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Farmacognosia Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Esp. Rosana Maria Zanoli Revisão Textual: Prof. Me. Luciano Vieira Francisco Extração e Purificação em Matérias-Primas Vegetais e Análises Físico-Químicas em Insumos Vegetais e Medicamentos Fitoterápicos Extração e Purificação em Matérias-Primas Vegetais e Análises Físico-Químicas em Insumos Vegetais e Medicamentos Fitoterápicos • Compreender e diferenciar um medicamento fitoterápico e um medicamento com ativo ex- traído de um vegetal e purificado, e os principais fatores farmacológicos envolvidos. OBJETIVO DE APRENDIZADO • Introdução; • Principais Plantas Medicinais Contendo Metabólitos Secundários e seus Efeitos Farmacológicos; • Fitofármacos; • Análises Físico-Químicas em Insumos Vegetais e Medicamentos Fitoterápicos. UNIDADE Extração e Purificação em Matérias-Primas Vegetais e Análises Físico-Químicas em Insumos Vegetais e Medicamentos Fitoterápicos Introdução Iniciaremos esta Unidade lembrando alguns conceitos básicos, de forma a diferenciar alguns termos e compreendê-los com maior clareza, a fim de prosseguir com o objetivo aqui proposto. • Planta medicinal: espécie vegetal, cultivada ou não, utilizada com propósitos terapêuti- cos – Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n.º 26/2014; • Medicamento Fitoterápico (MF): medicamento obtido empregando-se exclusivamente matérias-primas ativas vegetais. É caracterizado pelo conhecimento da eficácia e dos riscos de seu uso, assim como pela constância de sua qualidade. Não se considera medicamento fitoterápico aquele que, na sua composição, inclua substâncias ativas isoladas, de qualquer origem, nem as associações destas com extratos vegetais (RDC n.º 26/2014); • Droga vegetal: planta medicinal, ou suas partes, que contenham as substâncias respon- sáveis pela ação terapêutica, após processos de coleta/colheita, estabilização, quando apli- cável, e secagem, podendo estar na forma íntegra, rasurada, triturada ou pulverizada (RDC n.º 26/2014); • Chá medicinal: droga vegetal com fins medicinais a ser preparada por meio de infusão, decocção ou maceração em água pelo consumidor (RDC n.º 26/2014); • Fitoterápico: produto obtido de matéria-prima ativa vegetal, exceto substâncias isoladas, com finalidade profilática, curativa ou paliativa, incluindo Medicamento Fitoterápico (MF) e Produto Tradicional Fitoterápico (PTF), podendo ser simples, quando o ativo é provenien- te de uma única espécie vegetal medicinal, ou composto, quando o ativo é proveniente de mais de uma espécie vegetal (RDC n.º 26/2014); • Derivado vegetal: produto da extração da planta medicinal fresca ou da droga vegetal, que contenha as substâncias responsáveis pela ação terapêutica, podendo ocorrer na forma de extrato, óleo fixo e volátil, cera, exsudato e outros (RDC n.º 26/2014); • Insumo Farmacêutico Ativo Vegetal (Ifav): é a matéria-prima ativa vegetal, ou seja, a droga ou o derivado vegetal, utilizada no processo de fabricação de um fitoterápico (RDC n.º 26/2014); • Fitofármaco: é uma substância altamente purificada e isolada a partir de matéria-prima vegetal, com estrutura química e atividade farmacológica definida. É utilizado como ativo em medicamentos com propriedade profilática, paliativa ou curativa. Não são considera- dos fitofármacos compostos isolados que sofram qualquer etapa de semissíntese ou modi- ficação de sua estrutura química (RDC n.º 24/2011). A norma para registro de MF e notificação de PTF é o Guia de orientação para re- gistro de medicamento fitoterápico e Registro e notificação de produto tradicional fitoterápico, aplicáveis somente a fitoterápicos industrializados – Instrução Normativa (IN) n.º 4/2014. Produtos manipulados possuem regras específicas a serem seguidas: farmácias de ma- nipulação devem seguir a RDC n.º 67/2007, autorizada pela vigilância sanitária e, neste caso, não precisam de registro sanitário, mas devem ser prescritos por profissionais habilita- dos, e a RDC n.º 87/2008, enquanto as farmácias vivas devem seguir a RDC n.º 18/2013. 8 9 As plantas medicinais são comumente utilizadas na forma de chás, ao serem indus- trializadas, na forma de droga vegetal ou derivado vegetal para se obter um MF ou PTF – tem-se como resultado o fitoterápico. O Conselho Federal de Farmácia (CFF) lançou, em dezembro de 2019, a primeira edição do informativo on-line intitulado Conversando sobre Fitoterapia, elaborado pelo Grupo de Trabalho em Fitoterapia do Conselho Federal de Farmácia (GT-Fito). A publicação é um espa- ço de divulgação e informações sobre o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, disponível em: https://bit.ly/3qIU8N4 No site do CFF, em publicações, você também encontrará outros materiais de orientação sobre o uso de plantas medicais e fitoterápicos, disponíveis em: https://bit.ly/3qJ3Zm1 Figura 1 – Uso correto de plantas medicinais Fonte: Adaptado de cff.org.br O conhecimento sobre as plantas medicinais pode servir como fonte para novos fár- macos, sejam fitofármacos e seus precursores ou para à síntese químico-farmacêutica, valendo lembrar que os fitofármacos não são considerados fitoterápicos, não contêm o fitocomplexo, mas determinada substância isolada. 9 UNIDADE Extração e Purificação em Matérias-Primas Vegetais e Análises Físico-Químicas em Insumos Vegetais e Medicamentos Fitoterápicos O processo de industrialização é realizado segundo as normas das BPF, que é parte da garantia da qualidade, evitando contaminações por microrganismos e substâncias estranhas, além de padronizar a quantidade dos constituintes químicos presentes no ex- trato, a posologia e forma correta de uso e, consequentemente, maior segurança de uso. Importante! Não confunda medicamentos fitoterápicos com medicamentos homeopáticos ou medicamentos sintéticos, afinal: • Os medicamentos homeopáticos são preparados a partir de tintura-mãe, a qual é produzi- da por método específico, podendo ter origem vegetal, animal e mineral, e fazem parte da classificação de medicamentos dinamizados – preparados por processo de dinamização, isto é, diluição e agitação padronizada; • Medicamentos fitoterápicos pertencem ao grupo classificado como produtos alopáticos; contêm princípios ativos provenientes de plantas, compondo o fitocomplexo – diversas substâncias provenientes do metabolismo primário e secundário –, sendo responsáveis pela ação terapêutica esperada; • Medicamentos obtidos por síntese química, pertencem ao grupo classificado de medicamentos alopáticos, medicamentos mais conhecidos, vendidos em drogarias. Você Sabia? “No caso dos medicamentos fitoterápicos, a ação farmacológica será em decorrência do fitocomplexo presente, ou seja, várias substâncias presentes atuando em conjuntos decorrentes da composição da planta a partir do extrato seco padronizado ou de alguma solução extrativa”, comenta Maria Aparecida Nicoletti, farmacêutica responsável pela Farmácia Universitária da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), acrescentando que, neste contexto, dependendo da composição do medi- camento fitoterápico, a partir de várias substâncias ativas presentes, poderá desencade- ar mais de uma atividade farmacológica. Fonte: https://bit.ly/2W1LBH6 Para orientar-se quanto ao uso, às políticas e aos programas relacionados a plantas medicinais e fitoterápicos no Brasil, você deve ler a primeira edição do informativo on-line Conversando sobre Fitoterapia – já indicado –, no qual está descrito, inclusive, a importância do formulá- rio nacional de fitoterápicos da farmacopeia brasileira, no qual constam várias formas farma- cêuticas e o memento de fitoterápicos da farmacopeia brasileira – nele podemos encontrar orientações para a prescrição de plantas medicinais e fitoterápicos com evidências científicas. 10 11 Principais Plantas Medicinais Contendo Metabólitos Secundários e seus Efeitos Farmacológicos De acordo com Cechinel-Zanchett (2016), apesar do grande interesse em plantas medicinais,apenas um fitoterápico brasileiro, o Acheflan, produzido do óleo da planta Cordia verbenacea, está entre os 19 fitoterápicos mais vendidos no Brasil (Tabela 1). Os outros são de plantas importadas da Europa e África. Tabela 1 – Medicamentos fi toterápicos industrializados brasileiros mais vendidos em 2014 Colocação Nome comercial do medicamento Vendas 2014 (U$) 1º TAMARINE 26.62 2º ABRILAR 23.96 3º SEAKALM 19.28 4º GINKOLAB 15.41 5º FORFIG 14.60 6º EPAREMA 14.35 7º PASALIX 13.89 8º NATURETTI 12.70 9º CALMAN 11.60 10º PLANTABEN 11.59 11º ACHEFLAN 11.06 12º KALOBA 10.46 13º ARPADOL 10.31 14º ARLIVRY 10.14 15º TORANTE 9.86 16º PHITOSS 9.70 17º GINKOMED 8.24 18º TEBONIN 8.08 19º LEGALON 6.93 Fonte: CECHINEL-ZANCHETT, 2016 Cechinel-Zanchett (2016) destaca que muitos estabelecimentos tendem a registrar esses produtos como alimentos ou cosméticos, porque os requerimentos sobre qualidade e segurança são mais simples, sem precisar ter alegações terapêuticas. 11 UNIDADE Extração e Purificação em Matérias-Primas Vegetais e Análises Físico-Químicas em Insumos Vegetais e Medicamentos Fitoterápicos Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), alimentos funcionais apresentam outros benefícios além de nutrir, pois contêm constituintes que podem auxiliar, por exemplo, na manutenção de níveis saudáveis de triglicerídeos, alegações autorizadas restringem-se àquelas previstas no Anexo V da IN n.º 28/2018, desde que atendidos os respectivos requisitos de composição e rotulagem. A IN n.º 28/2018 está disponível em: https://bit.ly/2IAlDr0 O uso de plantas medicinais para manutenção ou recuperação da saúde é frequente em todo o mundo, e a regulamentação dessa prática pode ocorrer de diferentes manei- ras, conforme a seguinte Figura: Planta medicinal Derivado vegetal Alimentos Cosméticos Fitoterápicos Medicamento �toterápico Manipulado ou industrializado Produto tradicional �toterápico Droga vegetal Figura 2 – Cadeia de processamento de plantas medicinais Fonte: Adaptado de CECHINEL, 2020 Importante! Simões e colaboradores (2017) orientam a não confundir a atividade biológica farmaco- lógica de uma droga vegetal com a atividade farmacológica de seu óleo volátil isolado, pois infusos e extratos comerciais contêm quantidades bem menores devido à baixa so- lubilidade desses compostos em água e a perda durante o processo de extração. Lembrando que quando as plantas medicinais forem comercializadas com alegações terapêuticas, ou seja, quando se pretende fazer referência, para o consumidor, das suas propriedades medicinais, elas passam a ostentar uma finalidade medicamentosa, tendo em vista a intenção profilática, curativa ou paliativa de sua utilização devem ser regula- rizadas como medicamentos fitoterápicos. Os chás de algumas plantas, inclusive consideradas medicinais, como o boldo, des- de que não apresentem indicações terapêuticas em sua embalagem, são considerados alimentos e devem ser notificados na Anvisa. Porém, não podem alegar efeito profilá- tico, curativo ou paliativo de doenças, pois assim estariam infringindo a Lei sanitária. Só quem pode ter alegações terapêuticas são medicamentos. Não são todas as plantas que podem ser cadastradas como alimento para o preparo de chá, apenas as dispostas nas RDC n.º 267/2005 e n.º 219/2006. 12 13 Existe também o chá medicinal (com indicação terapêutica), que por definição legal é a droga vegetal com fins medicinais a ser preparada por meio de infusão, decocção ou maceração em água pelo consumidor. Os chás medicinais devem ser notificados na Anvisa, na categoria de produto tradicional fitoterápico. Um fitoterápico é registrado na Anvisa se na embalagem o número de inscrição do medicamento no Ministério da Saúde, havendo a sigla MS, seguida de um número con- tendo de 9 a 13 dígitos, iniciado sempre por 1, portanto, os medicamentos industrializa- dos devem ser regularizados junto à Anvisa para serem fabricados e comercializados no País, o que pode ser feito por meio de registro ou notificação. Já para os medicamentos manipulados, um fitoterápico só poderá ser manipulado se for prescri- to em uma receita por profissional habilitado ou se sua fórmula constar no formulário de fitote- rápicos da farmacopeia brasileira (manipulação oficinal), disponível em: https://bit.ly/37a6MgF Chechinel e colaboradores (2020) destacam que, apesar de diversos profissionais de saúde indicarem e prescreverem plantas medicinais e fitoterápicos, de acordo com normas específicas dos seus respectivos conselhos de classe, nove das espécies vegetais disponíveis são de exclusiva prescrição médica, a saber: • Arctostaphylos uva-ursi (L.) Spreng. (Uva-ursina), uso em cistite; • Cimicifuga racemosa (cimicífuga), uso em queixas do climatério, inclusive alívio de sintomas de ansiedade e alterações de humor; • Echinacea purpurea (L.) Moench (equinácea), uso em infecções recorrentes; • Gi nkgo biloba L. (Ginkgo), uso nos distúrbios circulatórios; • Hypericum perforatum L. (erva-de-são-joão), usado em depressão; • Piper methysticum G. Forst. (kava-kava), usado em ansiedade e insônia; • Serenoa repens (W. Bartram) Small (Saw palmetto), usado em hiperplasia benigna da próstata; • Tanacetum parthenium (L.) Sch. Bip. (Tanaceto), usado em profilaxia de enxaqueca; • Valeriana officinalis L. (Valeriana), usado em ansiedade e insônia. Estar na lista de medicamentos fitoterápicos de registro simplificado (IN n.º 5/2008) implica que o medicamento de uso tradicional fitoterápico não necessita de comprovar a segurança e eficácia por estudos clínicos, mas por demonstração de tempo de uso, devido à quantidade de estudos já publicados sobre cada uma delas. Acesse o memento fitoterápico da farmacopeia brasileira, e leia as monografias dos princi- pais fitoterápicos que possuem atividade calmante, sedativa e ansiolítica. Disponível em: https://bit.ly/2K6DK8p 13 UNIDADE Extração e Purificação em Matérias-Primas Vegetais e Análises Físico-Químicas em Insumos Vegetais e Medicamentos Fitoterápicos A IN n.º 2/2014 lista os medicamentos fitoterápicos industrializados de registro simplificado, incluindo a classificação isento ou sob prescrição médica, e os PTF de registro simplificado, destacando-se que 32 espécies listadas são isentas de prescrição médica (Tabela 2). Agora, abra a cartilha de plantas medicinais e fitoterápicos do Conselho Regional de Far- mácia de São Paulo (CRF-SP), da página 31 à página 57 e leia as informações contidas nas tabelas de plantas, tais como: • Nomenclatura botânica; • Nomenclatura popular; • Parte(s) utilizada(s); • Forma de utilização; • Posologia e modo de usar; • Via; • Uso; • Alegações; • Contraindicações; • Efeitos adversos; • Informações adicionais na embalagem. IN n.º 2/2014, disponível em: https://bit.ly/2W1Fdzv Tabela 2 – Espécies da IN n.º 2/2014 classificadas como venda sem prescrição médica Medicamentos Fitoterápicos Produtos Fitoterápicos Tradicionais Alcachofra Alcaçuz Alcaçuz Arnica Alho Boldo-do-chile Anis Calêndula Cáscara sagrada Camomila Castanha-da-índia Cardo mariano Centella Confrei Gengibre (droga) Espinheira-santa Gengibre (extratos) Eucalipto Ginseng coreano Garra-do-diabo Guaraná Guaco Hortelã pimenta Hamamélis Mirtilo Maracujá Polígala Melissa Psyllium (para constipação) Sabugueiro Salgueiro Unha-de-gato Sene – Fonte: crfsp.org.br 14 15 Na sexta edição da Farmacopeia brasileira, especificamente no capítulo intitulado Plantas medicinais, encontramos as monografias contendo as concentrações de óleo volátil, se houver, e dos constituintes químicos presentes, e em farmacopeias reconhe- cidas pela Anvisa. A passiflora (Passiflora incarnata L.), presente no medicamento fitoterápico Sealkalm, indicado em casos de ansiedade e insônia, presente no memento fitoterápico, pode ser vendida sem prescrição médica, porém, como qualquer medicamento, possui contraindicações – neste caso, hipersensibilidade mediada por IgE, ocasionando rinite, assimcomo interações medicamentosas. Vale destacar que de acordo com o Artigo 38 da RDC n.º 26/2014, somente será permitida a notificação como produto tradicional fitoterápico daqueles Ifav que se encon-tram listados na última edição do Formulário de Fitoterápico da Farmacopeia Bra-sileira (FFFB) e que possuam monografia específica de controle da qualidade publicada em farmacopeia reconhecida pela Anvisa. Neste momento temos em mente, de forma clara e concisa, a relação entre o conhecimento dos metabólitos secundários presentes em determinadas partes de uma planta e a ativida- de farmacológica que ele pode exercer em concentrações específicas; você pode encontrar informações importantes sobre este assunto e outros, como fitocosmética, na obra Farma- cognosia: coletânea científica, disponível em: https://bit.ly/37S7duR No memento fitoterápico encontramos informações completas para prescrição, inclusive a informação de isenção ou venda somente sob prescrição médica, e em posologia, além da forma farmacêutica, temos a informação do derivado vegetal – preparação farmacêutica intermediária da droga vegetal (por exemplo, extrato seco contendo a concentração dos constituintes químicos presentes), essencial para que a dose seja corretamente calculada de acordo com as características do paciente –, leia em: https://bit.ly/2K6DK8p Você Sabia? Que apesar de raro, algumas plantas produzem metabólitos secundários de interes- se farmacêutico em alta concentração? Fato que otimizou a produção de fitofármacos como a pilocarpina, biossintetizada pelo jaborandi (Pilocarpus microphyllus Stapf ex Wardleworth) e a rutina, pela fava-de-anta (Dimorphandra mollis Benth), sem passar pelos processos de síntese, ambas obtidas pela Merck, no Brasil, em fazendas no Estado do Maranhão. Verificaremos as indicações terapêuticas das plantas medicinais, consultando as fon- tes citadas e/ou as farmacopeias reconhecidas pela Anvisa. Por exemplo, os óleos volá- teis não possuem os mesmos constituintes químicos presentes, portanto, podem possuir mecanismos de ação e atividade farmacológica diversa. Porém, Simões e colaboradores (2017) destacam que a ação antimicrobiana da maioria dos óleos voláteis, utilizados nas concentrações adequadas, como os óleos de cravo-da-índia, eucalipto e alecrim, apresentam a propriedade de danificar estruturas de microrganismos, resultando em atividades antimicóticas, antibacterianas e antivirais. 15 UNIDADE Extração e Purificação em Matérias-Primas Vegetais e Análises Físico-Químicas em Insumos Vegetais e Medicamentos Fitoterápicos O fato de a maioria dos óleos voláteis possuir função biológica – no vegetal – diversifi- cada, mas principalmente proteção contra herbívoros e defesa contra patógenos justifica a ação antimicrobiana, mas cuidado! Lembre-se que alguns constituintes presentes no óleo volátil de diferentes espécies podem conferir outras funções biológicas e farmaco- lógicas a ele: • A berberina é um alcaloide isoquinolínico; possui como atividade farmacológica a ação sedativa e descongestionante – neste caso, associado a outros princípios ativos na forma farmacêutica de colírios – sendo utilizado atualmente o extrato concen- trado e padronizado, extraído da Phellodendron amurense, de modo que alguns fornecedores de matéria-prima alegam possuir concentração de 95% de berberina, proporcionando, assim, maior eficácia clínica; • A boldina é um alcaloide isoquinolínico; possui ação colerética, ou seja, estimula a produção de bile pelo fígado, e colagoga, isto é, estimula o fluxo da bile para o duodeno, sendo o marcador biológico da espécie nos ensaios qualitativos da droga vegetal da espécie Peumus boldus. De agora em diante, lembre-se de relacionar as estruturas de metabólitos secundários e suas concentrações em diferentes partes das plantas às indicações terapêuticas, inclu- sive com a informação sobre qual a concentração de constituinte químico é necessária para exercer a atividade farmacológica em determinada dose da forma farmacêutica na qual ele será veiculado. Você também pode acessar a obra intitulada “Farmacognosia: do produto natural ao medicamento” e, na parte II, encontrar as propriedades farmacológicas e indicações te- rapêuticas, dentre outras informações importantes das classes de metabólitos secundários, disponível em: https://bit.ly/3jYOgeB Fitofármacos De acordo com Cechinel e colaboradores (2020), é raro substâncias majoritárias en- contradas nas plantas medicinais possuírem condições para atuar como um fitofármaco, sendo utilizados estudos de modificação molecular – manipulação molecular –, método comumente empregado e que otimiza a atividade biológica, dependendo dos grupos reativos de uma molécula, tal como a presença de grupos carbonila, hidroxila e duplas ligações, suscetíveis a reações e que geram rendimentos satisfatórios. Geralmente, as modificações estruturais realizadas objetivam introduzir grupamentos que conferem à substância em estudo maior ou menor hidrofobicidade ou grupos doado- res e/ou aceptores de elétrons, permitindo posteriormente a aplicação de algum método de correlação entre a estrutura química e a atividade biológica (ATANASOV et al., 2015; CHECHINEL et al., 2020), sendo: • Qualitativa, detecção de grupos funcionais ou partes importantes da molécula para a atividade biológica – Relação Estrutura/Atividade (SAR); 16 17 • Rel ação Quantitativa Estrutura/Atividade (QSAR); • Química combinatória e a triagem de alto rendimento – HTS: (do inglês High- Throughput Screening), processo automatizado capaz de testar milhares de compostos químicos ou biológicos, indicando quais são os fármacos promissores, em um único dia. O estudo das estruturas e sua relação com atividade biológica, bem como os métodos utilizados na modificação molecular são tópicos vistos na Disciplina de Química Farma- cêutica. Cechinel Filho e Yunes (1998) ressaltaram que o sucesso das investigações na área de princípios ativos naturais depende, principalmente, do grau de interação entre a Botânica, Química e Farmacologia. De acordo com Atanasov e colaboradores (2015), a indústria farmacêutica nas últi- mas décadas se concentrou principalmente em bibliotecas de compostos sintéticos como fonte de descoberta de medicamentos, devido ao fato de serem fáceis de produzir e reabastecer e demonstram boa compatibilidade com as plataformas de triagem de alto rendimento (HTS) estabelecidas. A tendência de declínio no número de novos medi- camentos aumentou o interesse científico na descoberta de medicamentos a partir de fontes naturais, apesar dos desafios encontrados, como alguns citados a seguir: • A necessidade de especialistas de diferentes áreas, tais como biólogos, profissionais das áreas de Botânica, Química e Agronomia, além de farmacêuticos e médicos; • Correta identificação na coleta e nomenclatura, análise genética e química, além de caracterização morfológica e anatômica; • As quantidades de compostos disponíveis são frequentemente insuficientes para o teste de ampla gama de atividades biológicas; • Espécies selvagens podem ter coleta difícil, uma vez que os habitats das plantas podem desaparecer rapidamente sob pressão antrópica e algumas áreas são preservadas; • A composição química do material vegetal é dependente da estação e pode limitar a janela de tempo para a coleta; • Quando uma planta passa a ser comercializada como fitoterápico ou quando um de seus constituintes passa a ser utilizado como fármaco, suas populações ficam ameaçadas devido a extensas técnicas de silvicultura e colheita não sustentável; • O cultivo seria uma alternativa mais sustentável para a silvicultura; no entanto, aproximadamente dois terços das 50.000 espécies de plantas medicinais usadas em todo o mundo ainda são feitas de forma selvagem; • O material vegetal disponível varia frequentemente em qualidade e composição e isto pode dificultar a avaliação de suas reivindicações terapêuticas; • A composição química não depende apenasda identidade da espécie e do tempo de colheita, mas também da composição do solo, altitude, clima atual, processa- mento e condições de armazenamento; • Durante a extração, bem como durante os processos de isolamento, podem ocorrer transformação e degradação de compostos; • Substâncias com estruturas complexas com múltiplos centros quirais tornam a sín- tese total no momento difícil e economicamente inviável na maioria dos casos, exigindo avanços tecnológicos significativos para ser aplicada com sucesso. 17 UNIDADE Extração e Purificação em Matérias-Primas Vegetais e Análises Físico-Químicas em Insumos Vegetais e Medicamentos Fitoterápicos Fitoquímica Farmacologia in vitro Farmacologia in vivo Sistese Orgânica Modelagem de computador Biotecnologia Figura 3 Fonte: Adaptado de Getty Images Complexidade dos estudos envolvidos na descoberta e no reabastecimento de produtos naturais com ativos farmacológicos derivados de plantas e a partir delas possível escala de síntese industrial. Um exemplo de fitofármaco é a capsaicina, isolada do gênero Capsicum; é uma subs- tância que possui propriedades analgésicas, usada como analgésico tópico, geralmente em concentrações que variam de 0,025 a 0,075%, sob a forma farmacêutica de cremes, géis e unguentos. De acordo com Romero e colaboradores (2019), em altas concentrações, apresentado como adesivo de capsaicina a 8%, foi aprovado pela American Food and Drug Administration (FDA) e pela European Medicines Agency (EMA) em certas situações clínicas, tais como Neuralgia Pós-Herpética (NPH) e neuropatia dolorosa relacionada à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Uma única aplicação com duração de até 60 minutos em pacientes com dor neuropática produz alívio efetivo da dor por até 12 semanas. Chechinel e colaboradores (2020) ressaltam que outro importante aspecto relacionado ao estudo de plantas medicinais com a finalidade de obtenção de medicamentos envolve a utilização das substâncias naturais ativas como protótipo para a síntese de substâncias análogas mais potentes, seguras e seletivas, que podem, muitas vezes, ser produzidas mais facilmente e/ou a custos menores. Inúmeros fármacos relevantes que estão disponíveis no mercado farmacêutico foram obtidos sinteticamente com base nessa metodologia. 18 19 CH3 N N N NO O H3C Figura 4 – Estrutura da teofi lina, uma dimetilxantina presente no cacau e chá-verde CH3 CH3 CH3 CH3 O O HN N N S N O O N N Figura 5 – Estrutura da sildenafi la, fármaco utilizado para disfunção erétil HTS é uma forma de separar fármacos promissores, chamados também de Hits, daqueles que não possuem efeito algum. Para começar a triagem uma biblioteca de compostos é criada e funciona de modo bem parecido com uma biblioteca de livros, sendo um conjunto de compostos sintetizados quimicamente e de origem biológica. Podem ser, por exemplo, desde fármacos já aprovados para uso em humanos, até compostos extraídos de plantas. Nesse sentido, leia o material intitulado Mais rápido, mais preciso e mais fármacos: tria- gens de alto desempenho, disponível em: https://bit.ly/2VXCQxE Extração e Purificação A análise de metabólitos secundários com atividade biológica é complexa e longa, pois geralmente os compostos presentes em menor proporção na planta são os que apresentam melhores efeitos biológicos. Desta forma, Cechinel Filho e Yunes (1998) justificam a necessi- dade de um trabalho em colaboração mais ampla entre químicos e farmacólogos para a aná- lise de extratos, obtendo-se extratos semipuros, frações e finalmente os compostos puros. Alguns compostos estão presentes em maior concentração e são, geralmente, isola- dos e estudados por meio de métodos fitoquímicos. 19 UNIDADE Extração e Purificação em Matérias-Primas Vegetais e Análises Físico-Químicas em Insumos Vegetais e Medicamentos Fitoterápicos Preparo de Extratos Lembre-se que a primeira etapa na formação de um fármaco se dá através da me- dicina popular – etnofarmacologia –, com a observação direta da espécie vegetal com visibilidade nos atributos de potencialidade. A forma clássica de isolamento de produtos naturais começa com a identificação, co- leta e preparação do material biológico, geralmente por secagem (BUCAR et al., 2018). A próxima fase é a preparação do extrato vegetal, visando ao isolamento de diferen- tes compostos, sendo um dos métodos mais adequados para esse intuito a preparação de um extrato hidroalcóolico – segundo Cechinel e Yunes (1998), etanol/água 50/50, v/v – por se aproximar do uso popular. Os processos extrativos usados para caracterizar matérias-primas de origem vegetal apre- sentam diferentes características e objetivos, aqui indicados no capítulo: • 7, intitulado Introdução à análise fitoquímica, de Simões e colaboradores (2017) e disponível em: https://bit.ly/3jYOgeB • 1, intitulado Métodos de extração, de Oliveira (2017) e disponível em: https://bit.ly/3jYOgeB Posteriormente à extração por maceração ou percolação, as soluções extrativas são filtradas e, em seguida, o solvente é evaporado em evaporador rotativo (rotavapor), para posterior análise fitoquímica qualitativa. Vimos que a triagem fitoquímica é realizada através de reações químicas de carac- terização dos constituintes químicos presentes no extrato, que revelarão a presença de metabólitos secundários; embora devamos lembrar que as reações fitoquímicas são pou- co eficazes como único método de identificação, devido à sua inespecificidade, sendo recomendada a realização de outros ensaios complementares. Chechinel Filho e Yunes (1998) orientam que caso o extrato apresente efeitos bio- lógicos de interesse, deve-se proceder a um método sistemático de estudo, no qual o solvente mais adequado para a obtenção do extrato bruto é o metanol, pois possibilita a extração de maior número de compostos. Segue-se a extração, na qual diversos métodos são utilizados como etapas de pré- -purificação, conforme veremos no próximo tópico – Fracionamento –, removendo inter- ferentes seletivamente, com diferentes solventes de baixa polaridade, e agregando com- postos lipofílicos enquanto solventes mais polares como o etanol, permitindo a obtenção de materiais num largo espectro de polaridades (BUCAR et al., 2013; STICHER, 2008). Fracionamento O fracionamento é realizado por solventes orgânicos de polaridade crescente, tendo por objetivo a obtenção de frações enriquecidas com bioativos – veremos que o seu isolamento e a identificação de metabólitos são realizados por meio de processos espec- troscópicos e cromatográfico. 20 21 De acordo com Simões e colaboradores (2017), sob o ponto de vista fitoquímico, a sequência clássica visando ao isolamento dos compostos de interesse passa por um pro- cedimento de partição com solventes (extração líquido-líquido), sendo necessário que os líquidos envolvidos no processo sejam imiscíveis. Dissemos que o f racionamento por partição tem por objetivo separar os compostos considerando a sua solubilidade e o seu coeficiente de partição em diferentes solventes, de modo que Simões e colaboradores (2017) descrevem que para esse procedimento a escolha dos solventes ocorre baseada no grau de polaridade crescente – por exemplo, hexano < diclorometano < acetato de etila < n-butanol. O extrato bruto, de acordo com Cechinel Filho e Yunes (1998), pode ser submetido a diferentes metodologias, tais como: • Ao processo de partição líquido-líquido, através do uso de solventes orgânicos de polaridades crescentes, tais como o hexano, éter de petróleo, diclorometano, ace- tato de etila e butanol, sendo fracionado e havendo semipurificação (Figura 6); por fim, tais compostos semipuros são avaliados em testes in vitro e in vivo, e os que apresentarem efeito biológico de interesse serão submetidos aos procedimentos cromatográficos para isolamento e purificação dos compostos (FRANÇA et al., 2018; CECHINEL FILHO; YUNES, 1998). Maceração com MeOH (cerca de 10 dias) Evaporação de solventePLANTA EXTRATO DE HEXANO EXTRATO DE DICLOMETANO EXTRATO DE ACETATO ETILA EXTRATO METANÓLICO BRUTO H = hexano DCM = diclorometano AE = acetato de etila B = butanol Suspensão em H2O Partição sucessiva B AEDCM H EXTRATO DE BUTANOL Flavonóides glicosilados Taninos Saponinas Carboidratos Esteóides Terpenos Acetofenonas Lignanas Flavonóides metoxilados Sesquiterpenos Lacionas Triterpenos Cumarinas Flavonóides Taninos Xantonas Ácidos triterpênicos Saponinas Compostos fenólicos em geral Figura 6 – Esquema geral de partição e separação provável dos principais metabólitos secundários presentes em plantas Fon te: Adaptado de CECHINEL FILHO; YUNES, 1998 21 UNIDADE Extração e Purificação em Matérias-Primas Vegetais e Análises Físico-Químicas em Insumos Vegetais e Medicamentos Fitoterápicos • Outra metodologia de semipurificação de extratos consiste na filtração de extratos alcoólicos (metanol ou etanol) brutos em sílica gel com solventes de polaridades crescentes, ocorrendo também separação das substâncias pela polaridade; • Um método alternativo para a obtenção de extratos consiste em macerar a planta em estudo durante vários dias diretamente com solventes de polaridade crescente, conforme o exemplo indicado na seguinte Figura: Planta Maceração Evaporação Evaporação Evaporação Evaporação Material vegetal Material vegetal Material vegetal Hexano Extrato Testes Biológicos Extrato Extrato Extrato Diclorometano Acetato de etila Metanol Figura 7 – Esquema geral para obtenção de extratos diretamente da planta Fonte: Adaptado de CECHINEL FILHO; YUNES, 1998 Os métodos mencionados geralmente são usados quando não se conhece a natureza dos compostos químicos ativos presentes na planta em estudo; caso contrário, podem ser utilizados outros métodos específicos. Purificação e Isolamento Uma vez que o extrato vegetal foi selecionado pelas técnicas de fracionamento, a pró- xima etapa é submetê-lo aos métodos cromatográficos mais específicos, pois permitem separar, isolar e caracterizar os principais constituintes químicos de interesse. Lembre-se que os ensaios cromatográficos têm por objetivo: • O isolamento de um metabólito específico (processo preparativo); • Verificar a presença e o teor desse composto em determinado extrato (pro- cesso analítico). O acoplamento da Cromatografia Líquida de alta eficiência com Espectrometria de Massas (CL-EM) é uma ferramenta analítica extremamente importante, sendo mais efi- ciente e com maior sensibilidade do que as convencionais, tornando-se o método analíti- co utilizado em várias etapas de desenvolvimento de fármacos (NICULAU et al., 2016). 22 23 A Eletroforese Capilar (EC) é uma técnica de separação, útil para investigar desde moléculas pequenas e mais simples, até moléculas mais volumosas e complexas, en- volvendo a migração diferenciada de compostos iônicos ou ionizáveis de interesse, na presença de um campo elétrico, em um capilar preenchido com solução tampão e, de acordo com Oliveira (2018), as suas vantagens e desvantagens são as seguintes: • Principais vantagens: é uma técnica rápida, versátil, de baixo custo, com alto po- der de separação (resolução) e consumo mínimo de amostras, reagentes e solven- tes. Além disso, oferece a possibilidade de automação e detecção on-line; • Principais limitações: não serve para a determinação de compostos voláteis, não polares e de massa molar baixa, em que são melhor determinados por cromato- grafia gasosa. Igualmente, não é muito adequada para a análise de polímeros não iônicos de massa molar alta e não é tão sensível quanto à cromatografia líquida de alta eficiência. Para saber mais sobre: • Os métodos de cromatografia, leia Cromatografia: um breve ensaio, disponível em: https://bit.ly/2W0E3Ep • A técnica analítica de separação da eletroforese capilar, leia o artigo intitulado Funda- mentos de eletroforese capilar: uma abordagem por animações, disponível em: https://bit.ly/3m6y6jO • Assim como o livro Eletroforese capilar para iniciantes, disponível em: https://bit.ly/3n6UNWr Verificamos que antes do isolamento de compostos puros, muitas vezes por HPLC (semi) preparativa ou técnicas de cromatografia líquido-líquido, segundo Bucar e colabo- radores (2013), várias etapas de purificação são necessárias para remover a maior parte da matriz indesejada. Por fim, Sticher (2008) descreve que o isolamento de produtos naturais de plantas su- periores, marinhas, organismos e microrganismos exigem metodologias de ponta para a separação e os procedimentos de isolamento, pois uma planta pode conter milhares de constituintes, e o processo de separação e isolamento pode ser longo e tedioso, sendo que este último geralmente combina várias técnicas de separação, as quais dependem de características dos compostos a serem separados, tais como: • Solubilidade; • Volatilidade; • Estabilidade. São levados em consideração a simplicidade, rapidez, reprodutibilidade e o baixo custo dos testes biológicos, geralmente sendo realizadas triagens fitoquímicas uti- lizando modelos experimentais menos complexos e após a seleção das substâncias puras ativas, estas são avaliadas em ensaios mais específicos e posteriormente sub- metidas à análise do mecanismo de ação biológica. 23 UNIDADE Extração e Purificação em Matérias-Primas Vegetais e Análises Físico-Químicas em Insumos Vegetais e Medicamentos Fitoterápicos Análises Físico-Químicas em Insumos Vegetais e Medicamentos Fitoterápicos Ao nos referirmos a controle de qualidade de fitoterápicos, conforme Cechinel e co- laboradores (2020), uma das desvantagens dos medicamentos fitoterápicos ocorre em função da inconstante qualidade e quantidade dos componentes presentes na(s) planta(s), pois vários fatores sazonais e ambientais atuam na produção dos princípios ativos. De acordo com Bara e colaboradores (2006), o uso seguro e eficaz de fitoterápicos envolve análises físico-químicas e microbiológicas de matérias-primas e do produto aca- bado, como etapa preliminar para alcançar um padrão de qualidade necessário a um medicamento, porém, os dados obtidos na determinação de teor de princípios ativos em suas amostras de matérias-primas demonstraram que a qualidade deve ser melhorada. Diante do exposto por Bara e colaboradores (2006), torna-se essencial a implemen- tação de técnicas quantitativas no controle de qualidade físico-químico de matérias- -primas vegetais. Farmácias com Manipulação Um fitoterápico só poderá ser manipulado se for prescrito em uma receita por profis- sional habilitado ou se a sua fórmula constar no formulário de fitoterápicos da farmaco- peia brasileira (manipulação oficinal). Os critérios para a realização de controle de qualidade de produtos manipulados, bem como insumos utilizados na manipulação constam na RDC n.º 67/2007 da Anvisa – al- terada pela RDC n.º 87/2008 –, a qual dispõe que a farmácia de manipulação poderá terceirizar algumas análises de controle de qualidade por meio de contrato entre as em- presas, devendo ser estabelecidos os métodos de análise utilizados. A qualificação de empresas prestadoras de serviço para análise de medicamentos e insumos farmacêuticos deve ser realizada por responsável técnico da empresa, consi- derando que tais análises devem exclusivamente estar sob a responsabilidade técnica de farmacêutico. Resumidamente, está disposta a seguir a relação de análises de controle de qualidade de matéria-prima de origem vegetal a serem realizadas e o monitoramento do processo magistral, condições preconizadas pela RDC n.º 67/2007, bem como a periodicidade de realização: • Determinação dos caracteres organolépticos; • Determinação de materiais estranhos; • Pesquisas de contaminação microbiológica – contagem total, fungos e leveduras; • Umidade e determinação de cinzas totais; • Quando aplicáveis: avaliação dos caracteres macroscópicos para plantas íntegras ou grosseiramente rasuradas; caracteres microscópicos para materiais fragmenta- dos ou pó; 24 25 •Determinação de densidade para as matérias-primas líquidas de origem vegetal, quando aplicáveis. Podem ser aceitos os testes de umidade, determinação de cinzas totais, pesquisas de contaminação microbiológica e caracteres microscópicos para materiais fragmentados ou pós realizados pelos fornecedores, desde que estes estejam qualificados pela farmácia ou na ausência de tal qualificação, estes testes poderão ser executados por laboratórios de controle de qualidade terceirizados, sob responsabilidade da farmácia. Para a aquisição da matéria-prima por farmácia de manipulação, alguns itens impres- cindíveis devem ser explicitados, tais como a data da validade, quantidade e a padroni- zação em marcadores, da seguinte forma: • Nome botânico: Ginkgo biloba; • Forma extrativa, extrato seco, por exemplo; • Padronização: ginkgoflavonoides = 24% / ginkgolídeos = 6%; • Quantidade: X kg; • Validade. De acordo com Rocha (2006), ao receber a matéria-prima, é imprescindível que seja realizada uma avaliação criteriosa do laudo de análise expedido pelo fornecedor; caso o produto seja importado pelo fornecedor, além do laudo de análise do produtor, torna- -se necessário que o fornecedor também realize os testes de controle de qualidade para comprovar a condição do produto importado. O laudo de análise deve conter, pelo me- nos, os seguintes itens, com métodos adotados pela farmacopeia brasileira, ou literatura autorizada pela Anvisa: • Nome botânico; • Análise sensorial: cor, odor, sabor etc.; • Autenticidade da amostra: normalmente, Cromatografia em Camada-fina CCD); • Verificação da pureza: pesquisa de microrganismos etc.; • Análise quantitativa: doseamento por Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (Clae). As substâncias que têm origem natural, mas foram isoladas ou atualmente são obtidas por via sintética ou por biotransformação e se enquadram em classificações de medica- mentos de baixa dose terapêutica, por exemplo, como a colchicina, que pode ser obtida por via biocatálise, são enquadradas pela RDC n.º 67/2007 em fórmulas cuja unidade farmacotécnica contenha fármaco(s) em quantidade igual ou inferior a vinte e cinco mi- ligramas – prioridade àquelas que contenham fármacos em quantidade igual ou inferior a cinco miligramas: análise de teor e uniformidade de conteúdo do princípio ativo de forma bimestral. De acordo com Oliveira e colaboradores (2010), substâncias orgânicas naturais, es- pecialmente aquelas obtidas de plantas, têm sido utilizadas pela Medicina há séculos e muitas atualmente utilizadas pela indústria ainda são obtidas exclusivamente de fontes naturais – e para melhorar as propriedades farmacológicas estas substâncias podem ser modificadas estruturalmente, utilizando biocatálise. 25 UNIDADE Extração e Purificação em Matérias-Primas Vegetais e Análises Físico-Químicas em Insumos Vegetais e Medicamentos Fitoterápicos Marcadores se referem aos constituintes ou grupos de constituintes quimicamente defini- dos, presentes em drogas, suas preparações, fitoterápicos ou outros medicamentos à base de ativos de origem natural, que são utilizados para fins de controle de qualidade, podendo ou não apresentar atividade terapêutica. Biotransformações de substâncias orgânicas, ou biocatálise em Química Orgânica, pode ser entendida como o uso de catálise enzimática para realizar pequeno número de modifica- ções em substâncias orgânicas, sendo realizada com enzima isolada ou com um microrga- nismo que a contém. Leia o artigo de revisão intitulado “Obtenção de substâncias bioativas através da bio- transformação de produtos naturais”, e compreenda melhor como ocorre a biocatálise. Disponível em: https://bit.ly/3qMx0x8 Fitoterápicos com Registro ou Notificação A caracterização físico-química de derivados vegetais é realizada por testes descritos na Tabela 3 para registro e notificação de fitoterápicos, segundo a IN n.º 4/2014. As maté- rias-primas classificadas como derivado vegetal – o produto extraído da planta medicinal in natura ou da droga vegetal – estão na forma de extrato (fluido, mole, seco e glicólico), óleo (fixo e essencial), cera, exsudato, tintura, alcoolatura e outros. Tabela 3 – Lista não exaustiva de testes, provas ou ensaios físico-químicos exigidos para o controle de qualidade do derivado vegetal Gr an ul om et ria Re síd uo se co pH Ín di ce d e a cid ez Ín di ce d e é st er es Ín di ce d e i od o Ín di ce de sa po ni fic aç ão Ín di ce de re fra çã o Po de r r et at ór io De ns id ad e r el at iv a De ns id ad e a pa re nt e De te rm in aç ão de ág ua De te rm in aç ão de et an ol ou te or ac oó lic o De te rm in aç ão de m et an ol e 2- pr op an ol De te rm in aç ão de su bs tâ nc ia s e xt ra íve is po r e ta no l Lim pi de z d e l íq ui do s Vo lu m e m éd io Vi sc os id ad e So lu bi lid ad e Extrato líquido X X X X* X* X* X* X Extrato mole X X X Extrato seco X X X X X Óleo essencial X X X X Óleo fixo X X X X X X Legenda: outros testes podem ser adicionados, ou é possível substituir os aqui descritos de acordo com monografia farmacopeica específica; * Quando aplicável; os testes não realizados deverão ser justificados tecnicamente. Fonte: https://bit.ly/2VYcls3 26 27 De acordo com a IN n.º 4/2014, para comprovar a qualidade de produtos fitoterápicos acabados com registro e notificação, é necessário que sejam apresentados os resultados de todos os testes de controle de qualidade exigidos em farmacopeia oficial, de acordo com a forma farmacêutica solicitada – confira lendo o guia de orientação para registro de medicamento fitoterápico e registro e notificação de produto tradicional fitoterápico. A RDC n.º 26/2014 determina que seja avaliado o conteúdo dos marcadores – aná- lise quantitativa – tanto nas matérias-primas quanto no produto acabado com registro e notificação. Esse teste só não precisa ser realizado para chás medicinais a serem notifi- cados conforme o FFFB quando os mesmos tiverem prazo de validade de até um ano. As monografias de fitoterápicos de uso tradicional da Comunidade Europeia são reco- nhecidas pela Anvisa, sendo elaboradas pelo Committee on Herbal Medicinal Products (HMPC) da European Medicines Agency (EMA); reúnem informações sobre a composi- ção qualitativa e quantitativa, forma farmacêutica, indicações terapêuticas, posologia e método de administração, contraindicações, cuidados especiais e precauções de uso, interações com outros produtos medicinais e formas de interação e efeitos indesejáveis. Disponível em: https://bit.ly/2IACkCF 27 UNIDADE Extração e Purificação em Matérias-Primas Vegetais e Análises Físico-Químicas em Insumos Vegetais e Medicamentos Fitoterápicos Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Relação Estrutura-Atividade Quantitativa (QSAR) (parte 1 de 4) https://youtu.be/K5lLxFM6heU Relação Estrutura-Atividade Quantitativa (QSAR) (parte 2 de 4) https://youtu.be/R3a4vjgssig Relação Estrutura-Atividade Quantitativa (QSAR) (parte 3 de 4) https://youtu.be/BQGi-cHKZB8 Relação Estrutura-Atividade Quantitativa (QSAR) (parte 4 de 4) https://youtu.be/D-h7knyhxgM Leitura Farmacopeia Brasileira https://bit.ly/2Kf69ch Quality Control Methods for Herbal Materials https://bit.ly/2W3nVSJ Técnicas de Prospecção Fitoquímica e sua Importância para o Estudo de Biomoléculas derivadas de Plantas SOARES, N. P. et al. Técnicas de prospecção fitoquímica e sua importância para o estudo de biomoléculas derivadas de plantas. Enciclopédia Biosfera: Centro Científico Conhecer, v. 13, n. 24, p. 991-1.010, 2016. https://bit.ly/2KcKd1K 28 29 Referências ATAN ASOV, A. G. et al. Discovery and resupply of pharmacologically active plant- -derived natural products: a review. Biotechnology Advances, v. 33, n. 8, p. 1.582- 1.614, 2015. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/ S0734975015300276#f0020>.Acesso em: 28/08/2020. BARA, M. T. F. et al. Determinação do teor de princípios ativos em matérias-primas vegetais. Rev. Bras. Farmacogn., João Pessoa, PB, v. 16, n. 2, p. 211-215, jun. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-695X2 006000200014&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 01/09/2020. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n.º 26, de 13 maio de 2014. Dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos e o registro e a notificação de produtos tradicionais fitote- rápicos. 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