habilidade e descobrindo o prazer de jogar esse jogo. 35 O DESENHO INFANTIL Capítulo 2 Para detalhar melhor os diferentes tipos de garatuja ordenada faremos aqui uma subdivisão: garatuja longitudinal, garatuja circular e garatuja mescla. Na garatuja longitudinal a criança ainda não controla a força, mas exerce movimentos longitudinais, alinhando-se com o início da coordenação viso-motora. A garatuja circular torna-se facilmente reconhecível: a criança começa a desenhar círculos, e em seguida coloca linhas ao redor destes círculos, que passam a ter forma de aranha ou mandala – utilizando, assim, a coordenação viso-motora. Nesta fase é crucial a relação olho/mão. Já no caso da garatuja mescla pode ocorrer uma mistura de uma etapa e outra ou todas ao mesmo tempo. O momento em que a criança consegue sair com uma linha de um ponto no papel e voltar ao mesmo ponto, fechando um círculo, é um marco na apreensão da coordenação viso-motora e na construção do desenho. Este traçado é uma grande conquista, pois a partir deste círculo nascem novas formas, inclusive a forma para a representação da fi gurahumana, na qual o círculo passa a representar a cabeça e os palitos representam os membros. Na fase de pré-esquematismo a criança começa a adquirir consciência da forma que pretende dar ao desenho e faz tentativas para representar o mundo. O desenho já apresenta algumas formas, mas estas não estão relacionadas entre si e ainda estão soltas, desordenadas e desproporcionais. O uso das cores também não tem relação com a realidade, depende do desejo da criança ou da sua preferência pela cor. Segue-se a esta a fase do esquematismo, quando a criança começa a construir formas diferenciadas para cada categoria de objetos e já apresenta um conceito defi nido da fi gura humana – embora ainda apareçam alguns desvios nesta fi gura como omissão de algum membro ou exagero de alguma parte do corpo. É nesse momento que a criança começa a organizar as fi guras no papel. Antes elas estavam soltas como se estivessem voando. Agora, as fi guras aparecem sobre o traçado de uma linha de base ou uma linha de base imaginária, que pode ser o limite inferior da folha de papel. Aqui já se nota uma preocupação por parte da criança em demarcar o chão e também o céu, limites antes ausentes nos desenhos. Na etapa do realismo a criança busca a semelhança: não basta mais a forma, é preciso decorar a forma. Quando aparece a decoração no desenho é o início do realismo. Observa-se no desenho a preocupação com o fundo e os confl itos da perspectiva. Nessa fase é fundamental que o professor proporcione desenhos de observação, podendo trabalhar com observações diretas de espaços cotidianos e também a releitura de obras de arte. 3636 Práticas Pedagógicas do Ensino Lúdico Sendo assim, observando o desenrolar da história do desenho e como ela é vivenciada por cada sujeito, o professor percebe avanços, preferências, signifi cados. Estes saberes constituídos por meio do desenho serão cruciais para que outras compreensões relevantes aconteçam, como veremos a seguir. Do Desenho ao Mapa Tomaremos por base o entendimento de que as crianças desenham como um meio de agir sobre o ambiente. Por isso, apontamos aqui a interessante relação que há entre o esquema corporal e o espaço em torno da criança. Os contornos de si próprio, assim como os contornos ao redor, formulam espaços, distâncias, perspectivas – e isso aparece no desenho na medida em que a criança vivencia, com o corpo, essas experiências. O domínio da representação espacial traz elementos da representação corporal. Quando a criança pode fazer uma aproximação do desenho ao mapa ela está organizando espacialmente a sociedade e a si mesma, colocando-se como parte de um mundo feito de territórios. Saber sobre uma representação cartográfi ca indica uma rebuscada representação espacial, afi nal, do desenho ao mapa traça- se um caminho que engloba inúmeros elementos, compondo diversos saberes. Trata-se do conhecimento sobre proporções, lateralidades, planos, dimensões, etc. Neste caminho do desenho ao mapa, cabe indagar: e o que é um mapa? Para os cartógrafos o mapa é uma representação da superfície da Terra, conservando com estas relações matematicamente defi nidas de redução, localização e de projeção no plano. Sobre um mapa-base, assim obtido, pode-se representar uma série de informações, escolhidas por interesses ou necessidades das mais diversas ordens: política, econômica, militar, científi ca, educacional etc. [...] Além disso, a elaboração dos mapas não é determinada apenas pela técnica: os mapas expressam ideias sobre o mundo, criadas por diversas culturas em épocas diferentes (ALMEIDA, 2004, p. 13). O domínio dos saberes cartográfi cos está intimamente ligado com a autonomia do sujeito, afi nal, ali estão representados espaços que exigem do olhar um alcance que passa pela estruturação subjetiva, pois esse olhar que lê o mapa é constituído por esquemas corporais e apropriações dos espaços mediante Apontamos aqui a interessante relação que há entre o esquema corporal e o espaço em torno da criança. Os contornos de si próprio, assim como os contornos ao redor, formulam espaços, distâncias, perspectivas – e isso aparece no desenho na medida em que a criança vivencia, com o corpo, essas experiências. 37 O DESENHO INFANTIL Capítulo 2 experiência. A relevância da questão é apontada por Rosângela Doin de Almeida no livro “Do desenho ao mapa: iniciação cartográfi ca na escola”: O indivíduo que não consegue usar um mapa está impedido de pensar sobre os aspectos do território que não estejam registrados na memória. Está limitado apenas aos registros de imagens do espaço vivido, o que o impossibilita de realizar a operação elementar de situar localidades desconhecidas (ALMEIDA, 2004, p. 17). A fi m de habilitar os alunos a tomar posse desse conhecimento, a escola se organiza para que sejam trabalhados esses conteúdos, prevendo para o ensino fundamental os conhecimentos de representação espacial. Estes devem ser desenvolvidos e aprofundados desde o 1º até o 4º ciclo, integrados aos estudos da Geografi a. Porém, “na verdade, são habilidades ligadas à leitura e à escrita, no sentido amplo de leitura e compreensão do mundo” (ALMEIDA, 2004, p. 18). Trata-se, portanto, de algo importante e que deve ser conectado à ludicidade a fi m de fazer com que a criança seja envolvida prazerosamente neste fazer, constituindo, assim, as bases para a sua leitura de mundo. Comumente, na escola, vemos o uso do mapa na escola fi cando restrito a uma mera ilustração, o que não é difícil de ser percebido ao tomarmos como material alguns livros didáticos – e, às vezes, até mesmo o professor se posiciona validando este entendimento. No entanto, segundo Almeida (2004, p. 18), “a formação do cidadão não é completa se ele não domina a linguagem cartográfi ca, se não é capaz de usar um mapa”. Sugestão de leitura: ALMEIDA, Rosângela Doin de. Do desenho ao mapa: iniciação cartográfi ca na escola. São Paulo: Contexto, 2004. Apropriar-se dos conhecimentos sistematizados a respeito dos espaços, das três dimensões reduzidas ao plano do papel e das projeções é parte do projeto de formação que contempla a cidadania, habilitando o sujeito ao uso da linguagem cartográfi ca e dando-lhe autonomia. Em sala de aula, o professor pode relacionar essas aprendizagens ao uso lúdico das maquetes: construir maquetes coletivamente, explorando as dimensões, mostra a importância de guardar a proporcionalidade e respeitar a organização das formas. O trabalho lúdico com a confecção de maquetes explora as noções espaciais, o convívio social e a organização. A maquete é uma ferramenta que permite 3838 Práticas Pedagógicas do Ensino Lúdico trabalhar, inclusive, a geometria. No trabalho com a proposta de confecção de maquetes, as abordagens, podem ser temáticas relacionando as maquetes com algum elemento signifi cativo para a turma. Se inicialmente a criança conhece o prazer de riscar quando experimenta abordar o papel com traços fortes, representando no desenho os elementos mais característicos dos objetos que crê desenhar, em outro momento, o professor pode convidar a criança a relacionar representação e memória, pedindo que seja desenhado (ou elaborado em forma de maquete), por exemplo, o prédio da escola – primeiro contando apenas com a memória e depois realizando uma observação direta. Deste modo, pode-se perceber as variações presentes nas representações que as crianças são capazes de produzir. Aos poucos vai se esboçando na criança a construção da perspectiva, da proporção e da distância. Estas questões habitam a criança juntamente com as alterações vividas em seu esquema corporal. A esse respeito, Almeida (2004, p. 36) salienta: Sobre a interação entre motricidade e espaço existem dois princípios complementares, que são: a) a motricidade é expressão de uma ordem biológica e b) a máquina biológica gera seu universo espacial. Esses princípios sinalizam,primeiro, para o aparelho sensório-motor e sua morfologia (o corpo tem alto e baixo, frente e atrás e, ainda, dois lados simétricos – direito e esquerdo). Em segundo lugar, apontam para o fato de o corpo humano movimentar-se e deslocar-se seguindo uma postura ortostática (ortogonal em relação ao solo). Esses dois aspectos determinam sistemas de referência e mecanismos de captação de informação espacial. Fatores ligados à psicomotricidade, mais especifi camente o esquema corporal, têm relação com o delinear do espaço pela criança, pois permitem ressaltar aspectos da organização psicológica do sujeito que desenha, bem como dá mostras de como este se relaciona com o espaço. No desenhar aparecem, por exemplo, questões de lateralização, problematizadas na percepção dos esquemas corporais: “os lados direito e esquerdo são percebidos simultaneamente pela criança, porém frente-atrás não, pois a passagem da frente para trás supõe uma conversão” (ALMEIDA, 2004, p. 38). No encontro com o mundo e, posteriormente, na tentativa de colocar um pouco desse mundo no papel, dá-se um sem número de descobertas: A “lateralização” surge, já no primeiro ano de vida, ligada à assimetria funcional, quando a mão dominante é preferida Fatores ligados à psicomotricidade, mais especifi camente o esquema corporal, têm relação com o delinear do espaço pela criança, pois permitem ressaltar aspectos da organização psicológica do sujeito que desenha, bem como dá mostras de como este se relaciona com o espaço. No desenhar aparecem, por exemplo, questões de lateralização, problematizadas na percepção dos esquemas corporais. 39 O DESENHO INFANTIL Capítulo 2 nas tarefas manuais novas. Vê-se aí que a lateralização está relacionada com a dominância hemisférica. Esse processo leva ao conhecimento da lateralidade, primeiro no próprio corpo e, depois, sobre os outros corpos. Isso implica saber que se tem mão direita e mão esquerda e reconhecê-las. No entanto, pode haver oscilação da lateralidade até os sete anos. A lateralidade é reconhecida no próprio sujeito, aproximadamente aos seis anos, e nos outros, mais ou menos aos oito anos. Por volta dos 4-5 anos, a criança compreende que tem uma direita e uma esquerda, mas não sabe distinguir entre elas nos membros do corpo. Aos 6-7 ano, já sabe distinguir suas duas mãos, seus dois pés, e, depois, seus dois olhos. Aproximadamente aos 8-9 anos reconhece com precisão as partes direita e esquerda do corpo. (ALMEIDA, 2004, p. 39). A passagem dos espaços corporais para os espaços do mundo acontece com a marca dessas fases vividas na escola: Quanto à orientação espacial, aos 5-6 anos a criança confunde-se ao seguir um referencial no próprio corpo (para a direita ou esquerda), mas não tem dúvida se o referencial for um objeto. Por exemplo, não sabe que direção tomar quando lhe solicitam que caminhe para a direita, mas não tem dúvida se lhe pedirem para ir em direção a uma árvore que está à direita (ALMEIDA, 2004, p. 39). Temos, então, que o esquema corporal é uma resultante do esquema postural e do ambiente. A criança vai internalizando elementos do mundo e exigindo cada vez mais da sua memória a fi m de montar para si o que seria o mapa do seu corpo. Só então ela consegue projetar e – não esqueçamos – brincar com a possibilidade de registrar essas percepções e perceber-se crescendo em habilidade e leitura de mundo. O Papel do Educador na ValoriZaÇÃo do Desenho da CrianÇa Como vimos até aqui, o objetivo do trabalho com o desenho deve ser colocado em perspectiva, afi nal, ali estão sendo trabalhados vários saberes. No visível do desenho também opera uma dinâmica invisível: as relações entre cultura, criatividade, expressão, desenvolvimento cognitivo, adequação, estilo. Desenho: de que modo nós o consideramos? Eis uma pergunta importante. Como o desenho se mostra distante da vida adulta nós costumamos esquecer o quanto ele pode ser signifi cativo para uma criança. A aprendizagem do desenho 4040 Práticas Pedagógicas do Ensino Lúdico mostra as aprendizagens sociais e culturais, e mostra também as teias de relações estabelecidas com a cultura que banha esta criança. De acordo com Rosa Iavelberg, autora do livro “O desenho cultivado da criança: prática e formação de educadores”: Uma criança de 1 ano e 8 meses que desenha na superfície dos chinelos da mãe, ou em uma parede não autorizada para tal, será repreendida e progressivamente saberá onde pode e onde não pode desenhar. Ora, tais regularidades são advindas de uma cultura social, urbana e ocidental. Crianças que moram na zona rural, por exemplo, costumam desenhar na terra, oportunidade que falta às crianças dos grandes centros. Os hábitos culturais, portanto, diversifi cam as ideias da criança sobre o desenho (IAVELBERG, 2013, p. 35). Com a percepção de que desenhar não é um ato isolado da cultura, as considerações do professor diante destas produções devem propiciar um ambiente de interação, permitindo, inclusive, a comunicação entre os pares no momento em que estes desenham, pois isto é importante para expandir a construção de signifi cações e ressignifi cações neste momento da vida das crianças. Organizar um ambiente propício às trocas é respeitar a relevância desta atividade, pois no enfrentamento das difi culdades do desenho, bem como no encontro com o divertimento presente ali, a criança atribui valor a esta aprendizagem. A autoconfi ança daquele que desenha busca balizas no olhar do adulto que o acompanha – no caso, o professor –, que pode incentivar a continuidade desta prática (tornando-a convidativa por sua ludicidade) ou provocar desestímulo na criança (podendo até mesmo deixar marcas negativas indeléveis). É preciso valorizar a dedicação sem deixar de incentivar o aperfeiçoamento. O toque de criatividade pode vir por conta de propostas inusitadas, como diferentes superfícies e materiais interessantes para que a criança explore sua veia pesquisadora. • Desenhar pode ser infi nitamente divertido! Como? Por exemplo, pode-se brincar com várias opções: • Oferecer superfícies diversas: desenhar na madeira, na areia, no computador, na lousa mágica, em papéis texturizados, em tecido, em superfícies transparentes, papéis em diferentes formatos (por exemplo, circular), etc. Oferecer materiais inusitados para criar desenhos: carvão, pena, papel carbono, lãs, pedras, luz direcionada, cola e areia e/ou farelos diversos, etc. A autoconfi ança daquele que desenha busca balizas no olhar do adulto que o acompanha – no caso, o professor –, que pode incentivar a continuidade desta prática (tornando-a convidativa por sua ludicidade) ou provocar desestímulo na criança (podendo até mesmo deixar marcas negativas indeléveis). É preciso valorizar a dedicação sem deixar de incentivar o aperfeiçoamento. O toque de criatividade pode vir por conta de propostas inusitadas, como diferentes superfícies e materiais interessantes para que a criança explore sua veia pesquisadora. 41 O DESENHO INFANTIL Capítulo 2 Após o professor iniciar o movimento convidativo ao desenho, as crianças se lançam no desafi o de ocupar o espaço com suas criações. Em seguida, diante da produção esboçada, o professor deve atentar para as críticas inábeis ao que a criança oferece em seu gesto. É preciso lembrar: ali está presente muito mais que um simples desenho, ali está um gesto de endereçamento – e por que não dizer: um gesto de endereçamento amoroso. O oferecimento do desenho à fi gura do professor é um momento oportuno para que a criança trabalhe questões de confi ança, expectativas, insegurança etc. Tal entrega pressupõe uma interação social na qual se percebe o medo de desagradar, a insegurança e os receios, e isso não pode passar despercebido. E quando a criança se recusa a desenhar? Como trabalhar com (ou contra) essa resistência
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