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D I R E I TO D A S M U L H E R E S Brunna Rabelo Santiago Ezilda Melo Lize Borges (Organizadoras) Studio Sala de Aula Direitos autorais © 2021 Studio Sala de Aula Reservam-se os direitos desta obra à Editora Studio Sala de Aula, Salvador-BA. O padrão ortográfico e o sistema de citações e referências bibliográficas são prerrogativas de cada autor. Da mesma forma, o conteúdo de cada capítulo é de inteira e exclusiva responsabilidade de seu respectivo autor. CONSELHO EDITORIAL DA STUDIO SALA DE AULA Angelita Woltmann – Dra. em Direito pela UNISINOS Belmiro Vivaldo Fernandes Santana – Dr. em Direito pela UFBA Cristine Koehler Zanella – Dra. em Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS e em Ciências Políticas pela UGent/Bélgica Denison Melo de Aguiar – Mestre em Direito Ambiental pela UEA Ezilda Claudia de Melo – Mestra em Direito Público pela UFBA Jeovanna Malena Viana Mesquita - Mestra Univ. de Coimbra Jessica Hind Ribeiro Costa – Dra. em Direito pela UFBA João Paulo Allain Teixeira – Dr. pela UFPE Juliette Robichez - Dra. pela Université Paris I - Panthéon Sorbonne (França) Manuelita Hermes Rosa Oliveira Filha – Mestra em Direito pela Universidade de Roma Tor Vergata (Itália) Marco Aurélio Serau Júnior – Dr. pela USP Marta Regina Gama Gonçalves – Dra. em Direito UnB Miriam Coutinho de Faria Alves – Dra. em Direito pela UFBA Nelson Cerqueira - Dr. em Literatura comparada pela Indiana University. Paulo Ferrareze Filho – Dr. em Direito pela UFSC Paulo Ferreira da Cunha – Dr. em Direito pelas Universidades de Paris e Coimbra Paulo Silas Filho – Mestre UNINTER Roberta Oliveira Lima – Dra. em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFF Taysa Matos do Amparo – Mestre UFPB Tatyana Friedrich – Dra. em Direito pela UFPR Renato Bernardi – Dr. pela PUC/SP Wagner de Oliveira Rodrigues – Dr. em Ciências Jurídicas e Sociais (UFF) _______________________________________________ Concepção de capa por Lize Borges, com base em pinturas abstratas de Sketchify, disponíveis no Canva. MELO, Ezilda; BORGES, Lize; SANTIAGO, Brunna Rabelo. Direito das Mulheres. Salvador: Studio Sala de Aula, 2021. ISBN: 9798546716745 1. Direitos das Mulheres 2. Direitos Humanos 3. Mulheridade 4. Pesquisas Jurídicas ÍNDICE Página do título Direitos autorais Direito das Mulheres AUTORAS E AUTORES SUMÁRIO APRESENTAÇÃO Violência Doméstica e as técnicas de resolução de conflitos: entre verdades e utopias CANDIDATURAS FEMINISTAS: ASSESSORIA JURÍDICA COMO UMA VERTENTE DE ADVOCACY FEMINISTA PARA ELEIÇÃO DE DA LEI MARIA DA PENHA À LEI MARIANA FERRER: UMA ANÁLISE SOBRE A (IN)EFICIENCIA DOS DISPOSITIVOS LEGA A IMPOSSIBILIDADE DO ABORTO NO PL 5435/2020 E A AMEAÇA AOS DIREITOS DAS MULHERES O ENCARCERAMENTO DE MULHERES NO BRASIL E AS MEDIDAS PARA COMBATÊ-LO – UMA ANÁLISE A PARTIR DE DECISÕ PARENTALIDADE SOCIAL INTEGRAL: ESTRATÉGIA PARA COMUNHÃO E EQUIDADE DE GÊNERO SISTEMA DE JUSTIÇA PATRIARCAL? ANÁLISE SOBRE A VIOLÊNCIA DE GÊNERO COMO ESTRATÉGIA PROCESSUAL À LUZ SOBRE AS ORGANIZADORAS SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES NOTAS DIREITO DAS MULHERES Brunna Rabelo Santiago Ezilda Melo Lize Borges (Organizadoras) AUTORAS E AUTORES Ana Carolina Alves Gabriela Siqueira Ho Giovanna Gabriella Santana Giroto Julice Salvagni Luciana Nogueira Nóbrega Marina Guerin Natávia Boigues Corbalan Tebar Nicole de Souza Wojcichoski Raquel Fabiana Lopes Sparemberger Reginaldo Bombini Vitória Aguiar Silva SUMÁRIO APRESENTAÇÃO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E AS TÉCNICAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS: ENTRE VERDADES E UTOPIAS Ana Carolina Alves Raquel Fabiana Lopes Sparemberger CANDIDATURAS FEMINISTAS: ASSESSORIA JURÍDICA COMO UMA VERTENTE DE ADVOCACY FEMINISTA PARA ELEIÇÃO DE MULHERES Gabriela Siqueira Ho DA LEI MARIA DA PENHA À LEI MARIANA FERRER: UMA ANÁLISE SOBRE A (IN)EFICIENCIA DOS DISPOSITIVOS LEGAIS NO COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES NO BRASIL Giovanna Gabriella Santana Giroto Natávia Boigues Corbalan Tebar A IMPOSSIBILIDADE DO ABORTO NO PL 5435/2020 E A AMEAÇA AOS DIREITOS DAS MULHERES Julice Salvagni Marina Guerin Nicole de Souza Wojcichoski O ENCARCERAMENTO DE MULHERES NO BRASIL E AS MEDIDAS PARA COMBATÊ-LO – UMA ANÁLISE A PARTIR DE DECISÕES JUDICIAIS Luciana Nogueira Nóbrega PARENTALIDADE SOCIAL INTEGRAL: ESTRATÉGIA PARA COMUNHÃO E EQUIDADE DE GÊNERO Reginaldo Bombini SISTEMA DE JUSTIÇA PATRIARCAL? ANÁLISE SOBRE A VIOLÊNCIA DE GÊNERO COMO ESTRATÉGIA PROCESSUAL À LUZ DO CASO MARI FERRER Vitória Aguiar Silva SOBRE AS ORGANIZADORAS SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES APRESENTAÇÃO A coleção “Direitos para todos” comporta os títulos: “Direito Antirracista e Antidiscriminatório”, “Direito e Vivências LGBTQIA+”, “Direitos Indígenas”. Esta coleção lança agora o tema “Direito das Mulheres”, uma coletânea que apresenta a temática sob diversos prismas de discussão. No leque dos Direitos Humanos alguns grupos foram historicamente construídos como marginalizados. Sendo um deles, o das Mulheres. Nem todas, obviamente, vez que as questões de entrelaçamento interseccionais de raça, classe e gênero descortinam vivências muito distintas. Necessário o emprego do termo sempre no plural, justamente para contemplar a pluralidade das mulheres que precisam ser amparadas pelo direito com equidade. Mulheres que se aproximam por lutas comuns, mas experimentam dores diferentes, como as experiências que só as mulheres negras reconhecem, que se somam à luta antirracista. Nos 7 artigos que compõem a coletânea, as autoras e autores nos falam sobre a violência doméstica, uma dos grandes problemas sociais na nossa sociedade; relatos de violência política de gênero no Brasil; apontamentos sobre técnicas de resolução de conflitos e assessoria jurídica como vertente de advocacy feminista para eleição de mulheres; a impossibilidade do aborto como ameaça aos direitos das mulheres; o caso Mariana Ferrer e a violência de gênero como estratégia processual; o encarceramento de mulheres; parentalidade social integral como estratégia para a equidade de gênero. A situação de exclusão em que o gênero feminino se encontra, além de trazer inúmeras perdas afetivas e sociais, impede que o país alcance a concretização de uma real democracia, na qual todes possuam o mesmo acesso a direitos e garantias e à almejada justiça social. Assim, urge a necessidade de efetivação dos Direitos das mulheres, sendo o primeiro passo para tal: falar sobre isso. Esta obra, pautada em problematizações jurídicas, políticas e interseccionais, serve de instrumento de luta e resistência. O conhecimento crítico, despido de preconceitos, é de fundamental relevância para pesquisa jurídica, precipuamente no que concerne às teorias da justiça e exclusão social em um contexto de responsabilidade estatal e de toda sociedade. Um convite ao estudo sobre Direitos das Mulheres a partir de temas atuais, contemplando teoria e prática de forma dinâmica e transgressora. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E AS TÉCNICAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS: ENTRE VERDADES E UTOPIAS Ana Carolina Alves[1] Raquel Fabiana Lopes Sparemberger[2] INTRODUÇÃO Partindo de uma contextualização do gênero feminino e da flagrante violência doméstica/patriarcal existente na realidade brasileira, pretende-se observar as interações e os desafios existentes entre as atuais legislações de proteção à mulher e os meios consensuais de resolução de conflito, em especial a conciliação e a constelação. Inicialmente abordar-se-á as diferentes definições de “mulher”, para que, então, se possa prosseguir na discussão a respeito da violência patriarcal e doméstica, demonstrando suas realidades e contextos, por meio da apresentação dos mais recentes dados captados e divulgados no Brasil sobre o assunto. Posteriormente apresentar-se-á o avanço histórico das legislações disponíveis que propõem medidas de prevenção, proteção e combate à violência contra a mulher. Por fim, será feita uma análise do processo de conciliação e constelação familiar como proposta de resolução consensual de conflito. Neste sentido, serão observados os desafios de sua aplicaçãodiante de decisões judiciais e legislações vigentes em contextos familiares marcados pela violência contra a mulher. O procedimento adotado privilegia o método hipotético- dedutivo. Trata-se de uma pesquisa aplicada de natureza exploratória- descritiva, que abordará o problema de maneira quantitativa e qualitativamente, com estudo monográfico. Para atingir os objetivos descritos, utilizar-se-á pesquisa bibliográfica e documental. O GÊNERO FEMININO E A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: O IMPACTO NAS RELAÇÕES FAMILIARES O gênero feminino, enquanto objeto de estudo do feminismo, pode ser entendido sob diferentes contextos e condições, a depender das correntes às quais se filiam as suas principais teorias. Judith Butler, como filósofa pós-estruturalista e uma das mais relevantes teóricas feministas da modernidade, propõe que a concepção de “mulher” não pode mais ser compreendida como uma condição estável ou permanente. De acordo com a filósofa, se alguém “é” uma mulher, isso certamente não é tudo o que esse alguém é; o termo não logra ser exaustivo, [...] porque o gênero nem sempre se constitui de maneira coerente e consistente nos diferentes contextos históricos, e porque o gênero estabelece interseções com modalidades raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais de identidades discursivamente constituídas.[3] Há que se pontuar, no entanto, que a ideia de gênero nem sempre esteve atrelada a uma relação com contextos e interseções como propõe Butler. A teórica, inclusive, tece uma série de questionamentos e críticas a Simone de Beauvoir, renomada feminista e filósofa existencialista, uma vez que acredita que “a construção do gênero”, incutida na célebre frase “Ninguém nasce mulher: torna se mulher”[4], poderia significar, de alguma forma, um determinismo quanto à interpretação de significados do gênero, especialmente quando personificados em “corpos anatomicamente diferenciados, sendo esses corpos compreendidos como recipientes passivos de uma lei cultural inexorável”[5]. Para além das nuances e limitações existentes no que se refere à conceituação e interpretação sobre o gênero “mulher”, sabe-se que o mito da feminilidade, descrito por Beauvoir[6], tem passado por uma série de importantes modernizações, permitindo que muitas mulheres alcancem sua independência nas mais variadas esferas. Há, no entanto, ainda, alguns entraves sociais que sustentam uma dominação patriarcal. Mesmo após muitas transformações sociais e, independente de outros projetos pessoais, o destino normal e previsível para uma mulher continua sendo o casamento, o que praticamente a subordina aos desígnios de outro homem, especialmente quando tal condição se assenta em consistentes bases econômicas e sociais. Diante disso, o surgimento de codificações no decorrer da história demonstra a instituição de mecanismos de controle comportamentais para que a mulher não cogite outro papel que não o de reprodutora, fiel, amorosa e julgada pela lealdade devida ao marido. É fato que as mulheres estão subordinadas ao domínio, ao controle e à dependência do outro. Portanto, sua opressão se manifesta a partir da discriminação que sofrem, pois o paradigma social e cultural da humanidade é androcêntrico e define todas as construções mentais da civilização[7]. Para além das conquistas no ambiente acadêmico e no mercado de trabalho, mulheres inseridas num contexto familiar, especialmente em relacionamentos heteroafetivos, são responsabilizadas pelos cuidados e serviços domésticos de forma gratuita, limitadas no direito de autodeterminação de seus corpos, desamparadas nos casos de abandono paterno e vítimas de uma série de violências psicológicas, físicas e políticas para fazê-las sucumbir às vontades da sociedade, dos pais de seus filhos/maridos ou companheiros. De acordo com Carole Pateman, “o patriarcado contratual moderno tanto nega quanto pressupõe a liberdade das mulheres, e não funciona sem esse pressuposto[8].” A violência de gênero contra a mulher representa o poder de dominação do homem e de submissão da mulher. Os papéis que lhes foram impostos e que são consolidados ao longo da história, fortalecem o patriarcado e encorajam relações violentas. Em suma, a violência de gênero pode ser entendida como “qualquer tipo de violência (física, social ou simbólica) que tenha por base a organização social dos sexos e que seja perpetrada contra indivíduos especificamente em virtude do seu sexo, identidade de gênero ou orientação sexual[9].” A consequência de uma sociedade patriarcal e machista é percebida a partir dos índices colossais de violência contra a mulher. Especificamente no Brasil, calcula-se que a cada dois segundos uma mulher é vítima de violência física ou verbal; a cada dois segundos e seis milésimos, uma mulher é vítima de ofensa verbal (insultos, humilhações e xingamentos); a cada seis segundos e três milésimos, uma mulher é vítima de ameaça de violência; a cada seis segundos e nove milésimos, uma mulher é vítima de perseguição; a cada sete segundos e dois milésimos, uma mulher é vítima de violência física; a cada dois minutos, uma mulher é vítima de arma de fogo; a cada dezesseis segundos e seis milésimos, uma mulher é vítima de ameaça com faca ou com arma de fogo; a cada vinte e dois segundos e cinco milésimos, uma mulher é vítima de espancamento ou tentativa de estrangulamento; a cada um segundo e quatro milésimos, uma mulher é vítima de assédio. Segundo o Atlas da violência de 2020, em 2018, uma mulher foi assassinada no Brasil a cada duas horas, totalizando 4.519 vítimas. Embora o número de homicídios femininos tenha apresentado redução de 8,4% entre 2017 e 2018, se verificarmos o cenário da última década, veremos que a situação melhorou apenas para as mulheres não negras, acentuando-se ainda mais a desigualdade racial. Se, entre 2017 e 2018, houve uma queda de 12,3% nos homicídios de mulheres não negras, entre as mulheres negras essa redução foi de 7,2%. Analisando-se o período entre 2008 e 2018, essa diferença fica ainda mais evidente: enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras caiu 11,7%, a taxa entre as mulheres negras aumentou 12,4%.[10] O Atlas da Violência, publicado em 2019, verificou um aumento de 30,7% no quantitativo de homicídios praticados contra mulheres entre 2007 e 2017. Neste mesmo período houve aumento de 20,7% na taxa nacional de feminicídios.[11] A desigualdade racial pode ser vista também quando verificamos a proporção de mulheres negras entre as vítimas da violência letal: 66% de todas as mulheres assassinadas no país em 2017. O crescimento muito superior da violência letal entre mulheres negras em comparação com as não negras evidencia a enorme dificuldade que o Estado brasileiro tem de garantir a universalidade de suas políticas públicas.[12] A violência patriarcal, quando inserida no ambiente familiar, é popularmente conhecida como “violência doméstica” e, possivelmente em razão da sua referência etimológica ao lar, durante algum tempo foi (e talvez ainda seja) vista como algo que pertencia exclusivamente ao ambiente privado e, assim o sendo, restringia a participação de terceiros e sugeria se tratar de algo menos ameaçador do que a violência que ocorre fora de casa[13], o que, sabe-se, não condiz com a fatídica realidade. Em relatório de abril de 2020, de autoria do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, constatou-se que a atual condição de isolamento social, recomendada durante a pandemia do coronavírus, foi extremamente prejudicial para as mulheres, na medida em que foi constatada uma queda significativa das denúncias por violência doméstica em todos os Estados da federação que dependem da presença da vítima para o registro de boletim de ocorrência. O Estado de São Paulo, por exemplo, observou uma queda nos registros de Boletim de Ocorrência de quase 40% em comparação ao ano anterior. Apesar, contudo, da aparente redução, esses números não refletem a realidade, uma vez que, quando observados os registros de atendimento realizados in loco pela polícia militar, em razãode denúncias no 190, constatou-se um aumento de 45% no mesmo Estado de São Paulo, registrando-se, ainda, um crescimento de 46,2% nos casos de feminicídio entre os paulistas[14]. Ademais, na mesma pesquisa, realizada entre os meses de fevereiro e abril de 2020 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, notou-se um aumento de 431% nos relatos de brigas entre casais na rede social “Twitter”, o que significou um universo de 52 mil menções indicando conflitos, dos quais 5.583 se referiam à ocorrência de violência. Tal realidade renova a hipótese de que o ambiente familiar representa, em muitos aspectos, o silenciamento das mulheres e um agravamento da desigualdade de gênero. [15] As pesquisas supra registram as violências mais facilmente identificáveis e perpetradas contra a mulher de forma física. É sabido, no entanto, que muitas mulheres, principalmente no âmbito familiar, são vítimas constantes de violência patrimonial, psicológica e moral. A violência patrimonial, apesar de rastreável em determinadas situações, inclusive judicialmente, nem sempre é vista como tal. O que, por vezes, é entendido como rígida gestão financeira familiar, pode ser um sinal de retenção ou controle sobre os recursos financeiros e bens de determinada mulher. Mesmo em contextos familiares em que a esposa possua ocupação no mercado de trabalho, exercendo atividade profissional e sendo remunerada, é comum que o homem seja o encarregado pela gestão financeira da família, exigindo total controle sobre o dinheiro e bens de sua esposa. Esta situação, além de colocá-la numa condição de submissão, retira-lhe a liberdade e a independência de gestão de seus próprios ativos e satisfação de suas necessidades. Ainda como violência patrimonial, é comum que, em processos judiciais que envolvem disputas familiares, maridos litigantes deixem de pagar pensões alimentícias, destruam documentos pessoais das ex-esposas, desviem bens ou causem danos propositais a objetos pessoais dessa mulher. Estas condutas nada mais servem senão à tentativa de intimidar ou mitigar os meios de defesa da ex-cônjuge. A violência psicológica, por sua vez, além de ser de difícil rastreio, acaba por gerar forte dano emocional e diminuição da autoestima de sua vítima, o que importa em um prejuízo ao desenvolvimento pessoal e profissional de uma mulher. Sob o pretexto de amor, carinho e preocupação, determinados homens utilizam-se de artifícios como o constrangimento, a humilhação, a manipulação, a vigilância constante, chantagens, limitação do direito de ir e vir, distorção e omissão de fatos, questionamento sobre a memória e a sanidade de uma mulher e falsas acusações de traição, para que alcancem/mantenham o poder e o controle em uma relação conjugal. o pensamento sexista continua a apoiar a dominação masculina e a consequente violência. Como uma multidão de homens desempregados e da classe trabalhadora dentro do patriarcado de supremacia branca não sente que tem poder no trabalho, eles são incentivados a sentir que o único lugar onde terão total autoridade e respeito é em casa. Homens são socializados por grupos de homens de classe dominante a aceitar a dominação no mundo público do trabalho e a acreditar que o mundo privado da casa e dos relacionamentos íntimos vai restaurar neles o senso de poder, que eles equiparam à masculinidade. Com mais homens entrando para o grupo de desempregados ou recebendo baixos salários, e mais mulheres entrando para o mercado de trabalho, alguns homens sentem que o uso da violência é a única maneira de estabelecer e manter o poder e a dominação dentro da hierarquia sexista do papel dos sexos. Até que desaprendam o pensamento sexista que diz que eles têm direito de comandar as mulheres de qualquer forma, a violência de homens contra mulheres continuará sendo norma.[16] Assim sendo, a violência de gênero ou a violência familiar pode assumir as mais diversas, complexas, perversas ou sutis formas de violação dos direitos das mulheres, carecendo de especial atenção por parte da sociedade, Legislativo e Judiciário. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: ASPECTOS LEGISLATIVOS A referida violência de gênero e familiar, além de reforçar as estruturas patriarcais existentes na sociedade brasileira, vai de encontro à legislação pátria e os tratados internacionais. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, foi de grande importância para outros documentos que viriam depois, e em seu artigo 7º resguarda que “todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei.” A Declaração inspirou a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), adotada em 1979, a qual foi ratificada por vários países e entrou em vigor somente em 1984. Seu texto é muito rico sobre os argumentos usados para criá-la, e em seu artigo 1º traz o significado de discriminação contra a mulher: Para os fins da presente Convenção, a expressão “discriminação contra a mulher” signicará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.[17] No cenário nacional, com a Constituição de 1988 inaugura-se um Estado Democrático de Direito e consagram-se muitos direitos fundamentais, entre eles a igualdade entre homens e mulheres, capitulado no artigo 5º, I. Assim deu-se uma maior importância ao direito fundamental da mulher e uma formalização às mudanças até então pleiteadas. Com a reforma constitucional de 1988, foram inevitáveis os reflexos no direito das famílias, especialmente embasados nos artigos 226 e 230. Selecionam-se como principais irradiações de sua tábua de princípios a pluralidade das entidades familiares reconhecidas como produtoras de efeitos jurídicos; a quebra das assimetrias discriminatórias por gênero e por geração no plano normativo formal; e a seleção de vulnerabilidades no seio dos eixos conjugal e parental para a especial proteção do Estado. [...] o programa constitucional das relações familiares enfrenta a sexista divisão de poderes impetrada, ao longo do século XX, no Código Civil Brasileiro entre os cônjuges; retira a centralidade jurídica do matrimônio no ordenamento; posiciona-se, contrariamente, à hierarquia patriarcal entre pais e filhos, reconhecendo, enfim, estes últimos como sujeitos de direito; e inclui também a população idosa como vulnerada socialmente.[18] A cautela do constituinte a respeito das relações familiares foi tamanha, que entendeu que o reconhecimento da igualdade de gênero, previsto no artigo 5º, I, da Constituição da República Brasileira de 1988, não seria suficiente para o combate dos contrastes conjugais e parentais até então chancelados pelo Estado, optando por renovar, explicitamente, tal direito no seu artigo 226. Outro importante documento é a Convenção Interamericana de Prevenção e Erradicação da Violência Contra a Mulher, denominada Convenção de Belém do Pará, de 1996. Em seus artigos 3º e 4º dispõe que toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto na esfera pública quanto na privada[19]. “Toda mulher tem direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e proteção de todos os direitos humanos e liberdades consagrados em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos”[20]. Segundo Albuquerque e Barbosa, “à medida em que se incorpora esses Atos Internacionais ao ordenamento jurídico brasileiro, passa a se tornar norma de cumprimento obrigatório, gerando para os cidadãos o direito de recorrer às instâncias internacionais de direitos humanos contra o Estado brasileiro, como foi o caso de Maria da Penha”[21]. Em 2006 surgiu a Lei 11.340/2006 – conhecida como Lei Maria da Penha –, a qual sobreveio como resultado de um arcabouço teórico de 30 anos de estudo, ebuscou dar um novo paradigma de atenção às mulheres, especialmente no que diz respeito à violência doméstica. Com a identificação de novas formas de violência e a necessidade de proteção de determinadas vulnerabilidades, fizeram-se necessárias atualizações legislativas. Em 2012, a Lei 12.737/2012[22], também conhecida como Lei Carolina Dieckmann, inspirada na divulgação de fotos e conversas íntimas sem consentimento da atriz, alterou o Código Penal para prever a tipificação de crimes virtuais e delitos informáticos. Além disso, a Lei nº 12.650, de 17 de maio de 2012, inspirada na história de Joanna Maranhão, definiu que “o prazo de prescrição dos crimes de abuso sexual, praticados contra crianças e adolescentes, só começará a ser contado a partir da data em que a vítima completar 18 anos”[23]. Em 2013, a Lei nº 12.845/2013, igualmente conhecida como Lei do Minuto Seguinte, “dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual”[24]. Em 2015, a Lei 13.104/2015, que também atende por Lei do Feminicídio, altera o Código Penal e prevê “o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio”[25], e inclui o mesmo tipo no rol dos crimes hediondos. Por fim, em 2021, adveio a Lei 14.132/2021, identificada como Lei do Stalking, que inseriu o artigo 147-A no Código Penal, tipificando a prática de perseguição, conhecida pela palavra de origem inglesa stalking, e revogou o artigo 65 da Lei das Contravenções Penais, que previa a infração penal de Perturbação à Tranquilidade. A palavra inglesa stalking pode ser traduzida como "perseguição" ou "ficar à espreita". Segundo a definição estabelecida por Castro e Sydow, "trata-se de curso de conduta de importunação, caracterizado pela insistência, impertinência e habitualidade, desenvolvido por qualquer meio de contato, vigilância, perseguição ou assédio[26]." O stalking, por sua vez, refere-se à conduta de perseguição, quando o agente, com o intuito de causar medo ou amedrontar uma vítima, segue um padrão de perseguição, assédio, contato ou qualquer outra conduta dirigida à mesma[27]. O agente coleta grande quantidade de dados a respeito da vítima e utiliza estas informações para lhe causar prejuízo, que pode advir de ameaças, comunicações repetidas, perseguição inesperada, dentre outros. Assim como o bullying, a prática também pode ocorrer em âmbito virtual, denominando-se cyberstalking, e tem nas mulheres as suas principais vítimas. De acordo com Matzembacher e Stoco, “no cyberstalking a vítima é perseguida e amedrontada por intermédio de redes sociais, e-mail, páginas pessoais, blogs, dentre outros. O agente normalmente vale-se de informações publicadas pela vítima em suas próprias redes sociais”[28]. Para as autoras, no cyberstalking “a vítima passa a ter receio de desenvolver suas atividades corriqueiras com medo de que alguém a prejudique de alguma forma, e tal fato gera prejuízos ao sono, ao correto desenvolvimento de suas atividades diárias, fobias e até ataques de pânicos”[29]. Em que pese as constantes tentativas de alteração e esvaziamento das legislações de proteção à mulher e às vítimas de violência doméstica, entidades sociais e movimentos feministas têm conseguido impedir uma série de retrocessos. AS NOVAS FORMAS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS: CONCILIAÇÃO E CONSTELAÇÃO FAMILIAR NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA Diante das várias questões e complexidades que envolvem o tema da violência doméstica e do histórico de submissão e subalternidade a que essas mulheres são submetidas durante grande parte da sua vida, algumas novas perspectivas e alternativas vêm sendo pensadas e instituídas no âmbito preventivo e também normativo para responder a tal problemática. No âmbito preventivo e de apoio temos vários projetos propostos pela área política, como: a criação da Rede de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, composta por: Centros de Referência; Casas-Abrigo; Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher; Defensorias da Mulher; Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher; e a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180). Esses serviços constituem a “porta de entrada” para mulheres em situação de violência, objetivando uma assistência articulada, qualificada e não revitimizante. É importante que os movimentos de mulheres e a sociedade civil organizada estejam atentos à efetivação da Lei 11.340/2006 e a todos os mecanismos de enfrentamento à violência contra mulher. Há, também, no âmbito do Poder Judiciário, novas formas de resolução dos conflitos que visam a auxiliar ou responder aos índices alarmantes de violência no âmbito doméstico. Sabe-se, segundo Sales e Rabelo que os métodos alternativos/consensuais/ adequados de resolução de conflitos não foram criados ou aprimorados para substituir o modelo tradicional de utilização do sistema judicial, nem para descongestioná-lo (não havendo, inclusive, qualquer relação de hierarquia entre o Poder Judiciário e os mecanismos consensuais), mas sim para propiciar opções viáveis, alternativas para as pessoas que buscam soluções diferenciadas, específicas, e, talvez, especializadas para suas distintas inter- relações. A questão, portanto, é de adequação e não de hierarquia. O fundamental é que cada mecanismo de solução seja adequado ao tipo de conflito, a depender da especialidade fática de cada questão. Os itens seguintes discorrem sobre as particularidades de cada mecanismo de solução[30]. Os meios consensuais de resolução de conflitos mostram-se como estratégias não só para a legitimação da solução do conflito em si, mas, também, para possibilitar um manejo mais adequado de alguns conflitos bem como para conferir maior efetividade para a solução encontrada, uma vez que o acordado entre as partes possui maior possibilidade de ser cumprido espontaneamente. Além de reduzir custos da demanda, viabilizar o empoderamento e o reconhecimento das partes, possibilita reaproximações e contribui para a alteração de padrões dialógicos entre os envolvidos, dado o seu caráter pedagógico. Tais soluções para os conflitos são diversas quando se visa a alcançar uma forma consensual de sanar os problemas gerados, todavia, no âmbito da violência doméstica, essas “alternativas” são extremamente criticadas por grande parte dos estudiosos do tema, sendo o principal argumento o de que a mulher estaria em desigualdade na relação, logo não seria o caso de aplicação destes institutos. Neste texto, em especial, focar-se-á na conciliação e na constelação familiar. 4.1 CONCILIAÇÃO A conciliação é um método de solução de conflitos em que um terceiro imparcial e capacitado conduzirá e estimulará negociações entre os envolvidos em uma sessão, sem relações pessoais e interpessoais entre eles, com o objetivo essencial de alcançar um acordo, podendo o conciliador, inclusive, propor sugestões e participar a fim de chegarem à solução do conflito[31]. A partir do exposto, percebe-se que é um processo técnico, não formal, pertencente à forma autocompositiva, que apresenta formato consensual para resolução do conflito, extinguindo-o mediante consolidação de um acordo. Para isso, há um terceiro imparcial que, por intermédio de perguntas, questionamentos, propostas e sugestões, orienta e auxilia as partes a encontrar soluções que possam atender aos seus interesses.[32] Tal instituto existe, também, em outros países, mas trata-se de uma prática antiga no Brasil, desde a Constituição do Império. O conciliador é uma pessoa da sociedade que atua de forma voluntária e, após treinamento específico, como facilitador do acordo entre os envolvidos, cria um contexto propício ao entendimento mútuo, à aproximação de interesses e à harmonização das relações. A conciliação é um método utilizado em conflitos mais simples, ou restritos, no qual o terceiro facilitador pode adotar uma posição mais ativa, porém neutra com relação ao conflito. É um processo consensual breve, que busca uma efetiva harmonização social e a restauração, dentro dos limitespossíveis, da relação social das partes. O conciliador visa à harmonização entre os conflitantes, guiando para que eles mesmos cheguem a um acordo por meio do diálogo. A chamada justiça da conciliação favorece o processo da paz social e coletiva ao estimular a cultura do diálogo e tornar a justiça mais efetiva e rápida, reduzindo o número de conflitos litigiosos e o tempo para análise dos processos judiciais, solucionando seus problemas dentro de um cenário. Para Sales e Rabelo, no Direito brasileiro, “há a coexistência de dois tipos de conciliação: a Conciliação judicial, disposta em lei e acima mencionada, e a Conciliação extrajudicial”[33]. Esses dois tipos de conciliação se distinguem na medida em que, na primeira, há a existência de um conciliador determinado pelo Poder Judiciário. Muitas vezes, o fato de a conciliação acontecer em sede de processo judicial acaba por ser marcada pelo formalismo e pelo tom adversarial.[34] Segundo Sales e Rabelo, “na Conciliação extrajudicial, as partes desejam e elegem um terceiro experiente para a condução do conflito. A conciliação extrajudicial com base na cooperação se aproxima da mediação”[35]. E é muito comum a confusão entre os procedimentos. Tanto na primeira quanto na 1 Artigo 277 (procedimento sumário) e artigo 331 (procedimento ordinário). “Na segunda percebe-se um processo construtivo de decisão, em que a titularidade da mesma remanesce com as partes”.[36] Possuem, entretanto, como principal nota de divergência o fato de que o mediador não sugere soluções para o conflito, pois tem a função de facilitar o diálogo, estimulando as partes a encontrarem autonomamente a solução, ao passo que o conciliador pode apresentar propostas de solução, de acordo com o que foi discutido pelas partes. Nesse sentido, o objetivo maior da conciliação é a composição das partes para finalizar uma demanda, quer judicial, quer extrajudicial. A distinção também passa, necessariamente, pela abordagem do conflito de justiça[37]. A conciliação, de acordo com Vasconcelos, mostra-se como uma atividade mediadora focada no acordo, com a particularidade de que um conciliador exerce uma autoridade hierárquica com vistas à conciliação[38]. Como procedimento, a conciliação é mais rápida do que uma mediação transformativa, porém muito menos eficaz, pois a “conciliação trata superficialmente da questão trazida pelos interessados e enfoca os aspectos objetivos e limitados da controvérsia”.[39] Sabe-se que o Código de Processo Civil prestigia as audiências de conciliação no sentido de evitar litígios, mas a normativa não pode se sobrepor aos princípios consagrados pela Constituição Federal relativos à dignidade da pessoa humana e dele derivados, principalmente no que se refere à violência doméstica, ou seja, não é obrigatória a designação de audiência de conciliação na área de direito de família entre réu e vítima. Assim decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, em liminar proferida após recurso interposto pela Defensoria Pública contra decisão de primeiro grau, que havia determinado a realização da audiência, mesmo com manifestação contrária da vítima. A decisão foi concedida pelo desembargador José Carlos Ferreira Alves, da 2ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, após a defensora pública, Vanessa Chalegre França, que atuou no caso, ter observado que a decisão de primeira instância estava em desacordo com as leis brasileiras e os pactos internacionais assinados pelo Brasil. Nesse sentido, mesmo que o Código de Processo Civil determine que, nas ações de família, deve-se empreender esforços para a soluções consensuais de conflito, as tentativas de conciliação não devem ocorrer em casos de violência doméstica para evitar lesão a direitos fundamentais[40]. Embora realmente haja um estímulo para soluções consensuais nas ações de família, não faz sentido obrigar que uma mulher encontre com o ex- companheiro de quem alega ser vítima de violência doméstica. Hoje, o Brasil tem duas legislações conflitantes em casos de violência contra a mulher. A primeira é a Lei Maria da Penha, que já prevê a possibilidade de quem foi agredida solicitar não ser ouvida na presença do agressor. Existe, porém, o artigo 334 do Código de Processo Civil (CPC), que, junto a legislação das Varas de Família, preconiza que as partes tentem uma conciliação antes que tenha início o litígio. Mesmo diante deste conflito, tal argumento de não realizar a conciliação se justifica porque o Brasil ocupa a quinta posição no ranking com 83 nações entre os países que possuem o maior índice de homicídios femininos, com 4,8 assassinatos em 100 mil mulheres. Acredita- se que é necessário formular mais ativamente as medidas de prevenção, proteção e punição existentes para o enfrentamento dos agressores da violência contra a mulher, independentemente de seu vínculo. É preciso promover a compreensão da lei e o conhecimento dos programas governamentais existentes no país.[41] 4.2 CONSTELAÇÃO FAMILIAR A constelação familiar conquistou espaço no Brasil e no ordenamento jurídico brasileiro com o advento da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça e do Código de Processo Civil de 2015. Hoje sua técnica e aplicação é reconhecida como justiça sistêmica e vem sendo utilizada por alguns magistrados no Brasil. Essa visão sistêmica, aliada à técnica da constelação familiar, é ferramenta que visa a amparar as partes em um conflito, mas também é criticada nos casos envolvendo violência doméstica. Seus defensores argumentam que ela possibilita, principalmente ao agressor, compreender as razões e/ou a origem da sua agressividade ou violência. Isto é, a constelação familiar não possui, por si só, o objetivo de resolver o conflito, mas é um instrumento que proporciona às partes envolvidas identificarem a sua origem. Segundo Sami Storch, o chamado “Direito sistêmico” ou “justiça sistêmica”, é uma abordagem sistêmica e fenomenológica, originalmente usada como forma de terapia, segundo a qual diversos tipos de problemas enfrentados por um indivíduo (bloqueios, traumas e dificuldades de relacionamento, por exemplo), podem derivar de fatos graves ocorridos no passado não só do próprio indivíduo, mas também de sua família, em gerações anteriores, e que deixaram uma marca no sistema familiar. Mortes trágicas ou prematuras, abandonos, doenças graves, segredos, crimes, imigrações, relacionamentos desfeitos de forma “mal resolvida” e abortos são alguns dos acontecimentos que podem gerar emaranhamentos no sistema familiar, causando dificuldades em seus membros, mesmo em gerações futuras. A abordagem sistêmica, segundo Hellinger, considera a existência de uma alma familiar.[42] A origem de tal técnica é do filósofo, teólogo e terapeuta alemão Bert Hellinger, nascido em 1925. Este teórico é um dos pensadores contemporâneos que mais desenvolveu, do ponto de vista teórico, os princípios do funcionamento dos seres humanos em sistemas[43]. Conforme este autor, e a “partir da experiência de seres humanos em processos terapêuticos, estabeleceu-se um conjunto de leis sistêmicas, ou ordens, como ele mesmo prefere denominar, que regem os relacionamentos humanos”.[44] No entendimento de Lorenzi e Vulcanis, foi nas experiências terapêuticas, desenvolvidas no curso do século 20 por diversos psicólogos e terapeutas mundiais, dentre elas as dinâmicas de grupos, a terapia primal, a análise transacional, a hipnose e a programação neurolinguística, que Hellinger se baseou e adotou-as em sua atuação profissional como missionário junto as comunidades Zulus, na África, a partir do que desenvolveu, por observação, concepções teóricas e ontológicas acerca do funcionamento da vida humana em sistemas[45]. Tais observações possibilitaram e deram origem às chamadas Constelações Familiares, que objetivam, de modo fenomenológico e sistêmico, a representação de conflitos familiares e a consequente percepção pelos pacientes, denominados constelados, das dificuldades emocionais e origem dos conflitos existentes em seus casos concretos[46].Esta técnica passou a ser utilizada em diversas áreas, servindo, de um modo geral, para ampliar o diálogo entre os sujeitos que possuem restrições de caráter relacional em razão de relações familiares mal-elaboradas emocionalmente, restringindo as suas formas de interagir nos seus ambientes de trabalho. O Direito, ao se utilizar da referida técnica, visa o diálogo entre as partes. Sabe-se, no entanto, que nem todas as demandas são passíveis de serem mais bem resolvidas ou de terem seu potencial de conflito minimizado mediante a utilização de meios consensuais para resolução de seus conflitos. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, com o objetivo de esclarecer para as partes envolvidas o que está por trás do conflito e buscar caminhos para a pacificação social, a constelação familiar e a visão sistêmica são empregadas, geralmente, em questões de dificuldades de relacionamento, mortes na família, separações, tragédias, doenças, problemas financeiros, heranças, traumas e vícios[47]. Atualmente, elas vêm sendo aplicadas em diversos Estados brasileiros e no Distrito Federal.[48] Embora haja experiências exitosas em alguns Estados e comarcas do Brasil e outras nem tanto, certo é que demandas envolvendo questões familiares são complexas e exigem, muitas vezes, o diálogo, a descoberta e a compreensão da origem do problema.[49] Já a aplicação de resolução consensual de conflitos, nas questões envolvendo pontualmente a violência doméstica, exigem muito cuidado, preparo, estudo e acompanhamento psicológico para não se propor nenhuma alternativa que contribua ou que possa desencadear a impunidade dos agressores ou, até mesmo, o assassinato da vítima. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante dos argumentos apresentados, percebe-se que, apesar de vasto arcabouço legislativo de proteção à mulher, o contexto de violência doméstica ainda é preocupante no Brasil e evidencia uma cultura patriarcal preponderante nas relações familiares. Quando são alvos de conflitos e judicializadas, as relações familiares costumam encontrar propostas de meios consensuais, entre elas a conciliação e a constelação. Estas propostas possibilitam um manejo mais adequado de alguns conflitos, uma vez que costumam apresentar um caráter pedagógico ou possibilitar o cumprimento espontâneo de determinado acordo. Observou-se, entretanto, que há certa discordância doutrinária e jurisprudencial quanto à possibilidade da prática da conciliação nos casos com registros de violência doméstica, dado que a mulher, por força da relação patriarcal, não estaria apta para participar em condições de igualdade com a outra parte envolvida. Assim, entendeu-se que se faz necessária uma articulação de medidas de prevenção, proteção e punição de forma ativa para garantir que a lei e os programas sociais sejam interpretados de modo a assegurar um efetivo combate à violência doméstica e seus agressores. Por fim, ainda que aplicada a conciliação ou a constelação em casos de violência doméstica, é certo que o terceiro facilitador necessitará de cuidados especiais para lidar com o conflito e evitar a impunidade do agressor ou um agravamento da violência existente. CANDIDATURAS FEMINISTAS: ASSESSORIA JURÍDICA COMO UMA VERTENTE DE ADVOCACY FEMINISTA PARA ELEIÇÃO DE MULHERES Gabriela Siqueira Ho[50] 1. INTRODUÇÃO Atualmente, o eleitorado brasileiro é composto por volta de 52% de mulheres, e apesar da predominância no direito de votar, percebe-se uma discrepância quando se trata da quantidade de mulheres votantes e sua respectiva representatividade. Menos de 8 mil mulheres foram eleitas para mandatos nas câmaras municipais nas eleições de 2016 e somente 636 mulheres foram eleitas para governar, o que representa apenas 11,6% das prefeituras do país e em municípios com menor densidade populacional e menor renda per capita[51]. Verificando assim, uma evidente limitação nas instituições vigentes, que naturalizam e reproduzem a desigualdade de gênero, perpetuando o patriarcado. Portanto, o aumento da participação das mulheres nas diversas áreas da sociedade não acarretou a sua inserção plena em igualdade aos homens, pois ainda encontram diversas barreiras na ordem estabelecida. As mulheres ainda deparam-se com situações discriminatórias que não fazem parte da vivência dos homens, como o assédio sexual, um conjunto de constrangimentos que tornam o trabalho assalariado na condição feminina, uma tarefa muito mais árdua para as mulheres do que para os homens, que a séculos dominam todos os níveis de hierarquia. Além disso, a falta de políticas públicas que apoiem e ofereçam recursos às mulheres que desejam adentrar no ambiente público, se mostram como mais um fator de distanciamento das mulheres das diversas instituições, aqui em principal, da política, visto que em sociedades, como o Brasil, na divisão dos papéis sociais ainda prevalecem as condições convencionais de gênero, nas quais, a maioria do trabalho de cuidado e criação dos filhos, depende da mulher, estimulando a possibilidade de maior disponibilidade de tempo aos homens, que crescem em suas carreiras e têm oportunidade de adentrar na política. No entanto, vale ressaltar que, em qualquer perspectiva, seja no campo do trabalho, da política, ou do espaço doméstico, é evidente a persistência de uma convenção de gênero interligada com uma convenção de raça, marcando mais desigualdades no país quando trata-se da mulher negra, visto que pela ideia de interseccionalidade[52], as situações de discriminação são vivenciadas de formas diferenciadas se consideradas as mulheres negras e brancas. Dessa maneira, objetiva-se, analisar no presente artigo, como a mulher insere-se na política brasileira, visto que o Brasil é um país marcado por desigualdades profundas e por uma sociedade sexista e conservadora. E como a advocacy feminista, por meio da concretização de direitos, estaria apta a combater a desigualdade de gênero no âmbito da política, pautando-se em uma assessoria jurídica voltada à candidatura de mulheres, citando como exemplo no presente, o projeto partidA, de Márcia Tiburi, movimento feminista que surgiu em 2015, visando a possibilidade de um partido feminista no Brasil. Para o desenvolvimento deste trabalho, utilizou-se o método dedutivo, a partir da abordagem geral da inserção da mulher nos ambientes públicos e da atual participação das mulheres brasileiras na política, para o estudo específico da prática de uma assessoria jurídica para a candidatura de mulheres como uma vertente de uma advocacy feminista, e as perspectivas e desafios que envolveriam essa atuação. Além desse método, foi utilizada a pesquisa bibliográfica, em principal o estudo da obra “Feminismo e Política”, de Luis Felipe Miguel e Flávia Biroli, o projeto partidA e o entendimento sobre democracia por Marcia Tiburi, bem como os preceitos de Marlene Libardoni e Leia Linhares Barsted no que tange à advocacy. Para tal fim, o artigo em questão apresenta-se por meio de três tópicos, no tópico 2, abordado em seguida, trata-se da transição da mulher do âmbito privado ao público, retratando a persistência de limites à igualdade de oportunidades, recursos e participação da mulher na política, numa vinculação significativa de classe, raça e gênero, sendo este o indissolúvel “nó de Saffioti”. Logo após, no tópico 3, discorre-se sobre o cenário atual da participação da mulher na política brasileira, e como a decisão sobre leis e políticas realizadas no Brasil, que afetam diretamente as mulheres, ainda é feita por homens e para homens, evidenciando a necessidade de transformações profundas nessa estrutura. Ato contínuo, conceitua-se no tópico 4, o que seria uma advocacy feminista, e como uma assessoria jurídica para candidaturas de mulheres seria a concretização de uma vertente da advocacia feminista. 2. DO PRIVADO AO PÚBLICO: A DUPLA JORNADA DE TRABALHO DAS MULHERES BRASILEIRAS O aumento da participação das mulheres em diversas áreas da sociedade e a demasiada persistência de barreiras à igualdade de oportunidadesà participação no âmbito público, demonstram como as relações de gênero atravessam toda a sociedade e seus efeitos não são associados somente às mulheres, no entanto, vale ressaltar que as afetam de forma mais acentuada. As desigualdades nas experiências no mundo social, atendem a padrões de gênero, “ainda que o gênero não o faça isoladamente, mas numa vinculação significativa com classe, raça e sexualidade”.[53] Sendo assim, conforme Heleieth Saffioti (2004), “a mulher se mostra relevante em sua atuação, segundo o preconceito étnico-racial, e, mais seguramente, na relação de gênero e na de classes sociais. O importante é analisar estas contradições na condição de fundidas ou enoveladas [...] em um nó”[54]. A análise das relações de gênero não pode, dessa maneira, existir sem as outras duas ordens supracitadas, que os unifica em um nó indissolúvel. Pois, se as mulheres da classe média ainda enfrentam dificuldades para adentrar no mercado de trabalho, “as mulheres pobres estiveram desde sempre integradas ao mundo do trabalho, ainda que sempre em condições precárias”[55]. Isto posto, se a esfera pública abriga uma impessoalidade, e a privada, por sua vez, possui um caráter mais pessoal, interligada com a percepção de um profissionalismo como sendo o oposto de uma “feminilidade” que é imposta às mulheres pela sociedade, colaboram para uma grande desvantagem às mulheres que pretendem adentrar na política, em outras palavras, “a análise crítica das relações de poder nas esferas convencionalmente entendidas como não públicas ou não políticas é necessária para se compreenderem as consequências políticas dos arranjos privados”[56], dessa maneira: Embora essas dimensões da realidade tenham enorme impacto nas oportunidades dos indivíduos e mesmo na vida que imaginam e buscam para si, sobretudo nas camadas mais pobres da população, não são temas que estejam recebendo a atenção da maioria das abordagens na teoria política. A esfera privada e, sobretudo, o âmbito das relações familiares afetivas e domésticas, não existem ou não são construídos como variável política relevante para a maior parte das correntes e dos estudos. (MIGUEL; BIROLI, 2014, p. 12)[57] Neste contexto de maior entrada das mulheres no mercado de trabalho, verifica-se uma relevante mudança, sendo esta, o aumento de mulheres apontadas como chefes de família, e é constatado que na proporção de mulheres que chefiam famílias, é maior esse fenômeno nas famílias chefiadas por mulheres negras, visto que, em 2009, 51,1% de famílias, são dirigidas por mulheres negras. Destaca-se, que nestes casos, as piores condições de renda são das famílias chefiadas por mulheres negras, sendo que, 69% possuíam, em 2009, renda familiar de até um salário-mínimo. Vale ressaltar que, entre as chefes de família, há uma tendência maior ao desemprego das mulheres negras, em 2009, a cada cem negras chefes de família, onze estavam desempregadas, sendo que esse número baixava para sete, entre as brancas, evidenciando os obstáculos que estão presentes na busca pela inserção equânime da mulher negra na sociedade. (MARCONDES; PINHEIRO; QUEIROZ; QUERINO; VALVERDE, 2013). [58] Isto posto, verifica-se que “é impossível descolar a esfera política da vida social, a vida pública da vida privada, quando se tem como objetivo a construção de uma sociedade democrática”[59]. Nesse sentido, uma democracia na qual todos os grupos representativos tivessem lugar no parlamento, por meio de uma reforma política que contemplasse as desigualdades de gênero, raça e classe, seria capaz de acionar uma nova politização no país, nas palavras de Marcia Tiburi (2016): A democracia é um processo que precisa ser construído desde dentro, desde o mais miúdo cotidiano, desde a estrutura das instituições, mas também desde as subjetividades comprometidas com a sua construção, aquelas subjetividades preparadas para a dimensão social da vida. (TIBURI, 2016).[60] Sendo assim, há um problema na efetivação plena dessa democracia, anteriormente exposta, no regime democrático atual. Quando grupos minoritários, como mulheres, são expostos a pressões e constrangimentos que não fazem parte do cotidiano dos homens, como o assédio sexual, entende-se como as instituições da sociedade, ainda dominada pelos homens, e as diversas responsabilidades de cuidado que recaem sobre as mulheres, “tornam a experiência do trabalho assalariado mais penosa para as mulheres do que para os homens, o que, de forma diferentes, ocorre em todos os níveis da hierarquia de ocupações”. (MIGUEL; BIROLI, 2014, p. 11). Sendo assim, embora as mulheres apresentem um melhor desempenho educacional, visto que, entre “as matrículas no ensino superior, em 2009, quase 60% eram de pessoas do sexo feminino”[61], elas ainda enfrentam obstáculos no que tange os retornos salariais e empregatícios esperados, lembrando que, as mulheres, em seu conjunto, tiveram a maior taxa de crescimento nas faixas superiores de escolaridade, sendo que as mulheres negras acompanharam esse perfil de crescimento feminino. Entretanto, ao se observar os valores atingidos pelas negras em 2009, nota-se que só agora estas atingiram, nas faixas mais elevadas, valores próximos àqueles que as brancas tinham em 1995. As desvantagens das mulheres negras em relação às brancas eram tão elevadas no ponto de partida, que, mesmo tendo um bom crescimento ao longo do período considerado, elas ainda se mantêm bem longe de se assemelhar ao perfil das mulheres brancas ocupadas e mais escolarizadas. (LIMA; RIOS; FRANÇA, 2013, p. 62)[62] Considerando este fato, quando trata-se das mulheres negras no mercado de trabalho é necessário visualizar a questão por meio da compreensão da interseccionalidade, visto que ainda existe uma forte concentração de mulheres pretas e pardas no serviço doméstico, de prestação de serviços e em trabalhos relacionados à indústria, ou seja, as políticas educacionais atingiram as mulheres, e incrementaram a realização educacional das mulheres negras, mas não o suficiente para eliminar as desigualdades neste campo, resultando em desvantagens no posicionamento das mulheres negras em cargos de poder (LIMA; RIOS; FRANÇA, 2013)[63]. Dessa maneira, quando essas questões não são discutidas na sociedade e na seara política, elas se tornam cada vez mais marginalizadas, silenciando o impacto do gênero e da raça na posição social dos indivíduos e sobre sua relação na posição de hierarquias existentes na sociedade. Ou seja, esse silêncio serve como artifício para a manutenção das relações de poder no âmbito doméstico, no mundo do trabalho e no mundo da política, sendo particularmente produtivo, ou seja, contribui para a preservação do status quo e acabam por delimitar muitas reflexões que justificam as coisas como elas são. (MIGUEL; BIROLI, 2014)[64] Conforme dados produzidos no 1º turno das eleições de 2020, pelo Tribunal Superior Eleitoral, apenas 33,6% foram as candidaturas de mulheres[65], a sub-representação feminina, além de decorrer de séculos de discriminação imposta ao gênero feminino, é também resultante da falta de suporte à candidaturas de mulheres, a falta de creches e de políticas públicas que conciliem a rotina de trabalho e cuidado penaliza as mulheres, visto que, como anteriormente tratado, o Brasil encontra-se em um sociedade na qual a divisão social do trabalho permanece imbricada nas relações convencionais de gênero, o impacto dessa divisão desigual do trabalho e do usufruto do tempo – o tempo semanal dedicado pelas mulheres ao trabalho doméstico no Brasil seria, segundo pesquisas recentes, 150% maior que o tempo dedicado pelos homens – se desdobra em injustiça distributiva e barreiras à igualdade nas oportunidades, [...]. Deixando para trás os estereótipos que definiam as mulheres como menos interessadas na política, é preciso considerar essas desigualdades para compreender por que elas continuam subrepresentadas, como grupo, em todos os âmbitos da política brasileira. (MIGUEL; BIROLI, 2014, p. 12)[66] Dessa maneira, as instituições patriarcaisde dominação masculina, engendram a submissão da mulher na esfera doméstica, sendo a sua exclusão da esfera pública decorrente dessas estruturas sociais[67]. Logo, desde as reivindicações de feministas de séculos passados, como as de Mary Wollstonecraft, em sua obra, “Uma vindicação dos direitos da mulher”, publicada em 1792, em que ela sistematiza suas reflexões sobre a “necessidade de e os obstáculos para a emancipação das mulheres”[68], permanecem as barreiras para a igualdade de gênero, e crescem cada vez mais os mecanismos de reprodução da dominação masculina, sendo assim, [...] a defesa de relações mais justas e democráticas na esfera privada leva a refletir sobre os papéis convencionais de gênero e a divisão do trabalho, expondo suas implicações para a participação paritária de mulheres e homens na vida pública. Relações mais justas na vida doméstica permitiriam ampliar o horizonte de possibilidades das mulheres, com impacto em suas trajetórias pessoais e suas formas de participação na sociedade. O âmbito das relações familiares e íntimas pode ser também o da distribuição desigual das responsabilidades sobre a vida doméstica e sobre as crianças, dos estímulos diferenciados que favorecem um maior exercício da autonomia, no caso dos homens, e a obediência ou o engajamento em relações que cultivam uma posição de dependência e subordinação para as mulheres. (BIROLI, 2014, p. 34)[69] Isto posto, as barreiras para o desempenho do trabalho remunerado e da entrada da mulher no âmbito público, são, além de resultados de estereótipos que produzem instituições predominantemente masculinizadas, que discriminam as mulheres, como o tempo que as mulheres dedicam ao trabalho não remunerado realizado na esfera doméstica, ou seja, elas enfrentam as barreiras da dupla jornada de trabalho, visto que continuam ter a responsabilidade na criação dos filhos e no trabalho em casa, vale ressaltar que, em consequência, “é esse trabalho feminino que permite que o homem seja liberado para atender a exigências profissionais que lhe permitem maior remuneração e a construção de uma carreira, assim como para usufruir o tempo livre”[70]. Convém ainda, ressaltar que as mulheres negras, além disso, se encontram como o grupo mais desfavorecido nesses processos de inserção no âmbito público, visto que sofrem as opressões de raça e gênero, possuindo assim, mas dificuldade em transformar suas aquisições educacionais em melhores rendimentos e posicionamentos no mercado de trabalho, permanecendo em maior quantidade nas ocupações de menor prestígio na sociedade. (LIMA; RIOS; FRANÇA, 2013)[71] 3. A REPRESENTATIVIDADE FEMININA NA POLÍTICA BRASILEIRA O movimento feminista, por meio de sua atuação na sociedade ao longo dos anos, realizou diversas conquistas na busca da emancipação das mulheres, como o acesso à educação, o direito de votar e de se candidatar, agentes importantes nessa mobilização como Nísia Floresta e Bertha Lutz, entre outras mulheres, desbravaram a luta feminista no brasil, mostrando que o lugar da mulher é também nos centros de decisão do país. No entanto, o poder no Brasil, ainda é ocupado majoritariamente por homens, reproduzindo assim, a representatividade ínfima da mulher na política brasileira, ou seja, o poder sobre as decisões públicas, que deveria ser neutro em relação a gênero, é marcadamente masculino, o que resulta em pouca sensibilidade no mundo político diante de assuntos importantes para a qualidade de vida das mulheres. E, por outro lado, abala a representatividade das instituições políticas nas quais são tomadas as decisões que afetam a vida da nação. (SENADO FEDERAL, 2015, p. 18)[72] Após anos de luta, há exatos 87 anos, as mulheres brasileiras conquistaram o direito ao voto, direito consolidado na Constituição de 1934, desde então, a luta continua no sentido de garantir o espaço da mulher na política brasileira, no entanto, Vale lembrar que a mulher negra ainda é sub- representada no parlamento. Dados do censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que existem no Brasil cerca de 97 milhões de pessoas negras (que se declararam pretas ou pardas), correspondendo a 50,94% do conjunto da população. Levantamento da Câmara dos Deputados, em 2014, mostra que foram eleitos 106 candidatos que se autodeclararam pardos ou negros, representando 20,7% do total; os brancos foram 407 (79,3%). Por qualquer critério que se utilize, o percentual de negros ou pardos alcançado na Casa está bem distante do percentual para o Brasil, 50,7% dos brasileiros (dado do IBGE, também obtido por autodeclaração). Na história do Senado Federal houve três senadoras negras: Laélia Alcântara, Benedita da Silva e Marina Silva. (SENADO FEDERAL, 2015, p. 20)[73] Portanto, diante da situação atual, entende-se que a luta pela ampliação da participação efetiva das mulheres no cenário político é árdua e lenta. Ressaltando, o quão preocupante se faz essa falta de representatividade feminina nos setores sociais, em principal, na política. Afinal, a posição de agente participativo da mulher demonstra-se fundamental para a garantia de sua liberdade e, consequentemente, de seu poder de livre escolha. Deve-se, assim, atentar para a concretização desses institutos. (SALIBA; SANTIAGO, 2016, p. 94)[74] O Brasil contou com a conquista inédita da eleição de uma mulher para a presidência, no entanto, apesar da eleição da ex-presidenta Dilma Rousseff para este cargo de poder, não foi superada a sub-representatividade das mulheres na política, visto a misoginia presente no seu governo e também no seu processo de impeachment, sendo assim: A democracia plena, portanto, não foi atingida no governo Dilma, mesmo com a eleição de uma mulher para assumir o cargo de governante do país. Afinal, durante seu governo, esta sofreu diversos tipos de violência, mesmo que simbólicas, simplesmente pelo fato de ser mulher. Nota-se, então, como a misoginia opera na sociedade patriarcal brasileira, diminuindo a mulher e não conferindo a esta um tratamento digno e humano. (SALIBA; SANTIAGO, 2016, p. 96)[75] Dessa maneira, “um dos principais inimigos do governo Dilma foi a misoginia, o discurso de ódio que ultrapassa comportamentos machistas cotidianos, chegando ao ponto de extirpar do poder uma mulher eleita democraticamente” (SALIBA; SANTIAGO, 2016, p. 97)[76], e decorre dessa realidade o fato da política representar um campo masculino, afastando as mulheres da sua atuação na sociedade de forma plena e da ocupação de cargos de poder. Além disso, ao direcionar o olhar para o espaço em que ocorreu a votação do processo de impeachment da ex-presidenta Dilma, verifica-se que ele era majoritariamente composto por homens brancos, cisgêneros e heterossexuais, desmitificando a concepção de democracia racial atual que afasta a população negra do debate político e afasta cada vez mais as mulheres negras do poder. (MEDONÇA, 2016)[77]. Por consequência, a “variável racial produz subalternidade, e incidem sobre as mulheres negras dois eixos de opressão, as mulheres negras habitam um espaço vazio, que se sobrepõe às margens da raça e do gênero, o chamado terceiro espaço” (SOUTO; CALAÇA, 2021, p. 61)[78], refletindo em todas os âmbitos de poder, visto que nas “eleições de 2018, dos 513 deputados eleitos para a Câmara dos Deputados, apenas 13 são negras; no Senado Federal, o ambiente é ainda mais excludente, dos 81 senadores, apenas 2 são mulheres negras” (SOUTO; CALAÇA, 2021, p. 61)[79]. Sendo assim, às mulheres negras são determinados papéis na estratificação social, e mesmo com as tentativas de maior representatividade das mulheres negras na política e nos parlamentos, verifica-se uma violência contra a mulher na política, utilizada como tática para que a participação dessas mulheres seja dissuadida, como por exemplo, o processo de impeachment da presidenta Dilma, e o marcante assassinato da vereadora eleita em 2016, Marielle Franco. (SOUTO; FRANÇA, 2021)[80] Outra importante conquista, foi a aprovação de lei, em 1995, que garantiua cota de gênero correspondente a 20% das candidaturas nas eleições municipais de 1996. Logo após, em 1997, elevou-se a cota para 30%, sendo esta válida para qualquer eleição. A Lei n. 9.504/1997, ainda encontra-se em vigor, e a instituição destas cotas se transcreve em uma modalidade de ação afirmativa, objetivando a maior inserção das mulheres na política. Dessa maneira, pelas regras eleitorais em vigência, no Brasil, nenhum dos gêneros pode possuir mais de 70% de candidaturas partidárias, sendo assim, deveriam existir no mínimo 30% de representatividade feminina, mas, essa não é a realidade, “o percentual de mulheres eleitas tem sido consistentemente inferior aos 30% de candidatas. Na Câmara dos Deputados, o percentual feminino tem-se mantido em torno dos 9% do total de cadeiras”. (SENADO FEDERAL, 2015, p. 41). A presença percentual feminina no parlamento brasileiro é também ínfima, comparando com nossos vizinhos latino-americanos, por exemplo, o Brasil se encontra na penúltima pior situação, estando à frente apenas do Haiti, ou seja, entre os 188 países pesquisados em dezembro de 2014 pela União Interparlamentar, o Brasil está na 158ª posição[81], revelando a necessidade da implementação de medidas, dentre elas a de cotas eleitorais, que garantam a devida competitividade às candidaturas femininas. Salienta-se no entanto, o cuidado com as candidaturas fictícias – comumente denominadas como “candidaturas laranjas”, que referem-se aos candidatos de fachada, que adentram na corrida eleitoral sem concorrerem de fato[82]-, sendo assim, fica claro que somente a aplicação da lei não se faz suficiente para que haja o aumento de mulheres no poder, necessitando de uma capacitação, apoio e campanhas de incentivo às mulheres, sendo especialmente necessário, “dar acesso a recursos de financiamento de campanha, abrir espaços nos partidos políticos para a autuação de mulheres, assegurar em lei punição aos partidos que não cumprem o que determinam as ações afirmativas, entre outras medidas”. (SENADO FEDERAL, 2015, p. 32) [83] Sendo assim, fica evidente que o Brasil necessita superar o cenário de sub-representação das mulheres na política, harmonizando a representatividade feminina vide a amplitude do seu eleitorado. Pois quando minorias adentram na política elas contribuem para afastar obstáculos que impedem ou afastam outras minorias de participarem da política e da vida pública. Dessa maneira, para se alcançar uma democracia plena, é indispensável a inclusão de mulheres, de todas as raças, classes e orientações sexuais, nos âmbitos de poder, bem como, é fundamental elaborar políticas públicas de apoio e incentivo às candidatas, além de efetivar as Leis e políticas públicas já existentes, e exigir maior comprometimento dos poderes e dos partidos políticos, no êxito desta luta. 4. ADVOCACY FEMINISTA: POR MAIS MULHERES NA POLÍTICA Após analisar a situação da mulher na política brasileira, o presente capítulo tem como objetivo conceituar o que seria uma advocacy feminista, e como esta pode atuar no âmbito das candidaturas por meio de uma assessoria jurídica. O termo advocacy, tem origem na palavra advocare, do latim, que significa ajudar alguém que está em necessidade; advocacy, atualmente tem sido utilizada como um sinônimo de defesa e argumentação em favor de uma causa.[84] Dessa maneira, a advocacy feminista atua de maneira a defender os direitos das mulheres em diversos setores, de modo a influir na própria democracia, ou seja, aumentando a representatividade das mulheres na política, o advocacy contribui para uma redemocratização feminista e plena, pois, Quando falamos de advocacy, falamos de política e processos de transformação, de valores e crenças, consciência e conhecimento. Falamos sobre influenciar o poder em questões e problemas que concernem aos cidadãos, sobretudo àqueles marginalizados e excluídos dos processos políticos. Falamos de construção de organizações fortes e democráticas, de fortalecer a sociedade civil em sua ação de controle social e responsabilização de agentes institucionais. Falamos sobre democratizar as relações de poder e ampliar a participação dos segmentos historicamente excluídos nos processos de tomada de decisões, de maneira a promover uma nova visão de sociedade e um mundo onde as relações sejam mais equitativas. Sob essa perspectiva, a promoção e a defesa devem ter por objetivo não somente exercer influência sobre uma política pública (Estado) ou sobre o mercado, ou mesmo aumentar a participação cidadã no processo de tomada de decisões, mas devem também contribuir para fortalecer a sociedade civil e ampliar a cultura democrática. (LIBARDONI, 2000, p. 4).[85] No Brasil, “a advocacy feminista nas últimas três décadas teve como alvos e interlocutores os poderes legislativo e executivo” (BARSTED, p. 21) [86], dessa maneira o investimento de uma advocacy junto as candidaturas feministas pode contribuir para eliminar diversos obstáculos, sendo um deles o acesso ao poder, visto que para a realização de pré-campanha e campanha eleitoral, implica-se devido conhecimento da lei, e de mecanismos e canais que garantam a maior representação da mulher na política. Isto posto, a luta feminista por meio de uma assessoria jurídica voltada para a inclusão de mulheres na política, deve se administrar por meio de uma advocacy em face dos três poderes, mobilizando medidas que contribuam para a entrada e permanência da mulher no âmbito do poder, como exemplo desta atuação de advocacy temos: O feminismo brasileiro constitui-se, assim, desde seu início, em ator político, desenhando e lutando por uma agenda de políticas públicas voltadas para a inclusão das mulheres nos direitos de cidadania. Teve clareza de que políticas públicas implicam a existência de atores sociais capazes de mobilizar o Estado na geração de um conjunto de medidas que pressupõem certa permanência, coerência e articulação dos distintos poderes e esferas institucionais. A conquista e o avanço dessas ações envolvem pressão social e vontade pública. [...] Como resultado dessa atuação de advocacy junto ao Poder Legislativo, a cidadania formal das mulheres brasileiras foi completada formalmente com a Constituição Federal de 1988, que aboliu as inúmeras discriminações [...]. Ao reconhecer a igualdade de direitos de homens e mulheres, na vida pública e na vida privada, a Constituição de 1988 incorporou inúmeros outros direitos individuais e sociais das mulheres. (BARSTED, p. 7)[87] Dessa maneira, a advocacy, produz suas consequências, de acordo com o grupo que reivindicou seus próprios direitos. E a advocacy feminista, por sua vez, “também produz seus próprios efeitos, possibilitando que a mulher seja porta-voz de sua própria fala e reivindique-os. Entre esses efeitos, destacam-se: os direitos, ou seja, o que o movimento feminista visava diretamente a ser concretizado [...].” (SANTIAGO; ALVES; TAUIL, 2020, p. 110-111)[88] Isto posto, a assessoria jurídica para candidaturas de mulheres, se configuraria como uma advocacy feminista no que tange a sua utilização como um instrumento de concretização do direito como um todo, dessa maneira, a assessoria jurídica por meio de técnicas e estratégias específicas poderia contribuir para a implementação de políticas públicas e aplicabilidade da Lei n. 9.504/1997, garantindo os direitos humanos das mulheres e ampliando sua participação na política brasileira. Dessa maneira, na pré- campanha, a assessoria jurídica como vertente de uma advocacy feminista para a candidatura de mulheres, prestaria assistência as pré-candidatas – ou seja, todas aquelas que pretendem concorrer na “corrida eleitoral” –, revisando se elas cumprem os requisitos para disputar as eleições, Segundo a Constituição Federal, a candidata precisa cumprir os seguintes requisitos para concorrer às eleições municipais: ter nacionalidade brasileira; estar no pleno exercício de seus direitos políticos; estar filiada a um partido político; possuir título de eleitor com domicílio onde pretende concorrer; ter idademínima para cada cargo, sendo 18 anos para vereadora e 21 anos para prefeita ou vice-prefeita. (SECRETARIA DA MULHER, 2020, p. 12)[89] No entanto, além de cumprir os requisitos para disputar as eleições, as pré-candidatas ainda dependem da escolha de seus nomes em convenção partidária para se tornarem candidatas oficiais, aqui vale destacar a proposta de um movimento feminista, idealizado por Marcia Tiburi, a partidA: A #partidA é uma espécie de metáfora política. Desde o começo discutimos a questão do nosso significante: “#partidA”. Trata-se de uma palavra que remete ao feminino de partido, mas em vez de um P maiúsculo ao começo, colocamos um A maiúsculo ao final, para marcar o seu caráter feminino. Politizado, o feminino se torna “feminismo”. A consciência de gênero é o que está em jogo na politização das mulheres. Como metáfora, a #partidA se estabelece no trânsito, na comparação entre movimento e partido e cria uma nova forma. (TIBURI, 2016).[90] Dessa maneira, de forma estratégica, a partidA agiria como um movimento que funciona como partido, no entanto sem abandonar o poder de articulação e transformação característico da luta feminista, sendo assim, este movimento funcionaria como uma medida para essa assessoria jurídica em prol de candidaturas de mulheres, em busca de uma democracia feminista: Essa democracia é radical, no sentido de lutar pela inclusão política de todos na sociedade, o que pensamos, seja possível pela representação das chamadas “minorias”. No caso das mulheres, somos, na verdade, uma maioria populacional e uma minoria política, mas em diversos estágios de politização. Queremos contribuir como movimento para a politização cotidiana das mulheres rumo ao feminismo como consciência de gênero, consciência de raça e da classe. Acreditamos que a revolução é feminista e pode ser feita sem violência por parte de seus agentes. (TIBURI, 2016)22 Em vista disso, o movimento partidA, é um exemplo significativo no que tange a assessoria jurídica às candidaturas de mulheres na política, visto que uma das ideias que transitam atualmente, em principal no estado de São Paulo, é deste movimento funcionar como apoio a candidatas de outros partidos. Sendo assim, “a proposta da partidA é empoderar mulheres e todos aqueles sujeitos que se reconhecem como mulheres e que desejam fazer política feminista” (TIBURI, 2015)[91]. Além disso, visto que as mulheres negras representam a parcela da sociedade que mais experimenta vulnerabilidade socioeconômica, a advocacy feminista, poderia agir nesse contexto, denunciando a dupla opressão a que essas mulheres estão sujeitas. Visto que, “em relação ao debate de gênero e partidos políticos, que, desde o recrutamento à corrida eleitoral, há preferências nas escolhas dos dirigentes partidários. A prioridade eleitoral tende a ser: 1) quem já ocupa cargo ou está tentando reeleição; 2) quem compõe o perfil tradicional do representante partidário” (SOUTO; CALAÇA, 2021, p. 64)[92]. Sendo este perfil tradicional resumido no homem branco, cisgênero, e heterossexual. Dessa maneira, essa assessoria jurídica poderia ser utilizada como recurso para o enfrentamento do racismo imbricado na sociedade em prol da libertação e representação das mulheres negras brasileiras, concedendo-lhes a oportunidade de gerar a maior reflexão sobre a situação da mulher negra no Brasil, e da ocupação de todos os espaços possíveis da sociedade, nesse sentido: É importante insistir que no quadro das profundas desigualdades raciais existentes no continente, se inscreve, e muito bem articulada, a desigualdade sexual. Trata-se de uma discriminação em dobro para com as mulheres não-brancas da região: as amefricanas e as ameríndias. O duplo caráter da sua condição biológica – racial e sexual – faz com que elas sejam as mulheres mais oprimidas e exploradas de uma região de capitalismo patriarcal-racista dependente. Justamente porque este sistema transforma as diferenças em desigualdades, a discriminação que elas sofrem assume um caráter triplo, dada sua posição de classe, ameríndias e amefricanas fazem parte, na sua grande maioria, do proletariado afrolatinoamericano. (GONZALEZ, 2011, p. 17)[93] A advocacy feminista também agiria por meio de articulações realizadas por essa assessoria jurídica, dando maior visibilidade a temática da candidaturas de mulheres, colocando a questão da sub-representação no debate público, influenciando assim a transformação na sociedade civil, podendo essa articulação ser realizada também no período de propaganda intrapartidária, que é realizado no período de pré campanha, sendo “aquela voltada para os membros do partido político”[94], com o objetivo de que o nome das candidatas apoiadas por essa assessoria jurídica sejam indicados para concorrer em eleição, e após esta indicação, o apoio será voltado para a campanha eleitoral, assegurando que a candidata haja de acordo com os pressupostos permitidos na propaganda eleitoral, e que receba devidamente apoio, por meio de políticas públicas e também os devidos recursos, ou seja, a utilização do fundo partidário para campanhas femininas: O Supremo Tribunal Federal, em março de 2018, decidiu que a distribuição de recursos provenientes do fundo destinados ao financiamento das campanhas eleitorais deve ser feita na exata proporção das candidaturas, de ambos os sexos, respeitando o patamar mínimo de 30% de candidaturas femininas, previsto no artigo 10, §3º, da Lei nº 9.504/1997. A mesma regra se aplica quanto ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), que é um fundo público, constituído por dotações orçamentárias da União, em ano eleitoral, destinado ao financiamento das campanhas eleitorais dos candidatos. Nas eleições 2020, pela primeira vez será aplicado em eleições municipais. (SECRETARIA DA MULHER, 2020, p. 27) Por fim, essa ação de advocacy, além de contribuir para a candidatura de mulheres e sua maior representatividade, serviria também para a conscientização e educação da população, trabalhando junto à mídia, influenciando os tomadores de decisão e o público em geral, incorporando por meio desse processo educacional, o aumento da consciência crítica das mulheres sobre sua situação atual, e o seu real poder de ação para mudanças, contribuindo também no exercício pelas mulheres dos seus direitos, e sua participação nos espaços de tomadas de decisões. (LIBARDONI, 2000)[95] 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Dentro do exposto, é evidente que a mulher vivencia uma exclusão no âmbito do poder, aqui tratado especialmente do campo político. É comumente dito que a ínfima presença das mulheres na política e nos parlamentos é decorrente do desinteresse delas, no entanto, estas afirmações não são verídicas, são apenas repetidas cotidianamente para justificar a ausência delas no poder, visto que o Brasil possui uma política majoritariamente composta por homens. As razões que contribuem para a sub-representação feminina no Parlamento, aqui expostas, são resultados de séculos de discriminação, visto que a sociedade brasileira é marcadamente machista, e da divisão sexual do trabalho, visto que a mulher continua como a principal responsável pelas tarefas de cuidado, ou seja, possui uma elevada carga de trabalho, com a dupla jornada de trabalho, enquanto o homem, em sua maioria, continua se desresponsabilizando do trabalho doméstico e cuidado dos filhos, utilizando desse tempo livre para conquista dos mais altos cargos e investimento na carreira política. Assim, para a construção de uma democracia plena, e feminista, seria necessária a transformação da sociedade por um todo, focando na presença efetiva das mulheres nas relações sociais, políticas, culturais e econômicas. Atualmente, o Brasil dispõe de leis afirmativas, como a Lei n. 9.504/1997, que garante a cota de 30% para candidaturas de mulheres, no entanto, verifica-se a ineficiência desta lei, dentro do atual sistema brasileiro de candidaturas, vide o sistema de fraude realizado por intermédio de candidaturas laranjas, que mantém o status quo da política
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