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Direito das Mulheres

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D I R E I TO D A S
M U L H E R E S
Brunna Rabelo Santiago
Ezilda Melo
Lize Borges
(Organizadoras)
Studio Sala de Aula
Direitos autorais © 2021 Studio Sala de Aula
Reservam-se os direitos desta obra à Editora Studio Sala de Aula, Salvador-BA.
O padrão ortográfico e o sistema de citações e referências bibliográficas são prerrogativas de cada
autor. Da mesma forma, o conteúdo de cada capítulo é de inteira e exclusiva responsabilidade de seu
respectivo autor.
CONSELHO EDITORIAL DA STUDIO SALA DE AULA
Angelita Woltmann – Dra. em Direito pela UNISINOS
Belmiro Vivaldo Fernandes Santana – Dr. em Direito pela UFBA
Cristine Koehler Zanella – Dra. em Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS e em Ciências
Políticas pela UGent/Bélgica 
Denison Melo de Aguiar – Mestre em Direito Ambiental pela UEA 
Ezilda Claudia de Melo – Mestra em Direito Público pela UFBA
Jeovanna Malena Viana Mesquita - Mestra Univ. de Coimbra
Jessica Hind Ribeiro Costa – Dra. em Direito pela UFBA
João Paulo Allain Teixeira – Dr. pela UFPE
Juliette Robichez - Dra. pela Université Paris I - Panthéon Sorbonne (França) 
Manuelita Hermes Rosa Oliveira Filha – Mestra em Direito pela Universidade de Roma Tor Vergata
(Itália)
Marco Aurélio Serau Júnior – Dr. pela USP
Marta Regina Gama Gonçalves – Dra. em Direito UnB
Miriam Coutinho de Faria Alves – Dra. em Direito pela UFBA
Nelson Cerqueira - Dr. em Literatura comparada pela Indiana University.
Paulo Ferrareze Filho – Dr. em Direito pela UFSC
Paulo Ferreira da Cunha – Dr. em Direito pelas Universidades de Paris e Coimbra
Paulo Silas Filho – Mestre UNINTER
Roberta Oliveira Lima – Dra. em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFF
Taysa Matos do Amparo – Mestre UFPB
Tatyana Friedrich – Dra. em Direito pela UFPR
Renato Bernardi – Dr. pela PUC/SP
Wagner de Oliveira Rodrigues – Dr. em Ciências Jurídicas e Sociais (UFF)
_______________________________________________
Concepção de capa por Lize Borges, com base em pinturas abstratas de Sketchify, disponíveis no
Canva.
MELO, Ezilda; BORGES, Lize; SANTIAGO, Brunna Rabelo. Direito das Mulheres. Salvador: Studio
Sala de Aula, 2021. 
ISBN: 9798546716745
1. Direitos das Mulheres
2. Direitos Humanos
3. Mulheridade
4. Pesquisas Jurídicas
ÍNDICE
Página do título
Direitos autorais
Direito das Mulheres
AUTORAS E AUTORES
 SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Violência Doméstica e as técnicas de resolução de conflitos: entre verdades e
utopias
CANDIDATURAS FEMINISTAS: ASSESSORIA JURÍDICA COMO UMA
VERTENTE DE ADVOCACY FEMINISTA PARA ELEIÇÃO DE
DA LEI MARIA DA PENHA À LEI MARIANA FERRER: UMA
ANÁLISE SOBRE A (IN)EFICIENCIA DOS DISPOSITIVOS LEGA
A IMPOSSIBILIDADE DO ABORTO NO PL 5435/2020 E A AMEAÇA
AOS DIREITOS DAS MULHERES 
O ENCARCERAMENTO DE MULHERES NO BRASIL E AS MEDIDAS
PARA COMBATÊ-LO – UMA ANÁLISE A PARTIR DE DECISÕ
PARENTALIDADE SOCIAL INTEGRAL: ESTRATÉGIA PARA
COMUNHÃO E EQUIDADE DE GÊNERO
SISTEMA DE JUSTIÇA PATRIARCAL? ANÁLISE SOBRE A
VIOLÊNCIA DE GÊNERO COMO ESTRATÉGIA PROCESSUAL À LUZ
SOBRE AS ORGANIZADORAS
SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES
NOTAS
DIREITO DAS MULHERES
Brunna Rabelo Santiago
Ezilda Melo
Lize Borges
(Organizadoras)
AUTORAS E AUTORES
Ana Carolina Alves
Gabriela Siqueira Ho
Giovanna Gabriella Santana Giroto
Julice Salvagni
Luciana Nogueira Nóbrega
Marina Guerin
Natávia Boigues Corbalan Tebar
Nicole de Souza Wojcichoski
Raquel Fabiana Lopes Sparemberger
Reginaldo Bombini
Vitória Aguiar Silva
 SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E AS TÉCNICAS DE RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS: ENTRE VERDADES E UTOPIAS
Ana Carolina Alves
Raquel Fabiana Lopes Sparemberger
CANDIDATURAS FEMINISTAS: ASSESSORIA JURÍDICA COMO
UMA VERTENTE DE ADVOCACY FEMINISTA PARA ELEIÇÃO
DE MULHERES
Gabriela Siqueira Ho
DA LEI MARIA DA PENHA À LEI MARIANA FERRER: UMA
ANÁLISE SOBRE A (IN)EFICIENCIA DOS DISPOSITIVOS LEGAIS
NO COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES NO
BRASIL
Giovanna Gabriella Santana Giroto
Natávia Boigues Corbalan Tebar
A IMPOSSIBILIDADE DO ABORTO NO PL 5435/2020 E A AMEAÇA
AOS DIREITOS DAS MULHERES
Julice Salvagni
Marina Guerin
Nicole de Souza Wojcichoski
O ENCARCERAMENTO DE MULHERES NO BRASIL E AS
MEDIDAS PARA COMBATÊ-LO – UMA ANÁLISE A PARTIR DE
DECISÕES JUDICIAIS
Luciana Nogueira Nóbrega
PARENTALIDADE SOCIAL INTEGRAL: ESTRATÉGIA PARA
COMUNHÃO E EQUIDADE DE GÊNERO
Reginaldo Bombini
SISTEMA DE JUSTIÇA PATRIARCAL? ANÁLISE SOBRE A
VIOLÊNCIA DE GÊNERO COMO ESTRATÉGIA PROCESSUAL À
LUZ DO CASO MARI FERRER
Vitória Aguiar Silva
SOBRE AS ORGANIZADORAS
SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES
APRESENTAÇÃO
A coleção “Direitos para todos” comporta os títulos: “Direito
Antirracista e Antidiscriminatório”, “Direito e Vivências LGBTQIA+”,
“Direitos Indígenas”. Esta coleção lança agora o tema “Direito das
Mulheres”, uma coletânea que apresenta a temática sob diversos prismas de
discussão.
No leque dos Direitos Humanos alguns grupos foram historicamente
construídos como marginalizados. Sendo um deles, o das Mulheres. Nem
todas, obviamente, vez que as questões de entrelaçamento interseccionais de
raça, classe e gênero descortinam vivências muito distintas.
Necessário o emprego do termo sempre no plural, justamente para
contemplar a pluralidade das mulheres que precisam ser amparadas pelo
direito com equidade. Mulheres que se aproximam por lutas comuns, mas
experimentam dores diferentes, como as experiências que só as mulheres
negras reconhecem, que se somam à luta antirracista.
Nos 7 artigos que compõem a coletânea, as autoras e autores nos
falam sobre a violência doméstica, uma dos grandes problemas sociais na
nossa sociedade; relatos de violência política de gênero no Brasil;
apontamentos sobre técnicas de resolução de conflitos e assessoria jurídica
como vertente de advocacy feminista para eleição de mulheres; a
impossibilidade do aborto como ameaça aos direitos das mulheres; o caso
Mariana Ferrer e a violência de gênero como estratégia processual; o
encarceramento de mulheres; parentalidade social integral como estratégia
para a equidade de gênero.
A situação de exclusão em que o gênero feminino se encontra, além
de trazer inúmeras perdas afetivas e sociais, impede que o país alcance a
concretização de uma real democracia, na qual todes possuam o mesmo
acesso a direitos e garantias e à almejada justiça social. Assim, urge a
necessidade de efetivação dos Direitos das mulheres, sendo o primeiro passo
para tal: falar sobre isso. Esta obra, pautada em problematizações jurídicas,
políticas e interseccionais, serve de instrumento de luta e resistência. O
conhecimento crítico, despido de preconceitos, é de fundamental relevância
para pesquisa jurídica, precipuamente no que concerne às teorias da justiça e
exclusão social em um contexto de responsabilidade estatal e de toda
sociedade.
Um convite ao estudo sobre Direitos das Mulheres a partir de temas
atuais, contemplando teoria e prática de forma dinâmica e transgressora.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E AS TÉCNICAS DE
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS: ENTRE
VERDADES E UTOPIAS
Ana Carolina Alves[1]
Raquel Fabiana Lopes Sparemberger[2]
INTRODUÇÃO
Partindo de uma contextualização do gênero feminino e da flagrante
violência doméstica/patriarcal existente na realidade brasileira, pretende-se
observar as interações e os desafios existentes entre as atuais legislações de
proteção à mulher e os meios consensuais de resolução de conflito, em
especial a conciliação e a constelação.
Inicialmente abordar-se-á as diferentes definições de “mulher”, para
que, então, se possa prosseguir na discussão a respeito da violência patriarcal
e doméstica, demonstrando suas realidades e contextos, por meio da
apresentação dos mais recentes dados captados e divulgados no Brasil sobre o
assunto.
Posteriormente apresentar-se-á o avanço histórico das legislações
disponíveis que propõem medidas de prevenção, proteção e combate à
violência contra a mulher.
Por fim, será feita uma análise do processo de conciliação e
constelação familiar como proposta de resolução consensual de conflito.
Neste sentido, serão observados os desafios de sua aplicaçãodiante de
decisões judiciais e legislações vigentes em contextos familiares marcados
pela violência contra a mulher.
O procedimento adotado privilegia o método hipotético-
dedutivo. Trata-se de uma pesquisa aplicada de natureza exploratória-
descritiva, que abordará o problema de maneira quantitativa e
qualitativamente, com estudo monográfico. Para atingir os objetivos
descritos, utilizar-se-á pesquisa bibliográfica e documental.
O GÊNERO FEMININO E A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: O
IMPACTO NAS RELAÇÕES FAMILIARES
O gênero feminino, enquanto objeto de estudo do feminismo, pode
ser entendido sob diferentes contextos e condições, a depender das correntes
às quais se filiam as suas principais teorias.
Judith Butler, como filósofa pós-estruturalista e uma das mais
relevantes teóricas feministas da modernidade, propõe que a concepção de
“mulher” não pode mais ser compreendida como uma condição estável ou
permanente. De acordo com a filósofa,
se alguém “é” uma mulher, isso certamente não é tudo o
que esse alguém é; o termo não logra ser exaustivo, [...]
porque o gênero nem sempre se constitui de maneira
coerente e consistente nos diferentes contextos
históricos, e porque o gênero estabelece interseções com
modalidades raciais, classistas, étnicas, sexuais e
regionais de identidades discursivamente constituídas.[3]
Há que se pontuar, no entanto, que a ideia de gênero nem sempre
esteve atrelada a uma relação com contextos e interseções como propõe
Butler. A teórica, inclusive, tece uma série de questionamentos e críticas a
Simone de Beauvoir, renomada feminista e filósofa existencialista, uma vez
que acredita que “a construção do gênero”, incutida na célebre frase
“Ninguém nasce mulher: torna se mulher”[4], poderia significar, de alguma
forma, um determinismo quanto à interpretação de significados do gênero,
especialmente quando personificados em “corpos anatomicamente
diferenciados, sendo esses corpos compreendidos como recipientes passivos
de uma lei cultural inexorável”[5].
Para além das nuances e limitações existentes no que se refere à
conceituação e interpretação sobre o gênero “mulher”, sabe-se que o mito
da feminilidade, descrito por Beauvoir[6], tem passado por uma série de
importantes modernizações, permitindo que muitas mulheres alcancem sua
independência nas mais variadas esferas. Há, no entanto, ainda, alguns
entraves sociais que sustentam uma dominação patriarcal. Mesmo após
muitas transformações sociais e, independente de outros projetos pessoais, o
destino normal e previsível para uma mulher continua sendo o casamento, o
que praticamente a subordina aos desígnios de outro homem, especialmente
quando tal condição se assenta em consistentes bases econômicas e sociais.
Diante disso, o surgimento de codificações no decorrer
da história demonstra a instituição de mecanismos de
controle comportamentais para que a mulher não cogite
outro papel que não o de reprodutora, fiel, amorosa e
julgada pela lealdade devida ao marido. É fato que as
mulheres estão subordinadas ao domínio, ao controle e à
dependência do outro. Portanto, sua opressão se
manifesta a partir da discriminação que sofrem, pois o
paradigma social e cultural da humanidade é
androcêntrico e define todas as construções mentais da
civilização[7].
Para além das conquistas no ambiente acadêmico e no mercado de
trabalho, mulheres inseridas num contexto familiar, especialmente em
relacionamentos heteroafetivos, são responsabilizadas pelos cuidados e
serviços domésticos de forma gratuita, limitadas no direito de
autodeterminação de seus corpos, desamparadas nos casos de abandono
paterno e vítimas de uma série de violências psicológicas, físicas e políticas
para fazê-las sucumbir às vontades da sociedade, dos pais de seus
filhos/maridos ou companheiros.
De acordo com Carole Pateman, “o patriarcado contratual moderno
tanto nega quanto pressupõe a liberdade das mulheres, e não funciona sem
esse pressuposto[8].”
A violência de gênero contra a mulher representa o poder de
dominação do homem e de submissão da mulher. Os papéis que lhes foram
impostos e que são consolidados ao longo da história, fortalecem o
patriarcado e encorajam relações violentas.
Em suma, a violência de gênero pode ser entendida como “qualquer
tipo de violência (física, social ou simbólica) que tenha por base a
organização social dos sexos e que seja perpetrada contra indivíduos
especificamente em virtude do seu sexo, identidade de gênero ou orientação
sexual[9].”
 A consequência de uma sociedade patriarcal e machista é percebida a
partir dos índices colossais de violência contra a mulher. Especificamente no
Brasil, calcula-se que a cada dois segundos uma mulher é vítima de violência
física ou verbal; a cada dois segundos e seis milésimos, uma mulher é vítima
de ofensa verbal (insultos, humilhações e xingamentos); a cada seis segundos
e três milésimos, uma mulher é vítima de ameaça de violência; a cada seis
segundos e nove milésimos, uma mulher é vítima de perseguição; a cada sete
segundos e dois milésimos, uma mulher é vítima de violência física; a cada
dois minutos, uma mulher é vítima de arma de fogo; a cada dezesseis
segundos e seis milésimos, uma mulher é vítima de ameaça com faca ou com
arma de fogo; a cada vinte e dois segundos e cinco milésimos, uma mulher é
vítima de espancamento ou tentativa de estrangulamento; a cada um segundo
e quatro milésimos, uma mulher é vítima de assédio. Segundo o Atlas da
violência de 2020,
em 2018, uma mulher foi assassinada no Brasil a cada
duas horas, totalizando 4.519 vítimas. Embora o número
de homicídios femininos tenha apresentado redução de
8,4% entre 2017 e 2018, se verificarmos o cenário da
última década, veremos que a situação melhorou apenas
para as mulheres não negras, acentuando-se ainda mais a
desigualdade racial. Se, entre 2017 e 2018, houve uma
queda de 12,3% nos homicídios de mulheres não negras,
entre as mulheres negras essa redução foi de 7,2%.
Analisando-se o período entre 2008 e 2018, essa
diferença fica ainda mais evidente: enquanto a taxa de
homicídios de mulheres não negras caiu 11,7%, a taxa
entre as mulheres negras aumentou 12,4%.[10]
O Atlas da Violência, publicado em 2019, verificou um aumento de
30,7% no quantitativo de homicídios praticados contra mulheres entre 2007 e
2017. Neste mesmo período houve aumento de 20,7% na taxa nacional de
feminicídios.[11]
A desigualdade racial pode ser vista também quando
verificamos a proporção de mulheres negras entre as
vítimas da violência letal: 66% de todas as mulheres
assassinadas no país em 2017. O crescimento muito
superior da violência letal entre mulheres negras em
comparação com as não negras evidencia a enorme
dificuldade que o Estado brasileiro tem de garantir a
universalidade de suas políticas públicas.[12]
A violência patriarcal, quando inserida no ambiente familiar, é
popularmente conhecida como “violência doméstica” e, possivelmente em
razão da sua referência etimológica ao lar, durante algum tempo foi (e
talvez ainda seja) vista como algo que pertencia exclusivamente ao
ambiente privado e, assim o sendo, restringia a participação de terceiros e
sugeria se tratar de algo menos ameaçador do que a violência que ocorre
fora de casa[13], o que, sabe-se, não condiz com a fatídica realidade.
Em relatório de abril de 2020, de autoria do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, constatou-se que a atual condição de isolamento social,
recomendada durante a pandemia do coronavírus, foi extremamente
prejudicial para as mulheres, na medida em que foi constatada uma queda
significativa das denúncias por violência doméstica em todos os Estados da
federação que dependem da presença da vítima para o registro de boletim de
ocorrência. O Estado de São Paulo, por exemplo, observou uma queda nos
registros de Boletim de Ocorrência de quase 40% em comparação ao ano
anterior. Apesar, contudo, da aparente redução, esses números não refletem
a realidade, uma vez que, quando observados os registros de atendimento
realizados in loco pela polícia militar, em razãode denúncias no 190,
constatou-se um aumento de 45% no mesmo Estado de São Paulo,
registrando-se, ainda, um crescimento de 46,2% nos casos de feminicídio
entre os paulistas[14].
Ademais, na mesma pesquisa, realizada entre os meses de fevereiro e
abril de 2020 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, notou-se um
aumento de 431% nos relatos de brigas entre casais na rede social “Twitter”,
o que significou um universo de 52 mil menções indicando conflitos, dos
quais 5.583 se referiam à ocorrência de violência. Tal realidade renova a
hipótese de que o ambiente familiar representa, em muitos aspectos, o
silenciamento das mulheres e um agravamento da desigualdade de gênero.
[15]
As pesquisas supra registram as violências mais facilmente
identificáveis e perpetradas contra a mulher de forma física. É sabido, no
entanto, que muitas mulheres, principalmente no âmbito familiar, são
vítimas constantes de violência patrimonial, psicológica e moral. A
violência patrimonial, apesar de rastreável em determinadas situações,
inclusive judicialmente, nem sempre é vista como tal.
O que, por vezes, é entendido como rígida gestão financeira familiar,
pode ser um sinal de retenção ou controle sobre os recursos financeiros e
bens de determinada mulher. Mesmo em contextos familiares em que a
esposa possua ocupação no mercado de trabalho, exercendo atividade
profissional e sendo remunerada, é comum que o homem seja o encarregado
pela gestão financeira da família, exigindo total controle sobre o dinheiro e
bens de sua esposa. Esta situação, além de colocá-la numa condição de
submissão, retira-lhe a liberdade e a independência de gestão de seus
próprios ativos e satisfação de suas necessidades.
Ainda como violência patrimonial, é comum que, em processos
judiciais que envolvem disputas familiares, maridos litigantes deixem de
pagar pensões alimentícias, destruam documentos pessoais das ex-esposas,
desviem bens ou causem danos propositais a objetos pessoais dessa mulher.
Estas condutas nada mais servem senão à tentativa de intimidar ou mitigar
os meios de defesa da ex-cônjuge.
A violência psicológica, por sua vez, além de ser de difícil rastreio,
acaba por gerar forte dano emocional e diminuição da autoestima de sua
vítima, o que importa em um prejuízo ao desenvolvimento pessoal e
profissional de uma mulher.
Sob o pretexto de amor, carinho e preocupação, determinados homens
utilizam-se de artifícios como o constrangimento, a humilhação, a
manipulação, a vigilância constante, chantagens, limitação do direito de ir e
vir, distorção e omissão de fatos, questionamento sobre a memória e a
sanidade de uma mulher e falsas acusações de traição, para que
alcancem/mantenham o poder e o controle em uma relação conjugal.
o pensamento sexista continua a apoiar a dominação
masculina e a consequente violência. Como uma
multidão de homens desempregados e da classe
trabalhadora dentro do patriarcado de supremacia
branca não sente que tem poder no trabalho, eles são
incentivados a sentir que o único lugar onde terão total
autoridade e respeito é em casa. Homens são
socializados por grupos de homens de classe dominante
a aceitar a dominação no mundo público do trabalho e
a acreditar que o mundo privado da casa e dos
relacionamentos íntimos vai restaurar neles o senso de
poder, que eles equiparam à masculinidade. Com mais
homens entrando para o grupo de desempregados ou
recebendo baixos salários, e mais mulheres entrando
para o mercado de trabalho, alguns homens sentem que
o uso da violência é a única maneira de estabelecer e
manter o poder e a dominação dentro da hierarquia
sexista do papel dos sexos. Até que desaprendam o
pensamento sexista que diz que eles têm direito de
comandar as mulheres de qualquer forma, a violência
de homens contra mulheres continuará sendo norma.[16]
Assim sendo, a violência de gênero ou a violência familiar pode
assumir as mais diversas, complexas, perversas ou sutis formas de violação
dos direitos das mulheres, carecendo de especial atenção por parte da
sociedade, Legislativo e Judiciário.
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: ASPECTOS LEGISLATIVOS
A referida violência de gênero e familiar, além de reforçar as estruturas
patriarcais existentes na sociedade brasileira, vai de encontro à legislação
pátria e os tratados internacionais.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, foi de grande
importância para outros documentos que viriam depois, e em seu artigo 7º
resguarda que “todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer
distinção, a igual proteção da lei.” A Declaração inspirou a Convenção para
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher
(CEDAW), adotada em 1979, a qual foi ratificada por vários países e entrou
em vigor somente em 1984. Seu texto é muito rico sobre os argumentos
usados para criá-la, e em seu artigo 1º traz o significado de discriminação
contra a mulher:
Para os fins da presente Convenção, a expressão
“discriminação contra a mulher” signicará toda a
distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que
tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o
reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher,
independentemente de seu estado civil, com base na
igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos
e liberdades fundamentais nos campos político,
econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro
campo.[17]
No cenário nacional, com a Constituição de 1988 inaugura-se um Estado
Democrático de Direito e consagram-se muitos direitos fundamentais, entre
eles a igualdade entre homens e mulheres, capitulado no artigo 5º, I. Assim
deu-se uma maior importância ao direito fundamental da mulher e uma
formalização às mudanças até então pleiteadas.
Com a reforma constitucional de 1988, foram inevitáveis os reflexos no
direito das famílias, especialmente embasados nos artigos 226 e 230.
Selecionam-se como principais irradiações de sua tábua
de princípios a pluralidade das entidades familiares
reconhecidas como produtoras de efeitos jurídicos; a
quebra das assimetrias discriminatórias por gênero e por
geração no plano normativo formal; e a seleção de
vulnerabilidades no seio dos eixos conjugal e parental
para a especial proteção do Estado. [...] o programa
constitucional das relações familiares enfrenta a sexista
divisão de poderes impetrada, ao longo do século XX,
no Código Civil Brasileiro entre os cônjuges; retira a
centralidade jurídica do matrimônio no ordenamento;
posiciona-se, contrariamente, à hierarquia patriarcal
entre pais e filhos, reconhecendo, enfim, estes últimos
como sujeitos de direito; e inclui também a população
idosa como vulnerada socialmente.[18]
A cautela do constituinte a respeito das relações familiares foi tamanha,
que entendeu que o reconhecimento da igualdade de gênero, previsto no
artigo 5º, I, da Constituição da República Brasileira de 1988, não seria
suficiente para o combate dos contrastes conjugais e parentais até então
chancelados pelo Estado, optando por renovar, explicitamente, tal direito no
seu artigo 226.
 Outro importante documento é a Convenção Interamericana de Prevenção
e Erradicação da Violência Contra a Mulher, denominada Convenção de
Belém do Pará, de 1996. Em seus artigos 3º e 4º dispõe que toda mulher tem
direito a uma vida livre de violência, tanto na esfera pública quanto na
privada[19]. “Toda mulher tem direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e
proteção de todos os direitos humanos e liberdades consagrados em todos os
instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos”[20].
Segundo Albuquerque e Barbosa, “à medida em que se incorpora esses Atos
Internacionais ao ordenamento jurídico brasileiro, passa a se tornar norma de
cumprimento obrigatório, gerando para os cidadãos o direito de recorrer às
instâncias internacionais de direitos humanos contra o Estado brasileiro,
como foi o caso de Maria da Penha”[21].
 Em 2006 surgiu a Lei 11.340/2006 – conhecida como Lei Maria da
Penha –, a qual sobreveio como resultado de um arcabouço teórico de 30
anos de estudo, ebuscou dar um novo paradigma de atenção às mulheres,
especialmente no que diz respeito à violência doméstica.
Com a identificação de novas formas de violência e a necessidade de
proteção de determinadas vulnerabilidades, fizeram-se necessárias
atualizações legislativas.
 Em 2012, a Lei 12.737/2012[22], também conhecida como Lei Carolina
Dieckmann, inspirada na divulgação de fotos e conversas íntimas sem
consentimento da atriz, alterou o Código Penal para prever a tipificação de
crimes virtuais e delitos informáticos. Além disso, a Lei nº 12.650, de 17 de
maio de 2012, inspirada na história de Joanna Maranhão, definiu que “o
prazo de prescrição dos crimes de abuso sexual, praticados contra crianças e
adolescentes, só começará a ser contado a partir da data em que a vítima
completar 18 anos”[23].
 Em 2013, a Lei nº 12.845/2013, igualmente conhecida como Lei do
Minuto Seguinte, “dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de
pessoas em situação de violência sexual”[24].
 Em 2015, a Lei 13.104/2015, que também atende por Lei do
Feminicídio, altera o Código Penal e prevê “o feminicídio como circunstância
qualificadora do crime de homicídio”[25], e inclui o mesmo tipo no rol dos
crimes hediondos.
Por fim, em 2021, adveio a Lei 14.132/2021, identificada como Lei do
Stalking, que inseriu o artigo 147-A no Código Penal, tipificando a prática de
perseguição, conhecida pela palavra de origem inglesa stalking, e revogou o
artigo 65 da Lei das Contravenções Penais, que previa a infração penal de
Perturbação à Tranquilidade. A palavra inglesa stalking pode ser traduzida
como "perseguição" ou "ficar à espreita". Segundo a definição estabelecida
por Castro e Sydow, "trata-se de curso de conduta de importunação,
caracterizado pela insistência, impertinência e habitualidade, desenvolvido
por qualquer meio de contato, vigilância, perseguição ou assédio[26]." O
stalking, por sua vez, refere-se à conduta de perseguição, quando o agente,
com o intuito de causar medo ou amedrontar uma vítima, segue um padrão de
perseguição, assédio, contato ou qualquer outra conduta dirigida à
mesma[27]. O agente coleta grande quantidade de dados a respeito da vítima
e utiliza estas informações para lhe causar prejuízo, que pode advir de
ameaças, comunicações repetidas, perseguição inesperada, dentre outros.
Assim como o bullying, a prática também pode ocorrer em âmbito virtual,
denominando-se cyberstalking, e tem nas mulheres as suas principais vítimas.
De acordo com Matzembacher e Stoco, “no cyberstalking a vítima é
perseguida e amedrontada por intermédio de redes sociais, e-mail, páginas
pessoais, blogs, dentre outros. O agente normalmente vale-se de informações
publicadas pela vítima em suas próprias redes sociais”[28]. Para as autoras, no
cyberstalking “a vítima passa a ter receio de desenvolver suas atividades
corriqueiras com medo de que alguém a prejudique de alguma forma, e tal
fato gera prejuízos ao sono, ao correto desenvolvimento de suas atividades
diárias, fobias e até ataques de pânicos”[29].
 Em que pese as constantes tentativas de alteração e esvaziamento das
legislações de proteção à mulher e às vítimas de violência doméstica,
entidades sociais e movimentos feministas têm conseguido impedir uma série
de retrocessos.
AS NOVAS FORMAS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS:
CONCILIAÇÃO E CONSTELAÇÃO FAMILIAR NOS CASOS DE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
 Diante das várias questões e complexidades que envolvem o tema da
violência doméstica e do histórico de submissão e subalternidade a que essas
mulheres são submetidas durante grande parte da sua vida, algumas novas
perspectivas e alternativas vêm sendo pensadas e instituídas no âmbito
preventivo e também normativo para responder a tal problemática. No âmbito
preventivo e de apoio temos vários projetos propostos pela área política,
como: a criação da Rede de Atendimento à Mulher em Situação de Violência,
composta por: Centros de Referência; Casas-Abrigo; Delegacias
Especializadas de Atendimento à Mulher; Defensorias da Mulher; Juizados
de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher; e a Central de
Atendimento à Mulher (Ligue 180). Esses serviços constituem a “porta de
entrada” para mulheres em situação de violência, objetivando uma assistência
articulada, qualificada e não revitimizante. É importante que os movimentos
de mulheres e a sociedade civil organizada estejam atentos à efetivação da
Lei 11.340/2006 e a todos os mecanismos de enfrentamento à violência
contra mulher. Há, também, no âmbito do Poder Judiciário, novas formas de
resolução dos conflitos que visam a auxiliar ou responder aos índices
alarmantes de violência no âmbito doméstico.
 Sabe-se, segundo Sales e Rabelo que
os métodos alternativos/consensuais/ adequados de
resolução de conflitos não foram criados ou aprimorados
para substituir o modelo tradicional de utilização do
sistema judicial, nem para descongestioná-lo (não
havendo, inclusive, qualquer relação de hierarquia entre
o Poder Judiciário e os mecanismos consensuais), mas
sim para propiciar opções viáveis, alternativas para as
pessoas que buscam soluções diferenciadas, específicas,
e, talvez, especializadas para suas distintas inter-
relações. A questão, portanto, é de adequação e não de
hierarquia. O fundamental é que cada mecanismo de
solução seja adequado ao tipo de conflito, a depender da
especialidade fática de cada questão. Os itens seguintes
discorrem sobre as particularidades de cada mecanismo
de solução[30].
 Os meios consensuais de resolução de conflitos mostram-se como
estratégias não só para a legitimação da solução do conflito em si, mas,
também, para possibilitar um manejo mais adequado de alguns conflitos bem
como para conferir maior efetividade para a solução encontrada, uma vez que
o acordado entre as partes possui maior possibilidade de ser cumprido
espontaneamente. Além de reduzir custos da demanda, viabilizar o
empoderamento e o reconhecimento das partes, possibilita reaproximações e
contribui para a alteração de padrões dialógicos entre os envolvidos, dado o
seu caráter pedagógico. Tais soluções para os conflitos são diversas quando
se visa a alcançar uma forma consensual de sanar os problemas gerados,
todavia, no âmbito da violência doméstica, essas “alternativas” são
extremamente criticadas por grande parte dos estudiosos do tema, sendo o
principal argumento o de que a mulher estaria em desigualdade na relação,
logo não seria o caso de aplicação destes institutos. Neste texto, em especial,
focar-se-á na conciliação e na constelação familiar.
4.1 CONCILIAÇÃO
A conciliação é um método de solução de conflitos em que um
terceiro imparcial e capacitado conduzirá e estimulará negociações entre os
envolvidos em uma sessão, sem relações pessoais e interpessoais entre eles,
com o objetivo essencial de alcançar um acordo, podendo o conciliador,
inclusive, propor sugestões e participar a fim de chegarem à solução do
conflito[31]. A partir do exposto, percebe-se que é um processo técnico, não
formal, pertencente à forma autocompositiva, que apresenta formato
consensual para resolução do conflito, extinguindo-o mediante consolidação
de um acordo. Para isso, há um terceiro imparcial que, por intermédio de
perguntas, questionamentos, propostas e sugestões, orienta e auxilia as partes
a encontrar soluções que possam atender aos seus interesses.[32] Tal instituto
existe, também, em outros países, mas trata-se de uma prática antiga no
Brasil, desde a Constituição do Império. O conciliador é uma pessoa da
sociedade que atua de forma voluntária e, após treinamento específico, como
facilitador do acordo entre os envolvidos, cria um contexto propício ao
entendimento mútuo, à aproximação de interesses e à harmonização das
relações.
A conciliação é um método utilizado em conflitos mais simples, ou
restritos, no qual o terceiro facilitador pode adotar uma posição mais ativa,
porém neutra com relação ao conflito. É um processo consensual breve, que
busca uma efetiva harmonização social e a restauração, dentro dos limitespossíveis, da relação social das partes. O conciliador visa à harmonização
entre os conflitantes, guiando para que eles mesmos cheguem a um acordo
por meio do diálogo. A chamada justiça da conciliação favorece o processo
da paz social e coletiva ao estimular a cultura do diálogo e tornar a justiça
mais efetiva e rápida, reduzindo o número de conflitos litigiosos e o tempo
para análise dos processos judiciais, solucionando seus problemas dentro de
um cenário. Para Sales e Rabelo, no Direito brasileiro, “há a coexistência de
dois tipos de conciliação: a Conciliação judicial, disposta em lei e acima
mencionada, e a Conciliação extrajudicial”[33]. Esses dois tipos de conciliação
se distinguem na medida em que, na primeira, há a existência de um
conciliador determinado pelo Poder Judiciário. Muitas vezes, o fato de a
conciliação acontecer em sede de processo judicial acaba por ser marcada
pelo formalismo e pelo tom adversarial.[34]
Segundo Sales e Rabelo, “na Conciliação extrajudicial, as partes
desejam e elegem um terceiro experiente para a condução do conflito. A
conciliação extrajudicial com base na cooperação se aproxima da
mediação”[35]. E é muito comum a confusão entre os procedimentos. Tanto na
primeira quanto na 1 Artigo 277 (procedimento sumário) e artigo 331
(procedimento ordinário). “Na segunda percebe-se um processo construtivo
de decisão, em que a titularidade da mesma remanesce com as partes”.[36]
Possuem, entretanto, como principal nota de divergência o fato de que o
mediador não sugere soluções para o conflito, pois tem a função de facilitar o
diálogo, estimulando as partes a encontrarem autonomamente a solução, ao
passo que o conciliador pode apresentar propostas de solução, de acordo com
o que foi discutido pelas partes. Nesse sentido, o objetivo maior da
conciliação é a composição das partes para finalizar uma demanda, quer
judicial, quer extrajudicial. A distinção também passa, necessariamente, pela
abordagem do conflito de justiça[37].
A conciliação, de acordo com Vasconcelos, mostra-se como uma
atividade mediadora focada no acordo, com a particularidade de que um
conciliador exerce uma autoridade hierárquica com vistas à conciliação[38].
Como procedimento, a conciliação é mais rápida do que uma mediação
transformativa, porém muito menos eficaz, pois a “conciliação trata
superficialmente da questão trazida pelos interessados e enfoca os aspectos
objetivos e limitados da controvérsia”.[39]
Sabe-se que o Código de Processo Civil prestigia as audiências de
conciliação no sentido de evitar litígios, mas a normativa não pode se
sobrepor aos princípios consagrados pela Constituição Federal relativos à
dignidade da pessoa humana e dele derivados, principalmente no que se
refere à violência doméstica, ou seja, não é obrigatória a designação de
audiência de conciliação na área de direito de família entre réu e vítima.
 Assim decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, em liminar proferida
após recurso interposto pela Defensoria Pública contra decisão de primeiro
grau, que havia determinado a realização da audiência, mesmo com
manifestação contrária da vítima. A decisão foi concedida pelo
desembargador José Carlos Ferreira Alves, da 2ª Câmara de Direito Privado
do TJ-SP, após a defensora pública, Vanessa Chalegre França, que atuou no
caso, ter observado que a decisão de primeira instância estava em desacordo
com as leis brasileiras e os pactos internacionais assinados pelo Brasil. Nesse
sentido, mesmo que o Código de Processo Civil determine que, nas ações de
família, deve-se empreender esforços para a soluções consensuais de conflito,
as tentativas de conciliação não devem ocorrer em casos de violência
doméstica para evitar lesão a direitos fundamentais[40].
 Embora realmente haja um estímulo para soluções consensuais nas ações
de família, não faz sentido obrigar que uma mulher encontre com o ex-
companheiro de quem alega ser vítima de violência doméstica. Hoje, o Brasil
tem duas legislações conflitantes em casos de violência contra a mulher. A
primeira é a Lei Maria da Penha, que já prevê a possibilidade de quem foi
agredida solicitar não ser ouvida na presença do agressor. Existe, porém, o
artigo 334 do Código de Processo Civil (CPC), que, junto a legislação das
Varas de Família, preconiza que as partes tentem uma conciliação antes que
tenha início o litígio. Mesmo diante deste conflito, tal argumento de não
realizar a conciliação se justifica porque o Brasil ocupa a quinta posição no
ranking com 83 nações entre os países que possuem o maior índice de
homicídios femininos, com 4,8 assassinatos em 100 mil mulheres. Acredita-
se que é necessário formular mais ativamente as medidas de prevenção,
proteção e punição existentes para o enfrentamento dos agressores da
violência contra a mulher, independentemente de seu vínculo. É preciso
promover a compreensão da lei e o conhecimento dos programas
governamentais existentes no país.[41]
4.2 CONSTELAÇÃO FAMILIAR
 A constelação familiar conquistou espaço no Brasil e no ordenamento
jurídico brasileiro com o advento da Resolução nº 125/2010 do Conselho
Nacional de Justiça e do Código de Processo Civil de 2015. Hoje sua técnica
e aplicação é reconhecida como justiça sistêmica e vem sendo utilizada por
alguns magistrados no Brasil. Essa visão sistêmica, aliada à técnica da
constelação familiar, é ferramenta que visa a amparar as partes em um
conflito, mas também é criticada nos casos envolvendo violência doméstica.
Seus defensores argumentam que ela possibilita, principalmente ao agressor,
compreender as razões e/ou a origem da sua agressividade ou violência.
Isto é, a constelação familiar não possui, por si só, o objetivo de resolver o
conflito, mas é um instrumento que proporciona às partes envolvidas
identificarem a sua origem.
 Segundo Sami Storch, o chamado “Direito sistêmico” ou “justiça
sistêmica”,
é uma abordagem sistêmica e fenomenológica,
originalmente usada como forma de terapia, segundo a
qual diversos tipos de problemas enfrentados por um
indivíduo (bloqueios, traumas e dificuldades de
relacionamento, por exemplo), podem derivar de fatos
graves ocorridos no passado não só do próprio
indivíduo, mas também de sua família, em gerações
anteriores, e que deixaram uma marca no sistema
familiar. Mortes trágicas ou prematuras, abandonos,
doenças graves, segredos, crimes, imigrações,
relacionamentos desfeitos de forma “mal resolvida” e
abortos são alguns dos acontecimentos que podem gerar
emaranhamentos no sistema familiar, causando
dificuldades em seus membros, mesmo em gerações
futuras. A abordagem sistêmica, segundo Hellinger,
considera a existência de uma alma familiar.[42]
 A origem de tal técnica é do filósofo, teólogo e terapeuta alemão Bert
Hellinger, nascido em 1925. Este teórico é um dos pensadores
contemporâneos que mais desenvolveu, do ponto de vista teórico, os
princípios do funcionamento dos seres humanos em sistemas[43]. Conforme
este autor, e a “partir da experiência de seres humanos em processos
terapêuticos, estabeleceu-se um conjunto de leis sistêmicas, ou ordens, como
ele mesmo prefere denominar, que regem os relacionamentos humanos”.[44]
 No entendimento de Lorenzi e Vulcanis, foi nas experiências terapêuticas,
desenvolvidas no curso do século 20 por diversos psicólogos e terapeutas
mundiais, dentre elas as dinâmicas de grupos, a terapia primal, a análise
transacional, a hipnose e a programação neurolinguística, que Hellinger se
baseou e adotou-as em sua atuação profissional como missionário junto as
comunidades Zulus, na África, a partir do que desenvolveu, por observação,
concepções teóricas e ontológicas acerca do funcionamento da vida humana
em sistemas[45].
 Tais observações possibilitaram e deram origem às chamadas
Constelações Familiares, que objetivam, de modo fenomenológico e
sistêmico, a representação de conflitos familiares e a consequente percepção
pelos pacientes, denominados constelados, das dificuldades emocionais e
origem dos conflitos existentes em seus casos concretos[46].Esta técnica
passou a ser utilizada em diversas áreas, servindo, de um modo geral, para
ampliar o diálogo entre os sujeitos que possuem restrições de caráter
relacional em razão de relações familiares mal-elaboradas emocionalmente,
restringindo as suas formas de interagir nos seus ambientes de trabalho.
 O Direito, ao se utilizar da referida técnica, visa o diálogo entre as
partes. Sabe-se, no entanto, que nem todas as demandas são passíveis de
serem mais bem resolvidas ou de terem seu potencial de conflito minimizado
mediante a utilização de meios consensuais para resolução de seus conflitos.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, com o objetivo de esclarecer
para as partes envolvidas o que está por trás do conflito e buscar caminhos
para a pacificação social, a constelação familiar e a visão sistêmica são
empregadas, geralmente, em questões de dificuldades de relacionamento,
mortes na família, separações, tragédias, doenças, problemas financeiros,
heranças, traumas e vícios[47]. Atualmente, elas vêm sendo aplicadas em
diversos Estados brasileiros e no Distrito Federal.[48]
Embora haja experiências exitosas em alguns Estados e comarcas do
Brasil e outras nem tanto, certo é que demandas envolvendo questões
familiares são complexas e exigem, muitas vezes, o diálogo, a descoberta e a
compreensão da origem do problema.[49] Já a aplicação de resolução
consensual de conflitos, nas questões envolvendo pontualmente a violência
doméstica, exigem muito cuidado, preparo, estudo e acompanhamento
psicológico para não se propor nenhuma alternativa que contribua ou que
possa desencadear a impunidade dos agressores ou, até mesmo, o assassinato
da vítima.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
 Diante dos argumentos apresentados, percebe-se que, apesar de vasto
arcabouço legislativo de proteção à mulher, o contexto de violência
doméstica ainda é preocupante no Brasil e evidencia uma cultura patriarcal
preponderante nas relações familiares.
 Quando são alvos de conflitos e judicializadas, as relações familiares
costumam encontrar propostas de meios consensuais, entre elas a conciliação
e a constelação. Estas propostas possibilitam um manejo mais adequado de
alguns conflitos, uma vez que costumam apresentar um caráter pedagógico
ou possibilitar o cumprimento espontâneo de determinado acordo.
 Observou-se, entretanto, que há certa discordância doutrinária e
jurisprudencial quanto à possibilidade da prática da conciliação nos casos
com registros de violência doméstica, dado que a mulher, por força da relação
patriarcal, não estaria apta para participar em condições de igualdade com a
outra parte envolvida.
 Assim, entendeu-se que se faz necessária uma articulação de medidas de
prevenção, proteção e punição de forma ativa para garantir que a lei e os
programas sociais sejam interpretados de modo a assegurar um efetivo
combate à violência doméstica e seus agressores.
Por fim, ainda que aplicada a conciliação ou a constelação em casos de
violência doméstica, é certo que o terceiro facilitador necessitará de cuidados
especiais para lidar com o conflito e evitar a impunidade do agressor ou um
agravamento da violência existente.
CANDIDATURAS FEMINISTAS: ASSESSORIA
JURÍDICA COMO UMA VERTENTE DE
ADVOCACY FEMINISTA PARA ELEIÇÃO DE
MULHERES
Gabriela Siqueira Ho[50]
1. INTRODUÇÃO
Atualmente, o eleitorado brasileiro é composto por volta de 52% de
mulheres, e apesar da predominância no direito de votar, percebe-se uma
discrepância quando se trata da quantidade de mulheres votantes e sua
respectiva representatividade. Menos de 8 mil mulheres foram eleitas para
mandatos nas câmaras municipais nas eleições de 2016 e somente 636
mulheres foram eleitas para governar, o que representa apenas 11,6% das
prefeituras do país e em municípios com menor densidade populacional e
menor renda per capita[51]. Verificando assim, uma evidente limitação nas
instituições vigentes, que naturalizam e reproduzem a desigualdade de
gênero, perpetuando o patriarcado.
Portanto, o aumento da participação das mulheres nas diversas áreas
da sociedade não acarretou a sua inserção plena em igualdade aos homens,
pois ainda encontram diversas barreiras na ordem estabelecida. As mulheres
ainda deparam-se com situações discriminatórias que não fazem parte da
vivência dos homens, como o assédio sexual, um conjunto de
constrangimentos que tornam o trabalho assalariado na condição feminina,
uma tarefa muito mais árdua para as mulheres do que para os homens, que a
séculos dominam todos os níveis de hierarquia.
Além disso, a falta de políticas públicas que apoiem e ofereçam
recursos às mulheres que desejam adentrar no ambiente público, se mostram
como mais um fator de distanciamento das mulheres das diversas instituições,
aqui em principal, da política, visto que em sociedades, como o Brasil, na
divisão dos papéis sociais ainda prevalecem as condições convencionais de
gênero, nas quais, a maioria do trabalho de cuidado e criação dos filhos,
depende da mulher, estimulando a possibilidade de maior disponibilidade de
tempo aos homens, que crescem em suas carreiras e têm oportunidade de
adentrar na política.
No entanto, vale ressaltar que, em qualquer perspectiva, seja no
campo do trabalho, da política, ou do espaço doméstico, é evidente a
persistência de uma convenção de gênero interligada com uma convenção de
raça, marcando mais desigualdades no país quando trata-se da mulher negra,
visto que pela ideia de interseccionalidade[52], as situações de discriminação
são vivenciadas de formas diferenciadas se consideradas as mulheres negras e
brancas.
Dessa maneira, objetiva-se, analisar no presente artigo, como a
mulher insere-se na política brasileira, visto que o Brasil é um país marcado
por desigualdades profundas e por uma sociedade sexista e conservadora. E
como a advocacy feminista, por meio da concretização de direitos, estaria
apta a combater a desigualdade de gênero no âmbito da política, pautando-se
em uma assessoria jurídica voltada à candidatura de mulheres, citando como
exemplo no presente, o projeto partidA, de Márcia Tiburi, movimento
feminista que surgiu em 2015, visando a possibilidade de um partido
feminista no Brasil.
Para o desenvolvimento deste trabalho, utilizou-se o método
dedutivo, a partir da abordagem geral da inserção da mulher nos ambientes
públicos e da atual participação das mulheres brasileiras na política, para o
estudo específico da prática de uma assessoria jurídica para a candidatura de
mulheres como uma vertente de uma advocacy feminista, e as perspectivas e
desafios que envolveriam essa atuação. Além desse método, foi utilizada a
pesquisa bibliográfica, em principal o estudo da obra “Feminismo e Política”,
de Luis Felipe Miguel e Flávia Biroli, o projeto partidA e o entendimento
sobre democracia por Marcia Tiburi, bem como os preceitos de Marlene
Libardoni e Leia Linhares Barsted no que tange à advocacy.
Para tal fim, o artigo em questão apresenta-se por meio de três
tópicos, no tópico 2, abordado em seguida, trata-se da transição da mulher do
âmbito privado ao público, retratando a persistência de limites à igualdade de
oportunidades, recursos e participação da mulher na política, numa
vinculação significativa de classe, raça e gênero, sendo este o indissolúvel
“nó de Saffioti”. Logo após, no tópico 3, discorre-se sobre o cenário atual da
participação da mulher na política brasileira, e como a decisão sobre leis e
políticas realizadas no Brasil, que afetam diretamente as mulheres, ainda é
feita por homens e para homens, evidenciando a necessidade de
transformações profundas nessa estrutura. Ato contínuo, conceitua-se no
tópico 4, o que seria uma advocacy feminista, e como uma assessoria jurídica
para candidaturas de mulheres seria a concretização de uma vertente da
advocacia feminista.
2. DO PRIVADO AO PÚBLICO: A DUPLA JORNADA DE
TRABALHO DAS MULHERES BRASILEIRAS
O aumento da participação das mulheres em diversas áreas da
sociedade e a demasiada persistência de barreiras à igualdade de
oportunidadesà participação no âmbito público, demonstram como as
relações de gênero atravessam toda a sociedade e seus efeitos não são
associados somente às mulheres, no entanto, vale ressaltar que as afetam de
forma mais acentuada. As desigualdades nas experiências no mundo social,
atendem a padrões de gênero, “ainda que o gênero não o faça isoladamente,
mas numa vinculação significativa com classe, raça e sexualidade”.[53] Sendo
assim, conforme Heleieth Saffioti (2004), “a mulher se mostra relevante em
sua atuação, segundo o preconceito étnico-racial, e, mais seguramente, na
relação de gênero e na de classes sociais. O importante é analisar estas
contradições na condição de fundidas ou enoveladas [...] em um nó”[54].
A análise das relações de gênero não pode, dessa maneira, existir
sem as outras duas ordens supracitadas, que os unifica em um nó
indissolúvel. Pois, se as mulheres da classe média ainda enfrentam
dificuldades para adentrar no mercado de trabalho, “as mulheres pobres
estiveram desde sempre integradas ao mundo do trabalho, ainda que sempre
em condições precárias”[55]. Isto posto, se a esfera pública abriga uma
impessoalidade, e a privada, por sua vez, possui um caráter mais pessoal,
interligada com a percepção de um profissionalismo como sendo o oposto de
uma “feminilidade” que é imposta às mulheres pela sociedade, colaboram
para uma grande desvantagem às mulheres que pretendem adentrar na
política, em outras palavras, “a análise crítica das relações de poder nas
esferas convencionalmente entendidas como não públicas ou não políticas é
necessária para se compreenderem as consequências políticas dos arranjos
privados”[56], dessa maneira:
Embora essas dimensões da realidade tenham enorme
impacto nas oportunidades dos indivíduos e mesmo na
vida que imaginam e buscam para si, sobretudo nas
camadas mais pobres da população, não são temas que
estejam recebendo a atenção da maioria das abordagens
na teoria política. A esfera privada e, sobretudo, o
âmbito das relações familiares afetivas e domésticas, não
existem ou não são construídos como variável política
relevante para a maior parte das correntes e dos estudos.
(MIGUEL; BIROLI, 2014, p. 12)[57]
Neste contexto de maior entrada das mulheres no mercado de
trabalho, verifica-se uma relevante mudança, sendo esta, o aumento de
mulheres apontadas como chefes de família, e é constatado que na proporção
de mulheres que chefiam famílias, é maior esse fenômeno nas famílias
chefiadas por mulheres negras, visto que, em 2009, 51,1% de famílias, são
dirigidas por mulheres negras. Destaca-se, que nestes casos, as piores
condições de renda são das famílias chefiadas por mulheres negras, sendo
que, 69% possuíam, em 2009, renda familiar de até um salário-mínimo. Vale
ressaltar que, entre as chefes de família, há uma tendência maior ao
desemprego das mulheres negras, em 2009, a cada cem negras chefes de
família, onze estavam desempregadas, sendo que esse número baixava para
sete, entre as brancas, evidenciando os obstáculos que estão presentes na
busca pela inserção equânime da mulher negra na sociedade.
(MARCONDES; PINHEIRO; QUEIROZ; QUERINO; VALVERDE, 2013).
[58]
Isto posto, verifica-se que “é impossível descolar a esfera política da
vida social, a vida pública da vida privada, quando se tem como objetivo a
construção de uma sociedade democrática”[59]. Nesse sentido, uma
democracia na qual todos os grupos representativos tivessem lugar no
parlamento, por meio de uma reforma política que contemplasse as
desigualdades de gênero, raça e classe, seria capaz de acionar uma nova
politização no país, nas palavras de Marcia Tiburi (2016):
A democracia é um processo que precisa ser construído
desde dentro, desde o mais miúdo cotidiano, desde a
estrutura das instituições, mas também desde as
subjetividades comprometidas com a sua construção,
aquelas subjetividades preparadas para a dimensão social
da vida. (TIBURI, 2016).[60]
Sendo assim, há um problema na efetivação plena dessa democracia,
anteriormente exposta, no regime democrático atual. Quando grupos
minoritários, como mulheres, são expostos a pressões e constrangimentos que
não fazem parte do cotidiano dos homens, como o assédio sexual, entende-se
como as instituições da sociedade, ainda dominada pelos homens, e as
diversas responsabilidades de cuidado que recaem sobre as mulheres,
“tornam a experiência do trabalho assalariado mais penosa para as mulheres
do que para os homens, o que, de forma diferentes, ocorre em todos os níveis
da hierarquia de ocupações”. (MIGUEL; BIROLI, 2014, p. 11).
Sendo assim, embora as mulheres apresentem um melhor
desempenho educacional, visto que, entre “as matrículas no ensino superior,
em 2009, quase 60% eram de pessoas do sexo feminino”[61], elas ainda
enfrentam obstáculos no que tange os retornos salariais e empregatícios
esperados, lembrando que,
as mulheres, em seu conjunto, tiveram a maior taxa de
crescimento nas faixas superiores de escolaridade, sendo
que as mulheres negras acompanharam esse perfil de
crescimento feminino. Entretanto, ao se observar os
valores atingidos pelas negras em 2009, nota-se que só
agora estas atingiram, nas faixas mais elevadas, valores
próximos àqueles que as brancas tinham em 1995. As
desvantagens das mulheres negras em relação às brancas
eram tão elevadas no ponto de partida, que, mesmo
tendo um bom crescimento ao longo do período
considerado, elas ainda se mantêm bem longe de se
assemelhar ao perfil das mulheres brancas ocupadas e
mais escolarizadas. (LIMA; RIOS; FRANÇA, 2013, p.
62)[62]
Considerando este fato, quando trata-se das mulheres negras no
mercado de trabalho é necessário visualizar a questão por meio da
compreensão da interseccionalidade, visto que ainda existe uma forte
concentração de mulheres pretas e pardas no serviço doméstico, de prestação
de serviços e em trabalhos relacionados à indústria, ou seja, as políticas
educacionais atingiram as mulheres, e incrementaram a realização
educacional das mulheres negras, mas não o suficiente para eliminar as
desigualdades neste campo, resultando em desvantagens no posicionamento
das mulheres negras em cargos de poder (LIMA; RIOS; FRANÇA, 2013)[63].
Dessa maneira, quando essas questões não são discutidas na
sociedade e na seara política, elas se tornam cada vez mais marginalizadas,
silenciando o impacto do gênero e da raça na posição social dos indivíduos e
sobre sua relação na posição de hierarquias existentes na sociedade. Ou seja,
esse silêncio serve como artifício para a manutenção das relações de poder no
âmbito doméstico, no mundo do trabalho e no mundo da política, sendo
particularmente produtivo, ou seja, contribui para a preservação do status quo
e acabam por delimitar muitas reflexões que justificam as coisas como elas
são. (MIGUEL; BIROLI, 2014)[64]
Conforme dados produzidos no 1º turno das eleições de 2020, pelo
Tribunal Superior Eleitoral, apenas 33,6% foram as candidaturas de
mulheres[65], a sub-representação feminina, além de decorrer de séculos de
discriminação imposta ao gênero feminino, é também resultante da falta de
suporte à candidaturas de mulheres, a falta de creches e de políticas públicas
que conciliem a rotina de trabalho e cuidado penaliza as mulheres, visto que,
como anteriormente tratado, o Brasil encontra-se em um sociedade na qual a
divisão social do trabalho permanece imbricada nas relações convencionais
de gênero,
o impacto dessa divisão desigual do trabalho e do
usufruto do tempo – o tempo semanal dedicado pelas
mulheres ao trabalho doméstico no Brasil seria, segundo
pesquisas recentes, 150% maior que o tempo dedicado
pelos homens – se desdobra em injustiça distributiva e
barreiras à igualdade nas oportunidades, [...]. Deixando
para trás os estereótipos que definiam as mulheres como
menos interessadas na política, é preciso considerar
essas desigualdades para compreender por que elas
continuam subrepresentadas, como grupo, em todos os
âmbitos da política brasileira. (MIGUEL; BIROLI,
2014, p. 12)[66]
Dessa maneira, as instituições patriarcaisde dominação masculina,
engendram a submissão da mulher na esfera doméstica, sendo a sua exclusão
da esfera pública decorrente dessas estruturas sociais[67]. Logo, desde as
reivindicações de feministas de séculos passados, como as de Mary
Wollstonecraft, em sua obra, “Uma vindicação dos direitos da mulher”,
publicada em 1792, em que ela sistematiza suas reflexões sobre a
“necessidade de e os obstáculos para a emancipação das mulheres”[68],
permanecem as barreiras para a igualdade de gênero, e crescem cada vez
mais os mecanismos de reprodução da dominação masculina, sendo assim,
[...] a defesa de relações mais justas e democráticas na
esfera privada leva a refletir sobre os papéis
convencionais de gênero e a divisão do trabalho,
expondo suas implicações para a participação paritária
de mulheres e homens na vida pública. Relações mais
justas na vida doméstica permitiriam ampliar o horizonte
de possibilidades das mulheres, com impacto em suas
trajetórias pessoais e suas formas de participação na
sociedade. O âmbito das relações familiares e íntimas
pode ser também o da distribuição desigual das
responsabilidades sobre a vida doméstica e sobre as
crianças, dos estímulos diferenciados que favorecem um
maior exercício da autonomia, no caso dos homens, e a
obediência ou o engajamento em relações que cultivam
uma posição de dependência e subordinação para as
mulheres. (BIROLI, 2014, p. 34)[69]
Isto posto, as barreiras para o desempenho do trabalho remunerado e
da entrada da mulher no âmbito público, são, além de resultados de
estereótipos que produzem instituições predominantemente masculinizadas,
que discriminam as mulheres, como o tempo que as mulheres dedicam ao
trabalho não remunerado realizado na esfera doméstica, ou seja, elas
enfrentam as barreiras da dupla jornada de trabalho, visto que continuam ter a
responsabilidade na criação dos filhos e no trabalho em casa, vale ressaltar
que, em consequência, “é esse trabalho feminino que permite que o homem
seja liberado para atender a exigências profissionais que lhe permitem maior
remuneração e a construção de uma carreira, assim como para usufruir o
tempo livre”[70]. Convém ainda, ressaltar que as mulheres negras, além disso,
se encontram como o grupo mais desfavorecido nesses processos de inserção
no âmbito público, visto que sofrem as opressões de raça e gênero, possuindo
assim, mas dificuldade em transformar suas aquisições educacionais em
melhores rendimentos e posicionamentos no mercado de trabalho,
permanecendo em maior quantidade nas ocupações de menor prestígio na
sociedade. (LIMA; RIOS; FRANÇA, 2013)[71]
3. A REPRESENTATIVIDADE FEMININA NA POLÍTICA
BRASILEIRA
O movimento feminista, por meio de sua atuação na sociedade ao
longo dos anos, realizou diversas conquistas na busca da emancipação das
mulheres, como o acesso à educação, o direito de votar e de se candidatar,
agentes importantes nessa mobilização como Nísia Floresta e Bertha Lutz,
entre outras mulheres, desbravaram a luta feminista no brasil, mostrando que
o lugar da mulher é também nos centros de decisão do país. No entanto, o
poder no Brasil, ainda é ocupado majoritariamente por homens, reproduzindo
assim, a representatividade ínfima da mulher na política brasileira, ou seja,
o poder sobre as decisões públicas, que deveria ser
neutro em relação a gênero, é marcadamente masculino,
o que resulta em pouca sensibilidade no mundo político
diante de assuntos importantes para a qualidade de vida
das mulheres. E, por outro lado, abala a
representatividade das instituições políticas nas quais são
tomadas as decisões que afetam a vida da nação.
(SENADO FEDERAL, 2015, p. 18)[72]
Após anos de luta, há exatos 87 anos, as mulheres brasileiras
conquistaram o direito ao voto, direito consolidado na Constituição de 1934,
desde então, a luta continua no sentido de garantir o espaço da mulher na
política brasileira, no entanto,
Vale lembrar que a mulher negra ainda é sub-
representada no parlamento. Dados do censo de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
apontam que existem no Brasil cerca de 97 milhões de
pessoas negras (que se declararam pretas ou pardas),
correspondendo a 50,94% do conjunto da população.
Levantamento da Câmara dos Deputados, em 2014,
mostra que foram eleitos 106 candidatos que se
autodeclararam pardos ou negros, representando 20,7%
do total; os brancos foram 407 (79,3%). Por qualquer
critério que se utilize, o percentual de negros ou pardos
alcançado na Casa está bem distante do percentual para
o Brasil, 50,7% dos brasileiros (dado do IBGE, também
obtido por autodeclaração). Na história do Senado
Federal houve três senadoras negras: Laélia Alcântara,
Benedita da Silva e Marina Silva. (SENADO
FEDERAL, 2015, p. 20)[73]
Portanto, diante da situação atual, entende-se que a luta pela
ampliação da participação efetiva das mulheres no cenário político é árdua e
lenta. Ressaltando,
o quão preocupante se faz essa falta de
representatividade feminina nos setores sociais, em
principal, na política. Afinal, a posição de agente
participativo da mulher demonstra-se fundamental para a
garantia de sua liberdade e, consequentemente, de seu
poder de livre escolha. Deve-se, assim, atentar para a
concretização desses institutos. (SALIBA; SANTIAGO,
2016, p. 94)[74]
O Brasil contou com a conquista inédita da eleição de uma mulher
para a presidência, no entanto, apesar da eleição da ex-presidenta Dilma
Rousseff para este cargo de poder, não foi superada a sub-representatividade
das mulheres na política, visto a misoginia presente no seu governo e também
no seu processo de impeachment, sendo assim:
A democracia plena, portanto, não foi atingida no
governo Dilma, mesmo com a eleição de uma mulher
para assumir o cargo de governante do país. Afinal,
durante seu governo, esta sofreu diversos tipos de
violência, mesmo que simbólicas, simplesmente pelo
fato de ser mulher. Nota-se, então, como a misoginia
opera na sociedade patriarcal brasileira, diminuindo a
mulher e não conferindo a esta um tratamento digno e
humano. (SALIBA; SANTIAGO, 2016, p. 96)[75]
Dessa maneira, “um dos principais inimigos do governo Dilma foi a
misoginia, o discurso de ódio que ultrapassa comportamentos machistas
cotidianos, chegando ao ponto de extirpar do poder uma mulher eleita
democraticamente” (SALIBA; SANTIAGO, 2016, p. 97)[76], e decorre dessa
realidade o fato da política representar um campo masculino, afastando as
mulheres da sua atuação na sociedade de forma plena e da ocupação de
cargos de poder. Além disso, ao direcionar o olhar para o espaço em que
ocorreu a votação do processo de impeachment da ex-presidenta Dilma,
verifica-se que ele era majoritariamente composto por homens brancos,
cisgêneros e heterossexuais, desmitificando a concepção de democracia racial
atual que afasta a população negra do debate político e afasta cada vez mais
as mulheres negras do poder. (MEDONÇA, 2016)[77].
Por consequência, a “variável racial produz subalternidade, e
incidem sobre as mulheres negras dois eixos de opressão, as mulheres negras
habitam um espaço vazio, que se sobrepõe às margens da raça e do gênero, o
chamado terceiro espaço” (SOUTO; CALAÇA, 2021, p. 61)[78], refletindo em
todas os âmbitos de poder, visto que nas “eleições de 2018, dos 513
deputados eleitos para a Câmara dos Deputados, apenas 13 são negras; no
Senado Federal, o ambiente é ainda mais excludente, dos 81 senadores,
apenas 2 são mulheres negras” (SOUTO; CALAÇA, 2021, p. 61)[79]. Sendo
assim, às mulheres negras são determinados papéis na estratificação social, e
mesmo com as tentativas de maior representatividade das mulheres negras na
política e nos parlamentos, verifica-se uma violência contra a mulher na
política, utilizada como tática para que a participação dessas mulheres seja
dissuadida, como por exemplo, o processo de impeachment da presidenta
Dilma, e o marcante assassinato da vereadora eleita em 2016, Marielle
Franco. (SOUTO; FRANÇA, 2021)[80]
Outra importante conquista, foi a aprovação de lei, em 1995, que
garantiua cota de gênero correspondente a 20% das candidaturas nas eleições
municipais de 1996. Logo após, em 1997, elevou-se a cota para 30%, sendo
esta válida para qualquer eleição. A Lei n. 9.504/1997, ainda encontra-se em
vigor, e a instituição destas cotas se transcreve em uma modalidade de ação
afirmativa, objetivando a maior inserção das mulheres na política. Dessa
maneira, pelas regras eleitorais em vigência, no Brasil, nenhum dos gêneros
pode possuir mais de 70% de candidaturas partidárias, sendo assim, deveriam
existir no mínimo 30% de representatividade feminina, mas, essa não é a
realidade, “o percentual de mulheres eleitas tem sido consistentemente
inferior aos 30% de candidatas. Na Câmara dos Deputados, o percentual
feminino tem-se mantido em torno dos 9% do total de cadeiras”. (SENADO
FEDERAL, 2015, p. 41).
A presença percentual feminina no parlamento brasileiro é também
ínfima, comparando com nossos vizinhos latino-americanos, por exemplo, o
Brasil se encontra na penúltima pior situação, estando à frente apenas do
Haiti, ou seja, entre os 188 países pesquisados em dezembro de 2014 pela
União Interparlamentar, o Brasil está na 158ª posição[81], revelando a
necessidade da implementação de medidas, dentre elas a de cotas eleitorais,
que garantam a devida competitividade às candidaturas femininas.
Salienta-se no entanto, o cuidado com as candidaturas fictícias –
comumente denominadas como “candidaturas laranjas”, que referem-se aos
candidatos de fachada, que adentram na corrida eleitoral sem concorrerem de
fato[82]-, sendo assim, fica claro que somente a aplicação da lei não se faz
suficiente para que haja o aumento de mulheres no poder, necessitando de
uma capacitação, apoio e campanhas de incentivo às mulheres, sendo
especialmente necessário, “dar acesso a recursos de financiamento de
campanha, abrir espaços nos partidos políticos para a autuação de mulheres,
assegurar em lei punição aos partidos que não cumprem o que determinam as
ações afirmativas, entre outras medidas”. (SENADO FEDERAL, 2015, p. 32)
[83]
Sendo assim, fica evidente que o Brasil necessita superar o cenário
de sub-representação das mulheres na política, harmonizando a
representatividade feminina vide a amplitude do seu eleitorado. Pois quando
minorias adentram na política elas contribuem para afastar obstáculos que
impedem ou afastam outras minorias de participarem da política e da vida
pública. Dessa maneira, para se alcançar uma democracia plena, é
indispensável a inclusão de mulheres, de todas as raças, classes e orientações
sexuais, nos âmbitos de poder, bem como, é fundamental elaborar políticas
públicas de apoio e incentivo às candidatas, além de efetivar as Leis e
políticas públicas já existentes, e exigir maior comprometimento dos poderes
e dos partidos políticos, no êxito desta luta.
4. ADVOCACY FEMINISTA: POR MAIS MULHERES NA POLÍTICA
Após analisar a situação da mulher na política brasileira, o presente
capítulo tem como objetivo conceituar o que seria uma advocacy feminista, e
como esta pode atuar no âmbito das candidaturas por meio de uma assessoria
jurídica. O termo advocacy, tem origem na palavra advocare, do latim, que
significa ajudar alguém que está em necessidade; advocacy, atualmente tem
sido utilizada como um sinônimo de defesa e argumentação em favor de uma
causa.[84] Dessa maneira, a advocacy feminista atua de maneira a defender os
direitos das mulheres em diversos setores, de modo a influir na própria
democracia, ou seja, aumentando a representatividade das mulheres na
política, o advocacy contribui para uma redemocratização feminista e plena,
pois,
Quando falamos de advocacy, falamos de política e
processos de transformação, de valores e crenças,
consciência e conhecimento. Falamos sobre influenciar o
poder em questões e problemas que concernem aos
cidadãos, sobretudo àqueles marginalizados e excluídos
dos processos políticos. Falamos de construção de
organizações fortes e democráticas, de fortalecer a
sociedade civil em sua ação de controle social e
responsabilização de agentes institucionais. Falamos
sobre democratizar as relações de poder e ampliar a
participação dos segmentos historicamente excluídos nos
processos de tomada de decisões, de maneira a promover
uma nova visão de sociedade e um mundo onde as
relações sejam mais equitativas. Sob essa perspectiva, a
promoção e a defesa devem ter por objetivo não somente
exercer influência sobre uma política pública (Estado)
ou sobre o mercado, ou mesmo aumentar a participação
cidadã no processo de tomada de decisões, mas devem
também contribuir para fortalecer a sociedade civil e
ampliar a cultura democrática. (LIBARDONI, 2000, p.
4).[85]
No Brasil, “a advocacy feminista nas últimas três décadas teve como
alvos e interlocutores os poderes legislativo e executivo” (BARSTED, p. 21)
[86], dessa maneira o investimento de uma advocacy junto as candidaturas
feministas pode contribuir para eliminar diversos obstáculos, sendo um deles
o acesso ao poder, visto que para a realização de pré-campanha e campanha
eleitoral, implica-se devido conhecimento da lei, e de mecanismos e canais
que garantam a maior representação da mulher na política. Isto posto, a luta
feminista por meio de uma assessoria jurídica voltada para a inclusão de
mulheres na política, deve se administrar por meio de uma advocacy em face
dos três poderes, mobilizando medidas que contribuam para a entrada e
permanência da mulher no âmbito do poder, como exemplo desta atuação de
advocacy temos:
O feminismo brasileiro constitui-se, assim, desde seu
início, em ator político, desenhando e lutando por uma
agenda de políticas públicas voltadas para a inclusão das
mulheres nos direitos de cidadania. Teve clareza de que
políticas públicas implicam a existência de atores sociais
capazes de mobilizar o Estado na geração de um
conjunto de medidas que pressupõem certa permanência,
coerência e articulação dos distintos poderes e esferas
institucionais. A conquista e o avanço dessas ações
envolvem pressão social e vontade pública. [...] Como
resultado dessa atuação de advocacy junto ao Poder
Legislativo, a cidadania formal das mulheres brasileiras
foi completada formalmente com a Constituição Federal
de 1988, que aboliu as inúmeras discriminações [...]. Ao
reconhecer a igualdade de direitos de homens e
mulheres, na vida pública e na vida privada, a
Constituição de 1988 incorporou inúmeros outros
direitos individuais e sociais das mulheres. (BARSTED,
p. 7)[87]
Dessa maneira, a advocacy, produz suas consequências, de acordo
com o grupo que reivindicou seus próprios direitos. E a advocacy feminista,
por sua vez, “também produz seus próprios efeitos, possibilitando que a
mulher seja porta-voz de sua própria fala e reivindique-os. Entre esses
efeitos, destacam-se: os direitos, ou seja, o que o movimento feminista visava
diretamente a ser concretizado [...].” (SANTIAGO; ALVES; TAUIL, 2020,
p. 110-111)[88]
Isto posto, a assessoria jurídica para candidaturas de mulheres, se
configuraria como uma advocacy feminista no que tange a sua utilização
como um instrumento de concretização do direito como um todo, dessa
maneira, a assessoria jurídica por meio de técnicas e estratégias específicas
poderia contribuir para a implementação de políticas públicas e aplicabilidade
da Lei n. 9.504/1997, garantindo os direitos humanos das mulheres e
ampliando sua participação na política brasileira. Dessa maneira, na pré-
campanha, a assessoria jurídica como vertente de uma advocacy feminista
para a candidatura de mulheres, prestaria assistência as pré-candidatas – ou
seja, todas aquelas que pretendem concorrer na “corrida eleitoral” –,
revisando se elas cumprem os requisitos para disputar as eleições,
Segundo a Constituição Federal, a candidata precisa
cumprir os seguintes requisitos para concorrer às
eleições municipais: ter nacionalidade brasileira; estar no
pleno exercício de seus direitos políticos; estar filiada a
um partido político; possuir título de eleitor com
domicílio onde pretende concorrer; ter idademínima
para cada cargo, sendo 18 anos para vereadora e 21 anos
para prefeita ou vice-prefeita. (SECRETARIA DA
MULHER, 2020, p. 12)[89] 
No entanto, além de cumprir os requisitos para disputar as eleições,
as pré-candidatas ainda dependem da escolha de seus nomes em convenção
partidária para se tornarem candidatas oficiais, aqui vale destacar a proposta
de um movimento feminista, idealizado por Marcia Tiburi, a partidA:
A #partidA é uma espécie de metáfora política. Desde o
começo discutimos a questão do nosso significante:
“#partidA”. Trata-se de uma palavra que remete ao
feminino de partido, mas em vez de um P maiúsculo ao
começo, colocamos um A maiúsculo ao final, para
marcar o seu caráter feminino. Politizado, o feminino se
torna “feminismo”. A consciência de gênero é o que está
em jogo na politização das mulheres. Como metáfora, a
#partidA se estabelece no trânsito, na comparação entre
movimento e partido e cria uma nova forma. (TIBURI,
2016).[90]
Dessa maneira, de forma estratégica, a partidA agiria como um
movimento que funciona como partido, no entanto sem abandonar o poder de
articulação e transformação característico da luta feminista, sendo assim, este
movimento funcionaria como uma medida para essa assessoria jurídica em
prol de candidaturas de mulheres, em busca de uma democracia feminista:
Essa democracia é radical, no sentido de lutar pela
inclusão política de todos na sociedade, o que pensamos,
seja possível pela representação das chamadas
“minorias”. No caso das mulheres, somos, na verdade,
uma maioria populacional e uma minoria política, mas
em diversos estágios de politização. Queremos
contribuir como movimento para a politização cotidiana
das mulheres rumo ao feminismo como consciência de
gênero, consciência de raça e da classe. Acreditamos que
a revolução é feminista e pode ser feita sem violência
por parte de seus agentes. (TIBURI, 2016)22
Em vista disso, o movimento partidA, é um exemplo significativo no
que tange a assessoria jurídica às candidaturas de mulheres na política, visto
que uma das ideias que transitam atualmente, em principal no estado de São
Paulo, é deste movimento funcionar como apoio a candidatas de outros
partidos. Sendo assim, “a proposta da partidA é empoderar mulheres e todos
aqueles sujeitos que se reconhecem como mulheres e que desejam fazer
política feminista” (TIBURI, 2015)[91].
Além disso, visto que as mulheres negras representam a parcela da
sociedade que mais experimenta vulnerabilidade socioeconômica, a advocacy
feminista, poderia agir nesse contexto, denunciando a dupla opressão a que
essas mulheres estão sujeitas. Visto que, “em relação ao debate de gênero e
partidos políticos, que, desde o recrutamento à corrida eleitoral, há
preferências nas escolhas dos dirigentes partidários. A prioridade eleitoral
tende a ser: 1) quem já ocupa cargo ou está tentando reeleição; 2) quem
compõe o perfil tradicional do representante partidário” (SOUTO; CALAÇA,
2021, p. 64)[92]. Sendo este perfil tradicional resumido no homem branco,
cisgênero, e heterossexual. Dessa maneira, essa assessoria jurídica poderia ser
utilizada como recurso para o enfrentamento do racismo imbricado na
sociedade em prol da libertação e representação das mulheres negras
brasileiras, concedendo-lhes a oportunidade de gerar a maior reflexão sobre a
situação da mulher negra no Brasil, e da ocupação de todos os espaços
possíveis da sociedade, nesse sentido:
É importante insistir que no quadro das profundas
desigualdades raciais existentes no continente, se
inscreve, e muito bem articulada, a desigualdade sexual.
Trata-se de uma discriminação em dobro para com as
mulheres não-brancas da região: as amefricanas e as
ameríndias. O duplo caráter da sua condição biológica –
racial e sexual – faz com que elas sejam as mulheres
mais oprimidas e exploradas de uma região de
capitalismo patriarcal-racista dependente. Justamente
porque este sistema transforma as diferenças em
desigualdades, a discriminação que elas sofrem assume
um caráter triplo, dada sua posição de classe, ameríndias
e amefricanas fazem parte, na sua grande maioria, do
proletariado afrolatinoamericano. (GONZALEZ, 2011,
p. 17)[93]
A advocacy feminista também agiria por meio de articulações
realizadas por essa assessoria jurídica, dando maior visibilidade a temática da
candidaturas de mulheres, colocando a questão da sub-representação no
debate público, influenciando assim a transformação na sociedade civil,
podendo essa articulação ser realizada também no período de propaganda
intrapartidária, que é realizado no período de pré campanha, sendo “aquela
voltada para os membros do partido político”[94], com o objetivo de que o
nome das candidatas apoiadas por essa assessoria jurídica sejam indicados
para concorrer em eleição, e após esta indicação, o apoio será voltado para a
campanha eleitoral, assegurando que a candidata haja de acordo com os
pressupostos permitidos na propaganda eleitoral, e que receba devidamente
apoio, por meio de políticas públicas e também os devidos recursos, ou seja,
a utilização do fundo partidário para campanhas femininas:
O Supremo Tribunal Federal, em março de 2018, decidiu
que a distribuição de recursos provenientes do fundo
destinados ao financiamento das campanhas eleitorais
deve ser feita na exata proporção das candidaturas, de
ambos os sexos, respeitando o patamar mínimo de 30%
de candidaturas femininas, previsto no artigo 10, §3º, da
Lei nº 9.504/1997. A mesma regra se aplica quanto ao
Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC),
que é um fundo público, constituído por dotações
orçamentárias da União, em ano eleitoral, destinado ao
financiamento das campanhas eleitorais dos candidatos.
Nas eleições 2020, pela primeira vez será aplicado em
eleições municipais. (SECRETARIA DA MULHER,
2020, p. 27)
Por fim, essa ação de advocacy, além de contribuir para a
candidatura de mulheres e sua maior representatividade, serviria também para
a conscientização e educação da população, trabalhando junto à mídia,
influenciando os tomadores de decisão e o público em geral, incorporando
por meio desse processo educacional, o aumento da consciência crítica das
mulheres sobre sua situação atual, e o seu real poder de ação para mudanças,
contribuindo também no exercício pelas mulheres dos seus direitos, e sua
participação nos espaços de tomadas de decisões. (LIBARDONI, 2000)[95]
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dentro do exposto, é evidente que a mulher vivencia uma exclusão
no âmbito do poder, aqui tratado especialmente do campo político. É
comumente dito que a ínfima presença das mulheres na política e nos
parlamentos é decorrente do desinteresse delas, no entanto, estas afirmações
não são verídicas, são apenas repetidas cotidianamente para justificar a
ausência delas no poder, visto que o Brasil possui uma política
majoritariamente composta por homens.
As razões que contribuem para a sub-representação feminina no
Parlamento, aqui expostas, são resultados de séculos de discriminação, visto
que a sociedade brasileira é marcadamente machista, e da divisão sexual do
trabalho, visto que a mulher continua como a principal responsável pelas
tarefas de cuidado, ou seja, possui uma elevada carga de trabalho, com a
dupla jornada de trabalho, enquanto o homem, em sua maioria, continua se
desresponsabilizando do trabalho doméstico e cuidado dos filhos, utilizando
desse tempo livre para conquista dos mais altos cargos e investimento na
carreira política.
Assim, para a construção de uma democracia plena, e feminista,
seria necessária a transformação da sociedade por um todo, focando na
presença efetiva das mulheres nas relações sociais, políticas, culturais e
econômicas. Atualmente, o Brasil dispõe de leis afirmativas, como a Lei n.
9.504/1997, que garante a cota de 30% para candidaturas de mulheres, no
entanto, verifica-se a ineficiência desta lei, dentro do atual sistema brasileiro
de candidaturas, vide o sistema de fraude realizado por intermédio de
candidaturas laranjas, que mantém o status quo da política

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