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História da África - UniCesumar

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Prévia do material em texto

HISTÓRIA DA 
ÁFRICA
Professora Dra. Amanda Palomo Alves
GRADUAÇÃO
Unicesumar
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a 
Distância; ALVES, Amanda Palomo. 
 
 História da África. Amanda Palomo Alves. 
 Maringá-Pr.: UniCesumar, 2016. Reimpresso em 2018.
 229 p.
“Graduação - EaD”.
 
 1. História. 2. África. 3. Cultura. 4. EaD. I. Título.
ISBN 978-85-459-0336-9
CDD - 22 ed. 960
CIP - NBR 12899 - AACR/2
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário 
João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD
Willian Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi
NEAD - Núcleo de Educação a Distância
Direção Operacional de Ensino
Kátia Coelho
Direção de Planejamento de Ensino
Fabrício Lazilha
Direção de Operações
Chrystiano Mincoff
Direção de Mercado
Hilton Pereira
Direção de Polos Próprios
James Prestes
Direção de Desenvolvimento
Dayane Almeida 
Direção de Relacionamento
Alessandra Baron
Head de Produção de Conteúdos
Rodolfo Encinas de Encarnação Pinelli
Gerência de Produção de Conteúdos
Gabriel Araújo
Supervisão do Núcleo de Produção de 
Materiais
Nádila de Almeida Toledo
Supervisão de Projetos Especiais
Daniel F. Hey
Coordenador de Conteúdo
Priscilla Campiolo Manesco Paixão
Design Educacional
Yasminn Zagonel
Iconografia
Isabela Soares Silva
Projeto Gráfico
Jaime de Marchi Junior
José Jhonny Coelho
Arte Capa
Arthur Cantareli Silva
Editoração
André Morais de Freitas
Qualidade Textual
Hellyery Agda
Ilustração
Bruno Cesar Pardinho
Marta Kakitani
Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos 
com princípios éticos e profissionalismo, não so-
mente para oferecer uma educação de qualidade, 
mas, acima de tudo, para gerar uma conversão in-
tegral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos 
em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e 
espiritual.
Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos 
de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 
100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil: 
nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba, 
Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos 
EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e 
pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros 
e distribuímos mais de 500 mil exemplares por 
ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma 
instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos 
consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos 
educacionais do Brasil.
A rapidez do mundo moderno exige dos educa-
dores soluções inteligentes para as necessidades 
de todos. Para continuar relevante, a instituição 
de educação precisa ter pelo menos três virtudes: 
inovação, coragem e compromisso com a quali-
dade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de 
Engenharia, metodologias ativas, as quais visam 
reunir o melhor do ensino presencial e a distância.
Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é 
promover a educação de qualidade nas diferentes 
áreas do conhecimento, formando profissionais 
cidadãos que contribuam para o desenvolvimento 
de uma sociedade justa e solidária.
Vamos juntos!
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está 
iniciando um processo de transformação, pois quando 
investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou 
profissional, nos transformamos e, consequentemente, 
transformamos também a sociedade na qual estamos 
inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu-
nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de 
alcançar um nível de desenvolvimento compatível com 
os desafios que surgem no mundo contemporâneo. 
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de 
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo 
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens 
se educam juntos, na transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica 
e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con-
tribuindo no processo educacional, complementando 
sua formação profissional, desenvolvendo competên-
cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em 
situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado 
de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal 
objetivo “provocar uma aproximação entre você e o 
conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento 
da autonomia em busca dos conhecimentos necessá-
rios para a sua formação pessoal e profissional.
Portanto, nossa distância nesse processo de cresci-
mento e construção do conhecimento deve ser apenas 
geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos 
que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. 
Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu 
Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns 
e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das dis-
cussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe 
de professores e tutores que se encontra disponível para 
sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de 
aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui-
lidade e segurança sua trajetória acadêmica.
A
U
TO
R
A
Professora Dra. Amanda Palomo Alves
Graduou-se e Especializou-se em História pela Universidade Estadual de 
Maringá (UEM) e concluiu seu Mestrado em História pela mesma Instituição. 
É Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), 
atuando, principalmente, nos seguintes temas: história da África, com ênfase 
em Angola - século XX; história e cultura afro-brasileira; história e música; 
relações raciais no Brasil e ensino de história da África. Tem experiência docente 
em cursos de graduação e pós-Graduação. Atualmente, é pesquisadora em 
vários projetos e grupos de pesquisa, entre eles, Núcleo de Estudos Africanos 
(NEAF-UFF); Núcleo de Estudos Contemporâneos (NEC-UFF), Nacionalismos e 
Independências (UFF) e Núcleo de Estudos Interdisciplinares Afro-Brasileiros 
(NEIAB-UEM).
SEJA BEM-VINDO(A)!
Em sua obra “Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África”, o pesquisa-
dor e africanista Alberto da Costa e Silva (2003, p. 240) nos explica: “a história da África é 
importante para nós, brasileiros, porque ajuda a explicar-nos”. Podemos afirmar que até 
meados dos anos 1990 a presença da história da África nos Currículos e nos livros esco-
lares brasileiros era praticamente insignificante. O continente sempre fora retratado de 
modo secundário, associado, recorrentemente, às viagens marítimas dos séculos XV e 
XVI, ao tráfico de escravos e aos processos históricos do imperialismo e do colonialismo. 
O antropólogo Kabengele Munanga (1990) nos explica que esse modo bastante equivo-
cado de olharmos para o continente africano – e para os seus povos – pode ser ilustrado, 
por exemplo, pelos filmes sobre Tarzan, pelas informações divulgadas pela imprensa es-
crita e falada e, ainda, pelas mídias eletrônicas de modo geral que persistem em explorar 
acontecimentos relacionados às calamidades naturais e às doenças na África. 
Felizmente, tal cenário passou a sofrer uma aparente e significativa modificação a partir 
de 2003, quando foi promulgada a Lei Federal nº 10.639, que, alterando o texto da Lei 
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), tornou obrigatório o ensino de histó-
ria africana e cultura afro-brasileira nas escolas. Além da aparente relevância do tema 
da referida lei, podemos afirmar que ela simbolizou uma ação de extrema importância, 
pois se propôs a desenvolver políticas de reparação e de ação afirmativa em relação 
às populações afrodescendentes. Não podemos deixar de mencionar, ainda, que sua 
promulgação foi uma conquista do movimento negro brasileiro e de grupos políticos, 
culturais e intelectuais da academia que há anos têm reivindicado o reconhecimento, 
a valorização e afirmação da identidadee dos direitos dos afrodescendentes no Brasil. 
Vale acrescentarmos, também, que outro importante passo foi dado no ano seguinte, 
em 2004, com a formulação das “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das 
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”. 
Ambos os documentos mencionados apontam para a importância e para a obrigatorie-
dade da introdução do estudo da história da África e da cultura afro-brasileira nas insti-
tuições de ensino brasileiras. Certamente, trata-se de um importante passo para a supe-
ração de abordagens que insistem em conhecer e compreender as sociedades africanas 
por um viés negativo e repleto de estereótipos. Além disso, gostaríamos de chamar a 
atenção para outra questão fundamental: a redefinição do lugar ocupado pela África (e 
pelos africanos) nos estudos da área de História. Ou seja, devemos, mais do que nunca, 
nos desviar de um olhar eurocêntrico lançado para a História da África e buscarmos uma 
prática educativa voltada para a tolerância e para o respeito às diversidades, sejam elas 
culturais, linguísticas, étnico-raciais, regionais ou religiosas. 
Caro(a) aluno(a), sabemos que, quando pensamos em “África”, várias questões insurgem, 
mas sabemos também que a história do continente nos reserva temas, espaços e tem-
poralidades diversas. Assim, para concluirmos esta breve apresentação, gostaríamos de 
mencionar que foram necessárias algumas opções temáticas e recortes temporais na 
organização e escrita do livro, que está dividido em cinco unidades específicas. 
APRESENTAÇÃO
HISTÓRIA DA ÁFRICA
A primeira delas apresenta algumas características peculiares do continente africa-
no – como a sua formação geológica, sua divisão em macrorregiões –, e demonstra 
algumas versões para a origem do nome “África”. Explica, também, porque a África é 
considerada “o berço da humanidade”, e disserta sobre o processo de Hominização 
e sobre as Migrações, ressaltando importantes características dos períodos Paleolí-
tico, Mesolítico e Neolítico. Por fim, aponta as representações da África (e dos afri-
canos) no imaginário ocidental europeu ao longo da História e, ao mesmo tempo, 
problematiza o conceito de etnocentrismo. 
A unidade dois trata de duas importantes e antigas civilizações africanas. Nela, apre-
sentamos particularidades da antiga civilização egípcia e apontamos importantes 
características da antiga civilização núbia. Discutimos a importância do reino de 
Kush e destacamos algumas de suas importantes características.
O tema geral abordado na terceira unidade deste livro é “A África sob o domínio 
colonial: a Conferência de Berlim e a partilha do continente”. Nessa unidade, mostra-
mos importantes aspectos que antecederam a realização da Conferência de Berlim 
e a partilha do continente africano. Buscamos apresentar e entender as estratégias 
de dominação das potências imperialistas que conduziram o projeto da partilha e 
assinalamos as principais consequências decorrentes da Conferência realizada em 
Berlim durante o século XIX. Por fim, nos dedicamos a falar da importância da teoria 
da dimensão africana e apresentamos a perspectiva de estudiosos africanos sobre 
o processo da partilha. 
Logo após, na quarta unidade, expomos as lutas pela independência em África, 
sobretudo nas ex-colônias portuguesas, dando atenção especial à Angola. Apon-
tamos características do colonialismo, assim como dos movimentos de resistência 
e de libertação naquele país. Tratamos do surgimento e da importância do grupo 
“N’gola Ritmos” e, por fim, apresentamos os principais acontecimentos ocorridos 
nos primeiros anos do pós-independência em Angola, abordando a importância da 
canção como um instrumento de divulgação dos ideais do Movimento Popular pela 
Libertação de Angola (MPLA). 
Para encerrar o nosso livro, propomos uma discussão sobre a relação entre Brasil e 
África, indicando alguns diálogos possíveis e necessários. Falamos, brevemente, a 
respeito do processo da diáspora africana no Brasil e discutimos, também breve-
mente, o surgimento e a importância do Movimento Negro em nosso país. 
Na unidade cinco, dissertamos, ainda, sobre o surgimento e a trajetória da black 
music no Brasil, demonstrando a importância de Tony Tornado no cenário político e 
cultural do Brasil dos anos 1970. 
Esperamos, sinceramente, que esteja animado(a). Vamos lá?!
APRESENTAÇÃO
SUMÁRIO
09
UNIDADE I
A “INVENÇÃO DA ÁFRICA” NO IMAGINÁRIO OCIDENTAL
EUROPEU AO LONGO DA HISTÓRIA: REPENSANDO O CONTINENTE
15 Introdução 
16 O Continente 
23 África, “O Berço da Humanidade” 
34 A “Invenção da África” no Imaginário Ocidental Europeu ao Longo da 
História: Repensando o Continente 
47 Considerações Finais 
UNIDADE II
AS PRIMEIRAS CIVILIZAÇÕES DA ÁFRICA: EGITO ANTIGO E NÚBIA
56 Introdução
57 Uma Breve História Da Antiga Civilização Egípcia 
63 A Antiga Civilização Núbia e o Reino de Kush 
79 Considerações Finais 
SUMÁRIO
10
UNIDADE III
A ÁFRICA SOB O DOMÍNIO COLONIAL: A CONFERÊNCIA DE BERLIM E A 
PARTILHA DO CONTINENTE
89 Introdução 
90 Antecedentes da Conferência de Berlim 
93 A Conferência de Berlim e a Partilha do Continente 
107 Considerações Finais 
UNIDADE IV
OS MOVIMENTOS DE RESISTÊNCIA E AS INDEPENDÊNCIAS NA ÁFRICA: 
O CASO DE ANGOLA
119 Introdução
120 Pensando as Independências Africanas e os Movimentos de Libertação 
137 Música e Nacionalismo em Angola: O Surgimento e a Importância do 
Grupo “N’gola Ritmos”
148 Angola: A Caminho da Independência e o Início da Guerra Civil 
164 Considerações Finais 
SUMÁRIO
11
UNIDADE V
ÁFRICA-BRASIL: UMA RELAÇÃO DE ENCONTROS E AFASTAMENTOS
175 Introdução
176 África E Brasil: Breves, Mas Importantes Reflexões 
179 A História do Negro no Brasil 
210 Considerações Finais 
221 CONCLUSÃO
223 REFERÊNCIAS
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Professora Dra. Amanda Palomo Alves
A “INVENÇÃO DA ÁFRICA” NO 
IMAGINÁRIO OCIDENTAL
EUROPEU AO LONGO DA HISTÓRIA: 
REPENSANDO O CONTINENTE
Objetivos de Aprendizagem
 ■ Apresentar aspectos peculiares do continente africano, como a sua 
formação geológica, sua divisão em macrorregiões, e demonstrar 
algumas versões para a origem do nome “África”.
 ■ Explicar por que a África é considerada “o berço da humanidade” e 
dissertar sobre o processo de Hominização e sobre as Migrações, 
ressaltando importantes características dos períodos Paleolítico, 
Mesolítico e Neolítico.
 ■ Apontar as representações da África e dos africanos, no imaginário 
ocidental europeu ao longo da História.
 ■ Compreender e problematizar o conceito de etnocentrismo. 
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
 ■ O Continente
 ■ África, “O berço da humanidade”
 ■ A “Invenção da África” no imaginário ocidental europeu ao longo da 
história: repensando o continente
INTRODUÇÃO
Sabemos que, durante muito tempo, mitos e preconceitos nos impediram de 
conhecer a real história do continente africano. Vários especialistas, em espe-
cial, os não africanos, defendiam que as sociedades africanas não mereciam ser 
objeto de uma pesquisa científica, devido a falta de fontes e documentos escri-
tos. Ora, como tão bem assinalou Amadou Mahtar M’Bow (2010), se a “Ilíada” 
e a “Odisseia” constituem (e são consideradas) fontes fundamentais para a com-
preensão da história da Grécia Antiga, por que negou-se, por tanto tempo, todo 
o valor da tradição oral africana? 
Devemos nos lembrar de que a história da África é parte inerente da histó-
ria da humanidade. Lá, foram encontrados os primeiros registros da presença 
humana no planeta Terra! Aliás, não apenas a existência da vida humana, e sim 
a de grupos humanos, vivendo conjuntamente e buscando formas variadas de 
sobrevivência. 
Ao seguirmosas trilhas dessas concepções, estruturamos a unidade I de nosso 
livro em três partes. Na primeira delas, apresentamos alguns aspectos peculia-
res do continente africano, como a sua formação geológica, a divisão da África 
em macrorregiões e, também, demonstramos algumas versões para a origem do 
nome “África”. Em seguida, explicamos por que a África é considerada “o berço da 
humanidade” e dissertamos sobre a Hominização – longo processo de transfor-
mação que levou ao surgimento dos seres humanos – e as Migrações, apontando 
importantes características dos períodos: Paleolítico, Mesolítico e Neolítico. Na 
última parte da unidade, investigamos o modo como a África e seus habitantes 
foram representados no imaginário ocidental europeu ao longo dos séculos de 
nossa História. Ainda, chamamos a atenção para a compreensão de conceitos 
importantes, como o etnocentrismo.
Então, vamos lá! Bons estudos! 
Introdução
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A “INVENÇÃO DA ÁFRICA” NO IMAGINÁRIO OCIDENTAL
Reprodução proibida. A
rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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O CONTINENTE
Figura 01 – África (mapa político) 
MARROCOS
ARGÉLIA LÍBIA
SUDÃO
SHADENÍGER
ANGOLA
ZÂMBIA
BOTSUANA
NAMÍBIA ZIMBÁBUE
MOÇAMBIQUE
MADAGASCAR
MAYOTTE
COMORES
MALAUÍ
TANZÂNIA
UGANDA
QUÊNIA
ETIÓPIA
ERITREIA
DJIBOUTI
TUNÍSIA 
MALTA
GRÉCIA
ARÁBIA 
SAUDITA
IRAQUE
JORDÂNIA
ISRAEL
LÍBANO
CHIPRE
IRÃ
SÍRIA
LÊMEN
SOMÁLIA
NIGÉRIABENIN
TOGO
MALI
MAURITÂNIA
SAARA
OCIDENTAL
SENEGAL
GÂMBIA
GUINÉ
GUINÉ
BISSAU
SERRA 
LEOA
COSTA DO
MARFIM
BURKINA 
FASO
GANA
CAMARÕES
REP. CENTRO-
ÁFRICANA
GABÃO
GUINÉ
EQUATORIAL
REPÚBLICA
DEMOCRÁTICA
DO CONGOCONGO
ÁFRICA 
DO SUL
EGITO
Fonte: adaptada de Mapa... ([2015], on-line)1.
Conforme argumenta o historiador José Rivair Macedo (2013), o continente afri-
cano possui a porção continental mais antiga do planeta Terra. Sua formação 
geológica originou-se, provavelmente, há 3,6 bilhões de anos, quando se cons-
tituíram a cordilheira do cabo “Fold Belt”, na África do Sul, e os “Montes Atlas”, 
no Marrocos, país situado no extremo norte da África. 
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A extensão territorial do “continente de formato triangular” é de, aproxima-
damente, 30.343.511 km2, porção esta equivalente a 22% da superfície terrestre! 
Cumpre destacarmos, ainda, que a África é banhada pelos oceanos Índico e 
Atlântico, pelos mares Vermelho e Mediterrâneo, e possui diversas e valorosas 
reservas naturais. 
Macedo (2013) destaca, ainda, que a antiguidade da formação geológica 
do continente africano produziu uma grande quantidade de massas rochosas, 
nomeadas cratões. Os cratões ocupam o equivalente à metade de sua superfície 
e contêm formações minerais muito ricas e antigas. A região onde se situa a cra-
tera “Kaapvaal” (ver Figura 02), por exemplo, foi formada há 2,8 bilhões de anos 
e possui um vasto reservatório de minerais de ouro e diamantes, além de metais 
raros, como o rutênio, ródio, irídio, níquel, cobre e cobalto. Não podemos deixar 
de mencionar, também, que, além das riquezas minerais destacadas, o continente 
possui inúmeras jazidas de petróleo, características essas que chamaram a aten-
ção de exploradores e, atualmente, de empresários e negociantes internacionais. 
Figura 02: Localização da cratera “Kaapvaal”, ao sul do continente africano
BOTSUANA
NAMÍBIA
ZIMBÁBUE
MOÇAMBIQUE
KAAPVAAL
CRATON
ÁFRICA 
DO SUL
Fonte: Wikimedia Commons (2010, on-line)2.
A “INVENÇÃO DA ÁFRICA” NO IMAGINÁRIO OCIDENTAL
Reprodução proibida. A
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Se, por um lado, o continente possui vastas áreas de vegetação, florestas e bacias 
hidrográficas de rios, como o famoso rio Nilo, por outro, abriga desertos impo-
nentes, como o deserto do Saara, localizado na região norte, e o Kalahari, ao sul. 
Alguns historiadores explicam que a parte ao norte do deserto do Saara (África do 
Norte) pertence ao chamado “Velho Mundo”, nome dado às antigas civilizações 
que margeiam o mar Mediterrâneo. Ao sul, se constituiu a civilização egípcia, o 
Império de Cartago (atualmente, com sede na Tunísia) e o reino do Marrocos. 
Todas essas civilizações mantiveram relações importantes com a Europa e, como 
veremos adiante, a partir do final do século XIX, foram colonizadas por ela. 
Na obra “África: um novo olhar” (2006), o historiador e africanista José 
Nunes Pereira nos apresenta uma divisão do continente africano bastante inte-
ressante. Vamos a ela! 
AS SEIS MACRORREGIÕES DA ÁFRICA, SEGUNDO JOSÉ NUNES 
PEREIRA (2006) 
1. África do Norte: esta região do continente é distinta de outra parte, a 
chamada África Subsaariana, e apresenta duas sub-regiões: a leste, temos 
o Machrech, que inclui a Líbia e o Egito e se estende fora do continente, 
chegando até à Península Arábica. A oeste, fica a região do Magrebe, que 
compreende a Tunísia, a Argélia e o Marrocos. Lembramos, ainda, que, 
em árabe, Magrebe (ou Magreb) significa “onde o sol se põe”. 
O pesquisador, professor e africanista José Maria Nunes Pereira foi um dos 
fundadores do centro de Estudos Afro-Asiáticos (CEAA) da Universidade 
Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, um espaço importante de diálogo e 
pesquisa sobre história da África em nosso país. Maranhense de nascimento, 
o professor Nunes Pereira faleceu em 2015, deixando um importante legado 
para os estudos africanos no Brasil.
Fonte: a autora.
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De modo geral, na África do Norte predomina a religião islâmica e a lín-
gua árabe, no entanto cumpre destacarmos o importante predomínio dos 
berberes, comunidade autóctone. Podemos visualizar, no mapa a seguir, 
com maior clareza, a região habitada pelos povos berberes. 
Figura 03 – Mapa indicando a região aproximada de onde vivem os povos berberes
Os povos berberes habitaram 
o norte da África, sobretudo a 
região onde hoje se situa o Mar-
rocos, a Argélia e a Tunísia. Os 
berberes eram povos nômades 
do deserto do Saara. Com suas 
caravanas, atravessavam o de-
serto a fim de comercializarem 
produtos, como ouro, sal, tem-
peros, plumas e pedras preciosas 
(VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 
2014). 
Fonte: adaptada de África... (2012, on-line)3.
2. África Ocidental: região formada por dezesseis países, sendo eles: Benin, 
Burkina-Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, 
Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Serra 
Leoa e Togo. Treze desses países se situam na costa Atlântica e três (Burki-
na-Faso, Mali e Níger) não têm saída para o mar. Esses três últimos países, 
junto com a Mauritânia e o Chade (mais situado na África Central), com-
põem a sub-região do Sael (ou Sahel). 
O Sahel foi uma área de contato – especialmente, mediante o comércio 
de ouro – entre a África mediterrânica e a África tropical. É uma região 
com importantes marcos históricos: entre os séculos X e XVI, abrigou 
o reino do Ghana e os impérios do Mali e Songhai, famosos produtores 
de ouro. Foi, também, uma região pioneira de tráfico (especialmente da 
Guiné) para as Américas. No início do século XIX, vieram escravos ioru-
A “INVENÇÃODA ÁFRICA” NO IMAGINÁRIO OCIDENTAL
Reprodução proibida. A
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bas para Salvador, predominantemente, do atual Benin, antigo Daomé. 
Vale apontarmos, ainda, que a África Ocidental é a região com maior 
número de países e onde se encontram os menores Estados. 
3. África Central: esta classificação inclui dez países: Burundi, Camarões, 
República Centro-Africana, Chade, Congo, República Democrática do 
Congo, Gabão, Guiné-Equatorial, Ruanda e São Tomé e Príncipe. A 
região é rica em petróleo (principalmente o Congo, Gabão e Camarões) 
e em minérios. 
4. África Oriental: esta região do continente apresenta duas sub-regiões: a 
norte-oriental, conhecida como o “Chifre da África”, e a centro-oriental. 
O “Chifre da África” é formado pela Etiópia, Eritréia, Djibuti e Somália. 
O autor também inclui nessa região o Sudão, devido a sua forte comuni-
dade negra, cristã ou animista, ao Sul, características que fizeram com que 
ele se diferenciasse bastante da “homogênea África do Norte” (PEREIRA, 
2006, p. 72). A sub-região centro-oriental é formada pelas ex-colônias 
inglesas de Uganda, Quênia e Tanzânia. É a área, por excelência, da cul-
tura suaíli ou swahili. 
5. África Austral: a África Austral é composta por onze países: África do Sul, 
Angola, Botsuana, Lesoto, Malauí, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, 
Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. A região contém um dos maiores acer-
vos minerais do mundo, alguns deles, inclusive, indispensáveis a alguns 
países da Europa e Estados Unidos. 
6. A África do oceano índico: é também conhecida como região indo-oce-
ânica e, frequentemente, agregada à região da África Oriental. É formada 
pelas ilhas de Madagascar (a maior do continente) e Maurício, e os arqui-
pélagos de Comores e Seichelles. 
Após apresentarmos essa breve divisão geográfica do continente, devemos 
apreender outra questão muito importante: “a ideia de que o continente 
africano evoluiu isolado dos grandes fluxos internacionais é enganosa” 
(PEREIRA, 2014, p. 15). Ora, em vários momentos da história, regiões 
do norte e leste da África mantiveram contatos frequentes com a Ásia e 
com a Europa. Dessa maneira, conhecer sua configuração geográfica nos 
parece primordial, especialmente, se considerarmos os fluxos comerciais 
que se deram a partir do século XV, no período das grandes navega-
ções. Alguns países do continente africano tiveram um importante papel 
O Continente
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naquele contexto, pois foram sendo introduzidos ao grande mercado em 
ascensão daquele período (PEREIRA, 2014). Sobre esse contexto, a his-
toriadora Marina de Mello e Souza (2008, s/p) aponta: 
No despontar da Idade Moderna, com as grandes navegações empreen-
didas a partir de Portugal, sociedades africanas da Costa Atlântica, até 
então nunca visitadas por povos fora do continente, também passaram 
a fazer parte de circuitos de relações intercontinentais. Algumas dessas 
sociedades forneceram grande parte da força de trabalho utilizada na 
construção de um “Novo Mundo”, como a América foi chamada em 
carta escrita em 1502, por Américo Vespúcio. 
Outro ponto a destacar é que as regiões norte e nordeste africanas mantive-
ram contatos intensos com a Europa Mediterrânea e com a Ásia Ocidental e 
Meridional. Na porção restante do continente africano houve um amplo e longo 
processo migratório. Em um primeiro momento, de leste para oeste, e, poste-
riormente, em sentido contrário. Por fim, as migrações se deram rumo ao sul 
do continente. Durante todo esse processo, se formaram importantes reinos e 
impérios, mas, sobretudo, o nascimento de novas culturas (PEREIRA, 2006). 
Portanto, caro(a) aluno(a), é extremamente equivocada a ideia de que a África 
foi um continente estático e cristalizado, muito pelo contrário, o estudo de sua 
história nos revela um intenso deslocamento e trocas diversas. 
A ORIGEM DO NOME: AFINAL, DE ONDE VEM A PALAVRA “ÁFRICA”?
Com relação à origem do nome do continente africano, várias explicações são 
apresentadas por estudiosos e pesquisadores do tema. José M. Nunes Pereira 
(2006), por exemplo, aponta que as explicações mais prováveis derivam do norte 
do continente. A primeira delas é “Afrig”, nome de um povoado berbere, per-
tencente ao antigo Império de Cartago. Outro significado, que prevaleceu por 
vários séculos, foi o de “Líbia”. Tal designação estaria relacionada à parte mais 
conhecida do continente africano naquela época, ou seja, a Tripolitânia, região 
fronteiriça entre a Líbia e a atual Tunísia. Nunes Pereira esclarece que o nome 
“Líbia” teria sido dado por Heródoto, ao utilizar o nome de heroínas míticas 
para designar os três continentes, até então conhecidos pelo homem: Europa, 
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Ásia e Líbia, nomenclatura predominante até o século XVI. Após essa data, o 
termo “Afriqiyah” (antiga designação árabe) foi utilizado com maior frequên-
cia, até ser substituído por África. 
Joseph Ki-Zerbo (2010, p. 31), pesquisador africano e especialista na área, 
nos fala que a palavra África possui uma origem difícil de elucidar. Segundo ele, 
foi imposta a partir dos romanos sob a forma “Africa”, que sucedeu ao 
termo de origem grega ou egípcia Lybia, país dos Lebu ou Lubin do 
Gênesis. Após ter designado o litoral norte-africano, a palavra África 
passou a aplicar-se ao conjunto do continente, desde o fim do século I 
antes da Era Cristã. 
Na obra “História Geral da África (volume I)”, Joseph Ki-Zerbo (2010, p. 31) nos 
apresenta as seguintes versões para a origem do nome África: 
 ■ A palavra África teria vindo do nome de um povo (berbere) situado ao 
sul de Cartago: os Afrig;
 ■ Outra etimologia da palavra África é retirada de dois termos fenícios, um 
dos quais significa “espiga”, símbolo da fertilidade dessa região, e o outro, 
Pharikia, região das frutas;
 ■ A palavra África seria derivada do latim aprica (ensolarado) ou do grego 
aprike (isento de frio);
 ■ Outra origem poderia ser a raiz fenícia faraga, que exprime a ideia de 
separação, de diáspora;
 ■ Em sânscrito e hindi, a raiz apara ou africa designa o que, no plano 
geográfico, está situado “depois”, ou seja, o Ocidente. A África é um con-
tinente ocidental;
 ■ Uma tradição histórica retomada por Leão, o Africano, diz que um chefe 
iemenita chamado Africus teria invadido a África do Norte no segundo 
milênio antes da Era Cristã e fundado uma cidade chamada Afrikyah. 
Mas é mais provável que o termo árabe Afriqiyah seja a transliteração 
árabe da palavra África. 
Na primeira parte desta unidade, buscamos chamar a atenção para a diversidade 
das sociedades africanas, que viveram processos históricos diversos. Assim, o 
desenvolvimento dessas sociedades deve ser compreendido e analisado como 
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uma parte fundamental da história da humanidade, afinal, como sabemos, foi 
no continente africano que o processo evolutivo da espécie humana teve ori-
gem há aproximadamente 4,5 milhões de anos. Sem dúvida alguma, a África é 
o “berço da humanidade”. 
ÁFRICA, “O BERÇO DA HUMANIDADE” 
Sabemos que a frase “a África é o berço da humanidade” é bastante conhecida. 
O mais importante, contudo, é que pesquisas empreendidas por estudiosos de 
diferentes áreas têm demonstrado, cada vez mais, que a Áfricafoi o cenário no 
qual ocorreram as primeiras etapas da evolução humana. No continente foram 
encontrados vestígios dos primeiros hominídeos e importantes exemplares do 
Homo habilis. 
Com base nisso, caro(a) aluno(a), a África revelou ao mundo informações 
fundamentais para a compreensão da história de vida dos homens e mulheres 
que iniciaram a humanidade. 
Diante dessas informações (e dos demais conteúdos que expusemos até 
agora), nos cabe fazer a seguinte pergunta: por que justamente na África, e não 
em outro continente, surgiu a espécie humana? A resposta, conforme nos explica 
Macedo (2013, p. 12-13), está relacionada à sua geomorfologia, ou seja, às carac-
terísticas da composição de sua superfície: 
A plataforma continental africana foi a primeira a se desprender da su-
perfície original do planeta, em sua fase de formação geológica, quando 
as forças tectônicas fizeram deslizar para o Sul, a Antártida. Foi menos 
afetada em sua estrutura geomorfológica no momento a partir do qual 
as grandes porções continentais que viriam a dar origem a América e 
Eurásia se desprenderam do supercontinente primordial a que se deu 
o nome Pangeia. Devido à sua antiquíssima formação, foi ali que se 
desenvolveram as primeiras formas de vida. 
Sobre esse processo, José Maria Nunes Pereira (2006) nos esclarece que há milhões 
de anos a parte oriental da África produziu um acidente geológico, uma grande 
fenda, conhecida como Rift Valley (ou Vale do Rift). 
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Tal acidente geológico repercutiu no clima da região, gerando condições favoráveis 
para a adaptação de primatas. Posteriormente, a evolução da espécie permitiu 
que as mãos passassem a ter o polegar oponente aos outros dedos, facilitando 
a produção e o manuseio de vários instrumentos. As pesquisas empreendidas 
por paleontólogos atestam que esses foram os primeiros hominídeos de que se 
tem notícia. Seus vestígios foram encontrados na região oriental da África e são 
denominados australopitecos. 
HOMINIZAÇÃO 
Por hominização, denomina-se o longo processo de transformação que 
levou ao aparecimento dos seres humanos. Seu estudo é realizado por 
paleontólogos, que são especialistas na pesquisa e análise de vestígios 
fossilizados, por especialistas em biologia molecular, geneticistas, ar-
queólogos, entre outros profissionais (MACEDO, 2013, p. 13). 
Em uma época em que a maioria dos cientistas supunha que teria sido a Ásia 
central o “berço da humanidade”, Charles Darwin tinha a convicção de que, um 
dia, seria comprovado que o “berço” do homem foi no continente africano. No 
livro “A origem do homem e a seleção sexual”, publicado pela primeira vez em 
1871, Charles Darwin escreveu: 
Caro(a) aluno(a), neste link você terá acesso a um vídeo breve, porém muito 
interessante sobre o Rift Valley. O material foi elaborado pela professora de 
História da África, a Dra. Eliesse dos Santos Teixeira Scamaral, da Universida-
de Federal de Goiás (UFG).
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=HZykGpE5RIo>. Aces-
so em: 17 out. 15.
Fonte: a autora.
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Em cada grande região do mundo, os mamíferos existentes relacionam-
-se, de modo estreito, com as espécies extintas da mesma área. É prová-
vel, portanto, que a África tenha sido, no passado, habitada por macacos 
extintos, intimamente ligados ao gorila e ao chipanzé, e como estas duas 
espécies são hoje as mais afins do homem, é mais provável que nossos 
primitivos ancestrais vivessem no continente africano do que em qual-
quer outro lugar (DARWIN, 1871 apud SILVA, 2011, p. 57). 
As impressões do cientista britânico, Charles Darwin, foram confirmadas pelos 
achados científicos que, cada vez mais, apontam a África subsaariana como o 
local de surgimento do homem. 
De acordo com o antropólogo francês Yves Coppens (2010), o homem é 
um mamífero placentário, e pertence à ordem dos primatas. Os mamíferos pla-
centários são os mais evoluídos dentre os mamíferos, pois contêm a placenta, 
destinada à respiração e à nutrição do feto. Os primatas podem ser classifica-
dos em prossímios e símios, e se diferenciam de outros mamíferos placentários 
devido ao desenvolvimento precoce do cérebro pelo aperfeiçoamento da visão, 
pela redução da face, pela substituição das garras por unhas chatas e pela opo-
sição do polegar com relação aos outros dedos. 
O australopiteco (Australopithecus Afarensis) foi o primeiro hominídeo 
bípede explorador das savanas das regiões central e oriental da África. Suas mol-
dagens endocranianas revelaram aos pesquisadores um desenvolvimento dos 
lobos frontais e parietais do cérebro, demonstrando um nível elevado das faculda-
des intelectuais (KI-ZERBO, 2010). Em 1939, o professor alemão L. Kohl Larsen 
descobriu, em Laetolil (sítio arqueológico situado na Tanzânia), um maxilar de 
Australopithecus. Mas coube ao pesquisador Yves Coppens a descoberta do fóssil 
mais completo da espécie na região de Afar, Etiópia, o Australopithecus afarensis. 
Australopithecus afarensis é a espécie a qual pertenceu Lucy, nome popu-
lar dado ao mais famoso dos antepassados da humanidade que teria vivido há, 
aproximadamente, três milhões de anos. Segundo Macedo (2013, p. 14),
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Além da extrema antiguidade, seu fóssil corresponde a 40% do esque-
leto, o que permitiu que o corpo fosse reconstituído integralmente. Fo-
ram encontrados: nove vértebras e algumas costelas, metade da bacia, 
parte das pernas e do braço direito quase completos, parte das pernas e 
do braço esquerdo, alguns ossos dos pés e das mãos, a mandíbula com 
os respectivos dentes e pequenos fragmentos do crânio. Os restos de 
Lucy desenham uma silhueta muito frágil. Pelas proporções dos ossos, 
devia medir pouco mais de um metro. Sabe-se que era do sexo femini-
no e que tinha, provavelmente, vinte anos, como testemunham os seus 
dentes do siso, já nascidos, mas, ainda não gastos. 
A figura a seguir demons-
tra uma das representações 
de Lucy, elaborada por 
pesquisadores da área de 
paleontologia, com base 
nos fósseis encontrados na 
região oriental africana.
Algo importante a des-
tacar é que, provavelmente, 
Lucy não era um quadrú-
pede, pois os australopitecos 
adquiriram a capacidade 
de se locomover utilizando 
apenas as patas traseiras, 
tornando-se bípedes. Tal 
peculiaridade foi extrema-
mente importante para a evolução da espécie humana, uma vez que a pata 
dianteira, livre adquiriu a função de manipular objetos, transformando-se na 
mão humana (MACEDO, 2013). 
No continente africano surgiu, também, o Homo habilis, que, segundo vários 
estudos realizados, teria surgido na região de Olduvai, Tanzânia. Com um cérebro 
maior que o dos australopithecus, essa espécie foi capaz de desenvolver várias e 
diferentes habilidades. Além do bipedismo, o Homo habilis fabricava utensílios 
de pedra afiada, manipulava artefatos e, principalmente, utilizava o fogo. Sobre 
isso, aliás, Macedo (2013, p. 15) complementa
Figura 04 - Australopithecus afarensis Lucy 
Fonte: Wikimedia Commons (2013, on-line)4.
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A conquista e a domesticação do fogo assinalam um passo importan-
tíssimona trajetória para a humanidade. A posse e o controle do fogo 
permitiram o aquecimento do corpo contra o frio e a proteção notur-
na contra animais perigosos. Foram precisos milhares e milhares de 
anos para que esse fogo fosse utilizado para assar a carne dos animais. 
Estabelecia-se, assim, uma distinção ainda mais acentuada entre os ali-
mentos naturais, crus, e os alimentos produzidos, assados, mis moles 
e fáceis de serem digeridos. Ao mesmo tempo, ampliava-se a distância 
entre a natureza animal e a cultura, que apenas os seres humanos são 
capazes de criar e reproduzir. 
Foi na África que surgiu e se desenvolveu, também, o homo erectus. Pesquisadores 
apontam o homo erectus como o hominídeo mais evoluído de todos os anterio-
res. A espécie teria existido na África do Sul há, aproximadamente, 2,5 milhões 
de anos (COPPENS, 2010). Finalmente, é nesse continente que são encontrados 
os vestígios do Homo sapiens, que, como bem nos lembra Pereira (2006, p. 10), 
“teria partido da África para colonizar outras partes do mundo”. 
Para o historiador britânico Iliffe, o ponto central da história africana é a saga 
de seus habitantes, que, como “sertanejos”, colonizaram uma região do mundo, 
particularmente hostil, e a partir dali assumiram a sua forma. Iliffe (1995 apud 
PEREIRA, 2006, p. 10) salienta a capacidade do africano em ter conseguido “coe-
xistir com a natureza e ter criado sociedades resistentes capazes de, no decorrer 
do tempo, resistir a agressões vindas de regiões mais favorecidas”. 
Sendo assim, chegamos à conclusão de que apenas no continente africano se 
pode acompanhar todo o processo de transformação dos primatas em homens. 
Por volta de um milhão de anos, provavelmente, partiram dali as primeiras ondas 
migratórias para outras regiões de nosso planeta. Esses grupos levaram consigo 
saberes, técnicas e instrumentos originados na África.
MIGRAÇÕES 
Assim, a trama da evolução humana [...] revela-nos o homem pré-his-
tórico africano afastando-se penosamente da natureza para mergulhar 
pouco a pouco na coletividade humana em forma de grupos, de comu-
nidades primitivas, agregando-se e desagregando-se para se recompor 
de outras formas, com técnicas que cada vez mais utilizam ferramentas 
ou armas de ferro (KI-ZERBO, 2010, p. 843). 
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Durante o período Paleolítico, também conhecido como Idade da Pedra Lascada, 
as culturas humanas desenvolveram suas primeiras tecnologias e instituições sociais. 
Durante esse período, que durou, aproximadamente, dois milhões de anos, a 
África foi um espaço privilegiado de circulação de grupos humanos, de caçadores 
e coletores. Os primeiros africanos eram escassos, mas descobriram e desenvol-
veram diversas habilidades, como a fabricação de instrumentos líticos, ou seja, 
feitos de pedra. Algo a destacar, também, é que as populações que habitaram as 
planícies do Saara durante a chamada Idade da Pedra, antes do Saara se tornar 
um deserto, possuíam artistas muito habilidosos na arte da gravura e da pintura 
sobre rochas (DAVIDSON, 1981). 
Como nos explica a historiadora da África, a arte rupestre é uma impor-
tante fonte 
[...] para o estudo das antigas formas de vida, bem como de sonhos, re-
ligiosidades e simbologias dos primeiros grupos humanos. Em paredes 
de pedra de diferentes regiões da África encontram-se registros de ce-
nas do cotidiano, e também de desejos e sonhos, o que faz das pinturas 
documentos reveladores das formas de representação características de 
homens e mulheres há milhares de anos (SOUZA, 2014, p. 18). 
Assim, a arte rupestre, presente no continente africano, apresentou ao mundo 
importantes aspectos relacionados ao estilo de vida e aos padrões estéticos de 
homens e mulheres de tempos remotos, “nos levando a repensar o modo de enten-
der povos e grupos contemporâneos que não dominavam a escrita, mas, mesmo 
assim deixaram registros valiosos de sua história” (SOUZA, 2014).
Conforme explica Basil Davidson (1981), a Idade da Pedra foi assim cha-
mada devido à utilização de instrumentos e armas de pedra, inventados e 
encontrados em várias localidades da África por cientistas pesquisadores da 
área. 
Fonte: Davidson (1981).
Fonte: Balout (2010, p. 647).
Figura 05 - Gravura de elefante do período Paleolítico 
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 A Figura 05 é do período 
Paleolítico. Trata-se de uma 
gravura de elefante, des-
coberta por estudiosos e 
paleontólogos na região da 
Argélia, em 1954.
O período denominado 
Mesolítico apresenta impor-
tantes avanços técnicos na 
área de fabricação de arte-
fatos e utensílios de pedra 
trabalhada, os chamados 
micrólitos. Os micrólitos eram pequenas lâminas, ou segmentos de lâminas e 
lascas, altamente cortantes. Conforme nos explicam Note (2010) e Clark (2010), 
os micrólitos possuíam, geralmente, formas geométricas: segmentos de círculo, 
Com o aparecimento do homem, surge uma grande variedade de utensílios 
e ferramentas, mas, também, uma rica produção artística! Infelizmente, há 
milênios, essa rica produção, presente no continente africano, vem sofren-
do sérios danos, provocados tanto pelo homem quanto pelos elementos da 
natureza. 
Os dois centros mais importantes de arte rupestre são a região do deserto 
do Saara e da África Austral. Alguns desses centros são mundialmente famo-
sos, graças ao trabalho de historiadores franceses, italianos e, em número 
cada vez maior, de africanos. 
Para saber mais sobre o assunto, indicamos a leitura do texto: KI-ZERBO, J. 
A arte pré-histórica africana. In: KI-ZERBO, J. (Org.). História Geral da África 
(I): metodologia e pré-história da África. Brasília: Unesco, 2010, p. 743-780.
 É possível ter acesso ao PDF do livro (e dos demais volumes da coleção) no 
link disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br>. 
Fonte: adaptado de Ki-Zerbo (2010).
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triângulos, retângulos e trapézios, todavia os mais característicos parecem ser os 
segmentos de círculo. Não se sabe ao certo a data em que esses artefatos surgiram 
pela primeira vez na África, mas sabemos que esses utensílios eram muito empre-
gados por grupos de caçadores que viveram nos atuais territórios da Zâmbia, 
Namíbia e Angola. Sabe-se, também, que foram fundamentais, pois eram utili-
zados como armaduras em flechas, lanças, arpões e facas. 
Agora veremos alguns exemplos de micró-
litos encontrados por pesquisadores na 
África do Norte.
Outro período importante que gostarí-
amos de mencionar é o período Neolítico. 
Nele, as comunidades humanas precisaram 
encontrar novas soluções de subsistência, 
pois o ambiente oferecia poucas (e difí-
ceis) alternativas de sobrevivência. Duas 
importantes características dessa fase da 
“pré-história” foram: a fabricação de arte-
fatos em pedra polida e a adoção de uma 
economia baseada na agricultura e na 
pecuária. Para compreendermos melhor 
esse processo, vale lembrarmos que em 
Macedo complementa: “O arco e flecha é um mecanismo complexo ima-
ginado pelo homem, e não mais uma simples adaptação dos recursos dis-
ponibilizados pela natureza. A invenção do arco assinala, pela primeira vez, 
a capacidade da fabricação artificial de um engenho, com o qual os seres 
humanos podiam economizar forças e ganhar maior precisão, superando as 
suas capacidades naturais”. 
Fonte: Macedo (2013, p. 17).
Figura 06 - Exemplos de micrólitos geométricos:trapézios, triângulos escalenos e instrumentos de 
forma decrescente
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uma economia baseada na caça e na coleta, os caçadores, pescadores e coletores, 
organizados em pequenos grupos, eram essencialmente nômades, dependentes 
dos recursos da natureza, e limitavam-se em buscar alimentos para o consumo, 
como carne, peixe, castanhas e frutos (MACEDO, 2013). Com a importante 
adoção da agricultura e da pecuária, a natureza passa a ser transformada pelo 
homem, por meio do cultivo de determinados alimentos e a criação de alguns 
animais que poderiam ser úteis enquanto fonte de alimento, de energia e de 
transporte. 
Como nos informa Macedo (2013), a partir desse momento, os grupos ten-
dem a se fixar em territórios determinados e começam a viver em aldeias, de 
acordo com uma estrutura social mais ampla e complexa. Todavia alguns ambien-
tes naturais eram inóspitos e de difícil adaptação às populações sedentárias. 
O autor nos aponta algumas dificuldades encontradas pelas populações 
“pré-históricas” africanas, que precisaram se adaptar a severas mudanças nas 
condições ecológicas de determinados ambientes naturais: 
 ■ Devido à densa umidade e às altas temperaturas, a extensa faixa da flo-
resta tropical e equatorial era de difícil exploração, o que impossibilitou 
um efetivo povoamento naquela região.
 ■ A existência da mosca tsé-tsé, que transmitia aos homens e ao gado a 
doença do sono. A presença desse inseto tornou inviável o desenvolvi-
mento da pecuária em praticamente toda a África Central.
 ■ A desertificação do atual deserto do Saara. A história da desertificação 
do Saara tem início há quatorze mil anos, quando uma lenta e gradual 
inversão climática fez com que a vegetação original fosse sendo reduzida, 
em virtude da seca e do calor prolongados. O processo de desertificação 
do Saara se prolongou por milênios. 
Entre 12.000 a.C. e 8.000 a.C., a superfície do que viria a ser o deserto do Saara 
era habitada por comunidades neolíticas, que povoaram a região e se esten-
deram até os vales dos rios Níger e Nilo. Pesquisadores de sítios arqueológicos 
daquela região encontraram: artefatos de pedra polida, indícios de criação de 
animais bovinos, equinos e caprinos, e sinais de cultivo agrícola. Algo a des-
tacar, também, é que a metalurgia do cobre já era conhecida em 3.300 a.C. e a 
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fabricação do ferro remonta ao quarto e terceiro milênio a.C. Domínios técnicos, 
como esses, nos revelam o desenvolvimento das primeiras civilizações na África. 
Portanto, caro(a) aluno(a), podemos concluir que o continente africano não é 
apenas o “berço da humanidade”. O estudo de sua história evidencia aspectos 
peculiares da história do homem em seus períodos mais remotos. As inúmeras 
fontes encontradas na África nos dão indícios importantes acerca do início da 
vida humana em sociedade, além de nos auxiliar na revisão de conceitos já con-
solidados, como o de “pré-história” (SOUZA, 2014).
Cumpre destacarmos, conforme Macedo (2013), que importantes evidências 
materiais foram descobertas em escavações arqueológicas realizadas na atual 
República da Nigéria, na África Ocidental. Os pesquisadores encontraram, na-
quela região, cabeças e bustos confeccionados em terracota pelos povos da 
civilização de “Nok” (norte da Nigéria). Tais criações artísticas revelaram, aos 
pesquisadores, um estilo sofisticado e domínio técnico grandioso.
Fonte: Macedo (2013, p. 20).
África, “O Berço da Humanidade” 
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“Nova África – um continente, um novo olhar” é o tí-
tulo de um projeto que reúne uma série de progra-
mas sobre a história do continente africano. Seus 
autores privilegiam uma abordagem diferenciada, 
distante de estereótipos. Nesse programa, em es-
pecial, você terá acesso a um breve documentário 
sobre o surgimento das civilizações. Afinal, por que 
a África é considerada o “berço da humanidade”?
A “INVENÇÃO DA ÁFRICA” NO IMAGINÁRIO OCIDENTAL
Reprodução proibida. A
rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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A “INVENÇÃO DA ÁFRICA” NO IMAGINÁRIO 
OCIDENTAL EUROPEU AO LONGO DA HISTÓRIA: 
REPENSANDO O CONTINENTE 
A história da África e dos africanos não é homogênea. Pelo contrário, ao nos debruçar-
mos no estudo do continente, poderemos verificar contornos e dinâmicas específicas 
em seus múltiplos contextos. Assim, nos cabe fazer as importantes perguntas: quais 
imagens são construídas, por nós, sobre a África e os africanos? De que forma 
nós, brasileiros, e demais ocidentais tratamos a África? 
Ao incursionarmos pelas representações formuladas, sobretudo acerca dos afri-
canos, perceberemos que elas permitem que vislumbremos o próprio papel ocupado 
pela África no imaginário ocidental. Como bem nos esclarece Oliva (2005), infeliz-
mente, ainda reproduzimos em nosso imaginário as ideias e as imagens noticiadas e 
reproduzidas pela mídia. Essas “ideias e imagens” revelam um continente marcado 
pela miséria, pelas guerras, pela instabilidade política, pelas doenças e pela fome. E, 
ainda, “um mundo selvagem perdido no qual a natureza primitiva assusta aos homens 
ou os reúne em safáris, em meio a leões, girafas e rinocerontes” (OLIVA, 2005, p. 92). 
As interpretações equivocadas e altamente preconceituosas que ainda temos 
sobre a África são resultado da união de ações e pensamentos do passado e do pre-
sente. Nas palavras de Oliva (2005, p. 94), “esquecemos de estudar o continente 
africano” e tal “esquecimento” é resultado desse nosso imaginário sobre a região e 
suas populações. 
Ao refletirmos sobre o continente africano, acabamos, muitas vezes, sendo 
reféns de abordagens estereotipadas, que tendem a julgar tudo o que é diferente dos 
padrões ocidentais como inferior, portanto, menos importante. Assim, chegamos a 
um tema fundamental para nós: etnocentrismo. 
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ETNOCENTRISMO: O QUE É?
O antropólogo Rocha nos oferece uma explicação bastante clara do que seria o 
etnocentrismo. Vamos a ela.
Etnocentrismo é uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo é 
tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos 
através dos nossos valores, nos nossos modelos, nossas definições do 
que é a existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificul-
dade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de 
estranheza, medo, hostilidade, etc. (ROCHA, 1985, p. 07).
Em uma visão de mundo etnocêntrica, a diferença se torna algo “ameaçador”, 
pois fere a nossa própria identidade cultural (ROCHA, 1985). A pesquisadora 
Santos (2007, p. 16) também aborda essa questão e nos chama atenção para o 
fato de que a construção da identidade e da diferença simboliza “os valores 
de várias práticas e comportamentos da família, da sociedade e da cultura, que 
consideram os melhores e, na qual, essa família, essa sociedade e essa cultura 
gostariam que nos identificássemos”. Dessa maneira, ao mesmo tempo em que 
estabelecemos aquilo que consideramos bom, criamos, também,aquilo que con-
sideramos ruim. Entretanto 
essa diferenciação (que é algo natural e imprescindível para a constru-
ção de nossas identidades) se torna um problema quando é associada 
a formas de hierarquização, discriminação, exclusão, segregação e elimi-
nação daqueles que são considerados diferentes ou que não correspon-
dem aos valores configurados como belos e bons (SANTOS, 2007, p. 
17, grifo nosso).
Algo importante a considerar, ainda, é que o etnocentrismo pode implicar em 
uma representação do “outro”, revestida de distorções e de violência. Na maio-
ria dos casos, aqueles que são diferentes do “grupo do eu” – os diversos “outros” 
de nosso mundo –, por não terem a chance de dizer algo de si mesmos, acabam 
sendo representados por uma visão de mundo etnocêntrica e por determina-
das ideologias presentes em nossa sociedade. Nessa perspectiva, o grupo do “eu” 
entende que a sua visão de mundo é a única possível e, geralmente, a melhor e a 
mais sublime, em detrimento da concepção de mundo da sociedade do “outro”, 
considerada errônea e atrasada (ROCHA, 1985). 
A “INVENÇÃO DA ÁFRICA” NO IMAGINÁRIO OCIDENTAL
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Caro(a) aluno(a), essas informações são extremamente relevantes para pensar-
mos o modo como os africanos (e a África) foram representados no imaginário 
ocidental ao longo da História. É o que discutiremos a seguir. 
A ÁFRICA E OS AFRICANOS NO IMAGINÁRIO OCIDENTAL EUROPEU 
AO LONGO DA HISTÓRIA 
O continente africano foi, inegavelmente, o mais desqualificado pelo 
pensamento ocidental. Ainda que a imagem da África tenha variado 
ao longo do tempo em decorrência de diferentes formas de relaciona-
mento estabelecidas com os povos, é indiscutível que o continente foi, 
mais do que qualquer outro, laureado pelo pensamento ocidental com 
imagens particularmente negativas e excludentes (SERRANO; WALD-
MAN, 2007, p. 24). 
Ao nos dedicarmos no estudo das representações da África e dos africanos ao 
longo da História, verificaremos que foram várias as formas de perceber e enxergar 
a população negra africana. Infelizmente, em grande parte dessas representa-
ções, o continente é visto apenas como o espaço da natureza, e seus habitantes, 
homens selvagens e bárbaros. De modo geral, essas percepções indicavam estra-
nhamento e, ao mesmo tempo, desejo de dominação.
O historiador grego Heródoto (aproximadamente 485 a.C. – 425 a.C.), por 
exemplo, descreveu os povos da Etiópia (país situado na África Oriental) enquanto 
“seres inferiores, bárbaros, trogloditas e sem civilização”. Ora, ao mesmo tempo 
Existem ideias que se contrapõem ao etnocentrismo. Por exemplo, quando 
compreendemos o “outro” nos seus próprios valores e não nos nossos, esta-
mos relativizando. Relativizar é não transformar a diferença em hierarquia, 
em superiores e inferiores ou em bem e mal, mas, percebê-la na sua dimen-
são de riqueza, por ser diferença.
Fonte: Rocha (1985, p. 20). 
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em que concordamos com Oliva (2005), quando ele nos explica que os filtros 
culturais de Heródoto condicionaram sua leitura sobre os etíopes, não podemos 
negligenciar o fato de que os pensadores e escritores daquele período prioriza-
ram em suas análises aspectos negativos do continente africano e de seus povos, 
e que tais representações ajudaram a alimentar e a edificar estereótipos que car-
regarmos conosco até os dias de hoje. 
No ano mil (período medieval), as referências sobre os africanos estavam 
completamente impregnadas pelo imaginário da cristandade. Os relatos e as 
impressões pejorativas acerca dos povos africanos foram reforçados pela asso-
ciação entre os espaços celestiais: paraíso, purgatório e inferno. Sobre isso, Oliva 
(2005, p. 96-97) e Noronha (2000, p. 681-687) nos explicam: 
Distante dos homens, dos três continentes, em lugar ignorado se loca-
lizava o paraíso terreal. Jerusalém, local da ascensão do filho de Deus 
aos céus, aparecia ao centro, e era considerada local de passagem para 
atingir as regiões paradisíacas na Terra. A Europa, cuja população des-
cendia de Jafet, primogênito de Noé, ficava à oeste ou sul de Jerusalém, 
e a Ásia, local dos filhos de Sem, netos de Noé, ao norte ou a leste. Ao 
sul aparecia “o continente negro e monstruoso, a África. Suas gentes 
eram descendentes de Cam, o mais moreno dos filhos de Noé”. 
Algo a destacar, também, é que durante o período medieval algumas dessas 
“construções mentais” (nas palavras de Oliva, 2005) passaram a associar o mal 
com a cor negra e, consequentemente, com os africanos. Nesse caso, duas ques-
tões foram substanciais e merecem destaque: 
 ■ As teorias camitas, que defendem a descendência dos filhos de Cam, para 
os africanos. 
 ■ As concepções geográficas em voga, que acreditavam na existência de 
temperaturas insuportáveis na região abaixo do Equador. 
Impressões como essas contribuíram para a disseminação de ideias relacionadas 
à diabolização dos homens do continente africano e fizeram, recorrentemente, 
parte do imaginário europeu daquela época (OLIVA, 2005). Claude Kappler, na 
obra “Monstros, demônios e encantamentos no fim da Idade Média” (1994, p. 
24), elabora uma discussão bastante interessante sobre o tema. Em sua pesquisa, 
o autor recuperou uma série de documentos e nos explica que “a África era, 
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também, um mundo demoníaco com um diabo quase sempre pintado de preto já 
que, entre os medievais, Satã é chamado de Cavaleiro Negro e de Grande Negro”. 
Santos (2007, p. 23-24) elaborou um quadro muito elucidativo em que narra 
vários exemplos de como a população negra africana foi representada ao longo 
da História.
Quadro 01 - Representações do negro africano ao longo da História
REPRESENTAÇÕES DO NEGRO AFRICANO AO LONGO DA HISTÓRIA
O negro poderia
ser visto como re-
pugnante 
São Bento, o Mouro, teria ganhado a cor escura (por isso, mouro) 
depois de ter pedido a Deus que o fizesse um ser hediondo para não 
sucumbir às mulheres.
O negro poderia ser 
visto como sedutor 
Um monge do século V descreve como o diabo se disfarçava em 
mulher negra, impudica e lasciva para tentar os homens.
O diabo era pintado 
de negro
Os mouros eram tomados como demônios. Shakespeare descreve 
como assustador o mouro Otelo.
Os negros seriam
descendentes de
Caim
Caim teria tido sua face enegrecida por Deus após ter matado Abel. 
Todos os africanos seriam seus descendentes. 
Todos os africanos seriam camitas, descendentes de Caim, que teria 
rido da nudez de seu pai Noé e, como castigo, foi condenado a servir 
para sempre a seus irmãos. Expulso para a África, teve a pele escure-
cida e todos os seus descendentes teriam como destino a negrura da 
pele e a servidão.
Os negros seriam
apóstatas
Acreditava-se que todos os negros teriam tido a oportunidade de 
conhecer ao Evangelho pregado pelos quatro cantos da terra. Mas, 
mesmo assim, viviam sem aceitar a fé cristã e isso comprovava que re-
sistiam a salvar sua alma e, por isso, deveriam ser escravizados como 
forma de redenção.
Os negros seriam
povos sem lei, sem 
rei, sem fé e sem 
alma
João de Barros, cronista nascido no final do século XV, escreveu que 
os povos africanos com os quais os portugueses travavam contato 
eram gente que não conhecia a política, nenhuma forma de direito 
divino ou humano, nenhuma ciência, não conhecia a justiça,habitava 
as cavernas e vivia como animais.
Camões dizia que se tratava de selvática gente negra e nua.
Por que os negros
seriam negros?
Porque se serviam de água e alimentos somente encontrados na África. 
Porque o calor da África teria feito com que todos os elementos que 
comporiam seu corpo tivessem sido queimados somente restando a 
cor de terra preta. 
Fonte: Santos (2007, p. 23-24). 
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Essas declarações demonstram como os europeus percebiam os povos africanos 
que encontravam pelo caminho, no entanto, como bem destaca Santos (2007, p. 
24), revelam, também, a necessidade que aqueles homens tinham de 
encontrar em todo o lugar aquilo que era idêntico a eles mesmos. Olha-
vam para os africanos como se estes devessem ser europeus e, por isso, 
marcavam as diferenças que encontraram a partir do padrão europeu. 
O que era considerado positivo: ser cristão, branco, partilhar da mesma 
noção de justiça, direito, política. E o que era considerado negativo: ser 
negro, africano, não cristão, andar nu... ser diferente do europeu. 
Veja só, caro(a) aluno(a)! Eles percebiam as diferenças, atribuíam valores a elas 
e, então, definiam as hierarquias. Demarcavam, assim, – a partir de um olhar 
etnocêntrico –, aquilo que acreditavam ser os povos da África. 
A análise cartográfica também pode ser um caminho muito interessante 
para compreendermos esse contexto histórico. Conforme sugere o pesquisador 
Samain (2012), um mapa, sendo portador de pensamentos, sempre nos oferece 
algo para pensar. Assim, os mapas tornam-se uma espécie de “arquivo vivo” 
(WALDMAN, 2013, p. 06) capaz de expressar representações de um imaginário 
social e reforçar informações de um espaço geográfico determinado. 
De acordo com o pesquisador e geógrafo Waldman, a distância e o relativo 
“isolamento” da África com relação aos países da Europa contribuíram para 
reforçar abordagens repletas de significados pejorativos empregadas, desde a 
Antiguidade Clássica, ao continente africano. Um exemplo que gostaríamos 
de destacar é o famoso “mapa da África”, elaborado pelo cartógrafo holandês 
Guilherme Blaeu, em 1644. Blaeu viveu entre os séculos XVI e XVII e era filho 
de um negociante, fato esse que lhe possibilitou crescer em um ambiente repleto 
de relatos sobre diferentes países e continentes. Em 1663, Blaeu tornou-se um 
dos cartógrafos da Companhia das Índias Ocidentais, cargo de grande prestí-
gio naquela época. O “mapa da África” elaborado por ele é peculiar e apresenta 
com alta precisão os contornos do continente africano, todavia o que deseja-
mos enfatizar é a interpretação de Blaeu ao desenhar o continente. Certamente, 
tal representação é reveladora para compreendermos o imaginário europeu 
daquela época. O desenho detalhado e preciso do litoral convive com uma ima-
gem nebulosa, inexata e fantasiosa do continente (WALDMAN, 2013). Vejamos 
a ilustração do mapa a seguir.
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Figura 07 - Mapa cartográfico de Guilherme Blaeu (1644)
Fonte: Waldman (2010).1
Waldman, nos trabalhos “O mapa de África em sala de aula: a persistência do 
imaginário da desqualificação na cartografia escolar de África” (2013) e “O ima-
ginário de África na cartografia de Guilherme Blaeu” (2010, p. 01-03), fez várias 
descrições sobre o mapa do cartógrafo holandês. Segundo ele, o mapa de Blaeu 
não constitui, exclusivamente, uma imagem técnica, pois a peça sugere, também, 
uma visão de conceitos e preconceitos. E acrescenta:
 ■ O mapa de Guilherme Blaeu acata a Europa como referência para a direção 
norte, dado etnocêntrico, pois essa orientação também é simbolicamente 
considerada superior. 
 ■ Nos mares, vemos criaturas exóticas ou fantasiosas, como peixes voado-
res e serpentes marinhas.
1 WALDMAN, M. O imaginário de África na cartografia de Guilherme Blaeu. Texto disponibilizado 
pela home-page do Geocarto – Website de Geografia e Cartografia. São Paulo (SP): Departamento de 
Geografia da FFLCH da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), 2010. Disponível em: <http://mw.pro.
br/mw/geog_imaginario_de_africa_na_cartografia_de_guilherme_blaeu.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2016.
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 ■ No continente, aparecem exemplares da megafauna e animais tropicais: 
elefantes, camelos, avestruzes, leões, macacos, crocodilos e seres mari-
nhos místicos. Não há registro de vida humana. É como se a humanidade 
não existisse na África. 
 ■ As ilustrações, de norte para o sul, reforçam estereótipos que observam 
o sul como o território da barbárie e da selvageria. 
Lembramos que as informações acerca da África eram escassas, fragmentá-
rias e distorcidas. No imaginário dos europeus, a África, especialmente a África 
Subsaariana, era um território desconhecido e “oculto enigmaticamente por 
detrás de um tórrido deserto – o ‘temido Saara’” (WALDMAN; SERRANO, 2007, 
p. 21). Aliás, são várias as descrições de viajantes e missionários europeus que, 
entre os séculos XV e XVI, passaram pelo continente e o descreveram como uma 
região infernal, de um de calor insuportável e habitado por seres monstruo-
sos e demoníacos. Desde a Antiguidade até o chamado “Século das Luzes”, o 
imaginário europeu sobre a África (e também sobre a Ásia) foi constituído pela 
existência de seres fantásticos que lhes causavam, simultaneamente, medo e fas-
cínio. Raças monstruosas, homens com um pé só e seres gigantes com o rosto 
no meio do peito foram apenas algumas das descrições feitas (SANTOS, 2002). 
A seguir, inserimos uma ilustração do século XV, presente na obra “Les secrets 
l’histoire naturelle”, de Charles d’Angoulême. Vamos observá-la.
“Fruto de escolhas que reportam padrões interiorizados pelos cartógrafos, 
a elaboração dos mapas é conotada pela seletividade e hierarquização das 
informações apresentadas. Inserindo códigos articulados a contextos histó-
rico-sociais específicos, as representações cartográficas refletem diferentes 
maneiras de como o espaço é notado e vivenciado, trazendo a baila, injun-
ções carregadas de afetações políticas, culturais e ideológicas.” 
Fonte: Waldman (2013, p. 06).
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Figura 08 - Charles d’Angoulême, em “Les secrets l’histoire naturelle”, em 1480
Fonte: Hernandez (2008, p. 55).
Na obra “O Diabo na Terra de Santa Cruz” (1989), a historiadora Souza aborda 
dois temas interessantes. O primeiro deles refere-se ao fato de que os europeus 
acreditavam que os “habitantes de terras longínquas” constituíam outra huma-
nidade – entendimento esse, aliás, permeado por uma visão etnocêntrica de 
mundo. O outro ponto destacado pela estudiosa é o olhar de exotismo lançado 
em direção aos negros africanos. Em vários textos consultados por Souza, os 
povos negros africanos (e a própria África) eram descritos de maneira ambí-
gua. A África, por exemplo, ora simbolizava o paraíso, ora, o inferno. Entretanto, 
em ambos os casos, o “olhar exótico” (mas também repleto de desprezo) sem-
pre estava presente.
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Durante o século XV, os contatos mais intensos, estabelecidos entre europeus e 
africanos, contribuíram para acentuar as leituras depreciativas que menciona-
mos até agora. 
Certamente, somos todos herdeiros desse imaginário, ao cometermos vários 
equívocos no que diz respeito ao continente africano e às sociedades que o com-
põe. De acordo com a historiadora da África, Hernandez (2008), tal concepção 
está relacionada à constituição de um conhecimento, cuja gênese remonta ao 
século XVI, mas que se desenvolve e se consolida durante a segunda metade do 
“Atribuir aos negros atributos demoníacos possibilitou que a escravidão 
fosse tomada como uma forma de redenção já que se fossem vítimas ou 
agentes de Satã, os africanos não poderiam ser abandonados sem a tentati-
va de livrá-los da influência do Maligno.” 
Fonte: Santos (2002, p. 281, grifo nosso).
Cumpre destacarmos, conforme Oliva (2005), que esse imaginário que infe-
riorizava os africanos não se limitou aos olhares europeus. Em vários relatos 
deixados por viajantes árabes e muçulmanos, que percorreram o Sudão en-
tre os séculos XI e XVI, foram encontradas ideias semelhantes. Porém não 
foram todos os pensadores árabes a concordar com tal postura. Ibn Khal-
dun, por exemplo, foi um dos principais viajantes e historiadores árabes do 
período. Entre os séculos XIV e XV, ele viajou pelo norte da África e escreveu 
a obra “Prolegômenos”, na qual descreve várias sociedades da região e ques-
tiona algumas leituras depreciativas feitas sobre os aspectos socioculturais 
dos habitantes daquela parte do continente. 
Fonte: M’Bkolo (2003, p. 232).
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século XVIII: o racionalismo. Para Hernandez (2008, p. 17-18), os efeitos do 
racionalismo
prolongam-se até os nossos dias, deixando fortes marcas nas ciências 
humanas e, em particular, na antropologia e na historiografia sobre a 
África. As ideias dessa “produção dos tempos modernos” revestem-se 
de uma legitimidade científica que deriva do par dicotômico saber-po-
der [...]. Significa dizer que o saber ocidental constrói uma nova consci-
ência constituída por visões de mundo, autoimagens e estereótipos que 
compõem um “olhar imperial” sobre o universo.
Outra discussão levantada por Hernandez, e que merece ser mencionada, refere-se 
à questão da história. Nas palavras da autora, “Pela ocultação da complexidade 
e da dinâmica cultural próprias da África, torna-se possível o apagamento de 
suas especificidades em relação ao continente europeu e mesmo ao americano” 
(HERNANDEZ, 2008, p. 18). Nessa perspectiva, as diferenças são tratadas 
segundo arquétipos sociais, políticos e culturais próprios da civilização euro-
peia. Dito de outra modo, é como se a África não tivesse povo, nação, Estado e 
nem passado, logo, é como se não tivesse História. 
Esse modo de conceber o continente e seus habitantes colocou a África no 
patamar inferior dentro de uma escala evolutiva classificatória (e hierarquizan-
tes) dos povos, entre primitivos e civilizados. Ora, essas afirmações imprecisas e 
incertas constituíram, na segunda metade do século XVIII e na primeira metade 
do século XIX, um discurso que se fortaleceu com a emergência dos sistemas 
classificatórios. 
Como esclarece Hernandez (2008, p. 19), no início, aqueles discursos tra-
tavam apenas do reino vegetal, todavia, com o passar do tempo, passaram a 
designar os seres humanos. A publicação do livro “Systema naturae” (século 
XVIII), do botânico sueco Charles Linné, contribui para a ampliação de tais 
ideias. Na obra, o Homo sapiens foi classificado em cinco variedades; as princi-
pais delas são citadas a seguir. 
a. Homem selvagem. Quadrúpede, mudo, peludo. 
b. Americano. Cor de cobre colérico, ereto. Cabelo negro, liso, espesso; nari-
nas largas; semblante rude; barba rala; obstinado, alegre, livre. Pinta-se 
com finas linhas vermelhas. Guia-se por costumes. 
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c. Europeu. Claro, sanguíneo, musculoso; cabelo louro, castanho, ondu-
lado; olhos azuis; delicado, perspicaz, inventivo. Coberto por vestes justas. 
Governado por leis. 
d. Asiático. Escuro, melancólico, rígido; cabelos negros; olhos escuros, severo, 
orgulhoso, cobiçoso. Coberto por vestimentas soltas. Governado por opi-
niões. 
e. Africano. Negro, fleumático, relaxado. Cabelos negros, crespos; pele ace-
tinada; nariz achatado, lábios túmidos; engenhoso, indolente, negligente. 
Unta-se com gordura. Governado pelo capricho (grifo nosso).
Como pudemos verificar, as características físicas e “morais” das populações afri-
canas (e também das populações dos demais continentes) foram precisamente 
descritas pelo botânico sueco. Entretanto não podemos deixar de perceber o olhar 
etnocêntrico e preconceituoso do pesquisador, aliás, como já demonstramos, 
esse modo de perceber as populações africanas era recorrente entre viajantes, 
estudiosos e missionários dos séculos XV, XVI, XVII e XVIII.
Oliva (2005, p. 99) descreve as observações do viajante português do século 
XV, Gomes Eanes de Zurara (1981, p. 225-230), sobre a população da Guiné.
os homens da Guiné tinham o corpo ‘[oposto do] corpo pequeno e 
delgado [do português], poderoso touro, forçoso’. Além das diferenças 
com os portugueses, os ‘guinéus’ eram marcados pela ‘ligeireza muito 
avantajada no correr’ [...]. Para o viajante português, ‘não se podia pin-
tar coisa mais feia’.. 
Leila Leite Hernandez explica, ainda, que esse sistema classificatório – que 
integrou o discurso político-ideológico europeu – “justificou” vários tipos de 
ações empreendidas contra as populações negras africanas, como o tráfico 
atlântico de escravos, os genocídios na África do Sul e a violência colonialis-
ta contra as revoltas de escravos nas Américas. 
Fonte: Hernandez (2008).
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rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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De acordo com Oliva, nos relatos elaborados durante os séculos XVI, 
XVII e XVIII, a África e os africanos continuaram a ser desvalorizados, 
apesar de adquirirem um papel preponderante nas relações econômi-
cas estabelecidas pelos europeus com o mundo atlântico. Em linhas 
gerais, a transformação dos africanos em “simples mercadoria” com-
pletava um “processo de desumanização” (OLIVA, 2005, p. 101) inicia-
do séculos antes, como buscamos demonstrar no decorrer do terceiro 
tópico desta unidade. 
As contribuições do filósofo alemão Friedrich Hegel (1770-1831) tam-
bém são esclarecedoras para compreendermos o pensamento hegemô-
nico de finais do século XVIII e de todo o século XIX. Em sua obra 
“Filosofia da História Universal” (1928, p. 190-194), Hegel escreve que 
[...] os homens vivem ali na barbárie e na selvageria, sem fornecer ne-
nhum elemento à civilização. Encontramos, [...], aqui o homem em seu 
estado bruto. Tal é o homem na África. Porquanto o homem aparece 
como homem, põe-se em oposição à natureza; assim é como se faz ho-
mem. Mas, porquanto se limita a diferenciar-se da natureza, encon-
tra-se no primeiro estágio, dominado pela paixão, pelo orgulho e pela 
pobreza; é um homem estúpido. No estado de selvageria achamos o 
africano, enquantopodemos observá-lo e assim tem permanecido. O 
negro apresenta o homem natural em toda a sua barbárie e violência; 
para compreendê-lo devemos esquecer todas as representações euro-
peias. Devemos esquecer Deus e a lei moral. Para compreendê-lo exa-
tamente, devemos abstrair de todo respeito e moralidade, de todo o 
sentimento. Tudo isso está no homem em seu estado bruto, em cujo 
caráter nada se encontra que pareça humano [...]. 
Em linhas gerais, a perspectiva apresentada por Hegel confere à África um “estado 
de selvageria” em que predomina apenas a natureza, ou seja, não se produz cul-
tura e história. As ideias informam, ainda, que os africanos não têm condições 
de ultrapassar os limites da “selvageria” e de buscar um novo estado de existên-
cia, e os concebem como “seres sem cultura” e sem autonomia para construir a 
sua própria história. 
Somente em meados do século XX, a historiografia e a antropologia sobre a 
África foram ganhando novas perspectivas e passaram a ser tratadas “de maneira 
crescentemente crítica, abrindo possibilidades para que os preconceitos pudes-
sem vir a ser questionados” (HERNANDEZ, 2008, p. 23). Essa nova tendência 
nos estudos sobre o continente caracterizaram uma ruptura com o eurocen-
trismo, até então hegemônico. 
Considerações Finais
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As teorias eurocêntricas criaram várias falsificações históricas que foram 
o fio condutor de imagens estereotipadas acerca da África e seus habitantes. 
Sobre isso, vale uma última reflexão e é com ela que encerramos a primeira uni-
dade de nosso livro. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Prezado(a) aluno(a), ao final da primeira unidade de nosso livro “História da 
África”, gostaríamos que voltasse o vosso olhar para a África como um todo – 
por sua incontestável relevância na história da humanidade, mas, também, pelas 
profundas relações que possuímos com aquele continente. 
A África é um continente amplo e heterogêneo, onde vivem e viveram, desde 
os princípios da humanidade, diversos grupos humanos, com línguas, costumes, 
tradições e crenças singulares à sua própria trajetória histórica. Os estudos de 
campo lá empreendidos permitiram que nós pudéssemos conhecer, mais pro-
fundamente, o processo de evolução do homem em nosso planeta. O território 
africano é, portanto, uma fonte para a história da própria humanidade! 
Ao incursionarmos pelas representações formuladas sobre a África e seus 
habitantes, pelos europeus ocidentais ao longo dos vários séculos de nossa 
História, pudemos notar que elas estão repletas de equívocos e preconceitos. Como 
destaca Santos (2002, p. 277), de modo geral, “há uma imagem do negro afri-
cano, e da África, forjada pelo olhar europeu, e que foi elaborada e reinterpretada 
“O eurocentrismo situa-se de modo tão inexorável no centro de nossas vidas 
cotidianas, que mal percebemos sua presença. Não se trata de um ataque 
a Europa ou aos europeus, e sim ao eurocentrismo, ou seja, a tentativa de 
reduzir a diversidade cultural a apenas uma perspectiva paradigmática, que 
vê a Europa como origem única dos significados.”
Fonte: Vieira (2012, p. 99).
A “INVENÇÃO DA ÁFRICA” NO IMAGINÁRIO OCIDENTAL
Reprodução proibida. A
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através das épocas”. Nessa direção, demos atenção especial ao conceito de etno-
centrismo, a fim de melhor compreendermos todo esse processo. 
Vimos que o etnocentrismo é uma visão do mundo no qual o nosso próprio 
grupo é adotado como referência e todos os “outros” são pensados e sentidos 
por meio dos nossos próprios olhares. Vale lembrarmos, ainda, que diferenciar 
é algo natural, entretanto é fundamental dialogarmos com as diferenças, pois é 
a partir desse diálogo que adquirimos novos conteúdos, abandonamos conteú-
dos antigos e nos transformamos.
49 
1. Nesta unidade, utilizamos algumas vezes a frase “a África é o berço da huma-
nidade” para demonstrarmos que o continente foi o cenário onde ocorreram 
as primeiras etapas da evolução humana. Lá, foram encontrados vestígios dos 
primeiros hominídeos e importantes exemplares do Homo habilis. Leia atenta-
mente o tópico 2 desta unidade e localize, no atual mapa político da África, 
os lugares onde foram encontrados vestígios de presença da espécie hu-
mana, mencionados no decorrer do texto. Se for preciso, utilize leituras com-
plementares. 
2. Discutimos, nesta unidade, que desde a Antiguidade Clássica são formuladas 
representações estereotipadas com relação aos povos negros africanos. Com 
a chegada do século XV, o contato entre europeus e africanos tornou-se mais 
intenso, contribuindo para acentuar tais leituras depreciativas. Procure estabe-
lecer, na atualidade, formas de preconceito expressas em relação à África e 
aos africanos. 
3. Nesta unidade, nos dedicamos ao estudo das representações da África e dos 
africanos ao longo da História. Pudemos verificar que foram várias as formas de 
perceber e enxergar a população negra africana. Infelizmente, em grande parte 
dessas representações, o continente é visto apenas como o espaço da natureza 
e seus habitantes, homens “selvagens” e “bárbaros”. De modo geral, essas per-
cepções indicavam estranhamento e, ao mesmo tempo, desejo de dominação. 
A partir do estudo da unidade I e de acordo com os atuais debates sobre 
as relações étnico-raciais em nosso país, identifique com V ou F, conforme 
sejam verdadeiras ou falsas as afirmativas seguintes. 
( ) Visões estereotipadas sobre a população afrodescendente e afro-brasileira 
ainda hoje podem ser percebidas em nossa sociedade. 
( ) Relativizar é não transformar a diferença em hierarquia, em superiores e 
inferiores, mas, sim, percebê-la na sua dimensão de riqueza, por ser diferen-
ça.
( ) Etnocentrismo é uma visão do mundo no qual o nosso próprio grupo é 
tomado como centro de tudo. Sendo assim, um indivíduo etnocêntrico não 
tem capacidade de observar outras culturas nas próprias condições em que 
elas se mostram.
A alternativa que contém a sequência correta, da primeira para a última, é a: 
a) F, V, V.
b) V, V, V.
c) V, F, F. 
d) F, V, F.
e) V, V, F.
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4. Os berberes eram povos nômades. Com suas caravanas, atravessavam o deserto 
do Saara a fim de comercializarem produtos, como ouro, sal, temperos, plumas 
e pedras preciosas. Mas, além de produtos materiais, os berberes levavam con-
sigo informações e aspectos culturais peculiares. Logo, eles foram de extrema 
importância para trocas culturais do período. Afinal, onde habitaram os povos 
berberes da Antiguidade? Marque a alternativa correta.
a) Os povos berberes habitaram o norte da África, sobretudo, a região onde hoje se 
situa o Marrocos, a Argélia e a Tunísia. 
b) Os berberes habitaram a região da África Oriental.
c) Os povos berberes habitaram a África Central, na região hoje correspondente à 
República Democrática do Congo. 
d) Os berberes habitaram a África do oceano índico, também conhecida como re-
gião indo-oceânica. 
e) Os povos berberes habitaram a região da África Austral, onde hoje se situam 
onze países.
51 
5. A partir do estudo de toda a unidade I, identifique com V ou F, conforme sejam 
verdadeiras ou falsas as afirmativas que seguem. 
( ) A arte rupestre, presente no continente africano, apresentou ao mundo 
importantes aspectos, relacionados ao estilo de vida e aos padrões estéti-
cos de homens e mulheres de tempos remotos, “nos levando a repensar o 
modo de entender povos e grupos contemporâneos que não dominavam 
a escrita, mas, mesmo assim, deixaram registros valiosos de sua história”. 
( ) O período denominado Mesolítico apresenta importantes avanços técni-cos na área de fabricação de artefatos e utensílios de pedra trabalhada, os 
chamados micrólitos.
( ) No período Neolítico, as comunidades humanas precisaram encontrar no-
vas soluções de subsistência, pois o ambiente oferecia poucas (e difíceis) al-
ternativas de sobrevivência. Duas importantes características dessa fase da 
“pré-história” foram: a fabricação de artefatos em pedra polida e a adoção 
de uma economia baseada na agricultura e na pecuária.
( ) O estudo dos mapas e da análise cartográfica são pouco relevantes para o 
estudo do imaginário ocidental europeu sobre a África e os africanos. 
( ) No ano mil (período medieval), as referências sobre os africanos estavam 
completamente impregnadas pelo imaginário da cristandade. Os relatos e 
as impressões pejorativas acerca dos povos africanos foram reforçados pela 
associação entre os espaços celestiais: paraíso, purgatório e inferno. 
( ) As teorias eurocêntricas criaram várias falsificações históricas que foram 
o fio condutor de imagens estereotipadas acerca da África e seus habitan-
tes.
A alternativa que contém a sequência correta, da primeira para a última, é: 
a) F, V, V, F, V, F.
b) V, V, V, V, V, V.
c) V, F, F, V, V, V. 
d) V, V, V, F, V, V.
52 
A historiadora da África, Mônica Lima e Souza, é referência nos estudos de História da 
África em nosso país. Neste texto, que indicamos como “Leitura Complementar”, a auto-
ra discute duas questões fundamentais: 1º) Os estudos de campo realizados no território 
africano constituíram fontes importantes para o estudo da evolução humana e, conse-
quentemente, da própria história da humanidade; 2º) Os estudos de história da África 
sobre tempos remotos também contribuíram para se rever o conceito de “pré-história”. 
Vamos ao texto?
A história da África e a crítica ao termo pré-história
Durante muito tempo, marcou-se o início dos tempos históricos a partir do surgimento 
da escrita. Tal linha divisória deixava fora da história os povos que não criaram formas 
de escrita. Além disso, marcava para sempre – como “gente fora da história” – aqueles 
que, apesar de viverem em épocas com a escrita já difundida, não a utilizavam como 
meio de registro e comunicação. De alguma maneira, associava-se a ausência da escrita 
ao que era primitivo, arcaico, quase perdido no tempo. Seria um tempo sem história? 
As pesquisas nos sítios arqueológicos da África, de forma explícita, mostraram que não. 
A chamada pré-história foi um tempo de muitas mudanças, criações, inventos e desco-
bertas que revolucionaram a vida de homens e mulheres. Ela não pode ser vista como 
um período em que os dias se sucediam de forma igual, e no qual a história das relações 
humanas não poderia ser lida – muito ao contrário. O controle sobre a natureza, o dese-
nho de novos territórios pelas migrações e a descoberta de novas formas de sobrevivên-
cia – todos esses passos que construíram a evolução dos humanos mais antigos ocor-
reram em tempos históricos e consistiram em mudanças radicais na trajetória humana. 
A arte rupestre africana também revelou ao mundo muitos aspectos do estilo de vida e 
dos padrões estéticos de homens e mulheres de tempos remotos. Assim, são fontes para 
o estudo das antigas formas de vida, bem como de sonhos, religiosidades e simbologias 
dos primeiros grupos humanos. Em paredes de pedra de diferentes regiões da África 
encontram-se registros de cenas do cotidiano, e também de desejos e sonhos, o que faz 
das pinturas documentos reveladores das formas de representação características de 
homens e mulheres há milhares de anos. 
Portanto, vemos que a história da África ilumina aspectos da história do mundo em seus 
períodos mais remotos, ao trazer inúmeras fontes sobre o início da vida humana em so-
ciedade. Além disso, auxilia na revisão de conceitos consolidados como o de pré-história, 
levando a se repensar o modo de entender povos e grupos contemporâneos que não 
dominam a escrita, mas que ainda assim registram sua história.
Fonte: Souza (2014).
Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR
A enxada e a lança: a África antes dos 
portugueses
Autor: Alberto da Costa e Silva
Editora: Nova Fronteira
Sinopse: A obra de Alberto da Costa e Silva contém 
um vasto material arqueológico, antropológico e 
histórico ainda pouco conhecido entre nós. O livro 
faz uma detalhada descrição de vários povos e etnias 
africanas da chamada “África Negra”, atentando para 
as técnicas agrícolas e de navegação, expressões 
religiosas e artísticas, reinos, cidades, costumes e 
línguas. 
GABARITO
Questão 1: esperamos que o(a) aluno(a) desenvolva a resposta considerando os 
países da região oriental da África (como Etiópia e Tanzânia) e, também, as savanas 
das regiões da África Subsaariana. 
Questão 2: esperamos que a resposta do(a) aluno(a) leve em consideração a pers-
pectiva histórica apresentada no tópico da unidade e faça um paralelo com a atual 
condição da população afrodescendente em nosso país. A questão central, certa-
mente, refere-se a não superação do racismo, que ainda assola a nossa sociedade. 
Questão 3: letra b.
Questão 4: letra a.
Questão 5: letra d. 
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Professora Dra. Amanda Palomo Alves
AS PRIMEIRAS 
CIVILIZAÇÕES DA ÁFRICA: 
EGITO ANTIGO E NÚBIA
Objetivos de Aprendizagem
 ■ Apresentar particularidades da antiga civilização egípcia.
 ■ Apontar importantes características da antiga civilização núbia. 
 ■ Discutir a importância do reino de Kush e destacar algumas de suas 
importantes características.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
 ■ Uma breve história da antiga civilização egípcia
 ■ A antiga civilização Núbia e o reino de Kush
INTRODUÇÃO
Como vimos na unidade anterior, a África é considerada o “berço da humani-
dade”. De acordo com várias pesquisas arqueológicas empreendidas no continente, 
a África foi o primeiro continente a ser ocupado pelos humanos. Ademais, em 
seu solo, surgiram os primeiros cultivos agrícolas e atividades pastoris. 
Portanto, mais do que nunca, é necessário atentarmos para a diversidade 
das sociedades africanas, que desenvolveram técnicas de manufaturas, obras de 
arte, línguas e edificações diversas, construindo um riquíssimo acervo cultural. 
Dito de outra maneira, aquelas sociedades viveram processos históricos distin-
tos e variados, que devem ser compreendidos como uma parte importante da 
história da humanidade. 
Outro ponto a destacar refere-se ao fato de que a África nunca foi um conti-
nente isolado, pelo contrário, seus povos sempre mantiveram relações com países 
do sul da Europa e com os países do chamado Oriente Médio. No período das 
primeiras grandes civilizações da Antiguidade, o Egito, o porto Mediterrâneo de 
Alexandria e a Núbia – articulados aos circuitos do Mar Vermelho, por meio do 
porto de Axum e cidades como Zanzibar, no Oceano Índico – estiveram ligados 
a circuitos comerciais e culturais do Mediterrâneo e do Oriente (SOUZA, 2008). 
Assim, nesta unidade II de nosso livro “História da África”, buscaremos 
demonstrar que foram várias as contribuições das diversas nações africanas, ao 
longo da história, para o desenvolvimento cultural, econômico, político, científico 
e tecnológico da humanidade. Para tanto, abordaremos a importância de duas 
antigas civilizações africanas: o Egito e a Núbia (e o reino de Kush). Vamos lá?!
Introdução
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UMA BREVE HISTÓRIA DA ANTIGA CIVILIZAÇÃOEGÍPCIA
No Brasil, infelizmente, ainda costumamos falar da África como se tratasse de 
um espaço “homogêneo”, todavia, como buscaremos demonstrar nesta unidade, 
tal compreensão do continente é extremamente enganosa. Com muita frequên-
cia, notamos que a parte ocidental da África, banhada pelo oceano Atlântico, 
é a mais utilizada como referência. Contudo, mais ao norte, os seus territórios, 
banhados pelo Mar Mediterrâneo, ofereceram várias possibilidades de contato 
com os povos que habitaram o Magreb (como vimos na unidade I, o Magrebe, 
ou Magreb, situa-se na região norte do continente e compreende a Tunísia, a 
Argélia e o Marrocos) e o Egito. Em sua fração oriental, a proximidade com o 
Mar Vermelho e com o Oceano Índico propiciaram condições de vida singula-
res aos povos que ali se instalaram. 
“O EGITO É UMA DÁDIVA DO NILO”
Escrita pelo historiador grego Heródoto (aproximadamente 485 a.C. – 425 a.C.) 
há mais de dois mil e trezentos anos, esta frase, que elegemos como o nome do 
primeiro subtítulo desta unidade II, retém toda a essência da maior fonte de 
vida do Egito: o rio Nilo, que, conforme podemos observar no mapa que segue, 
nasce no sul e se prolonga para o norte até chegar ao Mar Mediterrâneo (região 
conhecida como Delta do Nilo). 
Uma Breve História Da Antiga Civilização Egípcia
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Egito
Figura 01 - O Egito na África Figura 02 - Rio Nilo
Fonte: Rio Nilo (on-line)1.
Sabemos que o rio Nilo possibilitou as condições de vida básicas para a existên-
cia de inúmeras espécies de animais e vegetais que surgiram na região do Antigo 
Egito, assim como o nascimento e a formação das primeiras comunidades seden-
tárias organizadas daquela região. A mais antiga dessas comunidades, descoberta 
por pesquisadores e arqueólogos durante os anos sessenta do século XX, data de 
15 mil anos. Como nos informa Macedo (2013), entre os vestígios encontrados 
foram identificados vinte e cinco tipos de sementes e frutos comestíveis; tubércu-
los e pedras empregadas para moer grãos e animais domesticados, como bovinos e 
carneiros. É a prova mais antiga da ocupação no vale do Nilo, local onde floresceu e 
se desenvolveu uma das mais antigas e sofisticadas civilizações (MACEDO, 2013).
Os pesquisadores Mokhtar e Vercoutter (2010) explicam que a busca do con-
trole do rio pelo homem foi provavelmente estimulada, no princípio, não pelo 
desejo de aproveitar ao máximo o uso de seus recursos para a agricultura, mas, 
principalmente, pela necessidade de evitar os intensos danos provocados pelas 
inundações do rio, afinal, o transbordamento do Nilo pode acarretar calamida-
des. Foi, sem dúvida, em função dessa ameaça que os habitantes do vale do Nilo 
aprenderam a construir diques e barragens para proteger suas povoações, e a cavar 
Egito
Sudão
Etiópia
Mar Mediterrâneo
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Rio Nilo
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canais para drenar seus campos. Dessa maneira, homens e mulheres que habitaram 
aquela região mudaram, profundamente, as condições impostas pela natureza ao 
desempenharem um papel essencial na emergência e expansão da civilização no 
vale do Nilo. Nas palavras de Mokhtar e Vercoutter (2010), “O Egito não é ape-
nas uma ‘dádiva do Nilo’, é, acima de tudo, uma criação do homem”. Tais autores 
ainda complementam:
O homem não penetrou, repentinamente, em um vale vazio ou habita-
do, unicamente, por animais selvagens. Estabeleceu-se na região gradu-
almente, ao longo de milhares de anos à medida que a própria densidade 
dos grupos humanos ou as variações climáticas obrigaram-no a buscar 
novos recursos ou maior segurança (MOKHTAR; VERCOUTTER, 
2010, p. 49). 
Devido à sua posição geográfica estratégica, o vale do Nilo (assim como todo o 
Egito) se tornou o ponto de chegada das correntes migratórias oriundas não ape-
nas de outras regiões da África, mas também do Oriente Médio e, até mesmo, da 
Europa. Nessa direção, ao longo de seu extenso canal, o Nilo funcionou como uma 
espécie de “corredor” em que os diferentes povos que habitaram as suas margens 
se relacionavam. Das florestas e savanas situadas em sua nascente, o rio se projeta 
para o Norte, passando por cataratas, e atravessando todo o território onde vive-
ram os povos negros da Núbia. 
Em meados do ano 3.200 a.C., toda a região do vale do Nilo, que abrigava 
várias comunidades aldeãs sedentárias, foi unificada e controlada por um Estado 
de caráter teocrático, centralizado na figura dos faraós. 
Vistos como seres divinos ou divinizados, os faraós eram considerados 
a personificação viva de Rá, o deus-sol, e a réplica de Osíris, o senhor da 
terra dos mortos. Apoiado numa elite governante constituída por aliados 
e dependentes pessoais, de onde provinham escribas, sacerdotes e chefes 
militares, o poder faraônico se prolongou ao longo dos milênios, através 
de sucessivas dinastias (MACEDO, 2013, p. 24).
Túmulos, palácios e templos são apenas alguns exemplos das grandezas arquitetô-
nicas que reproduziam, visualmente e materialmente, o poder e a riqueza de seus 
governantes. As grandiosas pirâmides; os obeliscos*; os santuários edificados em 
pedra; a rica estatuária, representando entidades divinas e faraós; as pinturas e os 
relevos nas paredes das edificações evidenciam o alto grau de desenvolvimento 
das técnicas arquitetônicas entre os povos que habitaram o Egito. 
*Para saber mais informações, acesse o link disponível em: <http://antigoe-
gito.org/glossario-egipcio>. Acesso em: 30 set. 2015. 
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Vale lembrarmos, contudo, que no Antigo Egito, criações “menos extravagantes” 
(MACEDO, 2013, p. 25) foram fundamentais para o desenvolvimento das comu-
nidades. Entre elas, destacamos os conhecimentos astronômicos, matemáticos e 
médicos; e invenções, como o shaduf, um balde empregado para recolher água, 
contrabalanceado por um peso, e a sagia, roda hidráulica movida por animais. 
A invenção e a utilização desses instrumentos foram essenciais para o melhor 
aproveitamento das águas do rio Nilo. Na Figura 03 – encontrada por pesquisa-
dores em uma tumba localizada em Deir el-Medina, Tebas, Egito –, observamos 
um jardineiro utilizando o shaduf. 
Figura 03 - Jardineiro utilizando o shaduf. Tumba de Ipuy em Deir el-Medina, margem ocidental de Tebas (Egito)
Fonte: Administrador (2010, on-line2).
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Contudo, como argumentam Mokhtar e Vercoutter (2010, p. 34), a originalidade 
do antigo Egito (se comparado a outras regiões da África) reside, talvez, e prin-
cipalmente, no fato de que a alta densidade populacional fixada ao longo das 
margens do rio Nilo no período da Antiguidade tenha, pouco a pouco, tornado 
necessário “o uso da escrita para coordenar o sistema de irrigação”, fundamental 
para a sobrevivência dos povos fixados naquela localidade. A seguir, discutire-
mos um pouco mais sobre a importância da escrita no Egito Antigo. 
A ESCRITA NO ANTIGO EGITO
Na atualidade, as fontes mais importantes (e disponíveis) sobre o Antigo Egito 
são àquelas de natureza arqueológicae as fontes literárias. Nessas duas categorias 
de documentos, enquadram-se, respectivamente, os longos textos e as imagens 
históricas que adornam os templos egípcios, e as listas de ancestrais. Para com-
pilar essas listas, os escribas dispunham de documentos redigidos por sacerdotes 
ou por funcionários reais, algo que sugere a existência de arquivos oficiais bem 
organizados (MOKHTAR; VERCOUTTER, 2010, p. 38). 
Figura 04 - Escultura de um escriba sentado 
Fonte: Mokhtar (2010, p. 57).
O escriba era o responsável por todas as 
escritas dos templos e do governo. Ele re-
gistrava datas, acontecimentos, escrevia 
mensagens, contava o gado e as provisões.
Embora tenha sido descoberto intacto no século XIX, o “Papiro de Turim” foi 
manuseado com tanto descuido, que se despedaçou, tendo sido necessá-
rios anos de trabalho para a sua restauração. 
Uma das peculiaridades do “Papiro de Turim” é o fato de ele agrupar os fara-
ós em séries. No final de cada série, o escriba acrescentou o número total de 
anos de reinado dos faraós de cada grupo. 
Fonte: Mokhtar e Vercoutter (2010, p. 39).
Uma Breve História Da Antiga Civilização Egípcia
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A escrita egípcia é, fundamentalmente, pictográfica, como grande parte das escri-
tas antigas, mas, enquanto que em locais, como China e Mesopotâmia, os sinais 
pictográficos originais se modificaram rapidamente para formas abstratas, o Egito 
permaneceu fiel ao seu sistema de escrita, que funcionava da seguinte maneira: 
Todos os objetos ou seres vivos que pudessem ser desenhados eram 
usados como sinais ou caracteres na escrita egípcia: para escrever a 
palavra “arpão” ou “peixe” bastava ao escriba desenhar um arpão ou 
um peixe. São os chamados “signos-palavra”, porque um único signo 
é suficiente para escrever a palavra inteira. Este princípio permaneceu 
em uso durante toda a civilização faraônica, o que possibilitou que os 
escribas criassem tantos “signos-palavras”, quantos fossem necessários 
(MOKHTAR; VERCOUTTER, 2010, p. 50-51). 
Com relação às fontes disponíveis sobre a escrita egípcia, gostaríamos de desta-
car dois importantes registros que, infelizmente, chegaram incompletos até nós. 
São eles: a Pedra de Palermo e o Papiro Real de Turim. 
A Pedra de Palermo é assim chamada pois o maior fragmento do texto está 
conservado no Museu Arqueológico de Palermo, na Sicília, Itália. Trata-se de 
uma placa gravada, nas duas faces, com nomes de todos os faraós que reinaram 
no Egito, desde a V dinastia, em meados de 2.450 a.C. Já o Papiro de Turim, 
preservado em Turim, Itália, consiste em uma lista de governantes, contendo o 
número de anos, meses e dias de seus reinados, em ordem cronológica. Fornece, 
ainda, uma lista completa de todos os faraós até, aproximadamente, 1.200 a.C. 
(MOKHTAR; VERCOUTTER, 2010). 
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IIU N I D A D E64
Fontes como a Pedra de Palermo, o Papiro de Turim e as listas reais dos monu-
mentos se tornam ainda mais significativas para a compreensão da história do 
Egito, se considerarmos que seus habitantes não adotavam eras contíguas ou cícli-
cas (como as que nós utilizamos). Os cálculos baseavam-se na pessoa do próprio 
faraó, ou seja, cada data era estabelecida, tendo como referência o faraó, que rei-
nava no período em que o documento havia sido redigido. 
Por fim, salientamos que a antiguidade africana é muito mais complexa do 
que costumamos imaginar. Durante milênios, povos soberanos da África foram 
agentes fundamentais no desenvolvimento das sociedades humanas em todo o 
mundo. Um exemplo dessa riqueza e complexidade reside na história da civili-
zação Núbia, que conheceremos um pouco mais a partir de agora. 
A ANTIGA CIVILIZAÇÃO NÚBIA E O REINO DE KUSH 
Quando falamos em África Nilótica, é importante considerarmos que a Núbia 
foi uma civilização brilhante e, ao mesmo tempo, bastante peculiar. Sabemos 
que as maiores informações que temos, relacionadas aos povos africanos da 
Antiguidade, referem-se ao Egito, contudo, como bem nos lembra Souza (2007), 
na região do Nilo, encontramos também outra civilização grandiosa: a Núbia. 
A região desértica, atravessada pelo rio Nilo e localizada entre o sul do Egito 
e o norte do atual Sudão, foi denominada Núbia. Na Antiguidade, a Núbia fazia 
fronteira com o Mar Vermelho – a leste – e com o deserto da Líbia, a oeste. Ao 
sul, a região se estendia até a atual Cartum, capital do Sudão. 
O termo Núbia deriva de noub, que significa “terra do ouro”. Como nos lem-
bra Macedo (2013), da Núbia provinha uma variedade de produtos, entre peles 
de animais e temperos, mas, sobretudo, era uma região rica em pedras mine-
rais preciosos. 
Por muitos, considerada um prolongamento do Egito, a civilização Núbia 
surgiu há mais de quatro mil anos em meio ao deserto do Saara. Como sabemos, 
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o deserto Saara é um ambiente hostil à sobrevivência de comunidades humanas, 
todavia, a existência do rio Nilo – cuja nascente se origina do “coração da África” 
e percorre todo o território da Antiga Núbia e do Egito –, é a explicação mais 
plausível, que justifica a permanência daqueles povos na região. Nos mapas ilus-
trados, você poderá visualizar com mais clareza a localização da Antiga Núbia, 
região que, nos dias de hoje, corresponde aos países Egito e Sudão.
Figura 05 - Mapas: região aproximada da Núbia Antiga
Fonte: Adam (2010, p. 214).
Já falamos um pouco sobre a importância do rio Nilo para as comunidades que 
habitavam o Egito Antigo, mas gostaríamos de ressaltar a sua grande importân-
cia, também, para os povos da civilização Núbia. 
O rio Nilo foi extremamente importante para o contato entre os povos niló-
ticos* e desempenhou um duplo papel: além de trazer água e fortalecer o solo da 
região, as enchentes do rio Nilo – que ocorriam todos os anos – eram responsá-
veis pelo renascer dos campos, garantindo a sobrevivência dos moradores do vale 
do Nilo. Cumpre ressaltar, ainda, que o rio tinha a importante função no trans-
porte de pessoas, levando mercadorias e, sobretudo, conhecimentos para o interior 
da África subsaariana. Aliás, são muitos os historiadores que dissertam sobre a 
importância do rio e argumentam que ele se tornou um “corredor econômico”, ao 
possibilitar a circulação de mercadorias, pessoas e, consequentemente, de ideias. 
*Segundo o especialista britânico Sutton, em sua origem, a palavra “niló-
tico” tinha uma acepção geográfica: “do rio Nilo”. Todavia, em várias obras, 
sobretudo as mais contemporâneas, o termo “nilótico” designa um grupo de 
línguas definido, exclusivamente, através de critérios linguísticos, não con-
siderando a localização. 
Fonte: Sutton (1983 apud MOKHTAR, 2010, p. 649).
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Contudo vale fazermos o seguinte questionamento: o Egito e a Núbia são uma 
“dádiva do Nilo” ou são o resultado da organização de um trabalho árduo de 
seus povos? Concordamosque o rio percorria todo aquele antigo território, 
possibilitando transportar bens e pessoas para as importantes atividades comer-
ciais entre os habitantes daquela localidade e que, durante o período das cheias, 
proporcionou a fertilidade necessária aos solos, irrigando as margens daquelas 
terras tão áridas e secas. Todavia, conforme já mencionamos no tópico anterior 
(sobre o Egito Antigo), eram recorrentes as tragédias provenientes das enchentes 
e inundações que destruíam as plantações e abalavam as estruturas das popula-
ções ribeirinhas. Para solucionar tais problemas, foram necessárias práticas de 
trabalho coletivo para diminuir os efeitos das inundações do rio e, assim, garan-
tir uma boa colheita, algo fundamental para a sobrevivência da comunidade. O 
pesquisador Brissaud escreveu sobre isso em seu livro “A civilização núbia até 
a conquista árabe”.
Os camponeses do Vale do Nilo, do Delta à Alta Núbia, têm constan-
temente necessidade de água. Constroem e mantém diques e canais de 
irrigação. É necessário dominar a inundação, drenar os canais, cons-
truir diques, proteger habitações, o que explica por que as tribos nôma-
des do neolítico egípcio e núbio se tornaram sedentárias. Os homens 
tiveram que se agrupar muito cedo em aldeias e aí fazer funcionar uma 
organização adaptada às suas necessidades (BRISSAUD, 1978, p. 31).
No séc. XX, com a construção da Barragem de Assuã (Rio Nilo, Egito), muitas 
construções arquitetônicas importantes da antiga civilização Núbia foram 
absorvidas pelo Lago Nasser, situado ao sul do Egito e Norte do Sudão. Po-
rém, graças a um sério trabalho de arqueólogos, técnicos e engenheiros, 
parte dessas “riquezas arquitetônicas” foi removida das áreas de alagamen-
tos. Brissaud (1979), pesquisador já citado, relata que, na atualidade, essas 
obras de arte estão dispostas no Museu de Cartum (Egito) e, também, na 
Polônia.
Fonte: a autora.
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Tudo o que hoje conhecemos sobre a história da Núbia, sobretudo entre os séculos 
VIII a.C. e II d.C., é o resultado de sérios e intensos trabalhos empreendidos por 
arqueólogos, cronistas e historiadores que não mediram esforços para desvendar 
um pouco dessa história que, infelizmente, ainda carece de muitos esclarecimen-
tos e estudos. Sabemos, contudo, que a história daquela antiga civilização pode 
ser “dividida” em dois momentos específicos: no primeiro deles, os núbios foram 
dominados por povos de outras civilizações. Sobre essa fase da história da civili-
zação Núbia, existe um número considerável de livros, documentos e fontes. Por 
outro lado, o segundo período é constituído de fontes escassas, relatos incertos 
e escritos deixados, na maioria das vezes, por cronistas clássicos. Isso se deve, 
sobretudo, pelo fato de que a maioria dos escritos deixados pelos antigos povos 
núbios ainda não foram totalmente decifrados.
Uma análise pormenorizada da escrita meróitica, por exemplo, permitiria 
que pudéssemos conhecer detalhes fundamentais daquela civilização imponente, 
que deixou importantes marcas no vale do Nilo (sobre o tema, atentar para o 
item “Leitura Complementar” desta unidade II). Não podemos deixar de men-
cionar que os sucessivos reinos que surgiram durante a história da Núbia (como 
o reino de Kush, que saberemos um pouco mais logo adiante) deixaram magní-
ficas “construções arquitetônicas”, entre elas, templos, fortalezas e monumentos, 
que atestam um pouco da genialidade e riqueza daqueles povos. 
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FARAÓS NEGROS DE KUSH: “SENHORES DOS DOIS REINOS”
Na Antiga Núbia se constituiu uma população negra de língua e origem étnica 
diferente da dos egípcios. Formou-se ali o reino de Kush. 
Até muito recentemente, a história do reino de Kush e, consequentemente, 
a história de suas importantes cidades – Napata e Méroe – eram pouquíssimo 
conhecidas por nós. Sabíamos, apenas, que eram as terras do ouro e do ferro e 
das candaces, localizadas ao Sul do Egito, na chamada África Nilótica. Porém 
a história da civilização negra de Kush é tão antiga e brilhante quanto a histó-
ria egípcia. O reino de Kush destacou-se, historicamente, por influenciar outros 
povos com sua cultura peculiar e por estabelecer relações políticas, comerciais 
e sociais permanentes com os povos vizinhos. 
Sabemos que, durante séculos, as riquezas provenientes de Kush sustenta-
ram o luxo e o poder dos antigos faraós egípcios. Vários historiadores, inclusive, 
consideram que a Núbia foi “periferia dos egípcios” e que as relações entre eles 
sempre foram conflituosas, permeadas por interesses econômicos e políticos. 
Mas sabemos, também, que, ao longo de aproximadamente cinquenta e dois 
anos, os reis kushitas governaram de maneira unificada a Núbia e o Egito, daí a 
expressão: “senhores dos dois reinos”. Mas, afinal, quem eram esses faraós negros? 
Durante a sua história, a Núbia foi governada por uma série de faraós negros, 
chefes políticos e militares do reino de Kush, cuja prosperidade resultava, prin-
cipalmente, do controle das rotas comerciais mais importantes, localizadas nas 
margens meridionais do rio Nilo. Além disso, possuíam uma grande quanti-
dade de terra para o cultivo de agricultura, para a prática de pecuária e para as 
atividades da mineração. Dessa maneira, os faraós negros puderam impor o seu 
poder militar e, assim, estabelecer vários domínios sobre os povos vizinhos, entre 
eles, o Egito, situado ao norte de seu território. A XXV Dinastia de reis egípcios 
é constituída por faraós negros. Por volta de 725 a.C., Pianki (também conhe-
cido por Piye) iniciou uma campanha militar em direção ao norte do vale do rio 
Nilo, chegando até ao mar Mediterrâneo. Após a sua vitória, o Egito foi unido 
ao Império de Kush e Pianki tornou-se “faraó dos dois reinos”. 
A presença Núbia – constante ao longo da história do Império Egípcio – está 
atestada em pinturas realizadas nas paredes das pirâmides, em ilustrações dos 
Importante constar que arqueólogos descobriram naquela região uma 
grande quantidade de pilares de pedras com inscrições, denominados este-
las. O conteúdo das estelas ainda não foi decifrado, pois os pesquisadores 
conhecem, apenas, o significado de cinquenta palavras meroítas. 
Fonte: OS FARAÓS... (2014, on-line3).
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papiros e na rica estatuária (MACEDO, 2013). O registro mais antigo de tal con-
tato está inscrito em uma placa de pedra, feita por volta de 2.450 a.C., durante 
o reinado do faraó Sahure, da V Dinastia.
Uma expedição arqueológica, composta por pesquisadores suíços e franceses, 
encontrou, ao norte do Sudão, uma cratera contendo várias esculturas, repre-
sentando os faraós negros. Na oportunidade, o chefe da expedição argumentou 
que a descoberta de tais esculturas tinha uma grande importância para a história 
da humanidade. Os pesquisadores constataram que a cratera, fixada próxima às 
margens do rio Nilo, permaneceu intacta por, aproximadamente, dois mil anos! 
Na base e nas costas de cada uma das esculturas encontradas, estavam gravados 
os nomes dos reis. Uma verdadeira obra de arte, afinal, foram todas ricamente 
esculpidas em granito.
Quando o domínio dos kushitas sobre o Egito chegou ao fim, os egípcios apa-
garam grande parte dos vestígios deixados pelos faraós negros.Várias esculturas 
encontradas estavam violentamente destruídas e continham cabeças e pés esmaga-
dos. De acordo com pesquisadores suíços, os egípcios tentaram “apagar” todas as 
“marcas” deixadas pelos kushitas, que reinaram em seus territórios por vários anos. 
Do esplendor e da prosperidade da civilização meroíta restaram diversos monu-
mentos, entre eles, templos em homenagem aos deuses, túmulos, sarcófagos de 
granito com peso de vinte e cinco toneladas cada um e pirâmides de pequena pro-
porção (MACEDO, 2013). Todavia, diferente das egípcias, as pirâmides núbias 
são mais baixas e pontudas, como podemos verificar na imagem que segue. 
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Figura 06 - Pirâmides de Kush, na Núbia 
As pirâmides meroítas simbolizavam a “escada para o céu” e conduziam a alma 
do rei morto. Na parte externa das pirâmides havia uma pequena espécie de 
“capela” que guardava as oferendas para a alma do rei. 
Apesar da evidente influência egípcia faraônica, a arquitetura e as artes kushi-
tas desenvolveram características peculiares e emblemáticas. 
CANDACES: “AS RAINHAS-MÃES”
As mulheres núbias da Antiguidade desempenharam importantes papéis na 
vida política de seus povos. Conforme destaca Davidson (1981), uma carac-
terística do sistema político dos meroítas era a tradição matrilinear, praticada, 
também, por outros reinos africanos. Rainhas ou “rainhas-mães” governaram, 
frequentemente, em Méroe. Elas eram conhecidas como candaces, uma palavra 
atribuída pelos gregos. 
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Entre o século VIII a.C. e IV a.C., o reino núbio de Kush vivenciou um perí-
odo de grande estabilidade e de prolongamento de suas dinastias, conquistando, 
dessa maneira, prosperidade perante os demais reinos do vale do Nilo. Existem 
vários indícios que atestam que as mulheres de “sangue real” desempenharam 
funções importantes e ocuparam cargos de liderança no reino kushita. Dentre 
essas funções, destacamos o papel das Candaces. 
[...] as rainhas – mães ou esposas – passaram a assumir o poder político 
e proclamaram-se soberanas, chegando a adotar o título real de “Filho 
de Ra, Senhor das Duas Terras” (sa Ra, neb Tawy) ou “Filho de Ra e 
Rei” (sa Ra, nswbit). Muitas delas tornaram-se famosas, e no período 
greco-romano Meroe era conhecida por ter sido governada por uma 
linhagem de Candaces, Kandake, ou rainhas-mães reinantes. Esse título 
deriva da palavra meroíta Ktke ou Kdke e significa rainha-mãe. O outro 
título, qere (“chefe”), não foi utilizado até o surgimento da escrita mero-
íta. Na realidade, conhecemos apenas quatro rainhas que o utilizaram: 
Amanirenas, Amanishaketo, Nawidemak e Maleqereabar, todas, por 
definição, candaces (HAKEM; HRBEK; VERCOUTTER, 2010, p. 304). 
Documentos iconográficos deixados pelos antigos kushitas, assim como algumas 
inscrições, constatam a existência da função das “rainhas-mães”. Ser rainha-mãe 
em Méroe significava participar do poder político, elegendo um novo rei, que 
poderia ser seu filho ou seu esposo e, ainda, auxiliá-lo em seu governo. Com o 
tempo, essas rainhas assumiram o poder político, autoproclamando-se sobera-
nas do Reino de Kush. 
O reinado da rainha Shanakdakhete parece ter sido um período de afir-
mação do poder de um matriarcado tipicamente local. Num edifício 
dedicado ao nome da soberana, em Naga, estão gravadas inscrições 
em meroítico que se contam entre os mais antigos de que se tem notí-
cias [...]. Duas rainhas tiveram, naquela época, um destaque especial: 
Amanirenas e Amanishakento. Ambas tinham o título de Candace, 
transcrição do título meroítico Kdke na traição dos autores clássicos 
(LECLANT, 1979, p. 56). 
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NAPATA: UM IMPORTANTE CENTRO COMERCIAL E RELIGIOSO
Sabemos que na Antiga Núbia a agricultura era uma importante base da econo-
mia, todavia, um considerável número populacional vivia em cidades que têm 
sido, cada vez mais, objeto de estudo de arqueólogos, historiadores, arquitetos e 
geógrafos, empenhados em desvendar características peculiares daqueles cen-
tros, por meio de vestígios deixados pelas pessoas que ali habitaram.
O reino de Kush existiu por mil anos aproximadamente e, no princípio, 
Napata foi a cidade escolhida para ser a capital do reino. Napata era um posto 
de fronteira, por onde passavam as caravanas de comerciantes que transporta-
vam os seus produtos (em lombo de camelos, dromedários ou burros), do sul da 
Núbia – e das terras vizinhas – até o Egito e vice-versa. Destacamos ainda que 
Napata era o “ponto de partida” da produção aurífera proveniente das minas da 
Núbia e destinadas às demais localidades do vale do Nilo até o mar Vermelho.
Com o passar do tempo, por volta do século VI a.C., sua capital foi transferida 
para Méroe, uma região mais ao sul. Fatores climáticos parecem ter contribuído 
para tal mudança – a cidade de Méroe estava situada em uma região composta 
por estepes e savanas, possibilitando as práticas da agricultura e da pecuária. 
Napata, por sua vez, era uma região cercada por desertos. 
Como vimos, o comércio era uma prática recorrente entre os kushitas. 
Estradas ligavam os portos do mar Vermelho com as terras de Kush e com várias 
outras regiões estrangeiras, proporcionando trocas comerciais e culturais inten-
sas. Por meio de negociações com povos vindos de regiões distintas, os kushitas 
espalharam sua influência por todo o vale do Nilo, assim como foram “absor-
vidos” por culturas de outros povos, como indianos, chineses e egípcios. Vale 
acrescentarmos, também, que além de ter se tornado um centro comercial funda-
mental e capital do reino de Kush, a cidade de Napata foi um importante centro 
religioso. Na montanha sagrada de Jebel Barcal (ou Gebel Barkal), pequena 
montanha localizada ao norte de Cartum, foi construído o majestoso “Templo 
de Amon”, que recebia um grande número de homens que visitavam com fre-
quência o santuário. 
Para saber mais, acesse o link disponível em: <http://www.alem-mar.org/
cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EEFlykEZkyAIkKIhKe>. 
Acesso em: 22 dez. 2015.
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Outro aspecto fundamental que teria contribuído para o crescimento popula-
cional e o prestígio político de Napata reside no fato de que vários reis viveram 
e foram sepultados lá. Sobre isso, destacaremos uma importante e ilustrativa 
passagem da obra “A enxada e a lança: a África antes dos portugueses” (1996, 
p. 108-111), escrita pelo africanista Alberto da Costa e Silva. Vamos ao texto?
Os primeiros reis de Napata teriam por antepassados um ramo de chefes 
autóctones, que se fortaleceu e se impôs aos demais. Muitos dos nomes que desses 
reis sabemos eram núbios. E as imagens que nos deixaram, em seus monumen-
tos, revelam indivíduos de traços negróides: de pomos da face salientes, nariz 
largo, lábios grossos. Seus túmulos mais antigos eram domos de pedra e terra, 
que recobriam covas em que o morto estava de lado numa cama, os joelhos fle-
tidos, a cabeça voltada para o norte (...). Não faltava ouro nessas sepulturas. 
Nelas não se viram sacrifícios humanos, muito embora esses reis fossem pro-
vavelmentedo tipo divino, senhores de um poder enorme sobre os seus e sobre 
aqueles que submetiam, (...). 
Os túmulos mais antigos eram em forma de domo. Estes domos viram-se, 
posteriormente, revestidos de argamassa e grés, e passaram a ter, colada a cada 
um deles, pequena capela funerária, e a ser cercado por muro em ferradura, 
aberto para o oriente. (...) Não tardou muito, porém, para que os modelos egíp-
cios começassem a impor-se. O mastaba, ou sepulcro em forma de pirâmide 
truncada, passou a receber o corpo do rei, que se deitava, de início, à maneira tra-
dicional núbia, com a cabeça a apontar o norte, e os pés, o sul. A partir de certo 
momento, a posição se altera: o cadáver é posto de leste a oeste, no rumo do sol.
Sob domos e mastabas enterraram-se em Kurru cinco gerações de reis de 
Napata, cujos nomes não guardamos, e Alara, o grande chefe, o “filho de Rá”, e 
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seu sucessor Cáchita (que mandou entre 806 a.C. e 751 a.C.). O filho deste, Pianki 
ou Peie - como alguns preferem ler -, talvez já tenha sido inumado sob uma pirâ-
mide. Embora o que resta na superfície não nos permita a certeza de que ali houve 
mais de que simples mastaba, da cova sobe uma pequena escadaria subterrânea 
na direção leste, tal como se repetiria nos monumentos funerários posteriores, 
todos em forma de pirâmides. Comparada às do Antigo Império egípcio, essas 
pirâmides são pequenas. A maior delas, a de Taraca, em outro cemitério, o de 
Nuri, tem na base apenas 29 m de lado, enquanto a de Quéops apresenta 228 
metros. As do campo-santo de Kurru, ainda menores, mostram lados que pou-
cas vezes ultrapassam os nove metros. São pirâmides pontiagudas: bastante altas 
em proporção à base do que as do Antigo Império (...). 
Em Kurru sepultaram-se também Xabaca, Xabataca e Tenutamon ou 
Tenutamani. E dezesseis rainhas, em áreas separadas do cemitério e em seus 
túmulos menores. E 24 cavalos que puxavam os carros reais. Foram enterrados 
de pé, com seus arreios, a cabeça voltada para o sul (...). Nuri abriga dezenove 
reis e 53 rainhas. Suas pirâmides, em vez de terem, como as de Kurru, os lados 
lisos em rampa, os apresentavam na forma de degraus estreitos e baixos. Estão 
todas em ruína. O arenito macio de que foram feitas rende-se facilmente à erosão. 
MÉROE: UM IMPORTANTE CENTRO AGRÍCOLA, MINEIRO E 
COMERCIAL
Devido à escassa quantidade e variedade de documentos escritos, pouco se sabe 
sobre Méroe. Grande parte das informações disponíveis provém de vestígios de 
construções, como cemitérios, templos, casas, palácios e estelas*, que são obje-
tos valiosíssimos para a pesquisa arqueológica. A mais antiga referência que se 
conhece de Méroe deriva de uma estela encontrada em Kawa, dando notícias 
de reis kushitas. 
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No início do século III a.C., Méroe já havia se tornado uma cidade habitada por 
vários reis. A cidade, situada a alguns quilômetros de Cartum, próxima a atual 
cidade de Shendi, Sudão, estava localizada à margem direita do rio Nilo e em suas 
extensas estepes e savanas era possível encontrar amplas áreas verdes. As boas 
condições climáticas, como a menor aspereza do clima e a frequência recorrente 
de chuvas, eram favoráveis à agricultura e à fauna na região. Um fator prepon-
derante, que contribuiu para que Méroe se tornasse um grande centro urbano, 
foi o caminho das caravanas que ligava as cidades de Méroe a Napata. Tal per-
curso tornou-se comum entre os caravaneiros, pois além de encurtar o trajeto, 
permitia uma economia de tempo e gastos durante as viagens.
MÉROE E A METALURGIA DO FERRO 
Uma das grandes contribuições de Méroe foi a disseminação do manuseio do 
ferro na África. Não é possível datarmos com precisão quando a metalurgia do 
ferro começou naquela região, contudo sabe-se que o ferro foi trabalhado em 
menor escala entre os séculos VII - VI a.C. e, em maior escala, em meados do 
século I a.C. Os meroítas utilizavam foles e pequenos fornos cilíndricos para tra-
balhar o ferro, que era reduzido e transformado nos mais variados produtos de 
uso entre os habitantes daquela sociedade.
Ainda hoje, muitos povos africanos continuam derretendo o bronze da 
mesma forma que era feito no reino de Kush. Davidson (1981, p. 27) nos fala 
mais sobre isso.
*Para saber mais, acesse o link disponível em: <http://antigoegito.org/glos-
sario-egipcio>. Acesso em 01 jan. 2016.
AS PRIMEIRAS CIVILIZAÇÕES DA ÁFRICA: EGITO ANTIGO E NÚBIA
Reprodução proibida. A
rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
IIU N I D A D E76
Eram hábeis a trabalhar o ferro. Uma das razões porque transferiram 
a capital de Napata, no Norte, para Meroe, no Sul, pode ter sido o mi-
nério de ferro e a madeira necessária para a fundição encontrados pró-
ximos da nova capital. Em volta das ruínas de Meroe ainda se podem 
ver montes de escória nos sítios onde trabalharam os fundidores do 
ferro. Alguns historiadores pensam que foi de Meroe que as técnicas 
do trabalho do ferro primeiramente se estenderam até o resto da África 
interior, talvez pelas rotas comerciais que ligavam Meroe às terras do 
Níger e mais além. 
Infelizmente, ainda sabemos pouco sobre Méroe, pois os documentos escritos, 
registrados no idioma meroíta, ainda não foram decifrados pelos pesquisado-
res. Contudo, a partir dos poucos registros encontrados, é possível percebermos 
a importância da metalurgia do ferro para os meróitas, assim como a beleza e 
peculiaridade da cerâmica núbia, que falaremos um pouco mais a partir de agora. 
A CERÂMICA NÚBIA
Os povos núbios inventaram várias técnicas próprias e, entre elas, a prática de 
fabricar cerâmica, um trabalho de arte delicado, moldado à mão. 
Os núbios possuíam um jeito bastante peculiar de trabalhar a cerâmica. Ela 
era feita em abundância, mas com extrema delicadeza e diversidade. Os vasos 
eram feitos, geralmente, com a base arredondada; eram negros, mas, às vezes, 
poderiam conter detalhes coloridos em vermelho e branco; as peças eram deco-
radas com motivos variados, mas, em especial, retratavam cenas da fauna, flora 
e do cotidiano da vida dos povos núbios. 
Ao dissertar sobre a cerâmica meroíta, por exemplo, Silva (1996) explica 
que alguns vasos pequenos possuem a parede tão delgada que são conheci-
dos como “cerâmica de casca de ovo”. Frequentemente, as cores utilizadas nas 
pinturas dos vasos eram o vermelho e o preto, sobre um fundo creme ou ocre 
amarelado. Silva nos fala, também, que são vários os motivos egípcios presentes 
na cerâmica meróita, entre eles, o lótus e o uraeus, trevos, triângulos e losangos, 
rãs, crocodilos, cobras, galinhas-d’angola e girafas. Foram encontradas, também, 
cerâmicas, retratando a face humana, cenas da vida diária e o movimento dos 
animais. Nas palavras do autor,
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Esta cerâmica feita quase em série, mas bem-feita, é a melhor herança 
de beleza da gente meroíta. Alguns de seus exemplares são de qualidade 
extraordinária, como forma, como rigor e invenção decorativa, como 
superfície luminosa (SILVA, 1996, p. 123). 
A seguir, você poderá visualizar alguns exemplares da cerâmica núbia.
Figura 07 - Cerâmica de Kerma – Núbia
Figura 08 - Vasos de boca negra do período 
Kerma clássico. Este tipo de cerâmica finae polida era uma das características dessa 
cultura
Fonte: Mokhtar (2010, p. 251). Fonte: Carita (2012, p. 155). 
Figura 09 - Cerâmica kushita com duas séries de animais, 
serpentes e girafas
Fonte: Carita (2012, p. 168).
 
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O FIM DE KUSH E DA CIVILIZAÇÃO MEROÍTA 
O reino de Kush entrou em declínio a partir do século II d.C. Decadente, por 
volta do ano 350 d.C., ficou sob o domínio de Axum, reino vizinho. 
Sobre o fim da civilização meroíta, citamos dois estudiosos, Reader e Leclant, que 
abordaram o tema em suas obras. Vejamos o que eles têm a nos dizer.
Entre as ruínas monumentais de uma civilização, hoje espalhadas pelo 
chão na ilha de Meroe, enormes montes de escórias testemunham a es-
cala de produção de ferro que alimentou a sua ascensão e, por fim aca-
bou por provocar a sua queda no séc. II d. C. A alteração nos padrões 
do comércio na região do mar Vermelho pode ter apressado o declínio, 
mas a degradação ambiental já tinha tornado a sua queda inevitável. 
As árvores para alimentar as fornalhas da fundição do ferro tinham 
sido abatidas com grande rapidez, sem dar o tempo necessário para o 
crescimento de árvores novas. A desflorestação conduziu à erosão e à 
perda do solo arável. Uma região que tinha apoiado durante milhares 
de anos prósperas populações agrícolas não podia continuar a ser cul-
tivada (READER, 2002, p. 210). 
Herdeira das tradições de Méroe, Axum distinguia-se dela devido a uma 
característica cultural fundamental: a adoção do cristianismo. A cidade de 
Axum localizava-se no planalto ao norte da atual Etiópia. Ali, as terras me-
nos quentes e mais úmidas permitiam melhor aproveitamento dos recursos 
naturais e o desenvolvimento do cultivo de cereais, como o painço, cevada e 
sorgo. Em torno das comunidades agrícolas que se dedicavam à agricultura 
e ao pastoreio, organizaram-se poderes centralizados para os quais foram 
edificados palácios, túmulos e altares com admiráveis registros iconográfi-
cos gravados em pedra, uma estatuária rica em motivos guerreiros e uma 
forma de escrita peculiar. Todas essas características são sinais de uma so-
ciedade hierarquizada, diversificada e complexa, que estaria na origem da 
atual Etiópia. 
Fonte: Macedo (2013, p. 30). 
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Muito pouco sabemos acerca dos últimos séculos de Meroe. Provavel-
mente, não era fácil controlar as vias de caravanas entre o vale do Nilo, 
o mar Vermelho e a savana Nilo - chadiana – base econômica do impé-
rio. As pirâmides reais passaram a ser cada vez menores e mais pobres, 
e a raridade de objetos egípcios e mediterrâneos indica uma ruptura 
com as influências exteriores, causa ou consequência da decadência. 
Os meroítas, que sempre haviam vencido as incursões de tribos nôma-
des, se tornaram presas tentadoras para seus vizinhos; os Axunitas ao 
sul, os nômades Blemmyes a leste, e os Nubas, a oeste. É, provavelmen-
te a esses últimos, citados pela primeira vez por Ératóstenes em 200 a. 
C., que se deve atribuir a queda do Império meroíta (LECLANT, 1979, 
p. 57). 
Por fim, ressaltamos, conforme Leclant (2010, p. 292), que o papel de Kush não 
pode ser subestimado, afinal, durante mil anos, primeiro em Napata e depois em 
Méroe, floresceu uma civilização original que, “sob a aparência razoavelmente 
constante de um estilo egípcio, permaneceu profundamente africana”. 
“Os reinos perdidos da África” (título original: Lost 
Kingdoms of Africa) é uma série de quatro docu-
mentários, produzidos em 2010, pela emissora BBC/
Londres. São eles: “Núbia”, “Etiópia”, o “Grande Zim-
babwe” e o “Reino de Ashanti”. O link indicado leva-
rá você ao documentário sobre a antiga civilização 
núbia. Espero que goste!
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IIU N I D A D E80
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caro(a) aluno(a), o objetivo desta unidade II foi demonstrar como as experiên-
cias históricas dos povos que habitaram o vale do Nilo estiveram associadas aos 
rios e aos mares. Dedicamo-nos a realçar a singularidade dos povos nilóticos, 
cuja história, infelizmente, ainda é pouco conhecida em nosso país. 
Durante a sua história, aqueles povos constituíram identidades e desenvolve-
ram tradições autônomas, dinâmicas e originais, formaram importantes reinos e 
cidades com poderes organizados, e criaram um estilo de vida vinculado às prá-
ticas do comércio, do artesanato, da agricultura e da pecuária. 
Por fim, esperamos que a aprendizagem desta unidade tenha despertado 
em você a curiosidade e o interesse pelo estudo da África Antiga, cuja história 
é vasta e complexa, mas, acima de tudo, instigante! 
81 
1. Leia atentamente a unidade II de nosso livro e disserte sobre a importância do 
rio Nilo para a sobrevivência das comunidades do Antigo Egito e da Núbia. 
2. Retome a leitura da unidade II e escreva sobre as principais características do 
reino kushita. 
3. “O Egito é uma dádiva do Nilo”, frase escrita pelo historiador grego Heródoto há 
muito tempo. A frase expressa a fonte de vida do Egito e representa as condições 
básicas para a existência de inúmeras espécies de animais e vegetais, que surgi-
ram na região. Nesse sentido, podemos afirmar que:
I. A prova mais antiga da ocupação no vale do Nilo é a descoberta de diversos 
tipos de sementes, frutos, tubérculos etc.
II. Nesse local floresceu e se desenvolveu uma das mais antigas e sofisticadas 
civilizações.
III. Com as ameaças constantes do transbordamento do Nilo, os habitantes des-
se vale aprenderam a construir diques e barragens para proteger suas povo-
ações e a cavar canais para drenar seus campos.
IV. As enchentes constantes do rio Nilo provocaram o deslocamento dos egíp-
cios para outras regiões longínquas do norte da Europa.
É correto o que se afirma em:
a) I e II.
b) II e III.
c) III e IV.
d) I, II e III.
e) I, III e IV.
82 
4. Na atualidade, as fontes mais importantes (e disponíveis) sobre o Antigo Egito 
são àquelas de natureza arqueológica e as fontes literárias. Nessas duas cate-
gorias de documentos enquadram-se, respectivamente, os longos textos e as 
imagens históricas que adornam os templos egípcios, e as listas de ancestrais. 
Sobre a escrita no Antigo Egito, podemos afirmar.
I. A escrita egípcia é, fundamentalmente, pictográfica, como grande parte das es-
critas antigas. 
II. Enquanto que, em locais como China e Mesopotâmia, os sinais pictográficos ori-
ginais se modificaram rapidamente para formas abstratas, o Egito permaneceu 
fiel ao seu sistema de escrita. 
III. A função de escriba, no Egito Antigo, tinha pouca importância. 
IV. O escriba era o responsável por todas as escritas, dos templos e do governo. 
Ele registrava datas, acontecimentos, escrevia mensagens, contava o gado e as 
provisões.
V. Com relação às fontes disponíveis sobre a escrita egípcia, dois importantes regis-
tros são a Pedra de Palermo e o Papiro Real de Turim. 
É correto o que se afirma em:
a) I, II e V.
b) II e III.
c) I, II, IV e V.
d) I, II e III.
e) I, III e IV.
83 
5. A partir do estudo de toda a unidade II, identifique com V ou F, conforme se-
jam verdadeiras ou falsas as afirmativas seguintes. 
( ) Os pesquisadores Mokhtar e Vercoutter (2010) explicam que a busca do 
controle do rio Nilo pelo homem foi provavelmente estimulada, no princí-
pio, não pelo desejo de aproveitar ao máximo o uso deseus recursos para 
a agricultura, mas, principalmente, pela necessidade de evitar os intensos 
danos provocados pelas inundações do rio, afinal, o transbordamento do 
Nilo pode acarretar calamidades.
( ) Obelisco é uma coluna monolítica fusiforme, geralmente de granito rosa, e 
com ponta em formato de pirâmide. Eram símbolos solares colocados em 
pares na parte exterior da entrada das tumbas do Império Antigo e fora dos 
templos.
( ) Durante a sua história, a Núbia foi governada por uma série de faraós ne-
gros, chefes políticos e militares do reino de Kush, cuja prosperidade resul-
tava, principalmente, do controle das rotas comerciais mais importantes, 
localizadas nas margens meridionais do rio Nilo.
( ) A região desértica, atravessada pelo rio Nilo e localizada entre o sul do Egito 
e o norte do atual Sudão, foi denominada Núbia. Na Antiguidade, a Núbia 
fazia fronteira com o Mar Vermelho – a leste – e com o deserto da Líbia, a 
oeste. Ao sul, a região se estendia até a atual Cartum, capital do Sudão. 
( ) Uma análise pormenorizada da escrita meróitica permitiria que pudésse-
mos conhecer detalhes fundamentais daquela civilização imponente, que 
deixou importantes marcas no vale do Nilo. Entretanto não podemos deixar 
de mencionar que os sucessivos reinos que surgiram durante a história da 
Núbia deixaram magníficas “construções arquitetônicas”, entre elas, tem-
plos, fortalezas e monumentos, que atestam um pouco da genialidade e 
riqueza daqueles povos. 
A alternativa que contém a sequência correta, da primeira para a última, é: 
a) F, V, V, F, V. 
b) V, V, V, V, V. 
c) V, F, F, V, V. 
d) V, V, V, F, V. 
e) F, F, V, V, F.
84 
Entendemos que, para se conhecer a vida cotidiana de uma antiga civilização, é impor-
tante que sejam decifrados os códigos de sua linguagem escrita, afinal, esses códigos 
são vestígios altamente significativos, deixados pelos seus habitantes. Os meroítas re-
gistraram a sua história em pedras, papiros e nas paredes dos templos. Os especialistas 
conseguiram decifrar algumas de suas palavras, mas, como grande parte dos códigos da 
linguagem meroítica, ainda permanecem desconhecidos entre nós, é praticamente im-
possível compreendermos o significado dos seus registros. Em outras palavras, o reino 
de Kush, do período meroíta, ainda é um enigma para os historiadores. 
O africanista brasileiro Alberto da Costa e Silva escreveu sobre o tema. Vamos ver o que 
ele tem a nos dizer sobre a escrita cursiva de Méroe.
Possuía um alfabeto de 23 sinais. Havia signos para os números e para certas palavras. 
Cada vocábulo era separado do outro por dois ou três pontos verticais. O inglês F. L. 
Griffith decifrou, entre 1900 e 1911, as chaves dessa escrita. Conhecem-se os seus va-
lores fonéticos, mas as palavras que formam não puderam até agora ser interpretadas. 
Identificam-se alguns nomes de pessoas e de lugares. Traduz-se a invocação inicial das 
estelas funerárias a Ísis e a Osíris. E pouco mais. Lê-se a escrita meroíta, mas se ignora, 
como acontece com o etrusco, o significado do que se lê. A própria língua meroíta con-
tinua a ser um mistério. Não se aparenta ao núbio, nem ao beja das montanhas do mar 
Vermelho, nem a qualquer fala africana de nossos dias.
Enquanto o enigma persistir – e quem sabe se não persistirá para sempre? – e enquanto 
a arqueologia não avançar significativamente em seus trabalhos e nos revelar como era 
a vida quotidiana nas cidades e no campo, na corte, no templo e na casa do homem 
comum, continuaremos a saber sobre Meroé muitíssimo menos do que faria supor o 
considerável número de inscrições meroítas até agora encontradas.
Alguma coisa sabemos, embora de forma imprecisa. Não só através do que já arqueo-
logicamente se desvendou, mas também de um e outro texto dos gregos e romanos.
Fonte: Silva (1996, p. 125).
Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR
A civilização núbia até a conquista árabe
Autor: Jean-Marc Brissaud
Editora: Otto Pierre Editores
Sinopse: um livro escrito em tom coloquial e em 
estilo quase romanesco, tem o mérito de sistematizar 
informações escritas e evidências materiais sobre os 
antigos povos núbios. A parte mais importante dedica-se 
ao desenvolvimento de Méroe e Axum.
História Geral da África: África Antiga, volume 
II
Autor: Gamal Mokhtar (Org.)
Editora: UNESCO
Sinopse: A coleção História Geral da África é um 
projeto editorial da UNESCO. A coleção foi publicada em 
oito volumes e pode ser encontrada em árabe, inglês 
e francês. Conta, ainda, com uma versão condensada 
nas línguas inglesa e francesa. O material foi produzido 
por mais de 350 especialistas de diversas áreas, sob 
direção de um Comitê Científico Internacional formado 
por trinta e nove intelectuais, sendo dois terços deles 
africanos. O volume II, sob a organização de Gamal 
Mokhtar, é dedicado à História da África Antiga. Portanto, 
fica a dica! 
MATERIAL COMPLEMENTAR
Em busca do Egito esquecido
Autor: Jean Vercoutter 
Editora: Editora Objetiva
Sinopse: Esta obra, do arqueólogo francês Jean 
Vercoutter – um dos maiores nomes da egiptologia 
francesa – nos oferece um rico material iconográfico, 
além de apresentar testemunhos e documentos das 
expedições realizadas ao Egito, desde o início do século 
XVII até os dias de hoje. 
Neste site, você encontrará informações ricas, valiosas (e atualizadas) sobre a civilização egípcia. 
Disponível em: <http://antigoegito.org>. Acesso em: 05 maio 2016.
GABARITO
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Questão 1: esperamos que o(a) aluno(a) considere questões como: 
- No período das cheias, a agricultura se beneficiava com o desenvolvimento de 
um fenômeno importante: o Nilo transbordava, mas fertilizava o solo depositando 
matéria orgânica naquela área desértica.
- Os peixes, presentes em abundância no rio Nilo, serviam para o comércio e, sobre-
tudo, para a própria alimentação da comunidade.
- As “cheias” do rio Nilo estimularam o povo egípcio a desenvolver técnicas de so-
brevivência, propiciando o desenvolvimento de ciências, como a matemática e a 
geometria.
- A locomoção e o transporte de cargas eram feitos pelo rio, em embarcações de 
diversos tamanhos.
Questão 2: esperamos que, ao responder a questão, o(a) aluno(a) considere que o 
reino de Kush destacou-se, historicamente, por influenciar outros povos com sua 
cultura peculiar e por estabelecer relações políticas, comerciais e sociais permanen-
tes com os povos vizinhos. 
Questão 3: letra d.
Questão 4: letra c.
Questão 5: letra b.
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Professora Dra. Amanda Palomo Alves
A ÁFRICA SOB O DOMÍNIO 
COLONIAL: A CONFERÊNCIA 
DE BERLIM E A PARTILHA DO 
CONTINENTE
Objetivos de Aprendizagem
 ■ Compreender importantes aspectos que antecederam a realização 
da Conferência de Berlim e a partilha do continente africano.
 ■ Entender as estratégias de dominação das potências imperialistas 
que conduziram o projeto da partilha.
 ■ Identificar as principais consequências decorrentes da Conferência 
realizada em Berlim.
 ■ Conhecer a teoria da dimensão africana e a perspectiva de 
estudiosos africanos sobre o processo da partilha..
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
 ■ Antecedentes da Conferência de Berlim
 ■ A Conferência de Berlim e a Partilha do Continente
INTRODUÇÃO 
Veremos, nesta unidade III, que o rumo da história dos povos africanos sofreu 
importantes e impactantes mudanças nas últimas décadas do século XIX, devido 
ao domínio político e econômico exercido pelos representantes das potências 
capitalistas europeias.
Durante os anos 1880, chefes políticos de treze países da Europa, dos Estados 
Unidos da América e do Império Otomano foram à Berlim a convite do então 
chanceler alemão Otto von Bismarck, a fim de dividirem a África entre si. Com 
exceção daEtiópia e da Libéria, todos os Estados, que atualmente constituem o 
continente africano, foram divididos entre as potências europeias, poucos anos 
após a Conferência de Berlim. Foi um período de mutações profundas. Fronteiras 
foram definidas e praticamente todo o continente passou à condição de colônia. 
Abordaremos, também, a importância da teoria da dimensão africana. Os 
teóricos envolvidos com essa perspectiva rejeitam a ideia de que a “partilha” e a 
conquista do continente eram inevitáveis para a África. De modo geral, a teoria 
da dimensão africana nos oferece um quadro explicativo diferenciado da “par-
tilha”, indo além das teorias puramente eurocêntricas. 
Consideramos fundamental recuperar, também, a reação dos africanos que 
não ficaram, de modo algum, passivos durante todo o processo da partilha do 
continente. Pelo contrário, demonstraremos que a resistência dos reinos e das 
chefias africanas – ao avanço do domínio europeu – assumiu formas diversas 
em diferentes momentos da história. 
Introdução 
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A ÁFRICA SOB O DOMÍNIO COLONIAL: A CONFERÊNCIA DE BERLIM E A PARTILHA DO CONTINENTE
Reprodução proibida. A
rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
IIIU N I D A D E92
ANTECEDENTES DA CONFERÊNCIA DE BERLIM
Como assinala Souza (2014), durante toda a história do comércio escravista (e 
das relações comerciais que ocorriam paralelamente a ele), o interesse de gru-
pos privados prevaleceu sobre as ações dos países da Europa. Até então, o tráfico 
de escravos era uma atividade conduzida por comerciantes, e não por governos 
europeus ou da América escravista. Naquele período, a efetiva presença euro-
peia limitava-se, especialmente, à costa africana. As exceções estavam na África 
do Sul e na região norte do continente. Na Cidade do Cabo (e em seu entorno), 
por exemplo, havia a presença de imigrantes vindos dos Países Baixos, desde o 
século XVII. 
Se até o século XIX os governos europeus raramente interferiam nas negocia-
ções, pois tais atividades eram realizadas entre os chefes locais e os representantes 
comerciais, a partir da segunda metade daquele século, a situação se modificaria, 
sobretudo, com a chegada de viajantes exploradores, estudiosos e missionários 
vindos da Europa. 
MISSIONÁRIOS, VIAJANTES E EXPLORADORES 
Nas palavras da historiadora da África, Hernandez (2008, p. 53), “foi com o 
desempenho de missionários e exploradores que o continente começou a ser 
efetivamente rasgado”. No início, os países da Europa enviaram para a África 
exploradores e estudiosos patrocinados por seus governos; depois, apoiaram, 
também, a viagem de missionários religiosos. Os primeiros a chegar, especial-
mente a partir de 1830, foram: anglicanos, metodistas, batistas e presbiterianos 
a serviço da Grã-Bretanha. Esses homens desenvolveriam seus trabalhos em 
Serra Leoa, Libéria, Costa do Ouro e Nigéria. Entretanto foram luteranos ale-
mães e calvinistas evangélicos, a serviço da “Sociedade Missionária de Londres” 
(London Missionary Society – LMS), que se encaminharam para as cercanias das 
fronteiras do Cabo (HERNANDEZ, 2008). 
Antecedentes da Conferência de Berlim
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 A justificativa e o argumento utilizados por eles centravam-se na ideia de que era 
preciso conhecer e “civilizar o continente” e, ainda, “salvar as almas dos selvagens”. 
Em alguns casos, os missionários falavam, ainda, da necessidade em combater o 
tráfico de escravos. Hernandez (2008, p. 54) destaca que a evangelização cristã, 
seja ela católica ou protestante, tinha três pontos em comum, quais sejam: 
1. Empreender a conversão dos africanos não apenas ao cristianismo, mas 
ao conjunto de valores próprios da cultura ocidental europeia.
2. Ensinar a divisão das esferas espiritual e secular, crença absolutamente 
oposta à base do variado repertório cultural africano fundado na uni-
dade entre a vida e religião. 
3. Referia-se à pregação contrária a uma série de ritos sagrados locais, o que 
minava a influência dos chefes tradicionais africanos. 
Algo que não podemos desconsiderar é que o crescimento do trabalho mis-
sionário, durante o século XIX, contribuiu, decisivamente, para a abertura do 
continente. Por trás de todas as ações empreendidas, camuflava-se a ideia da 
conquista efetiva da África pela Europa. Afinal, desde o final do século XVIII (e 
de modo crescente, no século XIX), a busca por grandes eixos de acesso ao inte-
rior impulsionou, decisivamente, a exploração do continente africano, aspecto 
de grande importância para os interesses comerciais, principalmente de ingle-
ses e franceses. Souza (2014, p. 28) nos fala mais sobre o assunto. 
Para saber mais sobre a “Sociedade Missionária de Londres”, indicamos a 
leitura do capítulo “Tendências e processos novos na África do século XIX”, 
especialmente o tópico “Atividades missionárias cristãs”, escrito por Albert 
Abu Boahen, na obra de AJAYI, J. F. A. (Org.). História Geral da África (VI): 
África do século XIX à década de 1880. Brasília: Unesco, p. 51-57.
 Fonte: a autora.
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As expedições de reconhecimento e mapeamento do continente afri-
cano trouxeram informações preciosas para as empresas e os governos 
dos países europeus, interessados em obter matérias-primas e expandir 
mercados. Em seguida, travou-se uma complexa corrida político-di-
plomática para se obter relações privilegiadas com os africanos. Um 
exemplo: entre 1819 e 1890, a França realizou 344 tratados com chefes 
africanos. No entanto, para estes, muitas vezes não era explicado o real 
significado da relação de “protetorado” reivindicada pelos “parceiros” 
europeus. Por outro lado, muitos chefes que se apresentaram aos euro-
peus eram inventados e assinaram tratados sobre regiões e povos que 
nunca existiram.
Outro aspecto importante merece destaque. Conforme Hernandez (2008), para 
melhor compreendermos o impacto do processo de cristianização na África, 
faz-se necessário incorporarmos à nossa análise a reação africana, que se dava 
tanto pela desobediência às condenações dos missionários e à fidelidade aos seus 
ritos (de modo explícito ou clandestinamente) como pela união de elementos de 
crenças tradicionais à nova fé. 
Com relação aos exploradores, vale acrescentarmos que eles carregavam um 
“espírito aventureiro despertado pelo imaginário sobre a África” (HERNANDEZ, 
2008, p. 54). Como já buscamos demonstrar na primeira unidade de nosso livro, 
aquele imaginário era constituído por ideias e relatos equivocados sobre o con-
tinente e seus habitantes. Fato é que as viagens exploratórias realizadas pelos 
europeus, desde o século XVII, deram continuidade e, acima de tudo, acele-
raram o processo de “roedura” (termo utilizado por HERNANDEZ, 2008) do 
continente africano, assim como intensificaram as discussões sobre a necessi-
dade da partilha. 
Aos poucos, porém, progressivamente, os europeus foram marcando presença 
em várias regiões da África. Além do uso de tratados e armas para convencer os 
mais “resistentes”, havia muita pressão sobre os chefes africanos. O estopim de 
todo esse processo foi a “Conferência de Berlim”, cujas consequências estão pre-
sentes até os dias de hoje na África. 
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CONTINENTE
Como nos explica o estudioso de Gana, Boahen (2010), em toda a história da 
África jamais ocorreu tantas e tão rápidas mudanças como entre os anos 1880 
e 1935. As transformações mais importantes (e, também, as mais impactantes e 
violentas) ocorreram, contudo, em um período de tempo bem menor, de 1880 
a 1910. Essas três décadas simbolizam a conquista e a ocupação efetiva de quase 
toda a África pelas potências imperialistas e, logo em seguida, a instauração do 
sistema colonial. A fase posterior ao ano de 1910 é assinalada, sobretudo, pela 
consolidação e exploração daquele sistema. 
Na medida em que o tráfico Atlântico diminuiu, ao longo do século XIX, 
ampliou-se o processo de expansão europeia e “roedura” do continente. Questionar 
a partilha europeia e a conquista da África significa reforçar o protagonismo euro-
peu no momento em que são definidas as modernas fronteiras do continente na 
Conferência de Berlim, ocorrida entre 1884 e 1885. 
A conferência, cujas consequências podem ser percebidas até os dias de hoje 
no continente africano, é o grande marco na expansão do processo de “roedura” 
da África, iniciado no século XV (por volta de 1430), com a entrada dos portu-
gueses no continente. 
Compelidos, a princípio, pela busca de trigo e outros cereais para abasteci-
mento do reino e, a seguir, pela procura de especiarias e metais preciosos, os 
“viajantes-exploradores”, financiados pelo rei de Portugal, objetivavam atin-
gir “as Índias” por via marítima. Ao contornarem a costa ocidental da África, 
atingiram o Cabo Bojador, em 1434. 
Fonte: Hernandez (2008). 
Figura 01 - Otto von Bismarck 
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Todavia a partilha da África não ocorreu com a Conferência de Berlim. A confe-
rência foi um momento no qual as potências europeias se propuseram a organizar 
a chamada “corrida” em direção ao continente africano. Só para lembrarmos, 
antes mesmo da realização daquela reunião, países como Inglaterra e França já 
haviam se fixado em diversas regiões do continente, enquanto que Portugal bus-
cava garantir a sua permanência nos locais em que já se encontrava. 
Algo que parece mais consensual, no entanto, são os principais motivos que 
levaram à realização da Conferência. Essas motivações apontam para a concor-
dância de interesses econômicos e políticos em torno do continente africano. 
Ressaltam a instalação de pontos de ocupação mediante a assinatura de tratados 
referentes ao tráfico de escravos e ao comércio com os potentados africanos que, 
nas palavras de Hernandez (2008, p. 61), se tornariam “‘presas fáceis’ para os colo-
nialismos europeus dos finais do século XIX”. Sobre isso, cabe lembrarmos que 
[...] logo no início da expansão sobre a África, os europeus percebe-
ram que era fundamental obter apoio local, o que se deu por diferentes 
meios e estratégias. A antiga prática de exploração das rivalidades locais 
passou a ser muito utilizada: era o velho método do “dividir para do-
minar”. O mesmo ocorreu em relação às alianças comerciais realizadas 
sob certas condições de submissão política. O apoio a chefes e a grupos 
marginalizados do poder foi outro eficiente modo de provocar guer-
ras para, em seguida, entrar-se como governo pacificador. Todos esses 
caminhos “abriram” a África para que se desse a colonização europeia 
sobre regiões do continente, no século XX (SOUZA, 2014, p. 29). 
Coube ao chanceler alemão Otto von Bismarck  organizar 
a Conferência de Berlim, ocorrida entre 15 de novembro 
de 1884 e 26 de fevereiro de 1885. Na reunião, encon-
travam-se representantes dos seguintes países: França, 
Grã-Bretanha, Portugal, Alemanha, Bélgica, Itália, Espanha, 
Áustria-Hungria, Países Baixos, Dinamarca, Rússia, Suécia 
e Noruega, Turquia e Estados Unidos. 
A Ata Geral da Conferência de Berlim, assinada em 
fevereiro de 1885, era composta por seis pontos fundamen-
tais, organizados em capítulos específicos. Os principais 
objetivos consistiam em garantir os privilégios relaciona-
dos às livres navegações e ao livre comércio sobre os dois 
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principais rios africanos que desaguam no oceano Atlântico: o Níger e o Congo. 
Visavam, ainda, regulamentar as novas ocupações de territórios africanos, em 
particular, da costa ocidental do continente (HERNANDEZ, 2008). A seguir, 
destacamos um trecho da Ata da Conferência de Berlim, de fevereiro de 1885, 
em que são traçados os objetivos gerais daquela reunião.
Querendo regular, num espírito de boa compreensão mútua, as condi-
ções mais favoráveis ao desenvolvimento do comércio e da civilização 
em certas regiões da África, e assegurar a todos os povos as vantagens 
da livre navegação sobre os dois principais rios africanos que se lançam 
no Oceano Atlântico; desejosos, por outro lado, de prevenir os mal-en-
tendidos e as contestações que poderiam originar, no futuro, as novas 
tomadas de posse na costa da África, e preocupados ao mesmo tempo 
com os meios de crescimento do bem-estar moral e material das po-
pulações aborígines, resolveram sob convite que lhes enviou o Gover-
no Imperial Alemão, em concordância com o Governo da República 
Francesa, reunir para este fim uma Conferência em Berlim [...] (ATA 
GERAL DA CONFERÊNCIA DE BERLIM, 1885, on-line)1. 
Uma das consequências políticas mais importantes decorrentes do processo de par-
tilha da África (estabelecido na Conferência de Berlim) e da formulação de tratados 
que complementavam a conferência foi criar as necessárias condições para que a 
conquista do continente africano tivesse uma base legal para se efetivar. Assim, as 
resoluções da Conferência de Berlim podem ser descritas como um “código de con-
duta” para que o expansionismo e, consequentemente, as pretensões dos estados 
europeus sob a África não os levassem à guerra (LOPES; ARNAUT, 2009, p. 64). 
Caro(a) aluno(a), a Ata Geral da Conferência de Berlim é um documento im-
portante para compreendermos o processo da partilha do continente afri-
cano. O documento pode ser encontrado para download no link disponível 
em: <http://www.casadehistoria.com.br/conteudo/historia-africa/partilha-
-europeia-conquista-africa>. Acesso em: 19 abr. 2016. 
Fonte: a autora.
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A “carta geopolítica da África”, nos termos de Hernandez, 2008, p. 64, estava 
basicamente instituída. Nesse processo, os direitos dos povos africanos, assim 
como as suas singularidades históricas, religiosas e linguísticas foram dirimidos 
e oprimidos pelo então sistema colonial. Nas palavras de Boahen (2010, p. 01), 
“a África não é assaltada apenas na sua soberania e na sua independência, mas 
também em seus valores culturais”. Ou seja, as decisões aprovadas na Conferência 
de Berlim pouco correspondiam aos interesses da África antes da chegada dos 
portugueses no continente. Aproximadamente trinta anos depois, em meados 
de 1920, quase todo o território africano estava sob a administração, proteção 
colonial ou era reivindicado por outra potência europeia. 
Até o ano de 1880, aproximadamente 80% do território africano era contro-
lado por seus próprios reis, rainhas,chefes de clãs e de linhagens, em impérios, 
reinos, comunidades e unidades políticas diversas. Como visualizaremos no 
mapa a seguir (Figura 03), apenas algumas áreas bastante restritas do continente 
estavam sob a dominação direta dos europeus. Boahen (2010, p. 01) nos oferece 
um quadro bastante detalhado desse contexto.
Em toda a África ocidental, essa dominação limitava-se às zonas cos-
teiras e ilhas do Senegal, a cidade de Freetown e seus arredores (que 
hoje fazem parte de Serra Leoa), as regiões meridionais da Costa do 
Ouro (atual Gana), ao litoral de Abidjan, na Costa do Marfim, e de 
Porto Novo, no Daomé (atual Benin), e a ilha de Lagos (no que consiste 
atualmente a Nigéria). Na África setentrional, em 1880, os franceses 
tinham colonizado apenas a Argélia. Da África oriental, nem um só 
palmo de terra havia tombado em mãos de qualquer potência euro-
peia, enquanto, na África central, o poder exercido pelos portugueses 
restringia-se a algumas faixas costeiras de Moçambique e Angola. Só na 
África meridional é que a dominação estrangeira se achava firmemente 
implantada, estendendo-se largamente pelo interior da região. 
Os mapas que demonstramos a seguir nos ajudam a perceber esse quadro, mas 
vamos a alguns dados. Em 1880, 1/10 do território da África estava ocupado 
por países da Europa. Em 1900, em números aproximados, a dominação atin-
giu 9/10 do continente! Em 1914, com exceção da Etiópia e da Libéria (veja o 
mapa da Figura 05), todo o continente se encontrava submetido e dominado por 
países europeus e dividido em colônias de dimensões diversas, mas, de modo 
geral, muito mais extensas do que as formações políticas antecedentes (LOPES; 
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ARNAUT, 2009; BOAHEN, 2010). Sobre isso, vale acrescentarmos que a Libéria 
se tornou independente em 1847, por meio de um estatuto particular de “semico-
lônia” ou neocolônia dos Estados Unidos da América que, até então, comandava 
o país. Em 1986, a Etiópia, com o exército do imperador Menelik II, derrotou as 
tropas italianas. Somente em 1935 e 1936 os italianos conseguiram adentrar ao 
país e proclamar o rei Victor Emanuel III como o imperador da Etiópia. 
Se até a segunda metade do século XIX a presença europeia estava restrita 
às feitorias fixadas no litoral africano, com o passar dos anos, essa presença se 
deu em todo o continente, mediante a ocupação do interior. 
Figura 02 - Mapa do continente africano em 1880 Figura 03 - Mapa da ocupação da África em 1891
Fonte: Boahen (2010, p. 02). Fonte: Hernandez (2008, p. 66).
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Hernandez (2008, p. 64) sublinha que, a partir da Conferência de Berlim, “[...] 
a corrida em direção ao continente africano foi acelerada num gesto inequívoco 
de violência geográfica por meio do qual quase todo o espaço recortado ganhou 
um mapa a ser explorado e submetido a controle”. A demarcação das fronteiras 
prosseguiu até a Primeira Guerra Mundial e, logo após a realização da conferên-
cia, seguiu-se uma série de tratados bilaterais europeus que objetivavam efetivar 
acertos complementares relacionados à grande partilha. 
Sobre isso, aliás, vale citarmos a seguinte reflexão. A charge (anexada pos-
teriormente) que retrata o Congresso de Berlim, onde a África é literalmente 
dividida em fatias entre os países da Europa, é utilizada para representar o ocor-
rido. Esta imagem tem reforçado a falsa ideia de que a conquista do continente 
e a divisão das colônias teriam ocorrido nas reuniões em Berlim, entre dezem-
bro de 1884 e fevereiro de 1885. O início da corrida colonial ocorreu no período 
de 1876 a 1880, anterior, portanto, àquela reunião. Assim, foi a corrida colonial 
que deu origem ao congresso (LOPES; ARNAUT, 2009, p. 63-64). 
Figura 04 - O continente africano em 1902 Figura 05 - O mapa da África em 1914
Fonte: Hernandez (2008, p. 68). Fonte: Uzoigwe (2010, p. 50). 
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O continente africano tem sido 
marcado, durante praticamente 
todo o século XIX, pela reali-
dade imperialista. A rapidez 
desse processo, como nos fala 
Boahen (2010), permitiu que as 
análises sobre o assunto privile-
giassem as iniciativas europeias, 
desconsiderando a dinâmica 
interna do próprio continente. 
É o que discutiremos nos tópi-
cos a seguir. 
Figura 06 - Caricatura representando a partilha do continente 
africano pelas mãos de Otto Von Bismarck
Fonte: Moreira (2015, on-line2).
“Casa de História” é um site voltado para a discus-
são das novas pedagogias  na área da História. O 
site, criado por professores de História, está repleto 
de informações e materiais interessantíssimos. Nes-
te link, você terá acesso a um importante material 
complementar sobre a “Conferência de Berlim” e a 
“partilha” da África. 
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IMPERIALISMO E A PARTILHA DA ÁFRICA
Um grande número de autores que discutem a história da África no século XIX 
costuma abordar o tema com base na perspectiva do imperialismo. Dessa maneira, 
toda a dinâmica envolvendo aquele processo histórico passa a ser compreendida 
em uma perspectiva fundamentalmente europeia. 
A ideia de que as mudanças econômicas e políticas ocorridas na Europa expli-
cariam a partilha do continente africano alimenta, mesmo que implicitamente, 
o discurso colonialista de que a história da África passou a existir com a che-
gada dos europeus. Mais do que isso, tal modo de conceber o processo sustenta 
a ideia de que não existiria uma história da África propriamente dita, mas, sim, 
uma história dos europeus na África. 
Outra questão importante a destacar aponta que as mudanças econômicas 
decorrentes da crise do capital (em 1873) e o nacionalismo explicariam o colonia-
lismo e a presença da Europa no continente. O excesso de capital (e a consequente 
busca por oportunidades de investimento), aliado aos projetos de afirmação do 
nacionalismo, estaria, dessa forma, na base da partilha, que permitiria, ainda, a 
superação da crise do final do século XIX, por meio do crescimento econômico 
e da expansão neocolonial. 
O termo imperialismo foi utilizado pela primeira vez na década de 1870, na 
Grã-Bretanha, dando nome a uma política orientada para criar uma federa-
ção imperial baseada no fortalecimento da unidade dos Estados autônomos 
do império. Vinte anos depois, em 1890, no decorrer das discussões sobre a 
conquista colonial, integrando a dimensão econômica que permanece até 
os dias atuais, passou a fazer parte do vocabulário político e jornalístico. 
Fonte: Hernandez (2008, p. 71). 
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Como pudemos perceber, são várias as explicações para o fenômeno, toda-
via a historiadora Hernandez nos apresenta uma explicação bastante sucinta, 
mas ao mesmo tempo esclarecedora do processo. 
Tanto a partilha como a ocupação efetiva foram impulsionadas pela 
concorrênciaentre várias economias industriais, buscando obter e pre-
servar mercados, e pela pressão econômica de 1880 que desencadeou 
o expansionismo europeu. Como consequência da articulação desses 
processos, assistiu-se ao imperialismo que agressivamente conquistou 
áreas de influência, protetorados e colônias, em particular, no conti-
nente africano. Não é difícil compreender que esse imperialismo de fins 
do século XIX esteve ligado ao desenvolvimento do sistema capitalista, 
em uma fase cuja inovação é a forma como se articulam política e eco-
nomia, na qual o Estado assumiu, decisivamente, o papel de parceiro e 
interventor econômico (HERNANDEZ, 2008, p. 71). 
Salientamos, ainda, conforme Hernandez (2008, p. 73), que os fenômenos relacio-
nados ao termo imperialismo possuem em comum o fato de se referirem a uma 
expansão (por parte dos Estados europeus), caracterizada por uma forte “assi-
metria e violenta dominação” que pode se revelar, ainda, de maneiras diversas, 
como: nas “relações de preponderância das metrópoles sobre as áreas de influên-
cia, protetorados e colônias, no pós-1945, entre os Estados Unidos da América, 
a União Soviética e os Estados integrantes destes dois blocos hegemônicos” ou, 
ainda, nas “diversas facetas da política de dominação e exploração”, praticadas 
pelos Estados ricos em relação aos pobres. 
Gostaríamos de comentar, também, acerca das teorias psicológicas, cen-
tradas nas motivações psicológicas do homem europeu. São elas: darwinismo 
social, cristianismo evangélico e atavismo social. Com relação ao darwinismo 
social, lembramos que: 
No século XIX, as crenças científicas, oriundas das concepções do Da-
rwinismo Social e do Determinismo Racial, alocaram os africanos nos 
últimos degraus da evolução das “raças” humanas. Infantis, primitivos, 
tribais, incapazes de aprender ou evoluir, os africanos deveriam receber 
a benfazeja ajuda europeia, por meio das intervenções imperialistas no 
Continente. Neste mesmo período, o pensamento histórico passa por 
(re) adequações, surgindo uma espécie de história científica (OLIVA, 
2003, p. 436). 
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Contudo o mais importante é percebermos que, apesar de algumas divergên-
cias, todas essas teorias apresentadas possuem algo em comum: todas buscam 
na dinâmica da história europeia a explicação para a partilha da África. Dito 
de outra maneira, o continente africano só aparece por se tratar do território 
que foi ocupado. Em oposição a essa perspectiva, historiadores africanos têm 
trabalhado com a chamada teoria da dimensão africana, a qual discutiremos 
um pouco mais a respeito no próximo tópico. 
A TEORIA DA DIMENSÃO AFRICANA E A PARTILHA NA PERSPECTIVA 
DOS AFRICANOS
A teoria da dimensão africana busca examinar o processo da partilha na perspec-
tiva da história da África, no entanto essa mudança de percepção só foi possível 
graças ao rompimento com a ideia de que não havia história da África antes da 
chegada dos europeus. A partir dessa teoria, decorrem dois desdobramentos de 
grande importância para a compreensão do processo da partilha: 
 ■ O primeiro: diz respeito à história dos povos africanos antes da chegada 
dos europeus.
Sobre as chamadas teorias psicológicas, indicamos a leitura do importan-
te texto “Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral”, escrito 
pelo estudioso nigeriano, Godfrey N. Uzoigwe. O texto faz parte da coleção 
“História Geral da África”, volume VII, organizado por Albert Adu Boahen. 
O texto está disponível em: UZOIGWE, G. N. Partilha europeia e conquista da 
África: apanhado geral. 2 v. In: BOAHEN, A. A. (Org.). História Geral da África 
(Vol. VII): África sob dominação colonial, 1880-1935. Brasília: UNESCO, 2010, 
p. 21-50.
Fonte: a autora.
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 ■ O segundo: prioriza a resistência dos povos africanos diante da intensi-
ficação da presença europeia. Essa perspectiva permite explicar, ainda, 
por que uma expansão econômica do capital privado se transformou em 
ocupação militar dos exércitos nacionais. 
Nesse sentido, é fundamental que desloquemos o eixo das explicações mais recor-
rentes, acrescentando à discussão não apenas as transformações ocorridas no 
continente anterior à presença dos europeus, mas, devemos, ainda, recuperar a 
reação dos africanos que não ficaram, de modo algum, passivos durante todo o 
processo da partilha. O estudioso nigeriano Uzoigwe é um dos maiores repre-
sentantes da teoria da dimensão africana. Sobre o tema, ele esclarece: 
[...] rejeita a ideia de que a partilha e a conquista eram inevitáveis para a 
África, como dado inscrito na sua historia. Pelo contrário, considera-as 
a consequência lógica de um processo de devoração da África pela Eu-
ropa, iniciado bem antes do século XIX. Admite que foram motivos de 
ordem essencialmente econômicos que animaram os europeus e que a 
resistência africana a invasão crescente da Europa precipitou a conquis-
ta militar efetiva. Parece, de fato, que a teoria da dimensão africana ofe-
rece um quadro global e histórico que explana melhor a partilha do que 
todas as teorias puramente eurocêntricas (UZOIGWE, 2010, p. 31). 
De modo geral, o pensamento africano acerca da partilha e da conquista do con-
tinente africano apresenta um conjunto de ideias que leva em consideração o 
conjunto de elementos econômicos, como o eixo impulsionador do expansionismo 
territorial europeu, mas acrescenta a esse discurso dois elementos fundamentais: 
Estudiosos africanos como o nigeriano Godfrey N. Uzoigwe, especialista em 
história da África Oriental, são responsáveis pela historiografia mais recente 
sobre a partilha e a conquista da África. Em linhas gerais, são estudiosos 
altamente comprometidos em não se deixarem levar pelas representações 
construídas pelos ocidentais. 
Fonte: a autora.
A ÁFRICA SOB O DOMÍNIO COLONIAL: A CONFERÊNCIA DE BERLIM E A PARTILHA DO CONTINENTE
Reprodução proibida. A
rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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a crítica ao etnocentrismo europeu e ao racismo e o tema da resistência afri-
cana diante do sistema colonial. Aqui, vale retomarmos uma discussão sobre a 
natureza do colonialismo. 
A propósito da colonização da Argélia pelos franceses, o político argelino 
Ferhat ‘Abbas salientava: 
a colonização constitui apenas uma empreitada militar e econômica, 
posteriormente defendida por um regime administrativo apropriado; 
para os argelinos, contudo, é uma verdadeira revolução, que vem trans-
tornar todo um antigo mundo de crenças e ideias, um modo secular de 
existência. Coloca todo um povo diante de súbita mudança. Uma nação 
inteira, sem estar preparada para isso, vê-se obrigada a se adaptar ou, 
se não, sucumbir. Tal situação conduz necessariamente a um desequilí-
brio moral e material, cuja esterilidade não está longe da desintegração 
completa (FERHAT ‘ABBAS, 1930 apud BOAHEN, 2010, p. 03). 
Ao citarmos Ferhat ‘Abbas, queremos demonstrar que suas palavras são úteis 
para pensarmos não apenas a colonização francesa da Argélia, mas também para 
refletirmos sobre toda a colonização europeia na África. 
Outro aspecto a destacar refere-se ao fato de que durante os anos 1880 os 
europeus já não queriam apenas trocar bens com os povos africanos, pelo con-
trário, desejavam exercer controle político direto sobre a África. Outra questão 
a apontar é que, geralmente, se ignora que a fase da conquista efetiva foi prece-
dida por vários anos de negociaçõesentre as potências europeias e os dirigentes 
africanos. Segundo Boahen (2010), é importante insistirmos nessa fase, pois ela 
demonstra que as potências europeias originalmente aceitaram a contraparte 
africana e reconheceram a soberania e a independência das sociedades e dos 
Estados africanos. Como indica o estudioso, podemos observar, no entanto, que 
não há nenhuma evidência em apoio à tese segundo a qual os africanos 
teriam acolhido com entusiasmo os soldados invasores e rapidamente 
aceitado a dominação colonial. Na realidade, as reações africanas fo-
ram exatamente o inverso (BOAHEN, 2010, p. 11). 
A resistência dos reinos e das chefias africanas ao avanço do domínio europeu 
assumiu formas diversas em diferentes momentos da história. Ocorreram movi-
mentos de luta que objetivavam, inclusive, unir grupos de diferentes povos, como 
nos casos de Omar Tall, do Senegal, Samori Turé, do Mali e Mohamed Ahmed, 
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conhecido como “Mádi”, do Sudão. Na Etiópia, o já citado imperador Menelik II 
combateu os italianos com um exército de aproximadamente setenta mil solda-
dos, conquistando o reconhecimento da soberania de seu país (SOUZA, 2014). 
Vale acrescentarmos que houve, também, movimentos de resistência ao colonia-
lismo europeu, conduzidos por traficantes de escravos e seus aliados. 
Sobre o tema das resistências, recuperamos, mais uma vez, o estudioso Boahen 
(2010, p. 12), que nos fala: 
Quase todas as sociedades africanas – centralizadas ou não – optaram 
mais cedo ou mais tarde por manter, defender ou recuperar sua sobera-
nia; não podiam aceitar nenhum compromisso que a pusesse em risco, 
e, de fato, foram numerosos os chefes que preferiram morrer no campo 
de batalha, exilar-se voluntariamente ou ser desterrados pela forca a 
renunciar sem combate a soberania de seu país. Assim, os dirigentes 
africanos, na sua maioria, optaram pela defesa de sua soberania e inde-
pendência, diferindo nas estratégias e nas táticas adotadas para alcan-
çar esse objetivo comum. A maior parte deles escolheu a estratégia do 
confronto, recorrendo às armas diplomáticas ou as militares, quando 
não empregando as duas. 
Em outras palavras, é altamente significativo que grande parte dos dirigentes 
africanos tenha optado – sem hesitar – pela defesa de sua soberania e, depois, 
pela sua independência. Sabemos que eram inúmeras as desvantagens que os 
Lembramos, conforme Souza (2014, p. 29), que “o fim do tráfico de escravos 
e o avanço europeu caminharam juntos, e não sem razão. Neste momento, 
para os europeus, o interesse era explorar a mão de obra africana na sua pró-
pria terra. Essa, sem dúvida, foi um das razões mais fortes para o combate ao 
tráfico transatlântico de escravos, e não um interesse de alcance distante na 
formação de um ‘mercado consumidor’ nas Américas escravistas. As conse-
quências desagregadoras do tráfico e do seu término também facilitaram a 
entrada europeia e o seu estabelecimento no continente africano”.
 Fonte: Souza (2014, p. 29).
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povos africanos sofriam, mas, 
mesmo assim, as ações de resis-
tência eram constantes. A seguir, 
você pode visualizar a ilustra-
ção de um baixo-relevo pintado 
em uma das paredes do palácio 
dos reis do Daomé, em Abomy, 
Benin, capital do antigo reino do 
Daomé. Nele, observamos um 
africano armado de arco e flecha, 
desafiando e bloqueando o cami-
nho de um europeu, armado 
com uma pistola. Vamos obser-
var o baixo-relevo. 
As muitas e constantes ações de resistência persistiram por todo o período 
colonial. Além disso, como aponta Souza (2014), elas ocorreram sob as mais diver-
sas modalidades: recordamos as ações de Samuel Kimbango, no Congo Belga; a 
revolta de Cassange em Angola (1960); no sudoeste da Nigéria, houve um boi-
cote de mulheres comerciantes aos impostos cobrados. Tal atitude fez “parar” os 
mercados na década de 1920; no Quênia, o movimento conhecido como “Mau-
Mau” promoveu uma revolta armada na década de 1950. 
A capacidade de resistência do povo africano, a intensificação do movimento 
nacionalista e dos sentimentos anticolonialistas pós Segunda Guerra Mundial, 
ligadas ao surgimento de novos partidos políticos, foram alguns dos fatores que 
levaram a liquidação do domínio colonial sobre o continente africano. 
Em diferentes lugares, de forma individual ou coletiva, muitos africanos 
tentaram articular maneiras de resistência e de crítica ao colonialismo. Sob essa 
ótica, é importante citarmos a ação de estudantes e intelectuais africanos que 
viviam fora do continente, europeus e até mesmo afrodescendentes residentes nas 
Américas, que desenvolveram uma série de manifestações no sentido de valori-
zar a cultura africana mediante a produção literária e a música. 
Figura 07 - Arte encontrada no Benin, século XVI
Fonte: Boahen (2010). 
Considerações Finais
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Discutiremos essas questões mais detalhadamente na próxima unidade, ao 
nos debruçarmos sobre a história de Angola, mas já podemos destacar que os 
múltiplos processos de independência dos países africanos ocorreram a partir 
de diversas formas de luta. Contudo, conforme nos explica Souza (2014, p. 29), 
[...] os resultados dessas histórias se traduziram em décadas de enfren-
tamento, que deixaram uma herança nada favorável à África, cenário 
da quase totalidade dos conflitos. A conquista da autonomia política 
tampouco significou a paz nesses países, nascidos em grande parte da 
luta anticolonial. Ainda assim, os processos de independência, sobre-
tudo a partir dos anos sessenta do século XX, representaram um marco 
na história mundial. 
Com essa reflexão da professora Souza, encerramos mais uma unidade de nosso 
livro. Esperamos que esteja empolgado(a) para o estudo da penúltima unidade, 
que versará sobre os movimentos de resistência e as independências na África, 
atentando, particularmente, para o caso de Angola. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desta unidade, foram discutidos temas e questões relevantes para o 
estudo da história da África. De modo geral, foi possível constatarmos que a 
Europa possui uma grande “dívida” para com a África - pela escravidão atlân-
tica, pela partilha do continente e pelo colonialismo e suas heranças que, até 
hoje, deixam marcas indeléveis no continente, assim como o combate à misé-
ria, às extremas desigualdades e ao enfrentamento de vários conflitos internos 
que ainda assolam o continente (HERNANDEZ, 2008). 
Discutimos, também, que intelectuais e acadêmicos africanos iniciaram a 
reescrita da história de seus países. A partir dessa importante perspectiva, eles 
permitiram que pudéssemos conhecer parte da história africana a partir de novos 
enfoques e novos métodos. Vimos que a teoria da dimensão africana busca exa-
minar o processo da partilha na perspectiva da história da África e que a partir 
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dessa teoria decorrem desdobramentos de grande importância para a compre-
ensão do processo da partilha. 
Em linhas gerais, é fundamental que possamos acrescentar a essa discussão 
não apenas as transformaçõesocorridas no continente anterior à presença dos 
europeus, mas devemos recuperar, ainda, a reação dos africanos, uma vez que as 
constantes ações de resistência persistiram por todo o período colonial na África. 
Por fim, esperamos que, a partir do estudo desta unidade, surjam novas per-
guntas e múltiplas reflexões!
111 
1. Leia atentamente a unidade III, observe detalhadamente os mapas e disserte 
sobre as principais consequências da Conferência de Berlim para o conti-
nente africano. 
2. Conforme aprendemos nesta unidade III, a partilha da África suscitou discussões 
ideológicas e científicas, que buscavam justificar a “inferioridade” dos povos afri-
canos e, consequentemente, a “missão civilizatória” dos europeus no continente 
africano. Assinale a corrente ideológica – com bases cientificistas – que mais 
se destacou naquele período.
a) A microbiologia.
b) A antropologia cultural.
c) O existencialismo.
d) O darwinismo social.
e) A sociobiologia.
3. Na unidade III de nosso livro falamos sobre as chamadas teorias psicológicas, em 
especial, o darwinismo social. Esclarecemos que, apesar de algumas divergên-
cias, todas aquelas teorias possuem algo em comum: todas buscam na dinâmica 
da história europeia a explicação para a partilha da África. Em oposição a essa 
perspectiva, historiadores africanos têm trabalhado com a chamada teoria da 
dimensão africana. Leia atentamente a unidade III, disserte sobre a impor-
tância da teoria da dimensão africana e cite ao menos um de seus repre-
sentantes. 
112 
4. Sobre a Conferência de Berlim e suas principais consequências para o continen-
te africano, podemos afirmar que: 
I. Na medida em que o tráfico Atlântico diminuiu, ao longo do século XIX, am-
pliou-se o processo de expansão europeia e “roedura” do continente.
II. A conferência, cujas consequências podem ser percebidas até os dias de hoje no 
continente africano, é o grande marco na expansão do processo de “roedura” da 
África, iniciado no século XV (por volta de 1430), com a entrada dos portugueses 
no continente. 
III. Coube ao chanceler alemão Otto von Bismarck organizar a Conferência de Ber-
lim, ocorrida entre 15 de novembro de 1884 e 26 de fevereiro de 1885. Na reu-
nião, encontravam-se representantes dos seguintes países: França, Grã-Breta-
nha, Portugal, Alemanha, Bélgica, Itália, Espanha, Áustria-Hungria, Países Baixos, 
Dinamarca, Rússia, Suécia e Noruega, Turquia e Estados Unidos. 
IV. Uma das consequências políticas mais importantes, decorrentes do processo de 
partilha da África (estabelecido na Conferência de Berlim) e da formulação de 
tratados que complementavam a conferência, foi criar as necessárias condições 
para que a conquista do continente africano tivesse uma base legal para se efe-
tivar. 
V. Em 1880, 1/10 do território da África estava ocupado por países da Europa. Em 
1990, em números aproximados, a dominação atingiu 9/10 do continente. Em 
1914, com exceção dos países Angola, Moçambique e África do Sul, todo o conti-
nente se encontrava submetido e dominado por países europeus e dividido em 
colônias de dimensões diversas.
VI. Não houve resistência dos reinos e das chefias africanas ao avanço do domínio 
europeu. 
É correto o que se afirma em:
a) I, II, V e VI.
b) I, II, III e IV.
c) I, II, III e V.
d) II, III, V e VI. 
e) II, III, IV e VI.
113 
5. A partir do estudo de toda a unidade III, identifique com V ou F, conforme se-
jam verdadeiras ou falsas as afirmativas seguintes.
( ) O crescimento do trabalho missionário, durante o século XIX, contribuiu, 
decisivamente, para a abertura do continente. Por trás de todas as ações 
empreendidas, camuflava-se a ideia da conquista efetiva da África pela Eu-
ropa.
( ) Coube ao chanceler Otto von Bismarck organizar a Conferência de Berlim, 
ocorrida entre 13 de novembro de 1830 e 24 de fevereiro de 1845. Na reu-
nião, encontravam-se representantes dos seguintes países: França, Grã-Bre-
tanha, Portugal, Alemanha, Bélgica, Itália, Espanha, Áustria-Hungria, Países 
Baixos, Dinamarca, Rússia, Suécia e Noruega, Turquia e Estados Unidos. 
( ) A conferência, cujas consequências podem ser percebidas até os dias de 
hoje no continente africano, é o grande marco na expansão do processo de 
“roedura” da África, iniciado no século XV (por volta de 1430), com a entrada 
dos portugueses no continente.
( ) A resistência dos reinos e das chefias africanas ao avanço do domínio euro-
peu assumiu formas diversas em diferentes momentos da história.
( ) A teoria da dimensão africana busca examinar o processo da partilha na 
perspectiva da história da África, no entanto essa mudança de percepção só 
foi possível graças ao rompimento com a ideia de que não havia história da 
África antes da chegada dos europeus. 
A alternativa que contém a sequência correta, da primeira para a última, é:
a) F, V, V, F, V. 
b) V, F, V, V, V. 
c) V, F, F, V, V. 
d) V, V, V, F, V. 
e) F, V, F, V, F.
114 
As artes na África durante a dominação colonial: O teatro 
A arte do espetáculo era, na maior parte dos casos, prolongamento ou ilustração da 
música. No entanto, a evolução das formas teatrais no decorrer do século XIX, ao conta-
to com influências externas; ilustra bem melhor do que a evolução da música como se 
passa de um modo tradicional a modos adaptados. Assistimos assim, na costa da África 
ocidental, ao nascimento de uma verdadeira dramatização, que desloca formas e luga-
res sob o duplo assalto das proibições islâmicas e da evangelização cristã, nascimento 
reforçado pela influência dos antigos escravos regressados a Serra Leoa e Libéria, os 
quais trouxeram consigo as formas de espetáculo, as maneiras, os valores, os costumes 
e as expressões idiomáticas de seus países de exílio. 
O teatro profissional – forma secular, derivada das representações mascaradas para fu-
nerais de reis – era acontecimento comum no velho império Oyo da Nigéria durante 
todo o século XIX. A desintegração do império sob o ataque dos Peul vindos do norte 
e as devastações causadas pela guerra civil com vassalos rebeldes do sul produziram, 
como efeito simultâneo, a dispersão das troupes profissionais para o sul e para além das 
fronteiras do Daomé (atual Benin) e a sua extinção no local de origem. Os muçulmanos 
vitoriosos proibiram a maior parte das formas de espetáculo teatral e, muito particu-
larmente, aquelas associadas às festas dos antepassados onde havia representação da 
figura humana, o que é interditado pela religião muçulmana.
As convulsões políticas no seio do império Oyo, onde os grupos teatrais tinham gozado 
da proteção de uma monarquia estável, não favoreceram por muito tempo a difusão (e 
a secularização) do teatro. Os missionários já avançavam da costa para o norte, e foram 
os missionários que completaram o trabalho do islão, proibindo aos fiéis a participação 
em qualquer culto que fosse. Ora, as companhias teatrais eram administradas como Cor-
porações familiares. Os temas também eram estritamente tradicionais – razões suficien-
tes para qualificá-los como cultos diabólicos, sinistros. À exemplo dos muçulmanos, os 
missionários cristãos não se contentaram com a interdição das representações: tal qual 
a mbira na África austral, os instrumentos ligados as artes teatrais foram estritamente 
proibidos. Assim criou-se o vazio que a cultura dos ex-escravos veio ocupar. O tráfico 
havia contribuído para a conversão religiosa da costa ocidental, ao mesmo tempo em 
que ameaçava a vida cultural. As missões e suas esferas de influência, então, exatamente 
como na África austral, garantiam certa segurança, e também a submissão aos senhores 
muçulmanos, ao preço inevitável da renúncia a toda arte autêntica. O ciclo de substi-
tuição cultural chegava ao fim: depois de ter dilacerado a vida cultural da população, o 
escravagismo moribundo devolvia os filhosda terra com uma nova cultura destinada a 
substituir a antiga. 
115 
Mas a vitória não foi tão fácil. O teatro “profano” resistiu aos assaltos e, não contente em 
preservar suas formas próprias, transformou-se deliberadamente em base de resistência 
à cultura cristã. Tão resistente se revelou que, sob diversas formas, participou das expe-
riências tentadas pela elite colonial para desenvolver um teatro significativo. Pois, no úl-
timo quartel do século XIX, a costa ocidental estava submetida a influência artística dos 
exilados cristianizados. Estes voltavam confiantes na superioridade da cultura adquirida 
e impacientes para provar aos colonos brancos – que agora controlavam a sua existên-
cia – que os negros eram não só capazes de receber, mas de praticar as refinadas artes 
europeias. Dai resultou uma feliz complicação: apesar do esforço consciente que os le-
vou a desligar-se culturalmente das populações autóctones do interior, estas perma-
neceram “confortável e firmemente apegadas a seus próprios costumes e instituições”. 
As novas formas teatrais (euro-americanas), devidas essencialmente a iniciativa de ex-
patriados vindos para a Libéria, Senegal e Serra Leoa, foram se difundindo de oeste para 
leste e recebendo novas influências. A forma arremedada de vaudeville dos “Nova Sco-
tians” – como se autodenominavam os próprios ex-exilados de Serra Leoa –, após ter 
gozado de sucesso duradouro ao longo da costa, sofreria transformação na forma e no 
conteúdo ao chegar a região mais a leste da Costa do Ouro, Daomé e Nigéria. Não é 
exagero afirmar que desde os primeiros anos do século XX uma forma de espetáculo in-
teiramente nova nascera na África ocidental: o concert party, derivado dos espetáculos 
“bem-educados” destinados à classe média das cidades. Eram farsas rudes e mesmo de-
bochadas, generosamente temperadas com canções de estivadores, tudo edulcorado 
para fruição dos membros da aristocracia colonial dos centros administrativos, que se 
encontrava entre o público.
Formaram-se “academias” para concertos inspirados no music-hall vitoriano ou no vau-
deville americano. As igrejas cristãs organizaram as suas próprias representações e a 
moda dos concertos acabou por chegar às escolas. Os missionários negros não quise-
ram ficar alheios – o reverendo Samuel Ajayi Crowther deixou o famoso exemplo de 
prelado negro que patrocinava e encorajava de forma notável esta modalidade de arte, 
enquanto o reverendo James Johnson transformava a celebrada Breadfruit Church de 
Lagos em verdadeiro teatro. Aqueles que retornavam do Brasil traziam o perfume exóti-
co e, no entanto, familiar, de uma música que encontrava eco espontâneo nas melodias 
tradicionais da costa ocidental e do Congo, pois a repressão nas cidades não tinha sido 
duradoura o bastante para fazê-las caírem no esquecimento por completo. Na virada do 
século e nas primeiras décadas do século XX, o Natal e o Ano Novo foram pretextos para 
a apresentação de espetáculos que faziam pensar nas fiestas da América Latina, dentre 
os quais a caretta, espécie de mascarada satírica, parece ter sido a forma mais durável.
Entretanto, os adeptos do nacionalismo cultural não cessavam de lutar contra o perigo 
da usurpação total pelas formas importadas. 
Fonte: Soyinka e Boahen (2010, p. 637-644).
MATERIAL COMPLEMENTAR
Dividir para dominar: A partilha da África
Autor: H. L. Wesseling
Editora: Revan/UFRJ 
Sinopse: A partilha da África pode ser apresentada 
de vários modos. Pode-se enfatizar o capitalismo e o 
imperialismo, as causas e os efeitos, as estruturas e os 
processos, e assim por diante. Este livro preocupa-se, 
sobretudo, com as pessoas e suas motivações. 
História Geral da África (Volume VII): África 
sob o domínio colonial, 1880-1935
Autor: Adu Albert Boahen
Editora: Unesco 
Sinopse: A coleção “História Geral da África” é um 
projeto editorial da UNESCO. A coleção foi publicada 
em oito volumes e pode ser encontrada em árabe, 
inglês e francês. Conta, ainda, com uma versão 
condensada nas línguas inglesa e francesa! O material 
foi produzido por mais de 350 especialistas de 
diversas áreas, sob direção de um Comitê Científico 
Internacional formado por trinta e nove intelectuais, 
sendo dois terços deles africanos. O volume que 
indicamos é o número VII. Sob a organização do historiador de Gana, Albert Adu Boahen, o 
volume é dedicado ao tema “A África sob o domínio colonial, entre os anos 1880 e 1935”.
Toda a coleção, inclusive este volume, está disponível para download no link disponível em: 
<http://www.dominiopublico.gov.br>. 
Questão 1: esperamos que o(a) aluno(a) considere que: 
- As consequências da Conferência de Berlim podem ser percebidas até os dias de 
hoje no continente africano.
- A reunião foi o grande marco na expansão do processo de “roedura” da África, ini-
ciado no século XV. 
- Outra questão a considerar é que uma das consequências políticas mais importan-
tes, decorrentes do processo de partilha da África (estabelecido na Conferência de 
Berlim) e da formulação de tratados que complementavam a conferência, foi criar 
as necessárias condições para que a conquista do continente africano tivesse uma 
base legal para se efetivar.
- Nesse processo, os direitos dos povos africanos, assim como as suas singularidades 
históricas, religiosas e linguísticas foram dirimidos e oprimidos pelo então sistema 
colonial.
- Se até a segunda metade do século XIX a presença europeia estava restrita às feito-
rias fixadas no litoral africano, com o passar dos anos, essa presença se deu em todo 
o continente mediante ocupação do interior. 
Questão 2: letra d.
Questão 3: considerar que a teoria da dimensão africana busca examinar o pro-
cesso da partilha na perspectiva da história da África. No entanto essa mudança de 
percepção só foi possível graças ao rompimento com a ideia de que não havia histó-
ria da África antes da chegada dos europeus. Comentar, também, que, a partir dessa 
teoria, decorrem dois desdobramentos de grande importância para a compreensão 
do processo da partilha: 1) o primeiro diz respeito à história dos povos africanos, 
antes da chegada dos europeus; 2) o segundo prioriza a resistência dos povos afri-
canos diante da intensificação da presença europeia. 
Um dos nomes mais importantes da chamada teoria da dimensão africana é o do 
estudioso nigeriano Godfrey N. Uzoigwe. 
Questão 4: letra b.
Questão 5: letra b.
GABARITO
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Professora Dra. Amanda Palomo Alves
OS MOVIMENTOS DE 
RESISTÊNCIA E AS 
INDEPENDÊNCIAS NA ÁFRICA: 
O CASO DE ANGOLA
Objetivos de Aprendizagem
 ■ Apresentar aspectos gerais do processo de independência das 
ex-colônias africanas e os movimentos de libertação na África.
 ■ Apontar as principais características do colonialismo, assim como dos 
movimentos de resistência e de libertação na Angola. 
 ■ Abordar o surgimento e a importância do grupo “N’gola Ritmos” na 
Angola. 
 ■ Apresentar as principais características dos primeiros anos do pós-
independência na Angola e falar da importância da canção como um 
instrumento de divulgação dos ideais do MPLA..
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
 ■ Pensando as Independências Africanas e os Movimentos de 
Libertação
 ■ Música E Nacionalismo em Angola: O Surgimento e a Importância do 
Grupo “N’gola Ritmos”
 ■ Angola: O Caminho da Independência e o Início da Guerra Civil
INTRODUÇÃO
Na unidade IV de nosso livro trataremos do tema movimentos de libertação 
e independências dos países africanos. Para tanto, nos deteremos, especial-
mente, na história de Angola. 
Em um primeiro momento, apontaremos características do colonialismo 
na Angola. Nos debruçaremos sobre o modo como a sociedade colonial estava 
dividida, enfatizando a segregação social que ela propunha. Iniciaremos,em 
seguida, uma discussão sobre o lusotropicalismo, componente essencial da ide-
ologia colonial portuguesa. 
Em seguida, analisaremos a literatura na Angola enquanto uma impor-
tante forma de resistência e de valorização da cultura nacional daquele país. 
Para tal, verificaremos o surgimento de uma geração de escritores preocupada 
em denunciar a condição de opressão a que a nação angolana estava submetida. 
Esses escritores se envolveram com a revista “Mensagem” e com movimentos, 
como “Vamos Descobrir Angola!” e o “Movimento dos Novos Intelectuais de 
Angola (MNIA)”. 
“Música e nacionalismo em Angola: o surgimento e a importância do grupo 
‘N’gola Ritmos’” é outro importante tópico da unidade. A opção em destacar o 
conjunto musical se deve ao fato de julgar proeminente sua posição de liderança 
naquele contexto. 
A emancipação política de Angola e o comando do país a cargo do Movimento 
Popular de Libertação de Angola (MPLA) será o último assunto da unidade. Ali 
serão apontadas características fundamentais referentes aos primeiros anos do pós-
-independência na Angola. Discutiremos, ainda, o surgimento do “Agrupamento 
Kissanguela”, destacando, em especial, a produção fonográfica do grupo. 
Enfim, após apresentar uma breve explanação acerca do nosso percurso e o 
modo como o capítulo está estruturado, informo a você, caro(a) leitor(a), que, 
nas páginas a seguir, proponho conhecermos um pouco mais sobre a história 
da Angola. Então, vamos a ela!
Introdução
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OS MOVIMENTOS DE RESISTÊNCIA E AS INDEPENDÊNCIAS NA ÁFRICA: O CASO DE ANGOLA
Reprodução proibida. A
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PENSANDO AS INDEPENDÊNCIAS AFRICANAS E OS 
MOVIMENTOS DE LIBERTAÇÃO 
Um povo que, apresentando um alto índice de analfabetismo, 90% do 
ponto de vista linguístico, é altamente ‘letrado’ do ponto de vista po-
lítico, ao contrário de certas ‘comunidades’ sofisticadamente letradas, 
mas grosseiramente ‘analfabetas’ do ponto de vista político (FREIRE, 
1978, p. 12).
Conforme vimos no capítulo anterior, uma “onda” varreu a África durante o 
século XIX. No intervalo de quase vinte anos, o continente foi ocupado por paí-
ses da Europa. Na segunda metade do século XX, o cenário se modifica, pois, 
no período de aproximadamente três décadas, Estados independentes substitu-
íram as antigas colônias. 
Assim, em um primeiro momento (e antes de qualquer aprofundamento 
mais detalhado do conteúdo), julgamos ser necessário discutirmos o nome pelo 
qual aquele processo é conhecido por nós e, também, por grande parte da his-
toriografia que trata do tema: “descolonização”. 
Como bem informam Lopes e Arnaut (2009), é intrigante que o processo 
semelhante ocorrido nas Américas, em meados do século XIX, seja chamado de 
“independência”. Ou seja, do ponto de vista da luta dos povos contra o domínio 
colonial, temos dois processos semelhantes, mas que são nomeados distinta-
mente. O que estaria implícito nessa nomenclatura? De acordo com os autores 
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supramencionados, no caso da América, a “independência” é pensada como 
“libertação”, como um “rompimento com o passado” e “projeção de um futuro”. 
Com relação à África, “descolonização” sugere um contexto em que o presente 
ainda é identificado pelo passado e é definido em função dele. Nesse caso, a ideia 
não é de rompimento, mas de continuidade. Sobre isso, Lopes e Arnaut (2009, 
p. 80) complementam: 
“Descolonização” mantém os Estados independentes presos na lógica 
do passado colonial, define o presente não como a busca do porvir, a 
projeção de um projeto ou o desejo de um futuro, mas como a persis-
tência da dominação. 
Levando esses apontamentos em consideração, julgamos ser mais correto utili-
zarmos, para esse processo e período, os termos “libertação” ou “independência”. 
Outra questão importante a considerarmos é a seguinte: o processo de inde-
pendências na África perdurou, aproximadamente, do final da Segunda Guerra 
até meados da década de 1970. Todavia devemos estar atentos às particularida-
des de cada processo, pois “embora estejamos tratando de um continente e de 
um movimento dotado do mesmo sentido geral, não podemos negligenciar as 
diferenças concretas que marcaram e definiram cada caso” (LOPES; ARNAUT, 
2009, p. 84). Devemos, nesse caso, fazer as seguintes perguntas: Qual a época 
da independência? Ela foi feita em oposição a quê? Em nome de quem? Nesta 
unidade IV, veremos, de modo mais detalhado, o caso da Angola, ex-colônia 
portuguesa, que se tornou independente em 1975. Vamos lá! 
“Independência e morte: a África portuguesa”. O 
documentário produzido pela equipe do programa 
“Caminhos da Reportagem” nos fala sobre as anti-
gas colônias portuguesas Angola, Moçambique e 
Cabo Verde. A equipe percorreu lugares de memó-
ria da luta pela libertação daqueles países e entre-
vistou ex-combatentes, pesquisadores e a popula-
ção local. 
OS MOVIMENTOS DE RESISTÊNCIA E AS INDEPENDÊNCIAS NA ÁFRICA: O CASO DE ANGOLA
Reprodução proibida. A
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ANGOLA: COLONIALISMO, RESISTÊNCIA E LIBERTAÇÃO 
A chegada dos portugueses e a segregação colonial em Angola
O impacto da presença portuguesa sobre as sociedades africanas variou de 
acordo com a sua localização geográfica e com o tipo de interação que se esta-
beleceu com aquelas sociedades ao longo dos séculos. Portugal, país favorecido 
por uma posição geográfica ao longo da costa atlântica, iniciou o processo de 
expansão no século XV, enviando navios rumo ao sul, navegando em torno da 
costa atlântica da África. Prata e escravos eram dois dos principais objetivos da 
penetração portuguesa na Angola. As feitorias portuguesas da costa tiveram a 
função de postos de embarque para o tráfico de escravos, assim, a extensão e 
o tipo de presença lusitana na Angola estavam determinados, quase exclusi-
vamente, pela economia escravista, principalmente, a cidade de Luanda, cuja 
história tem estreita relação com o tráfico de escravos. A seguir, podemos visu-
alizar dois mapas: o mapa de Angola, com destaque para sua capital, Luanda, e 
a localização de Angola no continente africano. 
Figura 01 - Mapas de Luanda na Angola e Angola na África 
©shutterstock
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Luanda foi fundada em 1576 pelo donatário português, Paulo Dias de Novais. 
Localizada na costa centro-ocidental do continente africano, a região onde foi 
estabelecida a cidade era ocupada por uma população formada, predominan-
temente, por ambundos, falantes do quimbundo. De acordo com o escritor e 
sociólogo angolano Pepetela (1997, p. 239),
Luanda foi, durante três séculos, uma feitoria dedicada quase exclusi-
vamente ao tráfico de escravos. Era o centro do poder político de uma 
colônia constituída por uma faixa de território-litoral com duas cida-
des-porto, Luanda e Benguela, e um corredor de presídios ao longo do 
Cuanza para o interior. 
O tráfico de escravos marcou a própria fisionomia da cidade. Conforme Pepetela 
(1997), durante o século XVII, havia a “cidade alta”,onde se fixou a chefia política, 
militar e religiosa, os serviços administrativos e judiciais. Esse espaço era o cen-
tro do poder temporal e espiritual, com uma quantidade considerável de igrejas 
e conventos. A “cidade baixa”, por sua vez, era a parte comercial onde se junta-
vam as tabernas e estalagens que apoiavam a atividade do porto, os entrepostos 
comerciais e algumas oficinas, mas era, sobretudo, onde ficavam as residên-
cias dos traficantes. Em outras palavras, essa divisão da cidade em “cidade alta” 
e “cidade baixa” representa a própria consolidação do projeto colonial, com a 
estratificação social que o projeto propunha.
Devido ao pouco interesse dos cidadãos da metrópole em emigrarem para 
“tão inóspitas paragens”, nas palavras de Pepetela (1997), a coroa portuguesa tenta 
povoar a cidade, enviando para lá criminosos de delito comum e, também, conde-
nados de “delitos religiosos”, o que significava, na época, judeus e protestantes. A 
consequência social de tal empreitada foi a quase inexistência de mulheres euro-
peias e, portanto, uma forte mestiçagem desde os primeiros tempos da colônia, 
com implicações culturais muito importantes. Cumpre ressaltar, contudo, que 
a precária presença portuguesa, especialmente entre os séculos XVII e XVIII, 
implicou no surgimento de elites culturais e racialmente miscigenadas na Angola.
Esse grupo era composto por indivíduos nascidos em Portugal, Angola e 
Brasil. Se dedicavam, principalmente, ao comércio atlântico de escravos. Essa 
elite africana, formada por negros e mestiços, fortalecia, cada vez mais, seus vín-
culos com a cultura europeia. Segundo a historiadora Marzano (2013), o topo 
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da pirâmide social luandense era composto, até o século XIX, por um pequeno 
número de colonos e por um segmento de negros e mestiços nascidos em Angola, 
que falavam a língua portuguesa, vestiam-se à europeia, professavam a fé cató-
lica e habitavam casas de cimento. Ou seja, demonstravam que estavam inseridos 
em um universo de códigos culturais europeus. Essa elite se dedicava ao comér-
cio, ocupava cargos públicos na restrita administração colonial, tinha funções 
eclesiásticas e assumia postos no Exército. Bittencourt (1996) aponta que foi se 
estabelecendo, nesse contexto, um lento processo de síntese cultural ocorrido 
na colônia ao longo de vários séculos e que recebeu o nome de “cultura crioula”. 
Importante constar, no entanto, que a formação da “crioulidade” estava 
estreitamente relacionada ao comércio de escravos, que levaria traficantes, mes-
tres de navios negreiros e os próprios cativos a desenvolverem um hibridismo 
cultural que permitiria a mobilidade em meio aos códigos europeus e africanos 
(MARZANO, 2013). As mudanças começam com a imposição de barreiras ao 
comércio atlântico de escravos que foi acompanhada de um considerável aumento 
da população total de Luanda. Nesse contexto, já no fim do século XIX, ocorre um 
aumento da imigração portuguesa. Segundo dados apresentados pelo estudioso 
Bender (2009), a população branca salta de 1.832, em 1845, para 9198, em 1900. 
O aumento da presença de escravos em Luanda, que não mais eram comer-
cializados pelo Atlântico, significou, evidentemente, um maior número de 
recém-chegados do interior que, além de trazerem consigo os valores próprios 
das culturas nativas, não dominavam a Língua Portuguesa, nem outros códigos 
culturais europeus. Além das consequências advindas com o fim do tráfico, mul-
tiplicaram-se as queixas de discriminação contra os crioulos nas nomeações para 
cargos administrativos na colônia, com o favorecimento de candidatos vindos 
da metrópole. Essa disputa se acirrava na medida em que aumentava o número 
de colonos portugueses (MARZANO, 2013).
 Assim como Bender, o estudioso Mourão (2006) também nos apresenta 
números importantes que revelam o aumento da população branca na colônia: 
em 1920, essa população era de 20700 pessoas e, em 1924, passou para 36.192, 
com um aumento real de 15.492 pessoas. Podemos concluir que o número cada 
vez maior de portugueses na Angola era consequência do início do processo de 
consolidação do sistema colonial. 
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O fim do tráfico de escravos alterou, também, a disposição da cidade de 
Luanda. Como já foi apontado aqui, em meados do século XIX, Luanda já era 
dividida em dois planos principais: “a cidade baixa”, próxima ao mar, onde se 
instalava a área comercial e as casas dos traficantes; e a “cidade alta”, sediada 
pelo poder administrativo, militar, judiciário e religioso. Com o fim do tráfico, 
comerciantes, funcionários metropolitanos e demais colonos buscaram trans-
formar a cidade baixa em área residencial, expulsando a população residente ali 
para a parte alta da cidade, em especial, para uma zona desabitada e coberta de 
areia da cidade de Luanda, onde cresciam os musseques.
A chegada cada vez mais intensa de colonos portugueses na Angola reduzia as 
possibilidades de ascensão social dos crioulos. Nas primeiras décadas do século 
XX, o crescimento econômico do país, aliado à produção de açúcar e café, impul-
sionaria, ainda mais, a imigração de portugueses. Como seria de se esperar, tal 
situação tornaria ainda mais tensa a relação entre crioulos e colonos. Os novos 
colonos passaram a controlar a vida em Luanda e lentamente provocaram, por 
meio do crescimento da cidade e da especulação imobiliária, a expulsão de 
crioulos e demais africanos para os musseques. Esse novo contexto trouxe sérias 
implicações para as elites crioulas, que começaram a se organizar para defender 
seus direitos adquiridos ao longo de três séculos. 
Como resposta a todas essas mudanças, os crioulos mais seriamente atingi-
dos passaram a contestar as novas orientações da metrópole, e o veículo utilizado 
A palavra “musseque” significa “lugar de areia”. Com o tempo, passou a de-
signar os bairros pobres com casas feitas, geralmente, de papelão e lata. A 
precariedade das residências e a falta de acesso e usufruto de uma infraes-
trutura básica, como luz elétrica, saneamento e água encanada são algumas 
características dessas habitações.
Fonte: a autora.
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foi a imprensa luandense, iniciada em 1845, com a publicação do “Boletim do 
Governo Geral da Província de Angola”. O conteúdo desses jornais informava, 
entre outros assuntos, o despreparo dos colonos que estavam adquirindo os car-
gos e o prestígio da camada crioula. As influências intelectuais vinham da Europa 
e da América, principalmente do Brasil, e foram decisivas no “renascer” do inte-
resse pela expressão oral e escrita da língua e da literatura na Angola. 
Porém, apesar de todos os esforços, o racismo e as vantagens dos colonos 
acabaram promovendo uma subalternização dessas antigas elites crioulas. Ao 
avançar, de fato, com o projeto colonial na Angola, Portugal elaborou uma legis-
lação para controlar todo esse processo. 
Após a conquista portuguesa de boa parte do território, no final da década de 
1920, se estabeleceu, de forma definitiva, a distinção oficial da população ango-
lana. Esse processo implicou no surgimento e na classificação da população em 
civilizados e indígenas. 
 ■ Os civilizados incluíam os brancos, mulatos e negros “assimilados”, por 
terem “absorvido padrões civilizados deconduta”.
 ■ Os indígenas, por não terem alcançado tais padrões, permaneceriam 
sujeitos às arbitrariedades coloniais, como a proibição da posse da terra 
e o trabalho forçado. 
Nunca é demais lembrarmos que, em meados do século XIX, em consonân-
cia com as transformações econômicas e políticas que marcaram a implanta-
ção do colonialismo, surgiram as primeiras abordagens antropológicas sobre 
a questão das “sociedades primitivas” dos territórios resultantes da expansão 
europeia. A obra “A origem das Espécies”, de Charles Darwin, publicada em 
1859, modificaria profundamente a visão da vida e do homem e o conhe-
cimento científico em geral. Foi sob o “signo do evolucionismo” que se de-
senvolveu o pensamento europeu e, neste contexto, a “evolução do homem” 
procederia por fases históricas, onde a civilização europeia seria o modelo 
superior de progresso e, portanto, o ponto de referência classificatório. 
Fonte: Cabaço (2007, p. 111-112).
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A partir de então, grande parte dos crioulos, para manter uma condição dife-
renciada dos demais negros, precisava alcançar a condição de “assimilados”, em 
outras palavras, teria que atingir o estatuto jurídico de “africano civilizado”. Os 
mestiços e negros que quisessem alcançar aquela condição deveriam se subme-
ter a um exame realizado por funcionários coloniais, que analisavam o grau de 
“civilidade” dos candidatos. Em 1938, surge o regulamento do recenseamento 
e cobrança do imposto indígena, que orienta a passagem da condição de “indí-
gena” à condição de “assimilado”. De acordo com o documento, as condições 
impostas seriam: 
1º: ter abandonado inteiramente os usos e costumes da raça negra;
2º: falar, ler e escrever corretamente a língua portuguesa;
3º: adotar a monogamia e
4º: exercer profissão, arte ou ofício compatível com a civilização euro-
peia ou ter rendimentos que sejam suficientes para prover aos seus ali-
mentos, compreendendo sustento, habitação e vestuário, para si e para 
sua família (NORÉ; ADÃO, 2003, p. 104). 
Em 1954, o regulamento seria substituído e reformulado com as seguintes “con-
dições de assimilação”. Conforme o Art. 56º,
Pode perder a condição de indígena e adquirir a cidadania o indivíduo 
que prove satisfazer cumulativamente aos requisitos seguintes: 
a. Ter mais de dezoito anos; 
b. Falar corretamente a língua portuguesa; 
c. Exercer profissão arte ou ofício de que aufira rendimento necessário 
para o sustento próprio e das pessoas de família a seu cargo ou pos-
suir bens suficientes para o mesmo fim; 
d. Ter bom comportamento ou ter adquirido a ilustração e os hábitos 
pressupostos para a integral aplicação do direito público e privado 
dos cidadãos portugueses; 
e. Não ter sido notado como refratário ao serviço militar nem dado 
como desertor (NORÉ; ADÃO, 2003, p. 104). 
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Salvo às especificações de ambos os documentos, o importante é percebermos 
que a “assimilação” se constituía em uma barreira jurídica e cultural à ascen-
são social da maioria da população negra. O racismo tornou a assimilação uma 
contradição. Mesmo aceito pela legislação portuguesa, o negro, ainda que assi-
milado, seria sempre o “outro”, mesmo que atingisse todos aqueles requisitos 
necessários à assimilação. 
A política assimilacionista portuguesa se baseava em uma suposta “missão 
civilizatória” do povo português na África. Sobre isso, Conceição Neto (1997, 
p. 340) nos fala: 
A missão civilizadora, a Europa salvando a África de si mesma, isto é, 
da barbárie, das guerras intestinas, das doenças endémicas, do atraso 
tecnológico e moral. Exploravam-se os africanos, mas para o seu bem, 
trazendo-os para a civilização. 
A intenção era impor aos africanos os hábitos e costumes portugueses, e a desi-
gualdade, perante a lei, era justificada pelas diferenças culturais dos grupos em 
questão. A lógica dessa política era a do evolucionismo, ou seja, uma das par-
tes, considerada “menos evoluída”, deveria assimilar-se à cultura da outra parte, 
tida como superior. Nessa perspectiva, ser “indígena” ou “assimilado” determi-
nava muito da vida do africano. Ser “indígena” implicava: 
 ■ Estar sujeito ao trabalho forçado.
 ■ Ser obrigado, pelo Estado, ao pagamento de um imposto de soberania.
 ■ Não ter direito à propriedade privada e nem acesso direto a uma escola 
do Estado, sem antes passar pelas missões cristãs. 
 ■ Para ele, instituiu-se, em 1926, a obrigatoriedade da “caderneta indígena”, 
um documento de identificação em que deveriam constar todas as infor-
mações relevantes para a administração colonial. 
Além disso, eram utilizadas categorias, como “inferior”, “atrasado” ou “primitivo” 
para caracterizar o nativo “indígena” africano de Angola e das demais colônias 
portuguesas – Guiné e Moçambique. Sobre isso, vale destacarmos a seguinte 
reflexão do filósofo, psiquiatra e ensaísta Frantz Fanon. 
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Com as mudanças econômicas implementadas por Portugal na década de 1950 
e, de forma mais profunda, na década de 1960, o cenário angolano sofrerá novas 
mudanças. Nesse contexto, entra em cena o lusotropicalismo, componente essen-
cial da ideologia colonial portuguesa, cujo discurso demonstrava-se incompatível 
com a sociedade colonial. É o que discutiremos a seguir. 
O LUSOTROPICALISMO NA ANGOLA 
Como aponta Castelo (1999), um breve percurso pela obra do sociólogo brasileiro 
Gilberto Freyre nos permite constatar que os fundamentos do lusotropicalismo 
são lançados em seu livro “Casa Grande e Senzala”, cuja primeira edição é de 
1933. Em 1953, Freyre publica “Um brasileiro em terras portuguesas”, obra na 
qual ele utiliza, pela primeira vez, o conceito de lusotropicalismo. Posteriormente, 
ele irá escrever mais duas obras específicas sobre a temática: “Integração portu-
guesa nos trópicos” e “O luso e o trópico”. Esses dois livros são “encomendados” 
e publicados por organismos do Estado português. 
O lusotropicalismo foi muito elogiado pelos adeptos do regime salaza-
rista, mas vale lembrarmos que o conceito não fora incorporado de imediato 
Frantz Fanon entendia o racismo como elemento central, operador psíquico 
da dualidade entre o colonizador e o colonizado, entre o branco e o negro. 
Esse sistema, segundo ele, seria o alicerce fundamental para a manutenção 
da dominação europeia sobre os demais povos, pois o europeu teria no in-
consciente da coletividade o que chamou de “complexo de autoridade”, em 
outras palavras, a ideia de si mesmo como um tipo superior de homem. Ade-
mais, a dominação e a hegemonia exercidas nesse contexto tinham como 
suporte ideologias raciais que legitimavam como biológicas, as diferenças 
históricas e sociais. 
Fonte: Fanon (2006).
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pelo regime português na África. Durante os anos 1930 e 1940, o Estado Novo 
português rejeitou as teses de Freyre devido à importância que o autor confe-
ria à mestiçagem biológica e cultural, à herança árabe e africana na gênese do 
povo português e das sociedades criadas pelacolonização lusa. No período do 
pós-Segunda Guerra Mundial, tal reação se modificaria com a apropriação do 
lusotropicalismo pelo regime. 
Conforme esclarece Castelo (1999), naquele contexto, um dos maiores 
objetivos dos adeptos do lusotropicalismo seria o de encontrar argumentos 
(supostamente científicos) que pudessem legitimar a presença de Portugal na 
África. A autora complementa, explicando que, paradoxalmente, é no período 
posterior ao início das lutas de libertação nacional nas colônias africanas (lem-
brando que, na Angola, a guerra de libertação nacional tem início em 1961, na 
Guiné Bissau e em Moçambique esse processo se inicia em 1963 e 1964, respec-
tivamente) que o Estado colonial português procura incutir o antirracismo nos 
portugueses e conformar o comportamento dos funcionários administrativos e 
dos colonos ao ideário lusotropicalista. 
Ora, a colonização portuguesa, na primeira metade do século XX, foi 
segregacionista, gerando sociedades em que a cor da pele era um dos fatores 
determinantes da posição social dos indivíduos. Essa suposta “harmonia racial”, 
reivindicada pelo colonialismo português, definitivamente, não existiu. Naquele 
contexto, as formas de reivindicação foram várias, dentre elas, a produção lite-
rária de protesto, na qual jovens intelectuais começaram a conscientizar parte 
da população dentro das raras possibilidades legais existentes. Eles utilizaram a 
língua, por meio da literatura e do jornalismo nativista, na busca por uma nova 
mensagem, consolidada em um sentimento nacional e em uma consciência polí-
tica nacionalista. Esse será o nosso próximo tema.
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A RESISTÊNCIA PELA PALAVRA: A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA NA 
ANGOLA 
Nas palavras de Padilha (2007), na Angola, no século XX, começa a surgir um 
movimento de problematização e resistência cultural, quando se buscou reafir-
mar a diferença da “angolanidade” por tanto tempo marginalizada pelos aparatos 
ideológicos do colonizador. 
Ao olharmos para os países de colonização portuguesa, poderemos observar 
que os vários séculos de contato, e mesmo de presença de Portugal na África, são 
marcados por diversas formas de resistência, dentre elas, a produção literária. Em 
conformidade com o que já foi exposto, são nos centros urbanos que nascem – 
mediante jornais escritos por intelectuais africanos – as primeiras denúncias à 
dominação colonial. Posteriormente, surgem importantes associações que deram 
início a um processo de luta e de conscientização, ainda que atuando de forma 
clandestina, buscando estabelecer linhas de ação que pudessem conduzir à for-
mação de uma consciência nacional. 
Paralelamente a essa luta política, em grande medida delimitada pelas áreas 
urbanas coloniais, grupos de estudantes das diversas colônias que tinham emi-
grado para Portugal a fim de realizar seus estudos universitários (dada a ausência 
de instituições em suas regiões de origem) também se organizaram em torno de 
associações culturais legais na metrópole. 
Durante os anos 1940 e 1950, jovens angolanos se reuniam em Lisboa com 
demais estudantes das colônias de Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e 
São Tomé e Príncipe, com o objetivo de formarem organizações que discutissem 
a situação colonial. Em 1951, surge em Lisboa o Centro de Estudos Africanos 
(CEA), que reuniu os principais futuros líderes dos movimentos pela descoloni-
zação das colônias portuguesas: Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Francisco José 
Tenreiro e Mário Pinto de Andrade. O governo salazarista pôs fim às atividades 
do Centro, mas não findou os encontros daqueles estudantes que deram conti-
nuidade à luta política anticolonial na Casa dos Estudantes do Império (CEI), 
por meio de uma intensa atividade cultural de reabilitação do patrimônio his-
tórico e cultural de seus povos. 
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IVU N I D A D E134
Nesse período, destaca-se o surgimento de uma geração de escritores preocupada 
em denunciar a condição de opressão a que a nação angolana estava submetida. 
Em 1948, uma parcela da jovem intelectualidade luandense procurou se expres-
sar por meio de poesia e textos literários que reivindicavam os valores culturais 
negados pelo colonialismo. Nessa época nasce a revista “Mensagem” e o movi-
mento “Vamos Descobrir Angola!”, lançado pelo poeta Viriato Cruz. 
Os escritores envolvidos nesse movimento concentraram-se no projeto de recu-
perar a valorização da cultura angolana pelo texto literário. Porém mais do que 
um projeto de reação ao “apagamento cultural” imposto pelo colonialismo, os 
A Casa dos Estudantes do Império (CEI) era uma instituição acolhedora não 
somente de angolanos, mas, também, de indivíduos vindos de outras colô-
nias portuguesas. 
As atividades da CEI foram encerradas por decisão governamental em 1965, 
depois de sua sede ter sido invadida pela Polícia Internacional e de Defesa 
do Estado (PIDE). 
Fonte: a autora.
Viriato da Cruz nasceu em Luanda, em 1928, e morreu exilado na China, em 
1973. Foi um dos promotores do Movimento dos Novos Intelectuais de An-
gola e da revista Mensagem. Publicou um livro de poemas, editado em 1961. 
Ele dinamizou a luta pela libertação da Angola e foi um dos fundadores do 
MPLA. Em 1964, entra em dissidência com outros membros da direção do 
movimento e vai para a China.
Fonte: a autora. 
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intelectuais envolvidos com o projeto deixaram explícito o comprometimento 
político, adotando um discurso contra hegemônico. Alguns importantes nomes 
da geração “Mensagem” foram (além de Viriato da Cruz): Antônio Jacinto, 
Agostinho Neto, Alda Lara, Aires de Almeida Santos, Mário Pinto de Andrade, 
Mário Antônio, entre outros. Para os poetas Viriato da Cruz e Antônio Jacinto, 
a influência vinha, sobretudo, da literatura brasileira, por intermédio dos poe-
tas modernistas Mário de Andrade e Manuel Bandeira e escritores como José 
Lins do Rego e Jorge Amado. 
Em 1950, surge o “Movimento dos Novos Intelectuais de Angola” (MNIA). 
Uma das características fundamentais da poesia do movimento era ser uma poe-
sia social. Nessa perspectiva, destacamos textos como “Mamá negra”, de Viriato 
Cruz, “Poema da alienação”, de Antônio Jacinto e “Muimbu ua Sabalu” (“Canção 
de Sabalu”), de Mário de Andrade. “Canção de Sabalu” é a primeira tentativa de 
utilização integral da língua quimbundu em um poema. Os versos retratam o 
sofrimento de uma mãe que chora pelo desaparecimento do filho, enviado como 
mão-de-obra forçada para as plantações de São Tomé e Príncipe. Com relação à 
utilização do quimbundu no poema, não podemos esquecer que as línguas nati-
vas da Angola foram marginalizadas durante o período colonial.
Quimbundu é a língua falada pelos povos mbundu, que constituíam a maio-
ria dos habitantes de Luanda. Angola possui três grandes grupos etnolin-
guísticos. Os ovimbundos, cuja língua é o umbundo, concentravam-se, tra-
dicionalmente, nas províncias do Huambo e do Bié, no planalto central. Os 
mbundus (falantes de quimbundo) predominaram nas regiões constituídas 
pelas atuais províncias de Bengo, Cuanza Norte, Luanda e Malange e pela 
parte norte do Cuanza Sul. O terceiro maior grupo étnico é o dos bakongos, 
que se estabeleceram, principalmente,nas províncias do noroeste, sendo 
sua língua o quicongo. 
Fonte: Hodges (2001, p. 44-46).
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Outro poema com teor denunciante que gostaríamos de destacar é de autoria 
de Antônio Jacinto de Amaral Martins, mais conhecido como Antônio Jacinto. 
O poeta é um dos nomes mais importantes do MNIA e da revista “Mensagem”. 
Ele nasceu em Golungo Alto, Angola, em 1924. Em 1961, publicou seu pri-
meiro livro, intitulado “Poemas”. Naquele mesmo ano, Jacinto foi preso pela 
Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), e enviado para o campo 
de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, de onde saiu, apenas, em 1972. 
“Monangamba” é um de seus poemas mais representativos. Vamos à sua leitura.
Naquela roça grande 
não tem chuva 
é o suor do meu rosto 
que rega as plantações.
Naquela roça grande 
tem café maduro 
e aquele vermelho-cereja 
são gotas do meu sangue 
feitas seiva. 
 
O café vai ser torrado 
pisado, torturado, 
vai ficar negro, 
negro da cor do contratado! 
 
Perguntem às aves que cantam, 
aos regatos de alegre serpen-
tear 
e ao vento forte do sertão: 
 
Quem se levanta cedo? 
Quem vai à tonga? 
Quem traz pela estrada longa 
a tipoia ou o cacho de dendê? 
Quem capina, quem paga rece-
be desdém 
fubá podre, peixe podre, 
pano ruim, cinquenta angolares 
“porrada se refilares”? 
Quem faz o milho crescer? 
e os laranjais florescerem? 
Quem dá dinheiro para o patrão 
comprar 
máquinas, carros, senhoras? 
E cabeças de pretos para os 
motores?  
 
Quem faz o branco prosperar? 
ter barriga grande, ter dinheiro? 
Quem? 
 
E as aves que cantam, 
os regatos de alegre serpentear 
e o vento forte do sertão 
responderão: 
 
“Monangambééé”!
Ao fazer essa breve leitura do poema, o que você pôde perceber? O que o poema 
lhe transmitiu, caro(a) aluno(a)? 
Ao abordar o tema da violência, Antônio Jacinto explora a linguagem poé-
tica, recorrendo à metáfora e à ironia para denunciar a violência e a tensão social 
Pensando as Independências Africanas e os Movimentos de Libertação 
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existente entre colono e colonizado. No decorrer do poema, o colonizado passa 
a problematizar a sua própria posição diante da sociedade. Tal tomada de cons-
ciência do eu-lírico pode ser observada pela utilização de orações interrogativas 
durante o poema, por meio da repetição do pronome “quem” no transcorrer do 
texto. “Quem se levanta cedo?”, “Quem vai à tonga?” e “Quem faz o milho crescer 
e o branco prosperar?” são interrogações que desafiam a dinâmica da sociedade 
colonial, tão marcadamente violenta e exploradora. 
Sob esta ótica, podemos notar que o contexto histórico, a situação socio-
política e a expressão literária angolana são, portanto, aspectos profundamente 
imbricados. Na tentativa de valorizar a cultura nacional, os escritores dessa gera-
ção passaram a escrever sobre as questões específicas vivenciadas na Angola, 
como o combate ao colonialismo. Recusando de maneira contundente os padrões 
europeus, que até então tinham sido o eixo regulador das produções literárias 
angolanas coloniais, a poesia e a prosa reconfiguraram-se e começaram a apre-
sentar profundas transformações, não só nas temáticas abordadas, como também 
na estrutura textual. 
O MNIA foi alvo da repressão policial e a revista “Mensagem” findou suas 
atividades precocemente, com a publicação do seu segundo número. Importante 
constar que a revista e os movimentos literários não possuíam um programa polí-
tico de luta contra as autoridades coloniais, mas foram fundamentais enquanto 
elementos mobilizadores e de conscientização daqueles que futuramente iriam 
encabeçar a luta anticolonial. Apesar do pouco tempo de atividade, foi essen-
cialmente por meio da poesia que aquele grupo de jovens, em meados do século 
XX, se impôs e contribuiu para a história da literatura angolana. 
Para alcançar os objetivos propostos pelo movimento, os escritores daquela fase 
se envolveram em uma série de atividades culturais, como campanhas de alfabetiza-
ção, fundação de escolas e bibliotecas, criação de concursos literários e lançamento 
de revistas. O empenho dos envolvidos se torna ainda mais expressivo se pensarmos 
que a palavra escrita chegava, naquela época, a uma parcela ínfima da população 
de Angola, ademais, o índice de analfabetismo na colônia era muito elevado. Nessa 
perspectiva, os escritores do MNIA encontraram uma importante alternativa: passa-
ram a musicar os poemas! Dessa maneira, traziam, para a oralidade, os seus sonhos 
e ideais, atingindo, ao mesmo tempo, um maior número de pessoas. 
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Ao pensarmos na musicalidade africana, perceberemos que ela se inscreve nos 
espaços da comunidade, pois possibilita e instaura formas de sociabilidade. A 
música surge, nesse caso, como um elemento essencial nas reuniões comunitá-
rias e coletivas. 
Em Angola, a música tradicional, do espaço rural, caracterizava-se, essencial-
mente, pelo anonimato na composição, ou seja, a noção de autoria era anulada 
pelo tempo. Com o passar dos anos, os poemas e os provérbios começaram a 
receber melodia, e as composições musicais, aceitas como produções coletivas 
no interior das comunidades e transmitidas oralmente, de geração em geração 
(FORTUNATO, 2009). Isso se torna ainda mais representativo se considerarmos 
o alto índice de analfabetismo na colônia. Nesse contexto, a atuação do grupo 
“N’gola Ritmos” foi fundamental. 
Os múltiplos saberes nas sociedades africanas são apreendidos por meio 
da palavra. As narrativas orais, como mitos, provérbios, poemas e saberes 
científicos, persistiram, mesmo após a adoção da escrita alfabética, sob os 
fundamentos da oralidade. Para o especialista em tradições orais Amadou 
Hampaté Bâ, as sociedades africanas são “sociedades da palavra”. 
Fonte: Hampaté Bâ (2010).
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MÚSICA E NACIONALISMO EM ANGOLA: O 
SURGIMENTO E A IMPORTÂNCIA DO GRUPO 
“N’GOLA RITMOS”
“Quem um dia for a Luanda, não deixe de subir aos muceques para ouvir e ver o Ani-
ceto, o Machado, o Nino, o Araújo, o Amorim e o Van-Dúnem, componentes desse 
curioso porta-voz da música africana” (Horácio Reinaldo, 1954). 
A FORMAÇÃO DA MÚSICA POPULAR URBANA DE ANGOLA: 
IMPORTANTES CARACTERÍSTICAS
Em seu artigo “Estórias da música em Angola”, Mário Rui Silva (1996), pesquisa-
dor e músico angolano, afirma que a cultura musical luandense é fruto de vários 
encontros, pois quando diversos grupos populacionais chegaram em Luanda (pro-
venientes de várias regiões de Angola) trouxeram consigo o seu próprio universo 
cultural e à medida que o tempo avançava, esses homens e mulheres iam se adap-
tando às novas realidades. 
Jomo Fortunato (2009), crítico musical e pesquisador angolano, acrescenta que 
a música popular da Angola, que se atualiza no espaço urbano, foi “contaminada” e 
absorveu, ao longo do seu processo de formação, as técnicas de execução dos ins-
trumentos musicais ocidentais. É nesse quadro, caracterizado por um complexo 
cruzamento de influências, que a música popular angolana foi ganhando formae 
adquiriu a estrutura que hoje conhecemos. 
De modo geral, há uma música que se configura no espaço rural, caracterizada 
por diversas práticas e costumes culturais, que acabou por influenciar a música do 
espaço urbano. Uma importante característica apontada por Fortunato (2009) revela 
que enquanto a música popular urbana tem sempre um compositor individualizado 
e está mais propensa às influências, a música tradicional, do espaço rural distingue-
-se, essencialmente, pelo anonimato na composição, ou seja, a noção de autoria é 
anulada pelo tempo, sendo as composições musicais aceitas como produções cole-
tivas no interior das comunidades. O etnomusicólogo Kazadi Wa Mukuna (1985), 
aliás, definiu a música africana como uma “música-evento”, justamente por ser de 
natureza coletiva. 
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O papel socialmente integrador da música permaneceu como o aspecto mais 
característico da vida cultural do continente africano (SOYINKA, 2010). O apren-
dizado musical encontra-se, nesse sentido, inscrito na memória e é transmitido 
oralmente, de geração em geração. 
Segundo Macêdo (2008), a oralidade é a forma de acumular e transmitir os conhe-
cimentos sobre a história de cada grupo. Além disso, os ensinamentos do cotidiano 
realizam-se a partir da oralidade, tendo uma importância fundamental as memórias 
e o papel dos mais velhos. Para Macêdo (2008, p. 45), “Trata-se de uma operação 
complexa que mobiliza valores e, sobretudo, a crença no poder da palavra”. Sob essa 
ótica, diferentes pesquisadores constataram que os múltiplos saberes nas socieda-
des africanas são apreendidos por meio da palavra. Esse é o caso, por exemplo, de 
Jan Vansina (2010) e Hampaté Bâ (2010), que argumentam que as civilizações afri-
canas são civilizações da palavra falada, pois estão fundamentalmente baseadas no 
diálogo entre os indivíduos e na comunicação entre comunidades ou grupos étnicos. 
Em relação ao canto africano, Mukuna (1985) nos explica que existem alguns 
cantos que são assumidos apenas pelo solista; outros são entoados em uníssono pelo 
grupo, e existem, ainda, aqueles divididos entre o solista e o coro, em que o solista 
entoa a melodia e o grupo a completa. Chamado de canto responsorial (ou execução 
antifônica), esse tipo de canto é uma espécie de “conversa” entre o solista e o coro. 
Veremos, adiante, que essa foi uma forma típica de cantar do grupo “N’gola Ritmos”. 
Com a intensificação da imigração de portugueses e a migração de angolanos 
de outras partes da província para Luanda, os musseques ficaram ainda mais precá-
rios e superpovoados. Na ânsia por melhores condições de vida e de oportunidades 
na indústria nascente, muitos angolanos de outras áreas da província migraram 
para a capital. Esse processo gerou sérios problemas de habitação, especialmente, 
nos musseques. 
Para o geógrafo Amaral (1983), os musseques são o resultado do crescimento ace-
lerado de atividades econômicas, sobretudo de caráter urbano, somado ao aumento 
descontrolado da população, particularmente, por via de uma imigração intensiva. 
Tal processo “engrossa” a população dos musseques com uma massa de desempre-
gados, pessoas com baixa qualificação profissional e alguns pequenos comerciantes. 
O geógrafo salienta, ainda, que ao longo da história de Luanda, os musseques foram 
ambientes com condições de vida precárias para seus habitantes, em que a ocorrência 
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de incêndios e epidemias era 
recorrente. As chuvas for-
tes também constituíam um 
grande problema para os 
moradores dos musseques. 
Nos musseques, havia as 
cubatas, moradias compostas, 
na maioria das vezes, por ape-
nas um cômodo e construídas 
com pau-a-pique, cobertas 
com zinco e com pavimento 
de terra batida ou cimento. Na imagem a seguir, você pode ter uma ideia de como 
era um musseque de Luanda, durante os anos 1970. 
Encontramos algumas canções de compositores angolanos que sinalizam as 
difíceis condições de vida enfrentadas pela população dos musseques. Esse é o caso 
da canção “Chofer de Praça”, composta por Luís Martins de Jesus – mais conhe-
cido por Xabanu –, e interpretada por Luís Visconde. A letra da canção é a seguinte:
Figura 02 - Musseque de Luanda
Fonte: Mendes (2011, on-line)1.
Mandei parar um carro de praça
Ansioso em ver meu amor
Chofer de praça então reclamou
Quando eu lhe disse que meu 
bem morava no subúrbio: 
“Tempo chuvoso no subúrbio, 
não vou
Pois sou chofer de praça e não 
barqueiro”. 
Então implorei: “Peço senhor 
chofer leve-me por favor
Ela não tem culpa de morar no 
subúrbio
Enquanto a chuva é obra de 
natureza”. 
Então chofer dominado por 
mim
Na borracha puxou, atravessan-
do lagoa
Quando eu olhei pro relógio
E lhe pedindo que colasse o 
acelerados ao tapete. 
Então chofer trombudo respon-
deu:
“Se você quer ver seu amor, 
atravessa a lago a pé. 
Não vou partir meu popó só 
porque você quer dar show”.
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A letra da canção de Xabanu nos faz refletir sobre a separação racial que se esta-
beleceu em Luanda, por meio da própria urbanização da cidade. Sobre sito, vale 
ressaltar que nem todos os taxistas, especialmente entre os anos 1950 e 1970, 
tinham coragem suficiente para andar pelo interior de bairros suburbanos e sob 
os mais diversos pretextos recusavam-se a transportar nativos, sobretudo, quando 
a corrida acabava no musseque. 
Entretanto é importante observar que os musseques tornaram-se espaços 
de transição entre o universo rural e a cidade, “transformando-se em laborató-
rio textual das canções que foram absorvidas pelas expectativas do ambiente 
cultural urbano” (FORTUNATO, 2009). Desse modo, é possível verificar que 
os temas das canções que circulavam nesses espaços eram variados e falavam 
do filho desaparecido no mar, do assédio sexual  entre o patrão e a empregada 
doméstica, dos conflitos conjugais, da infidelidade amorosa, do carnaval, da nos-
talgia da infância e a frustração do compositor em não ter frequentado a escola. 
O grupo “N’gola Ritmos” elegeu os musseques como um dos lugares de divul-
gação de sua música e seus integrantes se apresentavam, com muita frequência, 
nos bairros suburbanos e musseques de Luanda. 
E ENTÃO SURGE O GRUPO “N’GOLA RITMOS”... 
Liceu Vieira Dias, fundador do grupo, explica que o “N’gola Ritmos” foi fun-
dado no final dos anos 1940 na casa de Manuel dos Passos, no momento em 
que um grupo de jovens, dentre eles, Liceu, Domingos Van-Dúnem, Francisco 
Machado e Nino Mário Araújo (Nino Ndongo) se encontrava nas tardes de 
sábado e domingo para tocar e cantar. 
Os integrantes do “N’gola Ritmos” podem ser considerados pioneiros da 
modernidade estética da música angolana, no sentido das propostas inovado-
ras e de estilização do cancioneiro popular (FORTUNATO, 2009). Os músicos 
do grupo inserem novos acordes e a viola baixo (de seis cordas), o tambor e a 
dikanza conduzem a marcação rítmica, intervindo, em contraponto, a voz. Como 
já informamos, esse é o chamado canto responsorial, forma de cantar caracte-
rística de vários povos da África. O “puxador”, cantador ou mestre é designado 
Figura 03 - DIKANZA
Fonte: Favoretto (2004, on-line)2.
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como o responsável pelo canto ini-
cial e o coro pode ser acompanhado 
por instrumentos musicais. 
No tocante a questão rítmica 
do “N’gola Ritmos”, é fundamental 
frisar, como já foi destacado ante-
riormente, a presença da dikanza. 
A dikanza é um instrumento 
típico da Angola e se assemelha 
muito ao reco-reco. Grande parte do 
repertório do “N’gola Ritmos” inclui 
a utilização do instrumento, sobretudo, sob a performance de Fontinhas, nome 
artístico de Euclides Fontes Pereira.
Uma canção do grupo que merece destaque é “Muxima”. Amadeu Amorim, 
ex-integrante do “N’gola Ritmos”, explica que a canção chegou aos programas 
de rádio do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) e por isso 
passou a ser muito associada ao nacionalismo angolano, ganhando uma reper-
cussão até mesmo internacional. 
Aqui, caro(a) aluno(a), se faz necessário abrirmos um parêntese para infor-
mar a você acerca das transformações políticas ocorridas na Angola no final dos 
anos 1950, quando começam a surgir novas organizações clandestinas, mas com 
um alcance territorial muito maior, assim como uma participação de militantes 
em uma escala até então desconhecida. Esse seria o caso do MPLA. 
O historiador Bittencourt (2002) explica que o MPLA é o resultado da agita-
ção anticolonial iniciada no final dos anos 1940, mas que se prolongou por toda 
a década de 1950. Segundo o estudioso, sua formação decorre de duas correntes 
nacionalistas constituídas pelos que estavam na colônia, conhecidos como “os 
do interior”, e pelos que se encontravam na metrópole, em demais países euro-
peus e, mais raramente, em países africanos. Todos esses ficariam conhecidos 
como “os do exterior”.
Na Angola, se destacaram outros grupos no movimento anticolonial. No 
norte da colônia, os bacongos tornaram-se um dos elementos étnicos mais 
importantes na questão anticolonial. Desde o momento em que os portugueses 
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começaram a avançar para o interior haviam sido estabelecidas relações com a 
monarquia tradicional do Congo que, inclusive, chegou a ocupar uma posição de 
relevo no regime colonial. Com a morte do rei bacongo, D. Pedro VII, em 1955, 
houve o início de uma luta pela sucessão de seu cargo, resultando na formação 
da União das Populações do Norte de Angola (UNPA), sendo Holden Roberto 
a figura principal desse movimento. Em 1958, caía o “N” da UPNA, que passou 
a se chamar União das Populações de Angola (UPA). Tal mudança de nome, 
estratégica, objetivava alcançar uma identidade nacional multiétnica que, na ver-
dade, o movimento jamais atingiu. Em 1962, a UPA modifica, novamente, seu 
nome, passando a chamar-se Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) 
(MACQUEEN, 1998, p. 39-40). 
Com relação à composição social da FNLA, podemos afirmar que seus fun-
dadores eram, majoritariamente, camponeses e protestantes, membros de famílias 
tradicionais da região norte da Angola. A liderança de Holden Roberto, baseada 
em questões étnicas e familiares, acabou por gerar críticas de vários membros 
pertencentes às outras etnias da FNLA. Contrariando tal posicionamento, um 
pequeno grupo de militantes rompeu com a FNLA e criou um novo movimento 
de libertação na Angola. Tratava-se da União Nacional para a Independência 
Total de Angola (UNITA), criada em 1966 e liderada por Jonas Savimbi. 
No que diz respeito à política externa estabelecida pelo referidos movimen-
tos de libertação, vale ressaltar, em um primeiro momento, que, inicialmente, 
a UNITA se aproxima da China, se definindo, ideologicamente, enquanto um 
movimento maoísta, de bases revolucionárias e camponesas. Posteriormente, o 
movimento se alia à África do Sul e aos EUA. Na busca por apoio, a FNLA acaba 
por se aproximar dos estadunidenses, atitude essa, inclusive, bastante questionada 
pelo MPLA, que entendia que o movimento pretendia uma saída neocolonia-
lista para Angola, logo após a independência. De forma gradativa, o MPLA foi 
se aproximando de Cuba e da então URSS. 
Em conformidade com o que foi destacado anteriormente, o MPLA possuía 
um programa de rádio na cidade de Brazzaville (República do Congo): “Voz da 
Angola Combatente”. O programa era transmitido às quartas e domingos, sempre 
às 19h e, seguramente, foi um dos instrumentos mais importantes de divulgação 
das propostas do MPLA. Amadeu Amorim, em entrevistas concedidas, relembra 
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que “abriam” o programa com o repertório do grupo “N’gola Ritmos”, em espe-
cial, com a canção “Muxima”. A escolha dessa música pelos responsáveis da rádio 
e do programa “Angola Combatente” não foi aleatória, pelo contrário, tal opção 
se deu, pois, naquela época, “Muxima” era a canção mais conhecida do “N’gola 
Ritmos” e, como já fora mencionado, o grupo foi pioneiro na interpretação (e 
composição) de canções em quimbundu. Sobre esse tema, aliás, precisamos nos 
lembrar de que, em meados dos anos 1940 e 1950, as canções tradicionais afri-
canas eram rejeitadas pelo sistema colonial. 
Joaquim Pinto de Andrade, um dos líderes históricos do MPLA, em artigo 
para a revista “África Hoje”, relata que, no contexto colonial das décadas de qua-
renta e cinquenta do século XX, o surgimento do “N’gola Ritmos” significou 
“uma verdadeira subversão cultural dos valores linguísticos e dos padrões artís-
ticos e estéticos considerados como os únicos válidos pela classe dominadora” 
(ANDRADE, 1989, p. 34). 
A seguir, seguem duas imagens do grupo que, frequentemente, se apresen-
tava nos musseques de Luanda. 
Figura 04 - Apresentação do grupo “N’gola Ritmos”, nas ruas do Bairro Operário, durante o Carnaval de 
1956
Fonte: Santos (1999, p. 62).
Figura 05 - À esquerda, a participação das cantoras do grupo, Lourdes Van-
Dúnem e Belita Palma, durante uma apresentação em Benguela, no ano de 1957
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Fonte: Santos (1999, p. 231).
Como bem alerta Augel (2007, p. 273), as potências colonizadoras, dispostas 
a impor sua presença como centro de referência, “empenharam-se no exter-
mínio constante dos traços originais e autóctones”, na tentativa de abafar suas 
tradições, vistas como antiquadas e primitivas. Ao elegerem cantar em língua 
nacional composições de origem popular angolana, os integrantes do “N’gola 
Ritmos” desviam-se daquela conduta, afirmando a necessidade de valorização 
das culturas nacionais. 
Com o passar do tempo, como não poderia deixar de ser, o grupo passou a ser 
visto com “desconfiança” pelas autoridades coloniais, sobretudo, porque alguns 
de seus membros estavam politicamente envolvidos com o MIA (Movimento 
para a Independência de Angola) e, também, com o trabalho de panfletagem 
no Bairro Operário, onde se concentrou parte da movimentação anticolonial de 
Luanda antes do início da guerra, em 1961. 
Após esses acontecimentos, o grupo “N’gola Ritmos” passa a ser visto com 
desconfiança pelas autoridades coloniais. O primeiro passo foi afastar os com-
ponentes do grupo: Fontinhas foi transferido para o Moxico, em 1957; Zé Maria, 
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afastado para o Lubango e, logo depois, Amadeu Amorim e Liceu Vieira Dias 
foram presos pela PIDE. O motivo das prisões, de acordo com Amorim, se deve 
por terem descoberto que ambos estavam envolvidos para além da canção: “está-
vamos politicamente envolvidos num grupo de trabalho, num movimento, o 
MIA” (SALVEM O..., 2002, on-line)3. prisão de Liceu Vieira Dias aconteceu em 
1959, sob a acusação de “atividades subversivas contra a segurança nacional”, e 
em 1961 ele é deportado para a prisão do “Tarrafal”, em Cabo Verde. 
Figuras 06 e 07 - Prisão do Tarrafal (Cabo Verde)
Fonte: Wikimedia Commons (2009, on-line)4. 
Tarrafal é o nome de uma das prisões para onde eram enviados presos polí-
ticos das ex-colônias portuguesas. Os presos políticos que por ali passaram 
se recordam do “Tarrafal” como o “Campo da Morte Lenta”. Vários documen-
tários foram feitos sobre a prisão, dentre eles, “Há setenta anos, o Tarrafal: 
os últimos sobreviventes” e “Tarrafal: memórias do campo da morte lenta”. 
Fonte: a autora.
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Reprodução proibida. A
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Liceu Vieira Dias sai da prisão em 1969 e anos depois voltaria a Luanda como 
membro da delegação do MPLA. Com sua prisão e a de Amadeu Amorim e, 
ainda, a transferência de Fontinhas para o Moxico, em 1957, o “N’gola Ritmos” 
entraria em outra fase, que se dá a partir dos anos 1960, quando tem início a 
luta armada, em Angola. 
ANOS 1960: O INÍCIO DA GUERRA PELA LIBERTAÇÃO 
Uma importante fase de luta acontece a partir do dia quatro de fevereiro de 
1961, quando várias ações são desencadeadas na capital angolana. Na madru-
gada daquele dia, em Luanda, grupos de homens atacam a esquadra da Polícia de 
Segurança Pública, a cadeia de São Paulo e a Casa de Reclusão, em uma tentativa 
de libertar os presos políticos de 1959 e 1960, mas, também, havia a intenção de 
revelar à ONU (Organização das Nações Unidas) e à opinião pública internacio-
nal que na Angola havia uma onda de descontentamento com o regime colonial, 
atitude essa contrária ao que defendiam os ideólogos do regime salazarista. Seis 
dias após o ocorrido, em dez de fevereiro de 1961, nova ofensiva seria realizada 
contra a cadeia de São Paulo, gerando outra onda de repressão em Luanda. 
Outro exemplo de ação anticolonial que não podemos deixar de mencionar 
é a revolta camponesa na Baixa do Cassanje, vasta região do norte de Angola 
integrada à bacia hidrográfica do rio Zaire e habitada por populações kimbundu 
e bakongo. Segundo a estudiosa Freudenthal (1995, 1999), a ação, desencade-
ada em 1961, foi a primeira e, contraditoriamente, a mais ignorada das revoltas 
ocorridas naquele ano. A origem do fenômeno esteve relacionada às lastimáveis 
condições de trabalho da população camponesa naquela região. De acordo com 
dados levantados por Freudenthal (1995, 1999), o número de mortos entre os 
camponeses de Cassanje foi de cinco a dez mil pessoas. 
Com a guerra acontecendo em Angola, Guiné Bissau (a guerra de libertação 
tem início em 1963) e Moçambique (a guerra de libertação tem início em 1964), 
o governo colonial e as Forças Armadas sentem a necessidade de promover ini-
ciativas para conquistar o apoio entre as populações subjugadas ao colonialismo 
português e, também, diminuir a propagação dos movimentos nacionalistas. 
Música e Nacionalismo em Angola: O Surgimento e a Importância do Grupo “N’gola Ritmos”
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As autoridades coloniais portuguesas lançaram, naquele contexto, um pro-
grama de desenvolvimento econômico e social e elaboraram estratégias específicas 
de combate. Uma delas foi o recrutamento das populações locais, permitindo, 
assim, que as colônias arcassem com uma parcela substancial da defesa. Além dos 
combates nas frentes de batalha, as Forças Armadas desenvolveram e aplicaram 
uma política de desenvolvimento social promovida pelo Estado. Segundo essa 
proposta, fazia-se necessário enfrentar as críticas da comunidade internacional e 
“conquistar os corações e a mente da população africana” (CLARENCE-SMITH, 
1985, p. 213). Para tanto, elaboraram uma estratégia que ficou conhecida como 
ação psicossocial. As reformas advindas dessa ação simbolizaram, no campo da 
lei, a constatação da existência de uma multiplicidade de culturas que deveriam 
ser preservadas para que, em contato com a cultura portuguesa, originassem a 
cultura lusotropical, que, alegadamente, distinguia o povo português. 
Algo que devemos observar, contudo, é que o pretenso caráter científico do 
lusotropicalismo foi questionado por diversos líderes dos movimentos de liber-
tação na África. Mário de Andrade, sociólogo e um dos fundadores do MPLA, 
foi o primeiro crítico do lusotropicalismo de Gilberto Freyre. Sob o pseudônimo 
de Buanga Fele, Mário de Andrade publicou na revista Présence Africaine um 
artigo intitulado “Qu’est-ce que ‘le lusotropicalismo’?”. Nele, podemos ler:
Segregação e assimilação são formas políticas através das quais a co-
lonização garante os seus privilégios contra a legítima vitalidade dos 
povos colonizados. Trata-se de manter uma barreira entre os níveis de 
vida das duas populações e de evitar que a direção político-econômica 
seja disputada contra o europeu (ANDRADE, 1955, p. 24). 
Amílcar Cabral, líder político da revolução anticolonial da Guiné-Bissau e de Cabo 
Verde, em Prefácio para a obra de Davidson sobre a luta de libertação da Guiné, faz 
referência a Gilberto Freyre e ao lusotropicalismo na identidade colonial portuguesa.
Uma poderosa máquina de propaganda foi posta a trabalhar no sentido 
de convencer a opinião pública mundial de que os nossos povos viviam 
no melhor dos mundos possíveis [...] e assim se foi construindo toda uma 
mitologia. E, como aconteceu com tantos mitos, especialmente os que di-
zem respeito à sujeição e exploração das gentes, não faltaram ‘homens de 
ciência’, incluindo um sociólogo de nomeada, para lhe garantir uma base 
teorética, neste caso, o lusotropicalismo. [...] Gilberto Freyre transformou-
-nos a todos os que vivemos nas províncias – colônias de Portugal – em 
felizes habitantes de um paraíso lusotropical (CABRAL, 1975, p. 03). 
OS MOVIMENTOS DE RESISTÊNCIA E AS INDEPENDÊNCIAS NA ÁFRICA: O CASO DE ANGOLA
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A importância de críticos como Mário de Andrade e Amílcar Cabral se deve ao 
fato de terem apontado que o lusotropicalismo foi uma interpretação falseada 
da constituição da expansão marítima portuguesa e que as relações raciais nas 
colônias lusitanas não apresentavam a imagem de “integração harmoniosa” que 
o lusotropicalismo fazia supor.
Em um cenário marcado pela guerra entre os movimentos de libertação 
angolanos – MPLA, FNLA e UNITA – e as tropas portuguesas, ocorre, no dia 
25 de abril de 1974, a “Revolução dos Cravos”, em Portugal. A mudança no qua-
dro político daquele país sinalizou o início de um processo de transição para a 
independência da Angola. 
O primeiro movimento de libertação a assinar um acordo de suspensão das 
hostilidades com as autoridades portuguesas foi a UNITA, em junho de 1974. 
No mês de outubro daquele mesmo ano, especificamente no dia 15, a FNLA e o 
governo português assinaram o acordo e, por fim, o MPLA, que assina o “ces-sar-fogo” com as tropas portuguesas no final daquele mês. Após a assinatura dos 
referidos acordos, se iniciou o processo de negociações acerca do modo como 
se daria o processo de descolonização na Angola.
ANGOLA: A CAMINHO DA INDEPENDÊNCIA E O 
INÍCIO DA GUERRA CIVIL
Em 15 de janeiro de 1975, no Alvor, Algarve, Portugal, se reuniram representan-
tes portugueses, dos três movimentos de libertação angolanos: MPLA, FNLA e 
UNITA. As decisões decorrentes daquele encontro, que ficou conhecido como o 
“Acordo de Alvor”, diziam respeito, essencialmente, à formação de um governo de 
transição para Angola, constituído pelos líderes do MPLA, da FNLA e da UNITA, 
que deveriam governar de modo rotativo. Contudo tal medida não se concreti-
zou, pois, no dia 11 de novembro de 1975, o MPLA declarou, unilateralmente, a 
independência do país, descumprindo as determinações do “Acordo de Alvor”. 
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A partir dessa data, os três movimentos de libertação passariam a defender seus 
próprios modelos de ação, buscando estabelecer, inclusive, alianças internacio-
nais a fim de garantir melhores condições nesse cenário de grande disputa, em 
que a conquista e domínio da capital constituíam o grande objetivo. 
Em 1974, uma série de conflitos parecia consumir o MPLA, que vivia uma 
situação preocupante nas regiões que já havia controlado militarmente. Além 
da instabilidade político-militar, não havia alimentos, munições, nem roupas 
adequadas para os soldados que abandonavam o campo de batalha em número 
crescente. Se, por um lado, o movimento enfrentava conflitos internos e se 
encontrava militarmente fragilizado, por outro, obteve grande apoio dos gru-
pos urbanos de Luanda, sobretudo, as populações negras dos musseques, que se 
identificavam com o MPLA e com o seu líder, Agostinho Neto. 
Algo importante a destacar é que, no momento em que se deu o conflito em 
Angola, o mundo estava dividido em dois blocos: o bloco socialista, conduzido 
pela então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e o bloco capitalista, enca-
beçado pelos Estados Unidos da América. De imediato, os três movimentos de 
libertação perceberam que as alianças instituídas poderiam determinar os cami-
nhos do confronto que esse estabelecia. Gradativamente, o MPLA foi estreitando 
os laços com os países do primeiro bloco, sobretudo, com Cuba. O confronto 
influenciou, ideologicamente, os discursos de legitimação de cada movimento: 
enquanto o MPLA afirmava lutar contra os rivais “fantoches” do imperialismo, 
tanto a FNLA quanto a UNITA diziam travar uma luta contra o representante 
do comunismo na Angola. 
Nessa disputa, a FNLA recebeu apoio do exército zairense, e a UNITA, fraca 
militarmente, recebeu ajuda do exército sul-africano, ambos financiados pelos 
Estados Unidos. 
Após tentativas frustradas de reconciliação entre os três movimentos de 
libertação, os combates têm início em junho de 1975 e ganham intensidade até 
que o MPLA proclama, unilateralmente, a independência da Angola no dia 11 
de novembro de 1975. A partir de então, o poder do Estado foi assumido pelo 
MPLA que passou a ser considerado, internacionalmente, o representante do 
governo angolano. Contudo se, por um lado, a transferência do poder político 
do país passou para as mãos dos angolanos, por outro, marcou o início de uma 
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guerra civil travada entre os três movimentos de libertação, em que os principais 
atores eram o MPLA – liderado por Agostinho Neto –, a FNLA – dirigida por 
Holden Roberto – e a UNITA – conduzida por Jonas Savimbi. Com a emanci-
pação política e o comando do país a cargo do MPLA, a partir de novembro de 
1975, ganha projeção a ideia do “homem novo” e da “nova nação” que se preten-
dia construir em Angola. Esse é o próximo tema que iremos discutir. 
OS PRIMEIROS ANOS DO PÓS-INDEPENDÊNCIA E A ASCENSÃO DO 
“HOMEM NOVO” ANGOLANO 
Como destaca Bittencourt (2010), o MPLA, à frente do Estado a partir de 1975, 
foi o único dos três movimentos de libertação angolanos a esboçar um projeto de 
construção da nação no período anterior à independência. Nessa nova fase, no pós-
-independência, ganha projeção a ideia do “homem novo” angolano. Em outras 
palavras, seria um projeto ideológico para a construção de uma nova nação, que 
implicaria “o fim das etnias, dos regionalismos, do racismo e da exploração do 
homem pelo homem” na Angola. Esse “homem novo” e a nova nação que se dese-
java construir se constituiriam, também, pela valorização e desenvolvimento das 
forças produtivas e pela promoção da alfabetização do povo em uma estreita rela-
ção entre o estudo e a produção. 
A unidade nacional, almejada pelo Estado angolano, foi uma das questões mais 
importantes levadas à discussão pelo MPLA. Na Angola, existe mais de uma dezena 
de grupos etnolinguísticos, sendo os três maiores em termos numéricos: os ovim-
bundo, os mbundo e os bakongos. Tal diversidade de grupos étnicos se mostrava um 
empecilho para se alcançar a unidade cultural pretendida. O tema principal dessa 
campanha foi expresso na frase: “De Cabinda ao Cunene, um só povo, uma só nação”, 
slogan recorrentemente utilizado em discursos do então presidente Agostinho Neto. 
Para se levar adiante o projeto de construção do “homem novo” angolano, seria 
preciso suprimir os vínculos tradicionais das populações e o “tribalismo”. Como 
argumenta Araujo (2005), tratava-se de uma nova era, cujo objetivo maior seria o de 
transformar os angolanos em “homens novos”. Esse objetivo, aliás, está expresso na 
letra do Hino Nacional, composto em 1975, por Manuel Rui Monteiro e Ruy Mingas.
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Ó Pátria, nunca mais esquecere-
mos 
Os heróis do quatro de Feve-
reiro. 
Ó Pátria, nós saudamos os teus 
filhos 
Tombados pela nossa Indepen-
dência. 
Honramos o passado e a nossa 
História, 
Construindo no Trabalho o 
Homem novo.
Angola, avante, 
Revolução, pelo Poder Popular! 
Pátria Unida, Liberdade, 
Um só povo, uma só Nação! 
Levantemos nossas vozes 
libertadas 
Para a glória dos povos africa-
nos. 
Marchemos, combatentes 
angolanos, 
Solidários com os povos opri-
midos. 
Orgulhosos lutaremos pela Paz 
Com as forças progressistas do 
mundo.
Angola, avante, 
Revolução, pelo Poder Popular! 
Pátria Unida, Liberdade, 
Um só povo, uma só Nação! 
De acordo com Contier (1987), os hinos nacionais e os cantos patrióticos podem 
ser considerados símbolos dos ideais coletivos e valores de um dado grupo – nesse 
caso, do grupo dirigente do MPLA e não da população angolana. Dessa maneira, ao 
efetuarmos a leitura da letra do hino nacional de Angola, podemos destacar diver-
sos temas que seriam fundamentais para o projeto de construção do “homem novo”. 
Tal projeto simbolizaria não apenas a liquidação do regionalismo e do tribalismo, 
mas, sim, a constituição de um projeto de nação baseado em novos princípios e ati-
tudes, que seriam conduzidos e alcançados pelo trabalho. 
O projeto de construção da “nova nação” e do “novo homem” angolanos foi 
levado adiante, também, por meio de algumas organizações de massa controladas 
pelo Estado. Essas organizações, vinculadas ao MPLA e, consequentemente, por 
ele controladas, eram representadaspelos diferentes grupos sociais, como os das 
mulheres, dos jovens, das crianças e dos trabalhadores. Na ótica de Araujo (2005), 
ao investir nessas organizações, o partido pretendia criar identidades coletivas que 
dessem suporte ao projeto de nação angolana no pós-independência. Eram três as 
principais organizações controladas pelo MPLA: 
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 ■ A Organização da Mulher Angolana (OMA).
 ■ A UNTA (União dos Trabalhadores de Angola).
 ■ A JMPLA (Juventude do MPLA).
A OMA, organização criada em 1961, objetivava, inicialmente, o recrutamento de 
militantes para o MPLA. Posteriormente, mais ainda durante a luta de libertação, 
a organização passou a exercer uma série de atividades no campo das ações edu-
cativas e de conscientização política junto às populações refugiadas, valorizando a 
importância da mulher na luta do MPLA na edificação da nova sociedade que se 
pretendia construir (BITTENCOURT, 2002). 
Outra organização de massa que gostaríamos de destacar é a União dos 
Trabalhadores de Angola. O entendimento do Estado, logo após a independên-
cia, seria o de que novas relações de produção deveriam ser fundadas no país por 
meio de um sistema econômico planificado pelo Estado. Nesse processo, os meios 
de produção passariam para as mãos dos trabalhadores, pois, para o MPLA, eles 
seriam a principal força social que reconstituiria o país no período pós-independên-
cia. A UNTA simbolizava um espaço fundamental na divulgação dos novos valores 
defendidos pelo partido, entre eles: a necessidade de aumentar a produção econô-
mica nacional, a disciplina no trabalho e o espírito revolucionário. Em linhas gerais, 
podemos depreender que, naquele período, se buscava estabelecer uma nova rela-
ção entre a sociedade e o trabalho, pois o aumento da produtividade era visto como 
o caminho para a reconstrução do país. 
Outra organização de massa que merece destaque, particularmente por ter sido 
o “berço” de um importante grupo musical chamado “Kissanguela”, é a JMPLA, que, 
assim como a OMA e a UNTA, propagava os ideais do partido. A organização pos-
suía núcleos em fábricas, escolas e organizações de bairro. O objetivo seria mobilizar 
a juventude na defesa da nova nação independente, mediante um projeto que rede-
finia valores para uma nova sociedade, como o apego ao trabalho, disciplina e luta 
pela revolução socialista. Nesse período, a proposta de um novo ideal, baseado na 
concepção do “homem novo angolano”, deveria ser caminho para a edificação de 
uma nova sociedade, assentada em novos propósitos. Em outras palavras, seria por 
esse “homem novo” que se esperava encontrar a unidade nacional para o Estado 
recém-estabelecido (ARAUJO, 2005). 
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Todos esses temas podem ser encontrados no repertório musical do agrupa-
mento “Kissanguela”, grupo constituído em 1974 com o objetivo principal de servir 
de veículo transmissor das orientações e estratégias políticas do MPLA. Podemos 
afirmar que com o “Kissanguela” se inicia outra fase da música popular urbana da 
Angola, em especial, Luanda. É o que veremos a seguir. 
O SURGIMENTO DO AGRUPAMENTO “KISSANGUELA” 
Assim como a educação e as organizações de massa, que apresentamos anterior-
mente, a canção pode ser considerada um caminho importante para percebermos 
a divulgação do novo projeto político do MPLA, logo após a independência. 
Além disso, em um país caracterizado pela alta taxa de analfabetismo, a canção 
se tornou um forte e excelente instrumento de divulgação das ideias do partido. 
O agrupamento “Kissanguela” fazia parte da delegação presidencial, acom-
panhando Agostinho Neto em todas as digressões que ele fizesse às diferentes 
províncias do país. Nesse sentido, o papel do grupo seria, também, o de transmitir, 
por meio da canção, a fala que os principais representantes do partido proferiam 
em seus discursos. Entretanto não se tratava, apenas, de um grupo musical, pois 
envolvia outros segmentos artísticos, como dança, teatro, jograis e poesia. Entre 
os músicos e instrumentistas, estavam Artur Adriano, Beto, Carlos Lamartine, 
Com base em entrevistas realizadas por Amanda P. Alves na cidade de Luan-
da, em 2013, é possível encontrarmos dois significados para o nome “Kis-
sanguela”. De acordo com o músico Santos Júnior, “Kissanguela” significa, 
na língua quimbundu, “sociedade”. O músico Manuelito, por sua vez, explica 
que o significado do nome seria “os amigos reunidos dos filhos de Angola”. 
Ambos, porém, concordam ao atribuírem a nomeação do conjunto ao com-
positor e intérprete angolano Elias Dya Kimuezo. 
Fonte: Alves (2015).
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Calabeto, Cristiano Veloso, El Belo, Fató, Filipe Mukenga, Jorge Varela, Nito, 
Manuelito, Manuel Faria, Santos Júnior, Vivi e Tonito. Em certa altura, integraram 
ao conjunto, também, os músicos Artur Nunes, David Zé e Urbano de Castro.
Conforme já fora mencionado aqui, o grupo fazia parte da delegação presi-
dencial e um dos principais objetivos seria acompanhar a comitiva de Agostinho 
Neto por onde passasse. O “Kissanguela” “abria” os comícios do presidente, 
que poderiam acontecer em ambientes abertos, como em ruas e bairros, ou em 
lugares fechados, como galpões e teatros. Toda a discografia do “Kissanguela” 
foi produzida entre os anos de 1974 a 1979 e é constituída pelos álbuns: “A 
Vitória é Certa” (primeiro disco gravado pelo grupo), “Agrupamento Kisangela”, 
“Agrupamento Kissanguela”, “Rumo ao Socialismo” e “Progresso, disciplina, pro-
dução, estudo” – títulos que revelam 
o compromisso político e partidário 
do conjunto, assim como algumas das 
capas dos álbuns, as quais destaca-
mos a seguir.
O álbum “A Vitória é Certa” 
é composto pelas faixas: “Tua kua 
Divua” (intérprete: Fató), “Avante o 
poder popular” (composição e inter-
pretação: Kalabeto), “Invasores de 
Angola” (composição e interpreta-
ção: Santos Júnior), “Ormãla Vanque” 
(canção popular com arranjo do “Duo 
Misoso”), “Kitadi kia Ngola” (compo-
sição e interpretação: Santos Júnior), 
“Tchikoloña” (canção popular com 
arranjo do “Duo Misoso”), “Poema” 
(composição e declamação: Jorge 
Varela), “Enu Ilumba” (composição e interpretação: Kalabeto), “Ministro gatuno” 
(composição e interpretação atribuída ao grupo), “Estrangeiro” (composição 
e interpretação: Santos Júnior), “Noite longa” (composição de José Agostinho 
e Filipe Mukenga) e “Rumo à independência” (composição e interpretação 
Figura 08 - Capa do álbum “A Vitória é Certa”. “Agrupamento 
Kissanguela”. Produção: Angola Comitê/Holanda, 1975
Fonte: Acervo pessoal de Santos Júnior 
Fotografia: Amanda P. Alves.
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atribuída ao grupo). Em rela-
ção a esse repertório, algumas 
canções foram interpretadas em 
línguas nacionais e outras em 
português, caso esse das com-
posições “Invasores de Angola”, 
“Estrangeiro” e “Avante o poder 
popular”, que descrevemos a 
seguir.
Figura 09 - Capa do álbum “Progresso, Disciplina, Produção e 
Estudo”. “Agrupamento Kissanguela”. CDA, Angola
Fonte: Acervo pessoalde Santos Júnior 
Fotografia: Amanda P. Alves.
“Avante o poder popular” (Kala-
beto) 
Se é antagonista ao novo regi-
me governamental
Então cuidado 
Se você é branco, preto ou mu-
lato
Não pense nisso e vamos cons-
truir
Se é reacionário, pense bem que 
é uma atitude anti-povo. 
Mas quem é que manda?
É o povo! 
E quem é o povo?
É o MPLA! 
Avante o poder popular 
Avante!
Abaixo todas as manobras do 
inimigo.
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Logo nos primeiros versos da canção, Calabeto questiona o leitor/ouvinte, aler-
tando-o para o “perigo” em ser “antagonista ao novo regime governamental”. 
Por outro lado, ser “branco, preto ou mulato” parece não importar, revelando a 
postura do MPLA em ter se assumido enquanto um “movimento plurirracial” 
e “pluriétnico”, em que as diferenças deveriam ser diluídas para a construção 
da nova sociedade que se pretendia formar (ARAUJO, 2005). Ser “reacionário”, 
naquele contexto, simbolizaria uma “atitude anti-povo” e, consequentemente, 
uma atitude “anti-MPLA e anti-Neto”, afinal, como nos explica Tali (2001, p. 
266), “Ser ‘anti-neto’ – ou como tal considerado – tornou-se, pelo jogo das pala-
vras de ordem – e pelo mecanismo de arrastamento próprio das multidões em 
tempos de exaltação – sinônimo de ser ‘anti-povo’”. 
O verso “Avante o Poder Popular”, título da canção, faz alusão ao projeto de 
autogestão popular para Angola, que se tornou fundamental naquela altura. É 
importante lembrarmos que, em Luanda, a questão do Poder Popular fomen-
tou as ações e os discursos empreendidos pelos três movimentos de libertação 
angolanos, antes mesmo da posse do Governo de Transição. Desde o início, os 
grupos pertencentes à FNLA e à UNITA se posicionaram contrários ao Poder 
Popular, diferentemente do líder Agostinho Neto, que, logo em seu primeiro 
comício na capital, no dia 04 de fevereiro de 1975, demonstrou ser favorável ao 
Poder Popular, ao se aproximar da ideia de um poder condicionado pelo povo. 
Vale destacar, neste momento, outra canção do álbum “A Vitória é Certa”, a 
composição de Santos Júnior, “Invasores de Angola”, cuja letra sinaliza: 
Norte americanos 
Invadem o nosso país
Sul-africanos
Invadem o nosso país
Zairenses
Invadem o nosso país
A convite de Savimbi, Holden e 
Chipenda
Porque estão sendo varridos 
Pelas forças progressistas
Este trio bandoleiro terá que ser 
julgado
Após a independência
No campo da revolução. 
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A canção “Invasores de Angola” está inserida no contexto da internacionaliza-
ção da guerra na Angola, particularmente, durante o período da Guerra Fria, 
quando forças militares estrangeiras passam a integrar o conflito, travado entre 
os três movimentos de libertação. Naquele contexto, as alianças estabelecidas 
poderiam determinar os caminhos do confronto que se instaurara. Conforme 
já destacamos, na disputa, a FNLA recebe apoio do exército zairense e a UNITA, 
fraca em termos militares, é auxiliada pelo exército sul-africano, ambos finan-
ciados pelos EUA. Na composição, a “invasão de Angola” estaria a cargo do “trio 
bandoleiro”, formado por Holden Roberto, líder da UPA/FNLA, Jonas Savimbi, 
que, naquela altura, era a liderança da UNITA, e por Daniel Chipenda, líder da 
Revolta do Leste. 
Ideia semelhante aparece em “Estrangeiro”, outra composição de Santos 
Júnior. Com uma letra contendo mensagens alusivas à confraternização entre os 
povos da Angola, mas, ao mesmo tempo, afirmando a necessidade da continui-
dade da luta, a mensagem impressa nela destaca a “cobiça” do então presidente 
do Zaire e aliado da FNLA, Mobutu Sese Seko. Por outro lado, a frase “Tu que 
estás aqui vivendo” sugere que a música também fazia um alerta para os angola-
nos que migraram do país vizinho, portanto do Zaire, e que, segundo o MPLA, 
poderiam ser potenciais apoiantes da FNLA. 
Estrangeiro
Tu que estás aqui vivendo
Não lances ideias reacionárias.
Se és, na verdade, um irmão
Não maltrate os teus irmãos
Porque Angola é grande
E chega pra todos nós. 
Ê, Angola ê!
Angola é tão grande
Seja firme camarada
Que a luta continua. 
Se queres viver aqui
Ajude-nos a construir a paz
Estrangeiro. 
Ê, Angola ê!
Angola é tão grande assim
Que o fascista Mobutu
Está a cobiçando. 
OS MOVIMENTOS DE RESISTÊNCIA E AS INDEPENDÊNCIAS NA ÁFRICA: O CASO DE ANGOLA
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Outro álbum do conjunto “Kissanguela” que gostaríamos de mencionar é 
“Progresso, Disciplina, Produção e Estudo: República Popular de Angola”. Nele, 
constam dez faixas, sendo elas: “Camarada” (interpretação: Mário Silva), “M.P.L.A.” 
(interpretação de El Belo), “Café” (interpretação atribuída ao grupo), “Avante o 
poder popular” (composição e interpretação: Kalabeto), “Holden Nguma” (inter-
pretação: Tino Diá Kimuezu), “Cada cidadão é e deve sentir-se necessariamente 
um soldado” (composição e interpretação: Santos Júnior), “F.A.P.L.A., UTENA” 
(composição e interpretação: Artur Adriano), “Solo no Maqui” (canção instru-
mental de composição e interpretação atribuída ao grupo), “Presidente Neto” 
(composição e interpretação: Artur Adriano) e “Angola” (interpretação de Mário 
Silva). Grande parte das canções presentes nesse álbum foi composta e inter-
pretada em línguas nacionais. Os títulos em português são “Camarada” e “Cada 
cidadão é e deve sentir-se necessariamente um soldado”, cujas letras descreve-
mos a seguir. 
“Camarada” (Mário Silva) 
[...]
Camarada tenha atenção
Que a gente quer uma só nação
A luta continua
Na mata e na rua
Camarada.
Quando se fala em Revolução
Devemos contar com a reação
Camarada tenha atenção
Que a gente quer uma só nação
Camarada. 
“Cada cidadão é e deve sentir-se 
necessariamente um soldado” 
(Santos Júnior)
Povo angolano, estamos em 
guerra
E cada cidadão é que deve sen-
tir-se, necessariamente, um sol-
dado
Esmagar a reação e derrubar os 
grupos fantoches
Neste momento, a principal tare-
fa: a reconstrução da nossa pátria
Camaradas, vigilância às mano-
bras reacionárias
As contradições são secundárias
O aspecto principal é a luta. 
Nos é imposto à pele, o imperia-
lismo
O inimigo comum dos povos 
oprimidos
[...]
Nós venceremos
E a África também
A luta continua
A vitória é certa!
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Com a nova etapa da luta, iniciada com a guerra civil entre os três movimentos 
de libertação angolanos, o Estado se empenhou na divulgação de canções, como 
“Camarada” e “Cada cidadão é e deve sentir-se um soldado”. Em ambas as letras, 
notamos a preocupação de seus autores em alertar a população para a necessi-
dade da continuidade da luta, seja ela nas cidades ou nas matas. Ao orientar as 
ações e os comportamentos que os cidadãos deveriam seguir, a letra da canção 
“Cada cidadão é e deve sentir-se um soldado” incentiva a mobilização da popu-
lação civil em entrar para o exército com o objetivo de impedir o avanço do 
“perigo imperialista”, representado pela FNLA e os “grupos fantoches”, designa-
ção atribuída aos membros da FNLA e da UNITA. 
Ao concluirmos que o conteúdo temático de uma canção, assimcomo a sua 
construção composicional estão ligados a um contexto e a condições de produção 
específicos, podemos depreender que várias músicas presentes nos cinco álbuns 
gravados pelo “Kissanguela” revelam o didatismo do MPLA-PT e tornaram-se um 
importante instrumento de divulgação de seu novo projeto político, no período 
posterior à independência do país. Vale acrescentar que aquelas canções foram 
produzidas por gravadoras estatais (ou a mando delas) e seus registros infor-
mam, apenas, as canções que o governo intencionava recuperar e/ou divulgar. 
Cabe, ainda, referir que, na Angola, durante os primeiros anos do pós-in-
dependência, o líder do MPLA e primeiro presidente de Angola, Agostinho 
Neto, personifica os ideais e valores do Estado. Inclusive, a propaganda exces-
siva da figura de Agostinho Neto era uma estratégia do próprio partido que, 
recorrentemente, oferecia espetáculos públicos, enaltecendo a figura de Neto e 
reproduzindo a sua imagem enquanto “herói da população”. As capas de discos 
produzidas naquele contexto também podem ser um caminho muito interes-
sante para compreendermos esse processo. Em várias capas de discos produzidos 
pela Companhia de Discos de Angola (CDA), durante os anos 1970, a figura de 
Agostinho Neto ganha destaque. Destacamos a capa de um álbum, em especial. 
Trata-se do álbum “Presidente”, do músico Mário Gama.
OS MOVIMENTOS DE RESISTÊNCIA E AS INDEPENDÊNCIAS NA ÁFRICA: O CASO DE ANGOLA
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A necessidade de 
recuperar e reafirmar perso-
nagens históricas de Angola 
foi, aliás, uma caracterís-
tica constante na produção 
de vários músicos popula-
res angolanos. A produção 
discográfica de Santocas, 
por exemplo, teve um 
efeito mobilizador em uma 
época na qual os principais 
movimentos de libertação 
disputavam, entre si, a con-
quista do poder no país. 
Figura 10 - Capa do álbum “Presidente”
Fonte: Acervo particular de Guilherme Lopes dos Santos 
Fotografia: Amanda P. Alves.
Santocas, nome artístico de Antônio Sebastião Vicente, nasceu no “Bair-
ro Indígena”, Luanda, em 25 de setembro de 1954. O nome “Santocas” é a 
abreviação de Santo António, nome de uma conhecida igreja, localizada em 
Kifangondo (município de Cacuaco, província de Luanda). No seio familiar, 
Santocas era chamado de Santo António por conta de uma promessa feita 
pela sua mãe. Em 1976 tem início a internacionalização de sua carreira ao ser 
convidado para participar do Festival da Canção Política, em Berlim. 
Fonte: Alves (2015).
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No disco “Glória eterna aos nossos heróis”, Santocas faz alusão a várias perso-
nagens, como Hoji Ya Henda, Deolinda Rodrigues e N’Gangula. Outros títulos 
do álbum, que contém doze faixas compostas e interpretadas por Santocas, são: 
“Hoji Ya Henda”, “Zito”, “Oportunismo”, “N’Gangula”, “Mama Tunda Bukanga”, 
“Namíbia”, “Mu Kua Roleta”, “Valódia”, “Deolinda”, “OMA”, “Kanhala” e “Saúde”.
A seguir, temos a letra de duas canções compostas e interpretadas em por-
tuguês – “N’Gangula” e “Valódia”: 
“N’Gangula” (Santocas)
N’Gangula morreu
Primeiro, foi torturado
Depois, foi interrogado
E, no final, esquartejado.
Aquele pioneiro sofreu na carne
Quando foi apanhado pelos la-
caios
Ele foi torturado
N’Gangula preferiu dar a sua 
vida
No lugar de seus camaradas.
N’Gangula
Você é o exemplo do nosso povo
O teu nome ficou na história
E, tu, jovem pioneiro,
Siga o exemplo de N’Gangula.
“Valódia” (Santocas): 
Bem longe
Ouvi aquele nome inesquecível 
dos filhos d’ Angola
Valódia!
Valódia tombou em defesa do 
povo angolano
Valódia!
Valódia tombou nas mãos dos 
imperialistas
Valódia!
[...]
Abaixo o capitalismo
Abaixo o imperialismo
Abaixo o neocolonialismo
Avante o socialismo
A reação não passará
A opressão não passará
A luta continua
Até a vitória final. 
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Canções como “N’Gangula” e “Valódia” ajudaram a edificar o culto aos heróis 
nacionais. Na maioria das vezes, esses combatentes foram mortos durante a 
guerra e acabaram se tornando mártires em Angola. 
O desfecho do grupo “Kissanguela” deve ser compreendido com base nos 
acontecimentos decorrentes do “27 de maio”, na Angola. Para tanto, devemos 
ter em mente que o MPLA se tonou um partido de grande dimensão, que abri-
gava concepções políticas antagônicas. Essas divergências ideológicas, entre os 
comitês de ação, por exemplo, contribuíram para tornar ainda mais acirrada a 
disputa pela hegemonia dentro do movimento. Segundo Tali (2003, s/p), o “27 de 
Maio de 1977 é o culminar de contradições cujas origens devem ser procuradas 
desde a luta de libertação nacional”. Naquela data, um grupo liderado por Nito 
Alves, José Van Dunem e Sita Vales, membros do MPLA-PT, empreendeu uma 
tentativa de golpe contra a direção do partido e a cúpula do Estado. A partir de 
então, o comitê central do MPLA realizou uma série de medidas de prevenção, 
buscando evitar o “fracionamento” no interior do movimento. 
Em 27 de maio de 1977, os conflitos eclodiram e a repressão foi sangrenta, de 
modo que qualquer indivíduo que pudesse estar ligado ao “nitismo” ou que fosse 
identificado como “nitista”, como ficariam conhecidos os indivíduos que apoia-
ram a tentativa de golpe, por ter sido comandada pelo ex-Ministro do Interior, 
Nito Alves, estaria sujeito à prisão ou execução. 
Além dos acontecimentos decorrentes do “27 de Maio” terem contribuído 
para a dissolução do grupo “Kissanguela”, não podemos deixar de mencionar 
que vitimou três nomes importantes da música popular angolana: Artur Nunes, 
David Zé e Urbano de Castro. Os nomes dos três artistas apareceram associa-
dos e foram lembrados pelos nossos depoentes do “Kissanguela” como o “trio 
da saudade”. 
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Ao analisarmos esses acontecimentos aqui descritos, caro(a) leitor(a), pode-
mos concluir que, desde o ano de 1974 até o final da segunda metade dos anos 
setenta do século XX, predominou, em Angola, uma produção musical voltada 
a difundir os ideais do então partido dirigente. Nesse período, vários cantores 
e conjuntos musicais, que haviam feito bastante sucesso durante os anos 1960, 
acabaram participando menos intensamente do cenário musical da época. 
É possível percebermos, portanto, o quanto a vinculação política ou a maior 
proximidade ao partido dirigente impulsionou algumas carreiras e dificultou 
outras. No entanto tal proximidade também se demonstrou prejudicial em alguns 
casos ou mesmo letal, como nos indicam as trajetórias de Artur Nunes, David 
Zé e Urbano de Castro. 
* Artur de Jesus Nunes, mais conhecido como Artur Nunes, nasceu no mu-
nicípio de Sambizanga, província de Luanda, em 17 de dezembro de 1950 
e faleceu aos vinte e sete anos de idade. O músico/compositor gravou doze 
singles ao longo de sua carreira, principalmente, entre os anos de 1972 e 
1976. 
* David Gabriel José Ferreira, David Zé, nasceu em 23 de agosto de 1944 
em Kifangondo, uma vila pertencente ao município de Cacuaco, na provín-
cia de Luanda. É possível situarmos a produção fonográfica de David Zéem 
dois momentos distintos. O primeiro deles, de 1967 a 1974, ele grava vá-
rios singles com os conjuntos “Águias Reais” e “Jovens do Prenda”. A fase de 
1974 a 1977 é marcadamente influenciada pelos acontecimentos políticos 
da época. Neste período, ele grava os álbuns “Guerrilheiro” (CDA, Angola), 
“1º de Agosto” (CDA, Angola) e “Mutudi Ua Ufolo/Viúva da Liberdade” (CDA, 
Angola). 
*A trajetória de Urbano de Castro enquanto músico se confundiu com a de 
guerrilheiro das FAPLA. Castro produziu vários singles com os conjuntos 
“Kiezos”, “Jovens do Prenda”, “África Ritmos”, “África Show” “Águias Reais” e “Os 
Merengues”. Da sua discografia, destacamos o álbum “Camarada Presiden-
te”, gravado pela CDA, em 1975.
Fonte: Alves (2015).
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A década de 1980 é marcada, justamente, pelo ressurgimento de algumas for-
mações, como os grupos “Kiezos”, “Jovens do Prenda”, “Merengues” e “Gingas”, e 
pelo nascimento de novos conjuntos musicais, entre eles, “Sensacional Maringas”, 
“O Facho”, “Semba Tropical”, “Sembáfrica”, “Agrupamento Sagrada Esperança” e 
“SOS” (LINO, 2014). Todavia o tom extremamente politizado e as letras de teor 
revolucionário e anti-imperialista começaram a abrir espaço para os temas do 
cotidiano, afastando-se crescentemente e, portanto, sem uma ruptura explícita 
da postura mais militante do final dos anos 1970.
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Caro(a) aluno(a), foram várias as questões apresentadas nesta unidade. Nela, 
você pode conhecer um pouco sobre a história da Angola! 
Vimos que, no final dos anos 1940 e no início dos anos 1950, surge, naquele 
país, uma geração de escritores preocupada em expressar, por meio de poesias e 
de textos literários, as condições de opressão a qual os povos da colônia estavam 
submetidos. Constatamos que vários escritores daquela fase buscaram distanciar 
as suas produções literárias dos padrões europeus. Ademais, a prática de “musi-
car poemas” passou a ser uma nova alternativa de trazer, para a oralidade, seus 
sonhos e aspirações, sobretudo, se pensarmos que a palavra escrita alcançava, 
naquele período, uma parcela mínima da população da Angola. 
Com um repertório composto, majoritariamente, por canções de origem 
popular, os participantes do conjunto “N’gola Ritmos” divulgavam a cultura dos 
seus antepassados e valorizavam as tradições musicais da Angola, em um perí-
odo no qual as canções tradicionais e as línguas africanas eram rejeitadas pelo 
sistema colonial e marcadas com o “selo da inferioridade”. 
Considerações Finais 
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Ao final da unidade, discorremos acerca da emancipação política e o comando 
do país a cargo do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). 
Apontamos características importantes referentes aos primeiros anos do pós-
-independência para, em seguida, demonstrarmos que a canção, sobretudo o 
repertório do “Agrupamento Kissanguela”, foi um dos possíveis caminhos para 
a divulgação do novo projeto político do MPLA. Vários músicos e compositores 
contribuíram, compondo temas relacionados à causa nacionalista, relatando os 
grandes feitos de compatriotas nas ações políticas e na guerrilha, e relembrando 
as datas decisivas para a luta anticolonial. 
168 
1. Aluno(a), nesta unidade, você pôde conhecer características importantes da his-
tória da Angola. Verificamos que as formas de resistência no país foram várias: 
literatura, manifestos e canções. Leia atentamente os dois primeiros tópicos da 
unidade IV e discorra sobre a importância dos movimentos literários dos 
anos 1940 e 1950, e do grupo “N’gola Ritmos”. 
2. Leia atentamente o último tópico da unidade IV e faça uma breve descrição 
sobre a história de Angola, logo após a independência. Em seguida, aponte 
as principais características dos três movimentos de libertação angolanos: 
MPLA, FNLA e UNITA. 
3. Vimos que, ao longo do século XIX, o continente africano sofreu a ocupação de 
várias regiões por países europeus. Contudo, em meados do século XX, esse ce-
nário se altera com o surgimento de Estados independentes. Esse processo ficou 
conhecido como “descolonização”. A respeito do nome pelo qual esse proces-
so ficou conhecido por nós – e foi tratado pela historiografia, leia as afirma-
ções seguintes.
I. Diferente da África, no caso da América, o mesmo processo de libertação de an-
tigas colônias ficou conhecido como a “independência”, justamente por ser en-
tendido enquanto uma “libertação”, como um “rompimento com o passado” que 
as projetava para um futuro. 
II. Na África, o uso do termo “descolonização” sugere um contexto no qual o pre-
sente ainda é identificado pelo passado e é definido em função dele.
III. Na África, ao se usar o termo “descolonização”, a ideia não é de rompimento, mas 
de continuidade, mantendo as ex-colônias presas ao seu passado colonial.
IV. O termo “descolonização”, utilizado para descrever o processo de libertação das 
antigas colônias europeias na África, projeta os Estados independentes para o 
futuro, um futuro de rompimento com seu passado colonial.
Está correto o que se afirma em:
a) I e II.
b) II e III.
c) I, II e III.
d) I, II e IV.
e) I, III e IV.
169 
4. Em nossas discussões da unidade, tomamos o exemplo angolano para anali-
sarmos o processo pró e pós independência. Vimos que, após a independência, 
ganha projeção a ideia do “homem novo” angolano. A esse respeito, leia as afir-
mações que seguem.
I. Após a independência da Angola, ascendeu um projeto ideológico para a cons-
trução de uma nova nação, que implicaria no fim das etnias, dos regionalismos, 
do racismo e da exploração do homem pelo homem.
II. Buscava-se construir uma nação por meio da promoção da alfabetização do 
povo, em que um maior estudo levaria ao desenvolvimento das forças produ-
tivas.
III. Para se alcançar uma união nacional, buscava-se exaltar os vínculos tradicionais 
e os tribalismos existentes na Angola.
IV. A diversidade étnica e cultural da Angola dificultava a unificação e, por isso, o 
então presidente na época, Agostinho Neto, buscou incentivar a união de todos 
por meio do slogan: “De Cabinda ao Cunene, um só povo, uma só nação”.
Está correto o que se afirma em:
a) I e II.
b) II e III.
c) I, II e III.
d) I, II e IV.
e) I, III e IV.
170 
5. A partir do estudo da unidade 4, sobretudo sobre Angola e a cidade de Luanda, 
identifique com V ou F, conforme sejam verdadeiras ou falsas as afirmativas 
a seguir.
( ) Luanda foi fundada em 1576 pelo donatário português Paulo Dias de No-
vais. Localizada na costa centro-ocidental do continente africano, a região 
onde foi estabelecida a cidade era ocupada por uma população formada, 
predominantemente, por ambundos, falantes do quimbundo. 
( ) O fim do tráfico de escravos alterou a disposição da cidade de Luanda. Em 
meados do século XIX, Luanda já era dividida em dois planos principais: “a 
cidade baixa”, próxima ao mar, onde se instalava a área comercial e as casas 
dos traficantes, e a “cidade alta”, sediada pelo poder administrativo, militar, 
judiciário e religioso.
( ) A palavra “musseque” significa “lugar de areia”. Com o tempo, passou a de-
signar os bairros pobres com casas feitas, geralmente, de papelão e lata. A 
precariedade das residências e a falta de acesso e usufruto de uma infraes-
trutura básica, como luz elétrica, saneamento e água encanada são algu-
mas características dessas habitações.
( ) Após a conquista portuguesa de boa parte do território, no final da década 
de1920, se estabeleceu, de forma definitiva, a distinção oficial da popula-
ção angolana. Esse processo implicou no surgimento e na classificação da 
população em “civilizados” e “indígenas”.
( ) Em 1948, uma parcela da jovem intelectualidade luandense procurou se 
expressar por meio de poesia e de textos literários que reivindicavam os 
valores culturais negados pelo colonialismo. Nessa época, nasce a revista 
“Mensagem” e o movimento “Vamos Descobrir Angola!”, lançado pelo poeta 
Viriato Cruz. 
A alternativa que contém a sequência correta, da primeira para a última, é: 
a) F, V, V, F, V.
b) V, F, V, V, F.
c) V, V, V, V, V.
d) V, F, F, V, F.
171 
A ideologia pan-africanista não nasceu na África, mas propunha a libertação e a unida-
de do continente. A seguir, apresentamos um texto bastante elucidativo sobre o tema, 
publicado pela Fundação Cultural Palmares. 
Pan-africanismo
Embora possuindo o mote de unificar os povos da África, retalhados por fronteiras in-
sensíveis à realidade da região e de suas sociedades, consequência da Conferência de 
Berlim (1885), que dividiu o continente em zonas de influência das potências europeias, 
os ideais do pan-africanismo surgiram primeiro entre os negros afro-americanos.
O Pan-africanismo influenciou a geração que constituiria os futuros líderes da África in-
dependente, dentre eles: Jomo Kenyatta (Quênia), Peter Abrahams (África do Sul), Hailé 
Sellasié (Etiópia), Namdi Azikiwe (Nigéria), Julius Nyerere (Tanzânia), Kenneth Kaunda 
(Zâmbia) e Kwame Nkrumah (Gana).
Os encontros ocorridos em Kumasi (1953) e Acra (1958) testemunharam a ruptura do 
movimento em duas correntes, as quais divergiam quanto aos rumos políticos a serem 
tomados após a efetivação do processo de descolonização do continente africano. De 
um lado, o grupo Casablanca, liderado pelos presidentes Kwame Nkrumah (Gana) e 
Gamal Abdel Nasser (Egito), de viés maximalista, defendia o fim da divisão geopolítica 
imposta pela Conferência de Berlim (1885), em prol da unificação da África em uma só 
nação, o que garantiria posição de centralidade no cenário político, econômico e militar 
mundial. Do outro, o grupo Monrovia, liderado pelos presidentes da Costa do Marfim, 
Félix Houphouet Boigny, e do Senegal, Léopold Sédar Senghor, e partidários de um pan-
-africanismo minimalista, entendia as fronteiras herdadas da colonização como intocá-
veis. Para representar os interesses do continente, esse grupo deu origem à Organização 
da Unidade Africana (OUA).
Não obstante, sua história nos remeter ao início do século passado, o sonho pan-africano 
de provocar a emergência de um sentimento de solidariedade e a consciência de uma 
origem comum entre os negros de todo o mundo continua a reverberar na atualidade, 
seja nas formas de organização política das nações africanas (em 2001, a União Africana 
veio a substituir a OUA), seja na linguagem utilizada pelos negros estadunidenses, os 
quais tratam-se uns aos outros pelo termo “irmão”, seja por meio da cultura Hip Hop ou 
através de reflexões acadêmicas que explicitam essa influência, como pode ser visto no 
livro “Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência”, de Paul Gilroy.
Fonte: Cantalice (2016, on-line)5.
MATERIAL COMPLEMENTAR
Mayombe
Autor: Pepetela
Editora: LeYa
Sinopse: escrito no período em que Pepetela participou da guerra pela libertação de seu país, 
‘Mayombe’ é uma narrativa que mergulha fundo na organização dos combatentes do Movimento 
Popular pela Libertação de Angola (MPLA), trazendo à tona seus questionamentos, contradições, 
medos e convicções. Os bravos guerrilheiros que lutam no interior da densa floresta tropical 
confrontam-se não somente com as tropas portuguesas, mas também com as diferenças culturais 
e sociais que buscam superar em direção a uma Angola unificada e livre.
Langidila, diário de um exílio sem regresso
Os realizadores do projeto foram José Rodrigues e Nguxi dos Santos. O projeto integra, ainda, as 
cineastas Bárbara Velloso (Brasil) e Ilda Abdala, de Moçambique. O documentário “Langidila, diário 
de um exílio sem regresso” é uma produção angolana que durou quatro anos para ser finalizada. 
Com duração de duas horas e meia, o documentário retrata o percurso da militante angolana 
Deolinda Rodrigues. 
É possível assistir ao documentário, na íntegra, pelo link disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=UKzzsrjW4Y0>. 
Questão 1: esperamos que a resposta do(a) aluno(a) esteja relacionada ao tema: 
Racismo no Brasil. 
Questão 2: o mais importante a considerar é que a black music no Brasil remeteu 
a inquietações relativas à identidade de parte da população negra nos anos 1970. 
A moda soul, expressa nas vestimentas e no cabelo black power, também se tornou 
capital no processo de construção dessas identidades, em especial, na dos integran-
tes do “Movimento Black Rio”. O jeito de dançar, as saudações e os trajes dos parti-
cipantes do movimento tornaram-se cruciais na constituição do grupo, na particu-
larização do movimento soul e no processo de elevação da autoestima daqueles 
que partilhavam os mesmos ideais. Portanto, a indumentária, o penteado e demais 
acessórios constituíram relevantes elementos na composição do visual black. Estes 
reverenciavam as heranças ancestrais africanas e se contrapunham aos modismos 
eurocentristas. O músico brasileiro Tony Tornado foi um representante importante 
dessa corrente. O músico gravou várias canções relacionadas ao preconceito racial 
no Brasil e “despertou” o medo das autoridades políticas da época, que viam nele 
uma importante figura de liderança. 
Questão 3: letra e.
Questão 4: letra d.
Questão 5: letra a.
GABARITO
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Professora Dra. Amanda Palomo Alves
ÁFRICA-BRASIL: UMA 
RELAÇÃO DE ENCONTROS E 
AFASTAMENTOS
Objetivos de Aprendizagem
 ■ Apontar algumas reflexões acerca da relação Brasil-África.
 ■ Abordar, brevemente, o processo da diáspora africana no Brasil.
 ■ Discutir, brevemente, o surgimento e a importância do Movimento 
Negro no Brasil.
 ■ Dissertar sobre o surgimento e a trajetória da black music no Brasil, 
durante os anos 1970.
 ■ Demonstrar a importância de Tony Tornado no cenário político e 
cultural do Brasil dos anos 1970.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
 ■ África e Brasil: Breves, Mas Importantes Reflexões
 ■ A História do Negro no Brasil
INTRODUÇÃO
Na primeira parte desta unidade V, analisaremos breves, mas importantes, refle-
xões acerca da relação entre a África e o Brasil e, logo em seguida, discorreremos 
sobre o importante processo da diáspora africana. 
A história do negro no Brasil é outro tema que será abordado por nós nesta 
unidade. Iniciaremos com uma breve discussão acerca da trajetória do Movimento 
Negro no Brasil para, então, discutirmos sobre o surgimento da black music em 
nosso país e sua trajetória durante os anos setenta do século XX. 
Nesse ínterim, verificaremos que o cantor e compositor brasileiro Tony 
Tornado e demais integrantes do “Movimento Black Rio” apregoavam o discurso 
de valorização dos negros, já disseminado pelo Movimento dos Direitos Civis 
e pelo “Partido dos Panteras Negras para Auto-Defesa”, nos Estados Unidos. 
Discorreremos, também, sobre a moda black, e veremos que, assim como a 
indumentária, o cabelo constituiu outro importante elemento na composição do 
visual black. Diferente dos anos 1950, em que se buscava a eliminação da ondu-
lação, na década de 1970, visava-se dar ao cabelo uma aparência “natural”. Em 
outras palavras, o volume e a textura do “penteado soul” expressavam, simulta-
neamente, o compromisso com a ancestralidade africana e marcavam a diferença 
face ao padrão eurocêntrico de penteado. 
Discutiremos que, apesar de promover o soul na indústria fonográfica, as 
repercussões do VFestival Internacional da Canção (V FIC), realizado na cidade 
do Rio de Janeiro, em 1970, geraram muita polêmica em torno de Tony Tornado. 
Por fim, analisaremos as letras de algumas canções gravadas por Tornado nos 
anos setenta do século XX. Desse modo, será possível conferirmos o conteúdo 
das mensagens, expresso nas canções, que trazem à tona o problema da discri-
minação racial existente em nosso país e questionam o discurso de “democracia 
racial” em nossa sociedade. É o caso de “Sou Negro”, “Juízo Final”, “Uma Ideia” 
e “Se Jesus Fosse um Homem de Cor (Deus Negro)”.
Esperamos que esteja animado(a) para o estudo da última unidade de nosso 
livro “História da África”. Vamos lá?!
Introdução
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ÁFRICA E BRASIL: BREVES, MAS IMPORTANTES 
REFLEXÕES 
A forte presença de afrodescendentes é uma característica peculiar de nosso país. 
Assim, conhecer a África é algo fundamental para a formação de nossa consci-
ência social e histórica, afinal, ainda temos que lutar (e muito) contra o racismo, 
preconceito, discriminação e as desigualdades raciais e sociais. 
Sobre essa questão, o pesquisador Pereira, africanista bastante citado na pri-
meira unidade deste livro, nos fala que são dois os motivos básicos que justificam 
a importância dos estudos sobre o continente africano.
 ■ O primeiro deles, para nós, brasileiros, é o caráter de matriz histórica e 
cultural que os africanos (e seus descendentes) tiveram na formação e 
desenvolvimento da sociedade brasileira, marcando de forma profunda 
a nossa identidade nacional.
 ■ O segundo é a importância intrínseca do continente na História Mundial. 
Ademais, as crescentes demandas da sociedade brasileira e o novo pata-
mar em que o Brasil está se inserindo na cena internacional exigem um 
novo tipo de conhecimento sobre a África (PEREIRA, 2006, p. 10). 
Devemos assinalar, ainda, as políticas públicas em andamento e o reconheci-
mento das necessidades anteriormente apontadas, por meio da Lei Federal nº. 
10.639, de 09 de janeiro de 2003, que, conforme já vimos, determina a obriga-
toriedade do ensino de história da África e da cultura afro-brasileira nos vários 
níveis de ensino no Brasil. 
Além disso, como bem nos lembrou Bittencourt (2011, p. 07), as elites brasilei-
ras do século XVIII pleitearam a “europeização da cultura nacional”, notadamente 
da educação formal das novas gerações. Com relação à historiografia brasileira, 
“minimizaram-se, reduziram-se, subestimaram-se nossas africanidades em prol de 
uma miscigenação que se orientava, de modo geral, pelo ideal do branqueamento”. 
Dessa maneira, torna-se premente questionarmos as equivocadas interferências 
causadas no imaginário social, mediante visões do chamado “pensamento social” 
das elites intelectuais, que negam ou menosprezam a forte influência de matriz 
africana na formação de nossa nacionalidade (PEREIRA, 2014). 
Na ótica de Bittencourt (2011, p. 08), 
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A desafricanização não deve ser vista apenas como um resultado da 
miscigenação ou da diminuição de africanos no computo geral da de-
mografia brasileira. Ela significou também um afastamento econômi-
co, político e diplomático em relação à África. No plano cultural, ela 
traduziria, em outros termos, uma pretensa europeização. 
Se, por um lado, a relação entre o Brasil e o continente africano nos últimos dois 
séculos revelou descontinuidades, houve um maior interesse pela história e cul-
tura afro-brasileira e africana a partir dos anos sessenta do século XX. Contudo 
é importante observarmos que tal interesse não foi, apenas, acadêmico, pois inú-
meros artistas e escritores brasileiros buscaram, conscientemente, uma maior 
aproximação com a África. Esse foi o caso, por exemplo, do artista plástico, ativista 
político e intelectual Abdias Nascimento. Durante o “Primeiro Festival Mundial 
das Artes Negras de Dacar”, ocorrido em 31 de março de 1966, Abdias denun-
ciou a política do Itamarati, que 
havia excluído da delegação oficial 
brasileira o “Teatro Experimental 
do Negro” (TEN), a “Orquestra 
Afro-Brasileira”, entre outros gru-
pos artísticos. 
O Teatro Experimental do 
Negro (TEN) foi fundado em 1944 
pelo ator Abdias do Nascimento, 
como uma experiência sociorra-
cial. Algumas de suas importantes 
atividades foram: criação de cursos 
de alfabetização e iniciação cultural 
para negros.
Figura 01 - Abdias do Nascimento
Fonte: Wikimedia Commons (2006, on-line)1.
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A DIÁSPORA AFRICANA
O termo diáspora indica o processo de transporte forçado de seres humanos do 
continente africano para as Américas por meio do tráfico atlântico ocorrido entre 
os séculos XVI e XIX. Aladrén (2010, p. 70) nos auxilia na definição: 
Diáspora africana é a dispersão de africanos nas diversas regiões do 
mundo, ocasionada principalmente pelo tráfico atlântico. Indica um 
processo social e econômico, mas também cultural e político, na medida 
em que aponta para a recriação de identidades africanas nas Américas e 
em outras partes do mundo onde vivem africanos e seus descendentes. 
O tráfico atlântico foi a maior migração forçada da História. A descoberta das 
rotas marítimas do atlântico e a colonização do chamado “Novo Mundo” foram 
dois processos que marcaram e transformaram radicalmente a história da huma-
nidade. O tráfico atlântico inaugurou novas formas de exploração na África no 
continente africano e introduziu a escravidão nas Américas (ALADRÉN, 2010). 
A historiadora da África, Mônica Lima Souza (2014), aponta que, aproximada-
mente, 11 milhões de africanos foram trazidos para as Américas como escravos. 
Desse total, cerca de quatro milhões (ou mais) foram trazidos para o Brasil, ou 
seja, 40% dos africanos foram escravizados e transferidos para o nosso país a fim 
de trabalharem em atividades diversas, entre elas: as lavouras, a extração de ouro 
e diamantes das minas, e a construção de casas. 
Apresentaremos dois mapas da diáspora africana no Brasil. Observe as rotas. 
Figura 02 - Mapas da Diáspora – Brasil
Fonte: Linda (2002, on-line)2. 
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A diáspora africana foi um fenômeno único também porque a presença negra 
teve (e tem) caraterísticas essenciais na construção e no desenvolvimento de 
praticamente todos os países que surgiram no continente americano, a partir 
da colonização europeia (PEREIRA, 2014). No caso do Brasil, além da força de 
trabalho, homens e mulheres da diáspora trouxeram de seu continente de ori-
gem conhecimentos e saberes, como bem explica Souza.
Os africanos e seus descendentes nascidos a partir da diáspora no Novo 
Mundo (as Américas, incluindo o Brasil) eram seres humanos, dota-
dos de personalidade, desejos, ímpetos e valores. Eram também seres 
contraditórios, dentro da sua humanidade. Tinham seus interesses, seu 
olhar sobre si mesmos e sobre os outros. Tinham suas experiências de 
vida – muitas vezes, vinhamde sociedades não igualitárias na África ou 
nasciam aqui em plena escravidão. Não há como uniformizar atitudes, 
condutas e posturas, e idealizar-se um negro sempre ao lado da justi-
ça e da solidariedade. O que se pode e deve ressaltar são os exemplos 
desses valores humanos, presentes em muitos e, durante tanto tempo, 
injustamente negados e tornados invisíveis pela sociedade dominante 
(SOUZA, 2014, p. 12). 
No próximo item, analisaremos algumas peculiaridades da história do negro 
em nosso país, assim como sua importância e a relevância para a compreensão 
da história do Brasil. 
A HISTÓRIA DO NEGRO NO BRASIL
A TRAJETÓRIA DO MOVIMENTO NEGRO BRASILEIRO
Neste subitem, pretendemos abordar um pouco a trajetória do Movimento Negro 
no Brasil, pois consideramos fundamental conhecer sua história no contexto das 
lutas sociais em nosso país. 
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Assim como os povos africanos, os afrodescendentes brasileiros “conquis-
taram o direito à História”. Por esse motivo, entendemos que são cada vez mais 
necessárias discussões acerca das lutas e das resistências do povo negro no Brasil. 
Aliás, em diferentes períodos da história brasileira, existiram formas variadas 
de resistência e de organização. Os quilombos, por exemplo, foram (e conti-
nuam sendo) organizações de resistência. Manifestações culturais e religiosas de 
matrizes africanas também. Alguns exemplos são as casas e lideranças religiosas, 
conhecidas em todo o Brasil; escolas de samba do Rio de Janeiro e a capoeira 
(PEREIRA, 2014). 
Os tipos de resistência e de organização, mencionados anteriormente, são 
considerados antecedentes do Movimento Negro em nosso país. A partir do 
texto de Amauri Mendes Pereira (2014), foi elaborado o quadro a seguir, desta-
cando a importante trajetória do Movimento Negro no Brasil durante os anos 
setenta e oitenta do século XX, e sua luta contra o preconceito e a discrimina-
ção em nosso país. 
Quadro 01 - QUADRO DO MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL DURANTE AS DÉCADAS DE 1970 E 
1980 
Rio Grande do Sul: Em 1971, foi criado, em Porto Alegre, o Grupo Palmares, a 
primeira organização surgida nesse novo impulso do Movimento Negro. Deve-
-se a esse grupo a prerrogativa de ter realizado o primeiro evento, bem como 
ter anunciado a data de 20 de novembro como o dia da morte de Zumbi dos 
Palmares. 
São Paulo: Em 1972, foi criado o Centro de Cultura e Arte Negra (CECAN), que 
reunia remanescentes do Movimento Negro Paulista das décadas anteriores. 
Em sua sede, eram guardados os originais de inúmeros cadernos de anotações 
da escritora Carolina de Jesus, autora de “Quarto de despejo: diário de uma 
favelada”, obra publicada em 1960. Na sede do CECAN, foram realizadas muitas 
reuniões de organização do ato público que, em sete de julho de 1978, lançaria 
às ruas o Movimento Unificado contra a Discriminação Racial (MUCDR). 
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Rio de Janeiro: Em 1974, foi criada a Sociedade de Intercâmbio Brasil-África 
(SINBA). Sua origem remonta às articulações entre diferentes grupos negros: um 
grupo de estudantes universitários da Universidade Federal do Rio de Janeiro 
(UFRJ), um grupo que se reunia no Centro de Estudos Afro-asiáticos (CEAA) da 
Universidade Cândido Mendes (UCAM) em Ipanema, e um grupo de negros de 
subúrbios do Rio de Janeiro que se reunia em Niterói. 
Em 1975, foi criado o Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN). Impor-
tantes reuniões para a sua criação ocorreram no Teatro Opinião, articuladas 
por artistas negros engajados, como Milton Gonçalves e Jorge Coutinho. Vários 
fundadores do IPCN também faziam parte da SINBA. Nos anos 1980, o IPCN se 
tornaria a mais importante entidade negra do Rio de Janeiro e das mais conheci-
das do país. Em 1977, foi criado o Centro de Estudos Brasil-África (CEBA), em São 
Gonçalo (RJ). Os fundadores do CEBA se referem à importância de sua partici-
pação no processo que criou o IPCN e das conversas mantidas com membros 
da SINBA, que os estimularam a organizar a sua própria entidade. Os primeiros 
dirigentes do CEBA eram professores, com experiência na articulação comunitá-
ria e como motivação para a luta contra o preconceito e a discriminação racial. 
Bahia: Em 1975, foi criado o bloco afro “Ilê Ayê”, ousando enfrentar as autorida-
des – tal como fizera o samba, no Rio de Janeiro, na década de 1930, e os afoxés, 
também na Bahia, nos anos 1940 a 1950. Em Salvador, havia, além do Ilê Ayê, 
outros grupos de ativistas negros. Dentre estes, destaca-se Gilberto Leal, que 
esteve presente na 1ª Assembleia Nacional do MNU, no IPCN, em 1978. Em Sal-
vador também aconteceu a 2ª Assembleia Nacional do MNU, em novembro de 
1978, no auditório do Instituto Cultural Brasil-Alemanha (ICBA), com a presença 
massiva de ativistas negros baianos e de várias regiões brasileiras. No início dos 
anos 1980, foi criado o “Olodum”, entidade negra que conquistou elevado nível 
de institucionalidade e reconhecimento social, além de fama internacional pela 
qualidade artística de seus músicos, dançarinos, coreógrafos, atores, bem como 
pelo valor de seus dirigentes. 
Alagoas: A ação da juventude negra militante, amadurecida em manifestações 
culturais e em outras formas de resistência e organização, no estado, foi dirigida 
para um objetivo fundamental: a criação do Parque Memorial Quilombo dos Pal-
mares, instituído oficialmente desde 1980. Essa seria sua maior contribuição ao 
Movimento Negro, em âmbito nacional e internacional. É possível destacar ainda 
o nome de Zezito Araújo, militante negro e professor da Universidade Federal de 
Alagoas (UFAL). Sua contribuição como historiador, articulador político e gestor 
público é reconhecida como fundamental para a qualidade e a abrangência da 
articulação do Movimento Negro em âmbito nacional, o que levou ao tomba-
mento da Serra da Barriga, território histórico do Quilombo dos Palmares. 
Espírito Santo: O Centro de Estudos da Cultura Negra (CECUN) é a mais visível 
entidade negra no estado e existe desde os anos 1980. 
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Brasília: O Centro de Estudos Afro-brasileiros (CEAB) foi criado na década de 
1970. Alguns de seus quadros e sua capacidade de articulação política obtiveram 
êxito, tanto no centro do poder federal quanto em sua extensão para outros es-
tados da federação. Um nome que se destaca aqui é o de Carlos Moura, primeiro 
presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), no âmbito do Ministério da 
Cultura (MinC). 
Maranhão: O Centro de Cultura Negra (CCN), com sede em São Luís, capital do 
estado, se tornou a maior referência, tanto por sua intervenção nas áreas de po-
lítica e educação quanto pela força do seu bloco afro, o “Akomabu”, além do seu 
pioneirismo na defesa e na articulação do Movimento Nacional dos Quilombolas. 
Pará: Destacamos o Centro de Desenvolvimento do Negro no Pará (Cedenpa). 
Sua intervenção mais marcante ocorreu por meio de um programa de rádio 
de grande audiência, embora também tenha representatividade nas áreas de 
educação e meio ambiente. As suas principais lideranças foram sempre mulheres 
negras, embora o centro não ostentasse um perfil feminista nos seus primórdios. 
Amazonas: O Movimento Alma Negra (MOAN) teve grande aceitação nos anos 
1980. Uma peculiaridade que existe em outros estados da região amazônica 
é a proximidade político-ideológica do Movimento Negro com o Movimento 
Indígena.Amapá: A União de Negros do Amapá (UNA) conquistou espaço (inclusive um 
amplo terreno e recursos para edificações de qualidade, no centro da capital, 
Macapá) e a força política de grande importância para as conquistas posteriores 
do Movimento Negro. 
Sergipe: Nos anos 1980, foi criada a União dos Negros de Aracaju (UNA). Sua atu-
ação teve impacto na sociedade e foi capaz de articular segmentos da juventude 
negra mais politizada e de várias manifestações culturais. 
No final dos anos 1980, seus ativistas decidiram alterar o nome da instituição 
para Sociedade Afro-sergipana de Cultura e Cidadania (SACI) e passaram a ter 
atuação destacada na articulação do Movimento Negro, em âmbito nacional. 
Fonte: adaptado de Pereira (2014, p. 51-54). 
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A HISTÓRIA DO NEGRO NO BRASIL E O SURGIMENTO DA BLACK 
MUSIC 
Os meios de comunicação brasileiros e o surgimento da black music
Durante a primeira metade do século XX, o Brasil passou por mudanças subs-
tanciais em sua economia, política e sociedade. Dentre essas transformações, 
está o crescente processo de industrialização e urbanização. Os padrões de con-
sumo se modificaram, alterando os hábitos e o comportamento da população. 
Na segunda metade dos anos 1940, um grande número de habitantes da zona 
rural migrou em direção aos centros urbanos em busca de novas oportunida-
des de emprego. Esses homens e mulheres forneceram a mão-de-obra necessária 
para as empresas que se instalavam no país. Em curto prazo, o rádio passou a ser 
um companheiro indispensável na vida desses trabalhadores, tornou-se fonte de 
informação, lazer, sociabilidade e cultura (MELLO; NOVAIS, 1998). O consumo 
de aparelhos de rádio e televisão foi disseminado por todo o país, reforçando o 
ideal de modernização urbana. 
Apesar do desenvolvimento dos meios de comunicação no final dos anos 
1960, o Brasil presenciaria um dos períodos mais obscuros de sua história com 
a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5). Em 13 de dezembro de 1968, 
o Congresso Nacional foi fechado (por prazo indeterminado) e mandatos de 
senadores, deputados, prefeitos e governadores foram cassados. Houve o recru-
descimento da censura (que se estendeu à música, teatro, cinema), a interrupção 
das eleições diretas, assim como aumentou a vigilância sobre os políticos da opo-
sição e a proibição das manifestações de sindicatos e do movimento estudantil. 
O clima de prosperidade veiculado pela mídia nacional e o vertiginoso cresci-
mento dos meios de comunicação eletrônicos de massa fizeram parte do discurso 
oficial disseminado pelo governo militar. A indústria do entretenimento fomentou 
a produção e o consumo de discos e começou a formar um público segmentado 
de acordo com os padrões musicais, principalmente nos centros urbanos, como 
Rio de Janeiro e São Paulo. Dessa forma, a soul music obteve expressiva aceita-
ção entre os negros (BAHIANA, 1979-1980). Os jovens ouvintes se tornaram 
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alvo de maior interesse da indústria fonográfica e, para suprir um mercado em 
crescimento, as gravadoras apostaram na música internacional (especialmente 
na black music) e nas canções compostas em inglês por brasileiros. 
A programação radiofônica sofreu mudanças, como no caso da “Rádio 
Mundial AM” e do programa liderado por “Big Boy”, pseudônimo de Newton 
Duarte de Alvarenga. O repertório, composto principalmente por lançamentos 
musicais vindos dos Estados Unidos e da Europa, obteve grande repercussão 
entre parte dos jovens ouvintes, promovendo o surgimento dos chamados “Bailes 
da Pesada”. 
Hermano Vianna (1987) explica que os primeiros bailes foram realizados 
no “Canecão”, nome de uma cervejaria localizada no bairro do Botafogo, Zona 
Sul do Rio de Janeiro. O antropólogo comenta que os “Bailes da Pesada” atraíam 
aproximadamente cinco mil dançarinos vindos de diferentes regiões da cidade. 
O conjunto das canções escolhidas pelos discotecários incluía rock, pop e prin-
cipalmente soul de artistas como James Brown, Wilson Pickett e Kool and The 
Gang. Os primeiros bailes não dispunham de equipamentos sonoros sofisticados. 
Com o êxito das Hi-Fis, festas animadas por toca-discos e pouca iluminação, os 
seguidores resolveram formar suas próprias equipes de som. Vianna atesta que 
não se sabe ao certo qual foi a primeira equipe, no entanto surgiram várias delas: 
Black Power, “Uma Mente Numa Boa”, “Célula Negra”, “Atabaque”, “Revolução da 
Mente” e Soul Grand Prix. Esta, em especial, foi a responsável pela constituição 
de um dos eventos mais importantes da black music no Rio de Janeiro: a “Noite 
do Shaft”, no “Clube Renascença”. 
Shaft faz alusão a um filme estadunidense de 1971, dirigido por Gordon 
Parks. O filme ganhou notoriedade ao lançar um detetive negro, John Shaft, 
com um linguajar típico do bairro do Harlem e cabelo black power. Shaft pode 
ser considerado um dos primeiros filmes que inaugura a vertente chamada bla-
xploitation – filmes produzidos por negros e para negros. 
O “Renascença Clube” foi fundado no dia 17 de fevereiro de 1951 e continha 
vinte e nove sócios fundadores, todos negros e bem sucedidos profissionalmente. A 
partir de 1960, ocorre uma mudança significativa nas atividades do “Renascença” 
com a incorporação dos concursos de misses e das rodas de samba. Na década 
seguinte, uma nova equipe passa a gerenciar o clube, buscando novos valores e 
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objetivos. O soul constituiu um marco na história do clube. O grupo que lide-
rou sua renovação tinha um projeto político-cultural voltado para a construção 
de uma identidade fundamentada em símbolos da cultura negra. 
O músico Dom Filó (nome artístico de Asfilófilo de Oliveira Filho) foi uma 
figura importante no movimento black carioca. Ele já vinha realizando um tra-
balho de conscientização voltado ao combate da doença de Chagas junto às 
comunidades do “Morro dos Macacos”, de Vila Isabel e do Salgueiro. No dia das 
palestras, ele exibia filmes sobre jazz e abordava brevemente temas como estudo, 
família, drogas e violência. Na “Noite do Shaft”, além da discotecagem, havia a 
projeção de slides com cenas do filme e fotos dos frequentadores do baile. Os rela-
tos coletados por Giacomini revelam que a exibição dos slides era um momento 
muito especial da festa.
Era fascinante para os novatos e deixava ansiosos mesmo os frequenta-
dores mais experimentados. Estar bem composto no estilo Shaft, mais 
que necessário, era particularmente compensador e gratificante, o que 
se entende quando se tem em vista a organização e apelos da festa: sli-
des projetados nas paredes exibiam, alternadamente, imagens do Shaft 
e closes dos frequentadores. Nesses instantes, o participante se via em 
tamanho aumentado e era visto por todos. Celebrados e cotejados, lado 
a lado, o Shaft e o anônimo participante da festa, ambos nas mesmas 
dimensões, em cada qual igualmente presentes os signos que expressa-
vam a adesão comum ao soul, à alma e ao orgulho negros, sintetizados 
e coagulados, de maneira perfeita, na figura do Shaft (GIACOMINI, 
2006, p. 195-196). 
Conforme algumas lideranças do baile expressaram na obra de Giacomini (2006, 
p. 196, 210), o momento da projeção de slides era um dos mais importantes da 
festa, pois nele celebrava-se o orgulho negro, dando vidaa um evento que sim-
bolizava o núcleo de afirmação e vivência de um orgulho étnico.
[...] o orgulho negro supõe, propõe e promove uma coesão, uma espécie 
de solda entre os indivíduos que se reconhecem como iguais, operando 
como uma base fomentadora de vínculos, ligações, cimentando e con-
formando o grupo étnico consciente de si mesmo. 
Os bailes foram ganhando notoriedade e, com o aumento de dançarinos, a “Noite 
do Shaft” foi transferida para clubes maiores, como o “Maxwell”, até chegar aos 
subúrbios cariocas. Esses encontros passaram a chamar a atenção da polícia, 
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então, para driblar a censura, Filó criou o Soul Grand Prix – “soul em alta velo-
cidade”, pois mesclava slides black com cenas dos pilotos de Fórmula 1. Vianna 
(1987, p. 56) salienta que os bailes da Soul Grand Prix passaram a ter uma pre-
tensão didática, desencadeando a criação do que a imprensa carioca chamaria 
de “Movimento Black Rio”.
Enquanto o público estava dançando, eram projetados slides com cenas 
de filmes como Wattstax (documentário de um festival norte-america-
no de música negra), Shaft (ficção bastante popular no início da década 
de 70, com atores negros nos papéis principais), além de retratos de 
músicos e esportistas negros nacionais ou internacionais. Os dançari-
nos que acompanhavam a Soul Grand Prix (e também a equipe Black 
Power) criaram um estilo de se vestir que mesclava as várias informa-
ções visuais que estavam recebendo, incluindo as capas dos discos. Foi 
o período dos cabelos afro, dos sapatos conhecidos como pisantes (so-
las altas e multicoloridas), das calças de boca estreita, das danças à la 
James Brown, tudo mais ou menos vinculado à expressão “Black is 
Beautiful”. Aliás, James Brown era o artista mais tocado nos bailes. Suas 
músicas, principalmente Sex Machine, Soul Power, Get on The Good 
Foot, lotavam as pistas de dança. 
Wattstax foi considerado o sucesso cinematográfico do “Movimento Black Rio” 
no Brasil. O filme-documentário, de 1972, foi dirigido por Mel Stuart e apre-
senta cenas do festival de mesmo nome. Com a proposta de ser uma espécie de 
“Woodstock Negro”, o evento recebeu mais de cem mil pessoas na cidade de 
Watts (Califórnia) e contou com a participação de músicos e grupos como Isaac 
Hayes (de Shaft), Albert King, “The Emotions”, Rufus Thomas e Johnnie Taylor. 
O documentário mescla cenas do festival e da vida urbana dos moradores de 
Watts (ESSINGER, 2005, p. 33). 
Frases de Wattstax, como “I am somebody” (sou alguém) e “Sou negro, 
lindo, orgulhoso. Tenho que ser respeitado”, repercutiram entre a juventude 
negra dos bailes cariocas, assim como as obras do escritor negro estadunidense 
James Baldwin e do “pantera negra” Eldridge Cleaver, autores de “E pelas praças 
não terá nome” (1972) e Soul in Ice (“Alma no Exílio”, 1960’s), respectivamente. 
Segundo Tony Tornado, o “Black Rio” foi um movimento de conscienti-
zação. Em entrevista concedida a Amanda Palomo Alves, em 20 de agosto de 
2009, o cantor relatou que o movimento começou sem grandes perspectivas e 
com o único intuito de “animar a festa”. Todavia ele reconhece que foi utilizado o 
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pretexto da dança para aglutinar o maior número de pessoas. Temas como estudo 
e “consciência política” eram discutidos por eles, como demonstra Giacomini 
(2006, p. 197; 205-206).
Aqui e ali, entremeados por slides do Shaft e de artistas e personali-
dades negras eram projetadas nas paredes frases do tipo: “Eu estudo, 
e você?”, como a indicar que, além do visual black power, também o 
estudo fazia parte do ideal de orgulho negro que a festa promovia e pro-
pugnava [...] Outras características positivas são associadas aos líderes, 
entre elas a valorização do estudo e, através deste, de uma perspectiva 
de ascensão social que se encontra, por sua vez, fortemente associada 
[...] ao chamado orgulho negro.
De acordo com Vianna (1987, p. 59), “O soul no Brasil é considerado importante 
para dar início a um processo em que, ao deixar de ser soul, deixa de ser moda. 
A diversão só tem cabimento se transformar em conscientização”. Nessa dire-
ção, o soul perde suas características de pura diversão, passando a ser um meio 
importante para a superação do racismo no país. 
Gomes (2006) atesta que, embora o soul passe a ser reconhecido como um 
possibilitador de união da comunidade negra da época, suas expressões estéticas 
e musicais foram vistas com certa desconfiança por alguns militantes negros que, 
naquele momento, separavam o estético do político. Entretanto, como explica o 
pesquisador, essa ideia foi se modificando, pois o encontro da estética com a polí-
tica passou a ser visto como uma possibilidade para que jovens negros olhassem 
a cultura de forma positiva, resultando em uma mudança de comportamento 
frente à questão racial.
As festas chamavam a atenção pela quantidade de pessoas e peculiaridade 
de suas características. Como já era de se esperar, o governo militar brasilero 
considerou o movimento “perigoso”, perseguindo alguns de seus integrantes, 
dentre eles, o músico Tony Tornado. Por meio de vários documentos da época e 
falas de alguns importantes nomes do “Movimento Black Rio”, pudemos cons-
tatar que o discurso de valorização dos negros (disseminado pelo “Movimento 
dos Direitos Civis” e pelo “Partido dos Panteras Negras para Auto-Defesa”, nos 
Estados Unidos) começava a circular em nosso país. Uma das fases mais impor-
tantes do movimento foi sua repercussão na mídia brasileira, sobretudo, a partir 
da matéria da jornalista Lena Frias: “Black Rio – O Orgulho (importado) de ser 
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Negro no Brasil”, publicada no Caderno B do “Jornal do Brasil”, em julho de 
1976. Seguem alguns trechos da referida matéria, que foi a primeira e a mais 
completa sobre o movimento. 
Uma cidade de cultura própria desenvolve-se dentro do Rio. Uma ci-
dade que cresce e assume características muito específicas. Cidade que 
o Rio, de modo geral, desconhece ou ignora. Ou porque o Rio só sabe 
reconhecer os uniformes e os clichês, as gírias e os modismos da Zona 
Sul; ou porque prefere ignorar ou minimizar essa cidade absolutamen-
te singular e destacada, classificando-a no arquivo descompromissado 
do modismo; ou porque considera mais prudente ignorá-la na sua in-
quietante realidade [...]. Uma população cujos olhos e cujos interesses 
voltam-se para modelos nada brasileiros. População que forma uma 
cidade móvel, cujo centro se desloca permanentemente – ora está em 
Colégio, onde fica o clube Coleginho, considerado um dos primeiros 
templos do soul, ora em Irajá, ora em Marechal Hermes, ou em Rocha 
Miranda, ora em Nilópoles ou na Pavuna [...]. Uma cidade cujos habi-
tantes se intitulam a si mesmos de blacks ou de browns; cujo hino é 
uma canção de James Brown ou uma música dos Blackbirds; cujo bíblia 
é Wattstax, a contrapartida negra de Woodstock; cuja linguagem incor-
porou palavras como brother e White; cuja bandeira traz estampada a 
figura de James Brown ou de Ruffus Thomas, de Marva Whitney ou Lin 
Collins; cujo lema é I am somebody; cujo modelo é o negro americano, 
cujos gestos copiam, embora sobre a cópia já se criem originalidades. 
Uma população que não bebe nem usa drogas, que evita cuidadosa-
mente conflitos e que se reúne nos finais de semana em bailes por todo 
o Rio. É o soul power, fenômeno sociológicodos mais instigantes já 
registrados no país (FRIAS, 1976, on-line).
Outra importante característica a destacar é que, para os integrantes e aspirantes 
ao movimento, “ser soul” não era suficiente, pois havia a necessidade de anunciar 
aquela condição por meio de sinais externos que permitissem o reconheci-
mento por seus “iguais” e a afirmação da especificidade, juntos aos “diferentes” 
(GIACOMINI, p. 199). Nessa direção, a moda soul, expressa nas vestimentas e no 
cabelo black power, foi fundamental entre os integrantes do “Movimento Black 
Rio” e, dentre eles, Tony Tornado. É o que veremos a seguir. 
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Moda black: postura, gestual e indumentária 
Para iniciar este tópico, lembramos que a moda possui elementos significativos 
para a análise do comportamento de determinados grupos e indivíduos. Possui, 
ainda, a capacidade de revelar posturas políticas e afirmar a individualidade. 
Nesse sentido, a moda soul representava o movimento de afirmação da identi-
dade negra, sobretudo durante os anos setenta do século XX. 
Nas vestimentas dos participantes do “Movimento Black Rio” e da “Noite 
do Shaft” não podiam faltar óculos, grandes chapéus, blazers (lascados atrás), 
terno branco, gravatas borboleta, longos casacos, calças estreitas na cintura e 
sapatos coloridos, do tipo “plataforma”. O uso de camisetas pintadas à mão tam-
bém era recorrente, como aquelas que reproduziam a capa do disco de James 
Brown, Revolution of the Mind, de 1971. A moda soul se caracterizava, ainda, pela 
extravagância da junção de peças coloridas, com elementos relacionados a repre-
sentações da cultura africana e pela elegância dos ternos. Sobre isso, Giacomini 
(2006, p. 193) nos fala: 
Sempre aos domingos, por volta das 18 horas, inicia-se a movimentação 
dos jovens frequentadores do baile soul do Renascença – a Noite do 
Shaft, ou simplesmente o Shaft. Eles começam a se preparar para a festa, 
que se inicia regularmente às 20 horas. Os preparativos a que se entre-
gam são variados e trabalhosos: altos sapatos de salto plataforma, alguns 
com três cores, designados cavalos de aço, roupas cheias de tachinhas, 
calças muito justas, coladas ao corpo. Tudo concorre para transformar o 
ato de vestir-se em tarefa demorada. E, ainda, há que enfrentar a longa 
e cuidadosa montagem do cabelo black power, função que, em uma de 
suas versões mais elaboradas, consumia cerca de 40 minutos. 
O “modo soul de se vestir” foi determinante para a afirmação da identidade de 
grande parcela da juventude negra brasileira. Ao analisarmos algumas imagens de 
Tony Tornado dos anos 1970, verificamos a presença de vários elementos cons-
tituintes da “moda soul”, como o uso de ternos, calças “boca-de-sino”, sapatos 
“cavalo de aço”, camisas com estampas coloridas e batas africanas. Observamos, 
também, o uso de acessórios, como óculos de sol redondo e colorido (comum 
entre os hippies nos anos 1960 e 1970) e adornos de pescoço (lenços coloridos e 
estampados, colares e correntes de metal). Nas duas imagens que seguem, nota-
mos elementos constituintes do “visual black” no modo de se vestir do cantor.
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Figuras 03 e 04 - Tony Tornado nos anos 1970
Fonte: Revista Manchete (1970, p. 6, 12). 
A postura de Tornado em ambas as imagens aliada à sua indumentária suscita-
ram questões instigantes: a jaqueta, o cinto, as calças dentro das botas de couro 
preto, usadas por ele, estariam aludindo à farda dos militares e ao poder repressivo 
que representavam? Poderiam implicar em uma crítica à condição subalterna do 
negro, por sua vez, articuladas a inferioridade ou a escravidão? Um caminho para 
encontrarmos respostas para essas indagações é compreendermos que aquelas 
imagens nos informam sobre o modo como o cantor queria se inserir e, princi-
palmente, na forma como ele queria ser percebido pelo grupo. 
Assim como a indumentária, o cabelo constitui outro destacado elemento na 
composição do “visual black”. Diferentemente dos anos 1950, quando se buscava 
a eliminação da ondulação, na década de 1960, visava-se dar ao cabelo uma apa-
rência “natural”, pois passou a ser usado sem alisamento e em tamanho maior. O 
volume e a textura do “penteado soul” pareciam expressar o compromisso com 
a ancestralidade africana e marcam a diferença face aos arranjos utilizados pelos 
brancos. Sob essa ótica, concordamos com Gomes (2006), quando compreende 
que o cabelo deve ser pensado não somente como parte do corpo biológico, mas, 
sobretudo, como linguagem, veículo de expressão e símbolo de resistência cultural. 
Durante os anos sessenta e setenta, no século XX, o cabelo crespo simboli-
zou importantes significados culturais, políticos e sociais. Naquela época, ativistas 
negros estadunidenses utilizaram o estilo de cabelo chamado black power. Esse 
foi o caso de Ângela Davis, conforme ilustramos a seguir.
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Ângela Yvonne Davis nasceu no dia 26 de janeiro 
de 1944, em Birmingham (Alabama). Durante 
os anos 1960, foi aluna de Theodor Adorno e 
Oscar Neg; entre 1963 e 1964, cursou Literatura 
na Universidade de Sorbonne, Paris. Por influ-
ência de Herbert Marcuse, filiou-se ao Partido 
Comunista dos Estados Unidos. Publicou 
vários livros, dentre eles: Women, Race and 
Class (“Mulheres, Classe e Raça”), If They Come 
in The Morning: Voice Of Resistence (“Quando 
Vier o Amanhecer: Vozes da Resistência”) e Blues 
Legacies And Black Feminism (“O Legado do 
Blues e o Feminismo negro”). Este retrata a con-
tribuição das mulheres negras do início do século 
XX para o feminismo, principalmente por meio 
de cantoras como Billie Holiday e Bessie Smith1.
1Informações sobre Ângela Davis disponíveis no site: <http://www.palmares.gov.br/>. Acesso em: 19 abr. 
2016.
Figura 05 - Ângela Davis
Fonte: Wikimedia Commons (1973, on-line)3.
Sobre esse tema, não podemos deixar de mencionar o antropólogo Kabengele 
Munanga (2006, p. 15). Ele argumenta que “no pensamento dos racistas, a cor 
preta é tida como uma essência que escurece tingindo negativamente a men-
te, o espírito, as qualidades morais, intelectuais e estéticas das populações não 
brancas, em especial as negras”. Dessa maneira, o cabelo do negro, visto como 
“ruim”, é expressão do racismo e da desigualdade racial que recai sobre esse su-
jeito. Ademais, o ato de atribuir uma característica “ruim” ao cabelo dos negros e, 
em contrapartida, qualificar de “bom” o cabelo dos brancos denota um conflito 
que nos remete, pelo menos, a dois padrões de beleza: o ideal e o real. 
Na sociedade em que vivemos, o padrão de beleza dos brancos é considerado 
o ideal. Além disso, “o mito da democracia racial” no Brasil encobre os conflitos 
raciais e tenta ocultar, senão negar, quaisquer sinais que remetam a uma ances-
tralidade negra e africana. 
Fonte: Munanga (apud GOMES, 2006, p. 15-17).
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A beleza atribuída aos descendentes de africanos influenciou, também, o mundo 
da música nos Estados Unidos e vários cantores negros adotaram o cabelo black 
power como, por exemplo, os integrantes do grupo “Jackson Five” e a cantora 
soul Aretha Franklin. No Brasil, as cidades do Rio deJaneiro e São Paulo foram 
centros irradiadores da influência estadunidense do penteado black power. Tal 
característica é visível no corte de cabelo utilizado por Tony Tornado, como 
pudemos notar nas imagens mostradas anteriormente. Contudo a escolha desse 
tipo de corte de cabelo pelo cantor deve ser contextualizada, pois, como indica 
Gomes (2006, p. 202), “[...] as escolhas individuais são realizadas em determi-
nado contexto que as influencia”.
Ademais, acordamos com a estudiosa quando afirma que o conteúdo político 
da relação do negro e da negra com o cabelo não deve ser visto, simplesmente, 
no tipo de penteado adotado, mas em sua articulação com a localização do negro 
no contexto histórico, social e cultural. Assim, além do cabelo black power de 
Tony Tornado ter se transformado em uma forma de expressar publicamente o 
orgulho em ser negro, fazendo referência à ancestralidade africana, ele estabe-
lece uma conexão com os negros estadunidenses dos anos 1960. 
A seguir, nos ocuparemos da apresentação do cantor no V Festival Internacional 
da Canção (V FIC), realizado na cidade do Rio de Janeiro, em 1970. Buscaremos 
evidenciar que o modo de Tornado se expressar no referido evento deve ser rela-
cionado ao contato que ele teve com o black power nos Estados Unidos. 
Em meados de 1965, Tony Tornado deslocou-se para a Europa com o grupo 
de dança “Brasiliana” e depois para os Estados Unidos, onde viveu na clan-
destinidade por alguns meses. O período que passou nesse país foi funda-
mental para sua formação musical, uma vez que entrou em contato com a 
soul music (principalmente com a produção de James Brown) e com o black 
power. 
Fonte: a autora.
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“BR-3”: Tony Tornado e o V Festival Internacional da Canção (V FIC)
A black music era tocada nas rádios e em bailes de diversas capitais do país 
durante os anos 1970. A primeira fase do V Festival Internacional da Canção – 
V FIC – representou bem esse interesse, tendo em vista sua proposta musical e 
a influência da black music entre os seus concorrentes. 
Criado por Augusto Marzagão, o FIC foi realizado em sete edições, entre 
os anos de 1966 e 1972. Os eventos aconteciam no Maracanãzinho, RJ, e eram 
divididos em duas etapas: a nacional e a internacional, sendo que a composi-
ção classificada em primeiro lugar na fase nacional representaria o Brasil na fase 
internacional do Festival. 
A V edição do FIC, transmitida ao vivo pela TV Globo, aconteceu entre 
os dias quinze e dezessete de 1970. A primeira apresentação do festival ficou a 
cargo dos cantores Mariá, Luís Antônio e o conjunto “Dom Salvador”, que, jun-
tos com mais seis músicos, todos negros vestindo batas africanas, interpretaram 
o spiritual “Abolição 1860-1980”, de Arnaldo Medeiros e Dom Salvador, como 
podemos observar na Figura 06. 
Figura 06 - Mariá, Luís Antônio e o conjunto “Dom Salvador” interpretam “Abolição 1860-1980” no V FIC
Fonte: Revista Manchete (1970, p. 06).
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O desempenho do grupo revelou sinais de que a black music estaria presente 
naquele festival, mas uma canção bastante aguardada para o dia dezessete de 
outubro, segunda etapa do evento, era “BR-3”, composição de Antônio Adolfo e 
Tibério Gaspar. Segundo Mello (2002), Tibério Gaspar decidiu fazer uma letra 
comparando o momento em que se vivia com a estrada que percorriam – “a peri-
gosa BR-3”, anteriormente denominada “BR-135”, – rodovia que interliga o Rio 
de Janeiro e Belo Horizonte. A canção foi oferecida a Wilson Simonal e a Tim 
Maia, mas ambos não puderam aceitar. Por sugestão do músico Orlando Divo, 
Tibério Gaspar foi ouvir Tony Tornado em uma das boates que o cantor se apre-
sentava. Segundo o compositor, “BR-3” precisava de um intérprete envolvido 
com o soul, em voga no festival daquele ano. Tornado aceitou o convite e, sobre 
sua participação no festival, Mello (2002, p. 376-377) recorda:
Entrou sob algumas vaias e um burburinho que em instantes se trans-
formou em silêncio sob o impacto de sua presença [...] Com o cabelo 
African look que aumentava seu metro e noventa e quatro de altura, 
Toni Tornado entrou de botas pretas até o joelho, calças e camisa cáqui 
e desabotoada com o peito à mostra, onde um sol colorido pintado 
pelo maquiador Erick contrastava com a pele escura, os braços abertos 
para cima com as mãos espalmadas. Com ele, no backing vocal, o Trio 
Ternura, três filhos do compositor [...] Humberto Silva - Jussara, Jure-
ma em vestidos longos de mangas compridas, estampados com cores 
vivas, e Robson, de camisa azul com uma manta vermelha pendurada 
ao ombro. 
Destacamos, ainda, que a dança foi um elemento importante durante sua apre-
sentação, aliás, para os frequentadores do movimento soul no Brasil ela possuía 
um caráter distintivo. 
Na fase final do festival, confirmou-se o esperado e a canção da dupla de 
compositores A. Adolfo e T. Gaspar saiu vencedora. Vários periódicos da época 
noticiaram a vitória de “BR-3”, como a revista “Manchete”. 
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Figura 07 - “O Brasil torce pela BR-3” (capa da revista Manchete)
Fonte: Revista Manchete (1970).
O festival de 1970 conseguiu resultados comerciais favoráveis para a indústria 
fonográfica brasileira. Em outras palavras, o V FIC (com a vitória de “BR-3”) 
potencializou soul music no mercado fonográfico de nosso país. Ademais, como 
já mencionamos, a popularidade de nomes da black music estadunidense exer-
ceu grande influência sobre vários artistas nacionais em meados dos anos 1970. 
Tony Tornado, com seu desempenho no V FIC, inspirado em James Brown, foi 
um dos responsáveis pela expansão do soul no Brasil. 
Com relação ao V FIC, gostaríamos de mencionar, também, a última con-
corrente da segunda noite do festival: “Eu Também Quero Mocotó”, canção de 
Jorge Ben, interpretada pelo maestro Erlon Chaves e “Banda Veneno”. O maes-
tro Erlon Chaves protagonizou um episódio polêmico durante a fase final do 
V FIC. Sobre isso, Mello (2002, p. 384) recorda: “Erlon começou a cantar ‘Eu 
quero é mocotó’ em inglês quando surgiram duas louraças em traje cor de pele 
para rodopiar a sua volta e beijá-lo carinhosamente”. O episódio foi amplamente 
explorado pela imprensa periódica da época que divulgou vários comentários 
desfavoráveis ao maestro. 
Acusado de atentando ao pudor e assédio moral, Erlon Chaves foi detido e 
obrigado a prestar depoimentos para a Polícia Federal. Após o ocorrido, ele foi 
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proibido de exercer suas atividades por um mês e recebeu a “recomendação” de 
sair do país. A partir desse episódio, o maestro sofreu diversos boicotes da indús-
tria fonográfica e sua carreira foi declinando de forma ascendente até 1974, ano 
de sua morte precoce, aos quarenta anos de idade. 
 Apesar de ter contribuído para a expansão do gênero soul em nosso país, 
o V FIC expressou muito autoritarismo e racismo. As atitudes assumidas por 
Tony Tornado durante suas apresentações em programas televisivos da década 
de 1970 chamaram a atenção das autoridades militares e chocaram os segmentos 
sociais mais conservadores. De certa forma, Tornado parecia representar uma 
“ameaça”aos planos de contenção, disciplina e controle, forjados pelos militares. 
Eles pareciam temer que o cantor se tornasse um líder negro no país, a exemplo 
do que acontecia nos EUA com membros dos “Panteras Negras”.
O PODER NEGRO NA PÁTRIA VERDE E AMARELA
O FIC gerou muita polêmica em torno de Tony Tornado. A apresentação de Tony 
Tornado no palco do FIC, inspirada nas performances de James Brown, causou 
agitação e, de certa forma, passou a representar a iminência de um perigo para 
a sociedade brasileira: o de que um negro pudesse desestabilizar o conservado-
rismo da família branca. Os referenciais musicais e, sobretudo, algumas posturas 
assumidas pelo cantor em suas aparições nos programas de televisão após o seu 
retorno ao Brasil, depois da temporada em que viveu nos Estados Unidos, seriam 
tomados por agentes do governo militar, como atitudes que poderiam causar 
“prejuízos” para a “harmonia” social.
Mello chega a inferir que Tony Tornado representaria um perigo para o 
governo militar, uma vez cogitada a possibilidade de que pudesse se tornar um 
líder negro, capaz por sua popularidade de facilitar a formação de organizações 
políticas no Brasil, como a dos “Panteras Negras”. Além disso, naquele momento, 
a imprensa do país noticiava a expansão dos “Panteras” e enfatizava o caráter vio-
lento de suas ações, descrevendo a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos 
com grandes doses de sensacionalismo.
Ao interpretar a canção “Sou Negro” (Getúlio Côrtes - Ed Wilson) em 
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programas de televisão dos anos 1970, Tornado costumava erguer o punho para 
o alto, fazendo alusão ao gesto característico dos Black Panthers. A mensagem 
impressa na letra da música não pode ser negligenciada, como podemos observar:
Nessa vida
Nada se leva
Não sei por que você tem tanto 
orgulho assim
Você sempre me despreza
Sei que sou negro, mas ninguém 
vai rir de mim
Vê se entende, vê se ajuda
O meu caráter não está na mi-
nha cor
O que eu quero, não se iluda
O que eu procuro é conseguir o 
seu amor
Nessa vida
Nada se leva
Não sei por que você tem tanto 
orgulho assim
Você sempre me despreza
Sei que sou negro, mas ninguém 
vai rir de mim
Sou negro sim 
Mas ninguém vai rir de mim.
Sou negro, negro, negro sim
Eu sei que sou negro, 
Mas ninguém vai rir de mim.
Devido a tais atitudes, o cantor foi repreendido várias vezes pela censura. O temor 
era de que o cantor questionasse o discurso da “democracia racial” (MDR) no 
país. Sabemos que o chamado MDR, impregnado nos discursos da elite branca 
brasileira, se contrapõe às ideias de diversidade e pluralismo cultural. De acordo 
com Fernandes, o referido mito tem como característica permitir uma represen-
tação ilusória da situação do “negro,” uma contradição entre a ordem jurídica e 
sua real situação na sociedade, além de se tratar de uma técnica e ideologia de 
dominação imposta pelas elites aos demais segmentos sociais. 
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Reprodução proibida. A
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Acordamos com Schwarcz (1998, p. 179) quando ela reconhece que tal situação 
aparece de forma estabilizada e naturalizada, como se as posições sociais desi-
guais fossem “quase um desígnio da natureza” e as atitudes, racistas, minoritárias 
e excepcionais. Na ausência de uma política discriminatória oficial, complementa 
a autora, surgem, sob uma névoa, discursos que negam o preconceito ou apenas 
admitem sua existência em casos excepcionais ou como algo muito “brando”. 
Nessa direção, Aquino (1999) indica que durante todo o tempo foram utilizados 
mecanismos para impedir a participação e a representação institucional dos cida-
dãos, buscando-se mascarar a alteridade social e procurando criar uma imagem 
de sociedade livre de conflitos. Em outras palavras, o governo militar brasileiro 
conferia uma “cultura moral” à população, e as críticas políticas e sociais con-
trárias a essa moral eram passíveis de censura. 
O vínculo do cantor com os “Panteras Negras” ressurgiu durante o VI FIC 
(1971), ao interpretar Black is Beautiful (Marcos Valle - Paulo Sérgio Valle) com 
Elis Regina.
Segundo Fernandes, o mito da democracia racial tem como base a ideia de 
que a relação entre brancos e negros no Brasil se conformava aos funda-
mentos ético-jurídicos do regime republicano. Para ele, o referido mito per-
mite uma representação ilusória da situação do “negro”, uma contradição 
entre a ordem jurídica e a real situação do “negro”, deu uma aparência apro-
priada à hipocrisia racial dos “brancos” e se trata de uma técnica e ideologia 
de dominação da elite e das camadas dominantes sobre outros grupos, em 
especial os “negros” e “mulatos”. 
O autor argumenta, ainda, que o mito teve consequências que foram deter-
minantes para manter a ordem racial no Brasil, pois ofereceu uma cobertura 
cômoda à indiferença dos círculos dirigentes diante do destino do negro no 
regime democrático; identificou como “indesejável” a discussão da popula-
ção negra sobre sua situação social e como “perigosa” a sua participação em 
movimentos sociais. 
Fonte: Fernandes (1978).
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Hoje cedo, na rua do Ouvidor
Quantos brancos horríveis eu vi
Eu quero um homem de cor
Um deus negro do Congo ou 
daqui
Que se integre no meu sangue 
europeu 
Black is beautiful, black is beau-
tiful
Black beauty so peaceful
I wanna a black I wanna a beau-
tiful
Hoje a noite amante negro eu 
vou 
Enfeitar o meu corpo no teu
Eu quero esse homem de cor
Um deus negro do congo ou da-
qui
Que se integre no meu sangue 
europeu
Black is beautiful, black is beau-
tiful
Black beauty so peaceful
I wanna a black I wanna a beau-
tiful.
Enquanto entoava a canção, Tornado cerrou os punhos para o alto. O gesto resul-
tou em intimações e depoimentos forçados para a Polícia Federal. 
O romance do cantor com a atriz Arlete Sales também foi motivo de críticas 
na época. A imprensa periódica da época “explorou” excessivamente o romance 
do casal e várias matérias comentavam o fato de um negro namorar uma branca. 
Com relação ao namoro do casal, Mello (2002) descreve que Tornado era exe-
crado nas ruas e sempre encontrava bilhetes anônimos em seu carro. 
Caro(a) aluno(a), você pode ouvir esta canção acessando o link disponível 
em: <https://www.youtube.com/watch?v=BzrGDTUQ_KE>. Acesso em: 25 
maio 2016.
Fonte: a autora.
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Durante nossa pesquisa, coletamos várias matérias de diferentes periódicos 
publicados nos anos 1970. Algo que julgamos importante destacar é o modo 
como a imprensa do período se referia a Tony Tornado. Como bem recorda 
Munanga (1990), são várias as maneiras ou formas de expressar e praticar o 
racismo e uma delas é a rejeição verbal. Outros termos utilizados pelas revistas 
ao se referirem a Tornado nos chamaram atenção: “aparência agressiva”, “mas-
todôntico”, “crioulo”, “crioulão” e “negão”. 
Sob a ótica de Guimarães (2000), a função ou a intenção do insulto pode 
variar, mas está sempre ligada a uma relação de poder. Os insultos raciais são 
instrumentos de humilhação e sua eficácia reside justamente em demarcar o 
afastamento do insultadorem relação ao insultado, remetendo-o ao terreno 
da pobreza, da anomia social, da sujeira e da animalidade. Quando se trata de 
insulto propriamente racial, a animalidade é atribuída principalmente mediante 
termos como “macaco” e “urubu”. Mais que o termo, a própria cor adquire fun-
ção simbólica, estigmatizante, como bem o demonstram os sinônimos listados 
em dicionários de língua vernácula: “sujo, encardido, lúgubre, funesto, maldito, 
sinistro, perverso, dentre outros”.
Sabemos que o resultado da nossa indeterminação nas distinções raciais faz 
com que o fenótipo, ou melhor, certos traços físicos como formato do rosto, tipo 
de cabelo e coloração de pele se transformem nas principais variáveis de discrimi-
nação. Assim, como afirma Munanga (1990), a diferença cultural, a cor da pele, 
o cabelo crespo, os lábios grossos e o nariz chato são fatores definidores dessa 
relação de exclusão. O racista não se limita apenas em querer impor ao outro a 
sua visão do mundo, mas também em impedir-lhe o acesso quando se aproxima. 
Tornado não era “bem visto” pelos militares, ainda mais porque exercia ati-
vidades de pregação social em bailes black nas periferias. Depois de sofrer várias 
ameaças, o cantor foi exilado do país. Os exílios aconteceram no Uruguai, sul 
de Angola, Egito, Europa, Tchecoslováquia. Sua carreira de cantor foi interrom-
pida. Ao retornar ao país, em meados dos anos 1970, ele começou a participar, 
discretamente, de filmes, séries de televisão e telenovelas. Alguns de seus traba-
lhos foram os filmes: “Quilombo” (1984), dirigido por Cacá Diegues, “1972” e 
“Pixote: a lei do mais fraco”. Trabalhou, também, na minissérie “Agosto” (1984), 
baseada no livro de Rubem Fonseca, interpretando Gregório Fortunato – o 
Figura 08 - Capa do long play gravado por Tony 
Tornado em 1972
Fonte: Rocha (2013, on-line)4.
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guarda-costas de Getúlio Vargas –, e na novela “Roque Santeiro”. 
O intérprete de “BR-3” contabiliza nove passagens pelo DOPS e seu com-
pacto simples, “Deus Negro”, foi interditado pela censura. A seguir, procuraremos 
demonstrar que questões sociais são recorrentes na produção musical do can-
tor, principalmente, temas relacionados ao preconceito racial. 
“BEBEDOURO MATA SEDE, NÃO ESCOLHE COR”: A FORÇA E A 
MENSAGEM DA MUSICALIDADE DE TONY TORNADO
Durante os anos 1970, vários cantores 
dedicados ao gênero gravaram compac-
tos simples e long plays. Esse foi o caso de 
Tony Tornado, que, no início da década, 
lançou seus dois únicos discos, ambos 
pela gravadora Odeon: “Toni Tornado” 
(1971) e “Toni Tornado” (1972). 
Além dos dois discos, o artista gra-
vou e compôs outras canções lançadas 
em compactos simples. É o caso de “Sou 
Negro”, “Se Jesus Fosse um Homem de 
Cor (Deus Negro)”, “Meu Mundo Caiu” 
e “Fica Comigo”. Em 1988, foi lançado, 
pela Continental, o álbum “Alma Negra”. 
Além de Tornado, participam do disco 
os músicos Carlinhos Trumpete, Lady Zu, Tony Bizarro e Luis Vagner. A primeira 
faixa é uma composição de Tornado que se chama “Manifesto”. Nesse mesmo disco, 
ele também interpreta “Motim”, de Luis Vagner.
Como procuramos expor no subcapítulo “O poder negro na pátria verde e ama-
rela”, precisamos admitir que vivemos em um país que nega o preconceito racial ou 
o reconhece apenas como “brando”, não raro justificado em decorrência das con-
dições econômicas (pauperização da população negra), da marginalidade, entre 
outros aspectos. 
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Munanga (1990) esclarece dois aspectos fundamentais em relação às con-
tradições do racismo e da realidade social brasileira. O primeiro diz respeito aos 
cientistas que procuraram dividir ou classificar o gênero humano em “varieda-
des”, geralmente denominadas raças, a exemplo do que a Zoologia fez com os 
animais e a Botânica com as plantas. O segundo se refere à sociedade ocidental 
moderna que tem tirado dessa classificação conclusões incoerentes, em nome do 
qual o homem branco se deu o direito de explorar, dominar, humilhar e exter-
minar outros homens. 
Cumpre ressaltarmos que as teorias raciais chegaram ao Brasil a partir de 
meados do século XIX. Silvio Romero, Nina Rodrigues, Oliveira Viana e Euclides 
da Cunha, pioneiros das ciências sociais no país, acolheram as teorias raciais 
europeias. Sob essa ótica, os argumentos eugenistas, adotados por parte de nossa 
intelectualidade, parecem estar inseridos na dinâmica das relações sociais em um 
momento no qual os segmentos dominantes se mostravam temerosos em relação 
aos desdobramentos da onda de motins que precedeu a abolição da escravatura 
(AZEVEDO, 1987). Na mesma direção, Schwarcz (1993) e Munanga (1990) res-
saltam que, embora se tratassem de conclusões inspiradas na “ciência” ocidental, 
as elites, ao defenderem o branqueamento da sociedade brasileira, buscaram se 
proteger e, sobretudo, manter seus privilégios. Por essa via, salientam que as 
noções de uma suposta superioridade racial branca inviabilizou a propagação 
de discussões sobre a cidadania das populações negras e mestiças nas primeiras 
décadas do período republicano. 
Tomados apenas como objetos de estudo da ciência, os negros se transfor-
mavam em temática de pesquisas que oscilavam entre, de um lado, reconhecer 
o caráter singular desse país miscigenado e, de outro, divulgar as conclusões 
pessimistas de alguns estudiosos europeus que não viam futuro em um país de 
“raças mistas”. 
Refletindo sobre todas essas questões, gostaríamos de citar e comentar “Juízo 
Final”, composição de Renato Corrêa e Pedrinho – inserida na faixa número um 
do álbum “Tony Tornado”, de 1971. Consideramos esse dado importante, pois 
o cantor inaugura seu primeiro LP gravado com uma canção com forte apelo 
social, dando ênfase à temática da discriminação racial. Vamos à letra da canção.
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O dia da verdade, o juízo final 
O fim deste mundo, cheio de 
guerras
O início de um mundo de paz, 
de paz
Bebedouro mata sede, não es-
colhe cor, não escolhe cor, não 
escolhe cor.
Não escolhe cor porque irmão
O dia da verdade, o juízo final 
Eu preciso crer, eu preciso crer 
no fim de tudo isso.
Deus, Deus, Deus meu Deus
O fim deste mundo, cheio de 
guerras
O início, o início de uma nova 
era, de uma nova era
Nova era de paz, cheia de bon-
dade, cheia de bondade
Eu preciso crer, eu preciso crer, 
eu preciso crer
Neste mundo, neste mundo de 
incompreensão, de incompre-
ensão, de incompreensão.
O dia da verdade, o juízo final
Dizem que o mundo vai acabar 
no ano 2000
Deus, meu Deus!
Quando duas mãos se encon-
tram...
O arranjo de “Juízo Final” é do maestro, saxofonista e clarinetista, Paulo Moura. 
A utilização de instrumentos de sopro-metal no início da canção e o verso: “No 
dia da verdade, o juízo final” (repetido quatro vezes pelos back vocals) cedem 
lugar a voz de Tornado cantando “Bebedouro mata a sede, não escolhe cor”.
Caro(a) aluno(a), você pode ouvir esta canção pelo link disponível em: <ht-
tps://www.youtube.com/watch?v=EYn0JTYoMIo>. Acesso em: 25 maio 
2016. 
Fonte: a autora.
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Entendemos que a ideia de queum bebedouro pode saciar a sede sem eleger 
a cor do homem que toma essa água denuncia o preconceito racial. Ademais, 
durante vários anos, o bebedouro foi marca distintiva da segregação racial nos 
Estados Unidos, ao distinguirem aqueles destinados aos brancos daqueles reser-
vados aos negros (“coloreds”). 
O texto trabalha com termos opostos, ao mesmo tempo em que assinala a 
existência de “um mundo cheio de guerras”, nos fala no início de “um mundo de 
paz e numa era cheia de bondade”. Isso acontece também com os termos “crer” 
e “incompreensão”, destacados nos versos: “Eu preciso crer, eu preciso crer, eu 
preciso crer/Neste mundo, neste mundo de incompreensão, de incompreensão, 
de incompreensão”. Notamos que o sujeito aparece nos versos 7 e 12 na primeira 
pessoa do singular. Aliás, essa esperança no porvir é uma característica presente 
nas canções gravadas por Tornado. 
A invocação a Deus acontece como se fosse lamento, inclusive, as palavras 
“Deus”, “Senhor”, “Pai” e “Amém” são recorrentes nas músicas gravadas por ele e 
estão presentes também em “Uma Canção pra Arla” e “Eu Disse Amém”, ambas 
as canções inseridas no primeiro álbum gravado por Tornado. Nos versos finais, 
o cantor pronuncia uma frase que o ouvinte pouco atento corre o risco de não 
perceber: “Dizem que o mundo vai se acabar no ano 2000”. Essas palavras nos 
remetem a pensar no modo como os autores e o intérprete da canção pensavam 
o presente em que viviam, assim como o ciclo da vida, e como interagiam com 
proposições proféticas recorrentes nos períodos próximos à finalização de cer-
tos períodos de tempo como os milênios ou séculos.
Identificamos temática semelhante em “Uma Ideia”, composição de Marcos 
Valle e Paulo Sérgio Valle.
Lembramos que, nos instrumentos de sopro-metal, a palheta é substituída 
pelos lábios do instrumentista, que sopra no bocal – peça que se encaixa no 
orifício superior do instrumento. Trompa, trompete, trombone e tuba são 
exemplos de instrumentos de sopro-metal.
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Quando eu nasci, vim sem pedir
Antes eu fui uma ideia, só uma 
ideia
De minha mãe e um pai
De construir alguém que só sou-
besse amar
Eu aprendi minha lição
Eu sei que a sombra das mãos 
joga no chão 
A mesma cor
A mesma cor
Oh, que ideia!
Pai olhe pra mim
O quê que eu preciso aprender.
Já sofreu pela vida?
Já pediu pela morte?
Mas hoje, meu filho, nada mais 
o atinge
Eu aprendi minha lição
Eu sei que a sombra das mãos 
joga no chão
A mesma cor
A mesma cor
Oh, que ideia!
Pai olhe pra mim
Já sofreu pela vida?
Já pediu pela morte?
Mas hoje, meu filho, nada mais 
o atinge
Pai olhe, olhe pra mim
Que seu filho aprendeu
Eu vim sem pedir
Quando eu nasci, eu não pedi
Antes eu fui uma ideia
Só uma ideia.
Caro(a) aluno(a), você pode ouvir esta canção acessando o link disponível 
em: <https://www.youtube.com/watch?v=u4MhDNAKssk>. Acesso em: 25 
maio 2016.
Fonte: a autora. 
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“Uma Ideia” se principia com um solo de piano que se mantém até o momento 
de entrada da orquestra, no final da segunda estrofe. Detectamos na música um 
grande lamento, um diálogo entre “Pai” (Deus) e seu “filho” (representando todos 
os homens). Isso fica expresso na frase proferida no final da segunda estrofe: “Pai 
olhe pra mim”. Assim como em “Juízo Final”, a letra da canção foi composta na 
primeira pessoa do singular, como observamos nos trechos: “Quando eu nasci 
[...]”, “Antes eu fui [...]”, “Eu aprendi [...]”, “Eu vim [...]”. O arranjo instrumental 
e vocal coincide com a letra da canção, pois se utiliza de elementos dos spirituals 
cuja melodia se reporta à herança musical dos negros africanos, como já apon-
tamos no primeiro capítulo dessa dissertação. 
Depreendemos que o verso: “Eu sei que a sombra das mãos joga no chão a 
mesma cor” explicita a acepção de que todos os homens são iguais, indiferente 
da cor da pele. É sabido que um dos critérios de classificação da espécie humana 
se fundamenta na definição da cor da pele – perspectiva que deu origem a deno-
minação das raças “branca, amarela e negra”. 
Lilia Schwarcz atenta para o fato de que a revista “Raça Brasil” traz em seu 
título o suposto de que, no Brasil, raça é a negra. O título da publicação pode 
ser comparado ao eufemismo tão próprio de nossa sociedade que, a fim 
de evitar as designações “preto”, “negro” e mesmo “mulato”, usa a expressão 
“homens de cor”, como se branco não fosse cor e raça fosse sempre a negra. 
De acordo com a estudiosa, a capa também evidencia a procura de um per-
fil, uma vez que, na maioria dos números, aparecem casais em boa parte 
identificados como modelos de agências famosas ou astros de TV. O pró-
prio texto de abertura do primeiro número da revista reforça uma série de 
estereótipos ao definir “a cara da nossa raça: black, colorida, com balanço e 
ginga, bem brasileiros”. 
Fonte: Schwarcz (1998, p. 233-236).
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Sob o prisma de Munanga (1990), a cor da pele é um fator relativamente superfi-
cial, pois menos de 1% de nossos genes são responsáveis pela cor. Critérios como 
esse, somados à forma do nariz, dos lábios e do queixo, foram considerados, no 
decorrer do século XIX, como indicadores de classificação racial. No final desse 
século, acrescentou-se a esses referentes o ângulo facial e a forma do crânio. O 
estudioso assevera que “raça” é um grupo social que pode ser identificado pelos 
traços culturais, linguísticos e/ou religiosos, mas nunca exclusivamente pelos 
traços físicos. Conforme Guimarães (1999), “raça” é um conceito que não cor-
responde a nenhuma realidade natural. Ele conclui que o racismo é uma forma 
de “naturalizar” a vida social, isto é, de explicar diferenças pessoais, sociais e cul-
turais a partir das diferenças tomadas como naturais. 
O mesmo tema surge em “Se Jesus Fosse um Homem de Cor”, de autoria de 
Cláudio Fontana.
Glória, glória aleluia
Glória, glória paz e amor
Glória, glória aleluia
O meu Cristo não tem cor
Talvez ninguém tenha pensado o 
que eu pensei
Durante a noite que passou
Ou se pensou ficou calado pra não 
ver o mundo inteiro reagir
A minha fé não modifica e nem se 
abala,
Mas eu não posso me calar
Minha pergunta necessita uma 
resposta
Será que alguém me pode dar?
Você teria por Ele esse mesmo 
amor
Se Jesus fosse um homem de cor?
Glória, glória aleluia
Glória, glória paz e amor
Glória, glória aleluia
O meu Cristo não tem cor
Talvez ninguém tenha passado o 
que eu passei
E os meus problemas são de cor
Eu quis pintar meu céu de azul, de 
amor e paz
E o mundo inteiro não deixou
A minha fé não modifica e nem se 
abala,
Mas eu não posso me calar
Minha pergunta necessita uma 
resposta
Será que alguém me pode dar?
Você teria por ele esse mesmo 
amor
 Se Jesus fosse um homem de cor?
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Tony Tornado gravou essa composição em 1976, pela Continental. Todavia, 
durante uma entrevista concedida a Amanda Alves, em 2009, o cantor relatou 
que a canção foi censurada e incomodou bastante as autoridades eclesiásticas 
e militares da época, ao ponto de o CompactoSimples ser quebrado nas lojas.
Araújo (2002, p. 331) descreve que, ao cantar o refrão da canção em pro-
gramas de TV do período: “Você teria por ele esse mesmo amor/ Se Jesus fosse 
um homem de cor?”, Tornado também erguia o pulso, fazendo alusão ao gesto 
característico dos “Panteras Negras”. Segundo o autor, o compositor e o intér-
prete foram intimados a prestarem depoimento na Polícia Federal, e transcreve 
um depoimento de Cláudio Fontana sobre o ocorrido.
[...] Eles chamaram a gente lá na Federal e pediram para eu explicar 
o que eu queria dizer com aquilo; se eu e o Tony Tornado estávamos 
querendo fazer algum movimento de protesto no Brasil e tal. ‘Vocês 
querem jogar os negros contra os brancos?’ Evidentemente, responde-
mos que não, senão seríamos presos ali mesmo.
Durante o AI-5 (Ato Institucional nº 5), o governo militar brasileiro, por meio 
de suas agências de propaganda política, produziu diversas peças publicitárias 
enfatizando o “mito da democracia racial” e a “solidariedade entre as raças”, 
publicava fotografias em revistas e encartes com esse tipo de enfoque. Naquele 
período, entretanto, algumas gravações denominadas “cafonas” sinalizavam o 
oposto, apontando a existência do preconceito e da exclusão na sociedade brasi-
leira. É o caso de “Mano Africano” (Luiz Prestes), “Eu Queria Ser Negro” (Marcus 
Pitter) e “Estou Amando uma Garota de Cor” (Cláudio Fontana). Porém foi “Se 
Jesus Fosse um Homem de Cor” a canção que mais incomodou e provocou a 
mobilização dos censores. 
Caro(a) aluno(a), você pode ouvir esta canção acessando o link disponível 
em: <https://www.youtube.com/watch?v=etW9u72rREI>. Acesso em: 25 
maio 2016.
Fonte: a autora.
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Diferentemente de sua outra composição “O Homem de Nazareth”, na qual 
Fontana apenas exalta a figura de Cristo, nessa outra ele relaciona a temática 
religiosa com a questão racial. Com um refrão em forma de pergunta, a can-
ção questiona.
A minha fé não modifica nem se 
abala
Mas eu não posso me calar
Minha pergunta necessita uma 
resposta
Será que alguém me pode dar?
Você teria por Ele esse mesmo 
amor
Se Jesus fosse um homem de cor?
Araújo (2002, p. 330) destaca que essa pergunta foi formulada pelo composi-
tor no início dos anos 1970, durante uma viagem a Angola, país que, naquele 
momento, ainda era colônia portuguesa. Na época, o cantor Nelson Ned fazia 
sucesso na África e, durante suas visitas ao continente, seu empresário, Genival 
Melo, levava demais artistas que ele tinha sob contrato, como foi o caso do can-
tor Cláudio Fontana. Foi justamente em uma dessas idas à África que lhe veio a 
ideia de relacionar a questão racial à temática religiosa, como explica:
Quando eu cheguei na portaria de um hotel em Luanda, testemunhei 
uma cena que me marcou muito: vi um cidadão branco, português, 
agredir de uma forma terrível um negro que estava ali carregando as 
malas dos hóspedes. E aquilo me chocou muito na hora. Aí eu fui para 
o quarto do hotel e fiquei pensando: ‘Meu Deus! Se o Cristo que eu amo, 
e toda a humanidade ama, não fosse branco e de olhos azuis, como 
nos é pintado e mostrado, será que as pessoas o amariam da mesma 
forma? Será que esse cidadão que eu vi agora bater nesse negro, teria 
por Cristo algum amor se Ele fosse um homem de cor?’ Enfim, a coisa 
foi se avolumando e eu saí de Luanda com esse tema na cabeça. Mais 
tarde, ao retornar ao Brasil, num daqueles momentos com vontade de 
compor, peguei o violão e fiz ‘Se Jesus Fosse um Homem de Cor’.
Embora o projeto de compor tenha surgido após testemunhar esse episódio na 
África, Claudio Fontana já vislumbrava a questão racial no cotidiano da socie-
dade brasileira, tema abordado por ele em “Estou Amando uma Garota de Cor”.
Enfim, ao analisarmos as canções “Juízo Final”, “Uma Ideia” e “Se Jesus Fosse 
um Homem de Cor”, buscamos evidenciar que um dos temas expresso em suas 
ÁFRICA-BRASIL: UMA RELAÇÃO DE ENCONTROS E AFASTAMENTOS
Reprodução proibida. A
rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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letras alude à questão da discriminação racial. Lembramos que a própria repercus-
são que tais canções obtiveram indica a existência de demandas sobre o assunto. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caro(a) aluno(a), os temas apresentados nesta unidade trataram, em um pri-
meiro momento, da diáspora africana. Discutimos, também, brevemente, o 
surgimento e a importância do Movimento Negro no Brasil. Aprendemos que 
os cantores estadunidenses dedicados ao soul influenciaram vários músicos bra-
sileiros no decorrer das décadas de sessenta e setenta do século XX e, entre eles, 
Tony Tornado. 
Houve uma preocupação em abordar o surgimento do “Movimento Black 
Rio” no Brasil e constatamos que, para parte dos jovens negros, o soul simbolizou 
a aglutinação em torno de uma identidade comum e a busca de reconhecimento 
social. Sem dúvida, a plasticidade das indumentárias, dos cabelos, da dança, das 
expressões corporais, dos cumprimentos, dos trajes dos integrantes do “Black 
Rio” denotaram crucial importância na constituição e identidade do grupo, na 
particularização do movimento e no processo de elevação da autoestima de seus 
participantes e admiradores. Nos anos 1970, o volume e a textura do “penteado 
Entrevista breve, mas muito rica, na qual o composi-
tor e intérprete brasileiro Tony Tornado narra impor-
tantes acontecimentos de sua trajetória artística. 
Durante a entrevista, o músico relembra momentos 
decisivos em sua vida, como a sua passagem pelos 
Estados Unidos nos anos 1960 e sua vitória no V Fes-
tival Internacional da Canção, quando defendeu a 
canção “BR-3”, composição de Antônio Adolfo e Ti-
bério Gaspar. 
Considerações Finais
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soul” expressavam, ao mesmo tempo, o compromisso com a ancestralidade afri-
cana e marcavam a diferença face ao padrão eurocêntrico de penteado. 
Dissertamos sobre o V Festival Internacional da Canção (V FIC) e concluí-
mos que, apesar de contribuir muito para a expansão da soul music no mercado 
fonográfico brasileiro, o referido evento foi marcado pelo preconceito contra 
artistas negros. Naquele contexto, Tony Tornado tornou-se uma figura que cha-
mou a atenção e catalisou a desconfiança dos militares. 
Verificamos, ainda, uma profunda influência da black music nas canções 
gravadas por Tornado durante a década de 1970 e constatamos que o conte-
údo expresso em algumas de suas letras oferece visibilidade para a problemática 
social, colocando em destaque a importante questão da discriminação racial no 
Brasil e no mundo.
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1. Maurício Pestana é considerado um dos mais importantes artistas iconográficos 
da atualidade. Publicitário, cartunista, escritor e roteirista brasileiro, Pestana tem 
se destacado cada vez mais no cenário internacional. Em suas obras, ele aborda 
a luta pelos direitos humanos e a cidadania. A seguir, você pode visualizar uma 
de suas inúmeras charges. Faça uma leitura da imagem e escreva sobre ela. 
Afinal, qual o tema central da charge de Maurício Pestana? 
Fonte: adaptado de Pestana (2001). 
2. Na unidade V de nosso livro, você pôde conhecer um pouco mais sobre um dos 
gêneros musicais mais representativos de nosso país, a black music. Leia aten-
tamente o tópico 3 da unidade e discorra sobre as principais características 
da black music no Brasil, sobre Tony Tornado e sua importância no cenário 
musical e político dos anos 1970.

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